Uma vencedora

ter, 30/10/07
por Bruno Medina |

Prestes a entrar em sua oitava edição, o Big Brother Brasil resolveu inovar; a produção do programa criou um site chamado 8p, onde é possível editar perfis, semelhantes aos do Orkut, que serão considerados na escolha dos novos participantes da casa. Através da votação, os internautas elegem seus preferidos e as páginas mais visitadas recebem selos classificatórios que destacam aqueles que estão chamando a atenção dos olheiros.

Deixei um scrap para a promoter Tamara Azevedo -uma carioca de 23 anos que está entre as mais votadas- manifestando o desejo de realizar uma entrevista a ser publicada neste blog. Conversamos brevemente por MSN, e o resultado está aqui:

Instante Posterior: O que te levou a querer participar do programa?

Tamara: cara, isso foi uma história muito louca! Na verdade eu já tinha pensado em mandar um vídeo mas nunca tive muito saco pra fazer, sabe? Daí um amigo meu me falou do 8p e eu criei um perfil de bobeira. Tipo, não imaginava que estaria entre as mais votadas, foi o maior susto.

IP: Por que você acha que o seu perfil chamou tanta atenção?

T: Não vou ser hipócrita de dizer que não sei o motivo. Sei que para o programa é importante ter uma aparência bacana, ter um corpo bonito, mas acho que isso é só o começo. Graças a Deus sou uma pessoa considerada bonita e isso tem me aberto portas pela vida, mas beleza não é tudo, é preciso também ter talento, e isso eu sei que eu tenho, rs rs rs….

IP: Que tipo de talento você acha importante ter para entrar na casa?

T: cara, ser bonita ajuda, mas acho que tem que ser uma pessoa de fibra, decidida, que tenha opiniões e goste de seguir seus instintos. Tem que ser carismática e verdadeira, porque o Brasil todo estará vendo, não adianta mentir. Lá dentro as máscaras caem e logo cada um mostra o que é realmente. Sou boa filha, amiga dos meus amigos, gosto de ler e escrevo poesia. Sou mais do que um rostinho bonito! Sou bem sucedida no que faço e geral me considera inteligente.

IP: Na minha observação seu perfil destaca bem mais os atributos físicos do que os intelectuais.

T: Sério? Putz, você acha que eu devo mudar? Sei lá, esse outro lado eu estava querendo deixar para mostrar dentro da casa…mas agora que você falou…

IP: O que mais chama a atenção é aquela foto em que você está deitada na piscina, é proposital?

T: aquela da bunda, né? Caraca, TO-DO MUN-DO me fala dessa foto, rs, rs, rs… devo admitir que está ajudando a bombar o perfil. A gente tem que saber usar as próprias armas, né? É preciso chamar a atenção…mas não bota no seu blog essa parte não, tá?

IP: E como tem sido passar por esse momento de ser uma das favoritas para participar do programa?

T: nem fala…eu quase não tenho conseguido dormir. Sei lá, eu já me considero uma vencedora por ter chegado até aqui. Não é pra qualquer um, né? Imagina, entrar naquela casa… seria a realização de um sonho. Fora a possibilidade da grana, eu teria a chance de fazer o Brasil me conhecer e a gente acaba pensando adiante, não tem jeito. Veja que carreira linda a Grazi está construindo…ela é linda e talentosa, uma inspiração pra todos. A minha vida já mudou por causa desse site. Você mesmo ter me procurado já é prova disso. Quando é que eu iria imaginar que um cara do Los Hermanos ia querer falar comigo? Pô, eu amava muito Anna Julia! Tenho um primo que vai pirar quando souber que eu falei com você….

IP: Obrigado! Continuando, você já tomou alguma providência para caso seja realmente escolhida?

T: Claro!! Eu estou malhando bastante, quero entrar bem sarada na casa. Tenho lido jornal também, sei lá, tenho uma paranóia de ficarem achando que eu sou burra, quero provar que tenho coisas a dizer. Uma amiga minha que faz jornalismo já disse que vai ser minha assessora de imprensa, aliás, eu devia ter dito pra ela dessa entrevista! Estou procurando também alguém que possa cuidar das minhas coisas, tipo um empresário. Você me indicaria alguém?

IP: As pessoas que eu conheço trabalham mais com música.

T: Tá. Brunooooo, queria te pedir outra coisa também…você pode deixar um scrap lá de novo no meu perfil? Acho que pega bem, ia me ajudar nessa outra parte que eu estou precisando cuidar. Vou botar no “about me” que gosto de Los Hermanos também, beleza?

IP: Ok, vou pensar no seu caso. Para terminar, você gostaria de deixar algum recado para os leitores do blog?

T: Ah, sim. Galera, votem em mim, pleeeeease!!! É super fácil, basta procurar Tamara Azevedo e clicar no sim. Eu preciso muito da ajuda de vocês para realizar meu sonho. Sou muito batalhadora e tenho certeza que vou conseguir vencer, com a ajuda de Deus e com os votos de vocês. Beijão, e se tudo der certo a gente se vê na casa. Torçam por mim!

Assim como essa entrevista, Tamara Azevedo não existe, pelo menos não com esse nome.

Entre o excesso e a ausência

sáb, 27/10/07
por Bruno Medina |

Apesar dos pesares, que não foram poucos – chuva, queda de barreiras e trânsito apocalíptico – a estréia da edição carioca do Tim Festival foi histórica. Num efeito contrário, o caos instaurado na cidade acabou por contribuir para aumentar a euforia de todos os que estavam ali para ver – ou criar novos – ídolos, mas, que sobretudo, poderiam se considerar vitoriosos apenas pelo fato de terem conseguido chegar na Marina da Glória a tempo.

Precavido, saí de casa com bastante antecedência e, por conta de aguçado senso de localização, cruzei bairros numa rota improvável, chegando aos portões do festival quarenta minutos antes mesmo da abertura ao público. E não estava só. Fãs ávidos pela festa que antecede a festa já esboçavam o que seria uma crescente animação misturada à pluralidade e democracia de gostos. Enquanto minha credencial de livre acesso para todos os palcos permanecia engarrafada em algum ponto da cidade, sentei-me na calçada e passei a admirar os visuais, digamos, caprichados da turma do gargarejo.

Na maioria dos casos as roupas criavam uma indissociável relação com os artistas, tornando muito fácil determinar que show levou cada um para o lugar. A exceção ficou por conta de um rapaz trajando capa de veludo preto, cartola vermelha, pantufas felpudas de pata de dinossauro e nariz de palhaço; fiquei sem entender se aquilo era um protesto ou apenas uma forma pouco gloriosa de se expressar. Outra coisa que me chamou a atenção foi uma turma que apareceu com uma bandeira da Islândia para homenagear Björk. Em que lugar no Rio de Janeiro é possível comprar uma coisa dessas?

Falando nela, pelo que pude constatar nas outras tendas, conduziu com maestria o show que seguramente era o mais aguardado nesta primeira noite, inclusive por mim. Confesso que nunca fui grande fã da cantora, mas imaginei que sua apresentação traria algo de inusitado, e creio que pensamento semelhante tenha ocorrido aos meus amigos Marcelo e Barba, de quem nunca ouvi uma menção sequer à moça, mas que assistiram o show ao meu lado. Em meio a muitos rostos conhecidos na platéia, chamou a atenção o de Milton Nascimento, de quem Björk é fã assumida. Nas palavras de uma amiga, ouvir músicas dele no rádio é sinal de boa sorte, então imagina quando ele passa a um metro de você.

O calor era insuportável por evidente falha no sistema de ar condicionado, o que foi uma decepção em relação às edições anteriores e um enorme desrespeito com quem pagou 90 ou 180 reais para estar ali. O suor escorria pela testa e grudava a roupa no corpo quando uma espécie de fanfarra afro-romana composta exclusivamente por mulheres adentrou o palco. Do alto escorreram bandeiras estampando animais silvestres e Björk surgiu com glamour, envolta num rebuscado vestido dourado, como se fosse um embrulho de presente ou um bom-bom Ferrero Rocher.

O que se viu dali em diante é difícil de explicar. É como se uma daquelas bandas que toca no coreto da praça tentasse fazer música tendo como base os ruídos do funcionamento de uma fábrica. Björk arregimenta essa estranha formação com sua voz de cristal, pitadas de música clássica e uma justificada – e esteticamente fascinante – parafernália eletrônica. O resultado é hipnótico. Na primeira música todos estavam em transe assistindo a uma artista muito à vontade no palco carioca, com o calor – do público e da tenda – e ainda disposta a dançar e saltar de um lado a outro de modo tropical. Mas há também uma ausência angustiante, uma suspensão que permeia todo o show e poucas vezes se resolve. E de repente tudo termina, no auge, numa nuvem de raio laser verde com chuva de confetes prateados. Um bis no melhor estilo música-bagunça-catarse e as luzes se acendem. Refestelado, o público caminha para a saída, molhado de suor e prata, e com a certeza de que presenciaram o melhor show do festival.

Do lado de fora a chuva real, pôs a prova a determinação de um público bastante jovem que permanecia numa gigantesca fila, dividindo o “village” em duas partes. Aproveitei para conferir o lamurio harmonioso de Antony and the Johnsons e o rock eletrônico do Hot Chip, agradáveis surpresas no caminho até Arctic Monkeys. Já nos primeiros acordes a distorção engoliu o espaço e comprovou o que ninguém duvidava: esta é uma das maiores, se não a maior promessa do rock na atualidade.

Se Björk tem por mérito a ausência, o Arctic Monkeys aposta justo no contrário, uma massa sonora irresistivelmente dançante e executada com enorme competência. Lá pelas tantas a urgência e intensidade onipresentes nas músicas me fez acostumar, e isso prejudicou meu envolvimento com o show. Compreensível para uma banda nova, nada que os desvie da bela trajetória que têm pela frente.

Na saída distribuíam capas de chuva, o que foi fundamental para prolongar minha permanência na Marina da Glória. Um pouco mais de música. Alta madrugada, pés e ouvidos cansados, era linda a Baía de Guanabara chuvosa por detrás dos neons do vilarejo elétrico criado para o festival. A memória do show da Björk eram a melhor companhia para fazer o balanço da noite: entre o excesso e a ausência, a segunda.

Conhecendo o inimigo

ter, 23/10/07
por Bruno Medina |

(essa história começou no post abaixo)

A partir do nome e do sobrenome obtidos na nota da lavanderia, Umberto passou dois dias estudando as páginas amarelas até descobrir o endereço da dona do Fusca, cujo telefone estava em nome do marido. O passo seguinte do plano era fazer amizade com o porteiro do prédio de dona Ligia; Adquirindo sua confiança, seria mais fácil convencê-lo de que era morador daquela rua.

Ao novo amigo disse ser um colecionador de carros antigos e demonstrou interesse por um Fusca verde-bandeira, muito bonito, que sempre ficava por ali. O porteiro imediatamente reconheceu a descrição do veículo, mas disse estar certo de que a proprietária não desejaria vendê-lo, pois havia comentado que o manteria para quando o filho voltasse do exterior. Mesmo assim Umberto falou em dinheiro, ofereceu quase o dobro do que o carro valia e solicitou ao porteiro que informasse dona Ligia de sua proposta.

Voltou a telefoná-la, dessa vez se apresentando como Athayde Alcântara, um idôneo colecionador de carros antigos. Ajudavam a compor seu personagem o rebuscado vocabulário e o anasalado tom de voz, que, somados ao nome pomposo, conferiam-lhe um ar de especialista. Após as cabíveis considerações iniciais, da forma mais cordial possível, Athayde reiterou a oferta que havia feito ao porteiro. A princípio dona Ligia reagiu com indiferença, no entanto o valor em questão era realmente irresistível.

O dinheiro possibilitava comprar um carro bem melhor, ou mesmo dois iguais àquele. Além da compensação financeira, havia o argumento de que o veículo ficaria guardado na garagem do colecionador, recebendo tratamento de peça de museu, e, eventualmente, participando de algumas exposições. Dona Ligia foi convencida. Marcaram um encontro para a manhã seguinte no lugar onde o carro estava estacionado. Umberto fingia anotar o próprio endereço enquanto silenciosamente comemorava sua façanha.

Seu plano era uma jogada de mestre: o senhor Athayde pediria para dar uma volta no Fusca, afim de melhor avaliar sua condição. Umberto deixaria um vizinho de sobreaviso para que -caso o espaço em frente a sua casa estivesse livre- trocasse seu Opala de lugar. Enquanto rodava pelo bairro com dona Ligia, o vizinho moveria o carro e, ao retornar, o Fusca não encontraria sua vaga habitual, passando os próximos seis meses estacionado em outro lugar qualquer. Ao final do teste, o colecionador alegaria um problema que inviabilizasse a compra e, dessa forma, o Fusquinha e sua dona estariam definitivamente banidos, não só daquela rua como também de sua vida.

Um pouco antes do horário combinado Umberto já esperava na esquina, porque era preciso ter o cuidado de não ser visto saindo de casa. Dona Ligia era uma mulher de meia idade, baixinha, cabelo tingido, trajando shorts e chinelo. Senhor Athayde vestia calça social marrom, camisa de linho azul e carregava uma pasta de couro vazia, apenas pela aparência.

Apresentações feitas, pegou a chave e sentou na posição do motorista. Ao seu lado, no banco do carona, repousava a nota da lavanderia que havia originado o plano. Dona Ligia amassou-a e jogou-a pela janela sem se dar conta de que aquela havia sido sua falha estratégica, o erro que permitiu o avanço do audacioso plano de Umberto. Athayde ajeitou-se procurando a melhor posição para dirigir, e deu partida. O carrinho pegou na primeira tentativa, ignorando a idade e o tempo que permaneceu parado. Antes de contornar a quadra, viu, pelo espelho retrovisor, seu vizinho saindo de casa, exatamente conforme o previsto.

Umberto tentava controlar a gargalhada de satisfação que insistia em lhe escapar enquanto dona Ligia permanecia entediada sem ao menos desconfiar do que se passava. O Fusca subiu o viaduto, entrou no túnel, cruzou a ponte, desceu a ladeira, e só então sua dona questionou se a avaliação já não era suficiente.

Athayde respondeu que precisava ainda analisar alguns detalhes e prosseguiu. A sensação de dirigir aquele Fusca era indescritível. Quarenta minutos após o início do passeio, Umberto finalmente decidiu retornar ao ponto de partida. Lá chegando encontrou seu Opala parado na porta de casa, justo como ele tanto queria. O plano tinha transcorrido com perfeição. Dona Ligia resmungava algo relacionado a ter perdido uma excelente vaga quando uma coisa muito estranha aconteceu.

Aquela imagem, do carro preto e grande parado na porta da casa, não era familiar. O Fusca era familiar. O Opala era altivo, formal e esnobe, o Fusca era modesto, prático, e alegre. O Fusca lembrava passeio, o Opala lembrava trabalho. Athayde ponderou por alguns instantes e sugeriu uma nova oferta: o Opala preto em troca do Fusca verde-bandeira. Negócio fechado. E o Fusca voltou para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

O Fusca verde

sex, 19/10/07
por Bruno Medina |

(esta história é inspirada em fatos reais)

Da janela do segundo andar, Umberto analisava clinicamente o Fusca verde. O carrinho encontrava-se parado à porta de sua casa fazia quase um mês, fato que o irritava profundamente. A vaga que ocupava era justo a sua preferida, na qual sempre estacionava o próprio carro. Por conta da permanência prolongada do Fusca, teve de se conformar com a vaga em frente, bem debaixo de uma frondosa jabuticabeira, que, nesta época do ano, pintava o carro todo de roxo.

A cada vez que precisava remover frutinhas estouradas e incrustadas no pára-brisa de seu carro, Umberto lamentava o descuido que permitiu ao condutor do maldito fusquinha ocupar o espaço que sempre fora seu. Era uma quinta-feira qualquer quando decidiu ir ao cinema; assistiu a um filme ruim, do qual nem lembrava o nome e, na volta, um Fusca havia entrado em sua vida. Foi simplesmente assim que aconteceu.

Por muitas vezes foi correndo à janela, pensando ser do Fusca o motor de arranque em seu indefectível revolver, anunciando – quisera ele para sempre – a própria partida. Mas não, eram outros os carros, o Fusca permanecia inerte como busto desconhecido em praça do interior, um monumento a sua completa impotência diante da situação. Abdicou da costumeira postura reservada para se pôr a perguntar pela rua, aos vizinhos, a qualquer um que nunca teve dele mais do que um bom dia sussurrado a boca pequena, a quem pertencia aquele carro. Em vão, ninguém tinha a resposta.

Numa tarde de domingo, se deu conta de que nunca havia olhado o velho Fusca de perto. Como? Ali estava seu algoz, e ele apenas o conhecia de longe e do alto? Era preciso igualar-se a ele, encará-lo de frente, tocá-lo, sentir seu cheiro, conhecer suas formas, para que este nunca pudesse surpreendê-lo. Não queria, no entanto, fazer aquilo com testemunhas; algum vizinho poderia suspeitar de sua frustração ou pior, perceber que ele elegera como arquiinimigo um inofensivo fusquinha. O jeito era esperar a madrugada para estudá-lo sem nenhuma preocupação.

Colocou o despertador para as três horas da madrugada e, de pijamas, munido de uma lanterna, partiu para a investigação. Olhou por baixo, por trás e lá dentro, posado sobre o banco do carona, avistou um papel, uma pista. Regulou o foco da lanterna para o alvo e, com muita dificuldade, conseguiu ler alguma coisa. Era um recibo de lavanderia. Duas calças, um paletó e uma colcha de casal, em nome de Ligia, provavelmente a dona do carro.

Anotou o número do pedido, do telefone da loja e mal conseguiu se segurar até a manhã seguinte para fazer a aguardada ligação. A estratégia foi dizer que havia encontrado uma carteira na rua de uma tal Ligia, e que dentro havia um recibo da lavanderia. Pediu para que lhe passassem o telefone da cliente. O funcionário ficou um pouco desconfiado mas acabou cedendo; a partir dos dados fornecidos, Umberto conseguiu o telefone da “dona do Fusca” e deu seqüência ao plano de remoção do veículo ligando para ela:

– Alô, bom dia

– Bom dia.

– Dona Ligia, aqui fala Umberto, proprietário da casa em frente onde está estacionado seu carro.

– Aconteceu alguma coisa com meu carro? – perguntou em tom de apreensão.

– Não, está tudo bem, não se preocupe. Acontece que fiquei preocupado pois seu carro está estacionado na mesma vaga faz muito tempo e….

– Como foi que o senhor conseguiu meu telefone?

– … eu cheguei até seu número porque achei que algo havia acontecido…

– Não, meu senhor, nada aconteceu. O carro está estacionado aí porque eu moro próximo a sua rua, mas infelizmente aqui não é muito fácil encontrar boas vagas.

– Desculpe a intromissão, mas a senhora não usa mais o carro?

– A verdade é que eu mesma raramente o uso, quem usava mesmo era meu filho, que agora está fazendo um intercâmbio no exterior e só deve voltar daqui a seis meses.

– Seis meses?! O carro vai ficar estacionado na porta da minha casa mais seis meses?

– Sim. Por quê? O senhor tem alguma objeção?

– Não, mas a senhora poderia parar o carro em outro lugar. Que tal?

– Por quê?

– Porque a senhora nem aqui mora e está tirando minha vaga preferida! Sabia que meu carro está debaixo de uma jabuticabeira que pinta ele todo de roxo? A senhora sabe o que é ter de lavar um carro dia sim outro também?

– Olha só, meu senhor, não sei como conseguiu meu telefone, mas acredito que o senhor não anda muito bem do juízo. O carro vai ficar aí onde está até eu ou o meu filho resolvermos tirá-lo, e se o senhor fizer alguma coisa ao carro, ou mesmo voltar a me ligar, vou chamar a polícia. Passar bem.

Bateu o telefone e assim terminou a conversa entre os dois, nada resolvido. Umberto andava em círculos pela casa praguejando e tentando ter idéias, porque, se antes remover o Fusca era uma questão de conveniência, agora era questão de honra. – Que mulher egoísta e estúpida! Que petulante! Um favor que não lhe custaria nada – dizia Umberto inconformado com o resultado da empreitada. A única solução seria encontrar um meio de fazer a proprietária querer sair com o carro. E foi então que teve uma brilhante idéia…

(continua no próximo post)

Quanto vale?

ter, 16/10/07
por Bruno Medina |

Lançado na semana passada pelo Radiohead, o disco “In Rainbows” já possui seu lugar assegurado na história. Trata-se do primeiro álbum de uma banda internacionalmente conhecida a ser disponibilizado para download sem ter o preço definido. Os fãs comprarão o disco pelo valor que acharem justo, mesmo que isso signifique não pagar nada.

Para realizar tal façanha o Radiohead precisou se dissociar de sua gravadora e, dessa forma, garantir que as músicas compostas não estivessem submetidas à vigência de nenhum contrato. A banda manifestou a intenção de licenciar o disco a uma major para atender aos fãs que desejarem tê-lo em formato físico, mas apenas quando este já estiver devidamente difundido.

As dez faixas do disco, por enquanto, são vendidas por um preço médio de 1.19 libras, sendo que um terço dos fãs não pagou nada. Até agora, seis dias após o lançamento, especula-se que já foram realizados mais de 2 milhões de downloads.

Está certo que a combalida indústria fonográfica dos dias atuais não movimenta nem perto das cifras bilionárias da década passada, período em que a banda se consagrou como uma das mais relevantes do cenário mundial. Há de se louvar, no entanto, a iniciativa de Thom Yorke e de seus colegas, pois, a partir do lançamento desse disco, está oficialmente proposto um novo modelo de negociação de fonogramas, sem hipocrisia, e mais adequado a realidade.

Desconfio que nem os integrantes da banda possam prever o resultado da empreitada, mas fica a sensação de que este é o único caminho a ser seguido. Antecipando um futuro próximo sem o intermédio das gravadoras -estas que determinaram as regras do jogo por mais de um século- o Radiohead transfere para seus fãs a autonomia de ajudar a estabelecer os novos parâmetros que valerão daqui por diante. Posto isso, como consumidor e também fornecedor de música, lanço a dúvida: quanto vale um disco?

A pergunta pode parecer retórica ou irônica, mas eu realmente não sei a resposta. Antes que você possa me dizer o que pensa, como fornecedor, sinto-me na obrigação de explicitar que a concepção de um disco envolve o trabalho de diversos profissionais aliado ao custo dos suportes (equipamentos, estúdios de ensaio e de gravação etc..) durante um período que normalmente varia de 3 a 6 meses.

Apesar de ser favorável à troca gratuita de arquivos -por considerar que representam uma evolução no que se refere ao alcance e à democratização da música- não posso deixar de me perguntar de que forma e a quem caberá os custos de se comercializar fonogramas. Taí o quebra-cabeças que ninguém até agora conseguiu resolver. E vocês, o que acham?

A metamorfose

sex, 12/10/07
por Bruno Medina |

Amigos leitores, hoje vos escrevo de um posto diferente; ao invés do lugar habitual, meu escritório, redijo essas linhas a partir do computador da casa dos meus pais. A mudança de endereço não se deve a nenhuma excentricidade, mas sim ao fato de ontem ter sido repentinamente expulso do meu próprio lar.

Seria uma quinta-feira qualquer, não fosse véspera de outro feriadão. Cheguei em casa por volta das cinco e meia da tarde e estranhei o fato de não encontrar a diarista, que, pelo horário, ainda deveria estar passando roupas. Como estou muito gripado, preparei uma limonada e deitei no sofá para descansar e ler o jornal. Acabei caindo no sono e, mais ou menos umas duas horas depois, foi a vez de minha mulher chegar em casa. Vou tentar reproduzir o diálogo que se seguiu:

– Nossa, como você está agüentando ficar aqui com esse cheiro?
– Que cheiro? Não sinto cheiro nenhum desde ontem, meu nariz está totalmente entupido.
– Quanto tempo faz que você está aqui?
– Umas duas horas. Por quê?
– Não podemos ficar aqui, temos que ir embora agora!
– O que está acontecendo?
– Você não se lembra que hoje era o dia da dedetização?
– É verdade….
– A Regina (diarista) ficou aqui com o rapaz enquanto ele aplicava o produto, mas teve que ir embora mais cedo porque se sentiu mal, estava com enjôo e dor de cabeça. Você está sentindo alguma coisa?
– Não.
– Náusea, tontura, dor de cabeça, boca seca?
– Não.
– É melhor você tomar um copo de leite, por precaução…
– Bom, aí sim eu vou sentir náusea.
– Estou falando sério, é melhor tomar leite. Levanta, pega uma muda de roupa porque não podemos dormir aqui.
– Você está falando sério?
– Muito sério. Vamos, temos que sair agora! Você já está aqui há muito tempo, deve estar intoxicado…

Nesse momento me veio a lembrança de que minha mãe, durante os anos 80, teve um problema nos glóbulos brancos porque acompanhou uma dedetização. Foram meses de tratamento com um coquetel de remédios até a plena recuperação.

Enquanto um abria as janelas o outro jogava peças de roupa dentro de uma mochila. Por via das dúvidas, antes de sair, sem hesitação meti um copo enorme de leite pra dentro. Já na calçada da rua, ainda sobre o impacto do leite e da necessidade abrupta da fuga, foi impossível não associar o ocorrido com a metamorfose de Kafka. Tudo bem que não me transformei numa barata, mas é certo que me senti como tal.

Caça-palavras

sex, 05/10/07
por Bruno Medina |

Este texto foi escrito a 130 mãos. As minhas duas e mais as de sessenta e quatro pessoas que comentaram o post anterior. Peguei emprestadas algumas frases e ordenei-as de maneira que ganhassem um novo sentido, um que fosse verdadeiramente coletivo. Cada barra significa uma unidade original, e nenhuma palavra foi acrescentada; apenas pontuei as frases quando se fez necessário para a compreensão. O tema era “barbeiro”, mas olha o que surgiu:

Grande Medina/, você precisa conhecer o UILSON./ Vc deve ter visto o mamute Manfred, não é?/ Um cara exotico, com um bigode estilo Leoncio do p*** pau/, um doido com uma tesoura na mão/ e uma grande barriga de chopp./ Hoje não tenho mais coragem para a realização de tal feito./ Meu Deus!..,/ Não acredito que mais alguém passe por isso./

Mas/ Eis a minha história triste:/ Quando se é criança ainda temos os pais pra culparmos./, nem sempre a opinião de mamãe é a melhor opção!/ No mês passado, depois de 30 anos de fracassos/ Devo ter passado pelo menos 1 semana chorando na frente do espelho./ no dia seguinte, quando acordei, estava feio pra #$%^&*./

No começo ainda fiquei atento,/ ninguém vai a um dentista com os dentes feios, correto?/ sempre fico tensa com aquele troço branco em cima de mim/ como se fossem orelhas de poodle./ Minha vontade de fazer o mesmo com a criatura pra ver se ela ia gostar foi enorme/ Mas depois dela foi trauma atrás de trauma./ ai quase eu mato ela!/

Ainda bem que nasci depois dessa febre ridícula!/ cozinheiros, publicitários, costureiras e manicures/ mecânicos, faxineiras, encanadores, etc!!!/ saíram do autismo musical brasileiro./ São divertidos e perigosos/ como figuras sorumbáticas,/ realmente eles só fazem o que querem./ tento de alguma forma bajular, pra ver se dá certo… /

É verdade Medina/ Já fui em 5 lugares esse ano/ e o que fazer com ele é uma resposta que ainda não tenho./ Todo mundo já foi vítima sim/, estou parecendo uma maluca/, Passei o dia martelando no cérebro/ Mulher também passa muito por isso./ Eu tenho alguém em quem confio/ Daí ser mais fácil sofrer essa tortura apenas a cada 6 meses!/ não tenho q me preocupar com esses problemas/ È uma coisa muito refinada, muito chique/

fashion e antenada com o mundo moderno/ Eis que tive a insanidade de pagar caro./ eh a coisa + torturosa do mundo,/ principalmente quando “os outros” indicam/ ficar lendo revista tipo “CARAS” “QUEM” / escrever/ satisfeito/ que coisas do/ tipo muito “esquisito/ são/ minha primeira carteira de identidade/

Cara,/ Enfrente seu medo/ já tive experiências horríveis/ eu sofri deste mesmo mal./ Depois sentimo-nos realmente impotentes ao sair/ de/ um final/ que além de pouco não é dos melhores./ vc saiu muito mal, me desculpa/. ponto pra vc de novo,/ no dia seguinte/ o texto tb serve para/ se arrepender/ imaginar nossa frustração/

até/ eu achava q este blog era para falar de música…//

O trono da decepção

ter, 02/10/07
por Bruno Medina |

Faz algum tempo escrevi sobre a condição de se estar “na mão do palhaço” e agora percebo que faltou mencionar uma situação em que a expressão se aplica perfeitamente: a cadeira do barbeiro. Porque, pior do que ser vítima de um ator mal intencionado numa peça interativa, é carregar o fardo de um corte de cabelo mal sucedido.

Garanto que experiência nesse quesito não me falta. Nestes quase trinta anos foram muitos os mal-entendidos, as decepções vividas a partir das tesouradas de incontáveis profissionais. Sorte têm os que encontraram alguém de confiança para cuidar de seus cabelos. Eu, infelizmente, continuo procurando, mas por favor, não me indique o seu barbeiro/cabeleireiro, porque nem sempre o que funciona para uns dá certo para outros.

Foi através de uma indicação aparentemente incontestável -e pagando muito, muito caro- que obtive um dos piores cortes que já passaram pela minha cabeça. Sugerido por uma amiga, fui parar num desses salões chiques de Ipanema, que funcionam em salas comerciais de prédios luxuosos, aonde só se atendem clientes que tenham hora previamente marcada.

Assim que passei pela porta, fui tomado pela imediata certeza de que, se o cara que iria me atender gostava do próprio cabelo, eu teria um problema. Já pararam para perceber que confiamos nossas madeixas aos caras que têm as aparências mais esquisitas? Alguém aí já disse para o cabeleireiro “pode cortar igual ao seu”?. Duvido. Pois bem, na época havia um tempo eu deixava o cabelo crescer, esperando encontrar alguém cuja habilidade com as tesouras fizesse jus a minha expectativa.

Coberto pela túnica, sentado em frente ao espelho, me sentia num momento divisor de águas, afinal, havia uma boa possibilidade daquele corte inaugurar uma nova etapa na minha vida. Na primeira tesourada tive a impressão de que não seria mais possível se ater ao que havia sido combinado e, a partir desse dia, aprendi duas valiosas lições:

1) independente do que for pedido, o cabeleireiro sempre fará o que ele decidir.
2) nunca confie seu cabelo a alguém que se considere um artista.

Faziam parte da “apresentação” uma seqüência de técnicas intrigantes e caretas de pintor expressionista enquanto operava freneticamente as tesouras. Fiquei constrangido em interromper aquele surto criativo para dizer que o resultado não era exatamente o que eu imaginava, tive receio de ser acusado de atrapalhar um artista em meio à criação.

“Agora vamos passar uma cera, secar e está pronto!”, foi o que ele disse e eu, atônito, me perguntava quando e aonde aquilo iria terminar. A conta extremamente salgada já era esperada, a surpresa, no entanto, foi o resultado: eu estava parecendo a Hebe. Saí do salão com a sensação de que todos na rua olhava para mim. Entrei numa lanchonete, molhei o cabelo para disfarçar, e segui para casa me sentindo um idiota.

A decepção com esse episódio foi tamanha que eu mesmo passei a fazer meus cortes. Essa fase durou apenas alguns meses, mais precisamente até eu descobrir, através de uma foto de revista, que minha cabeça, vista por trás, parecia uma pirâmide. E não teve um amigão pra me avisar disso…

Salomé, Xororó, Boca de Sino e Guaximim Morto foram algumas das denominações que encontrei para me referir a cortes de cabelo que já tive. Esse texto foi escrito justo no momento em que adio mais uma vez a necessidade de me submeter à temida cadeira, nesta incessante busca por um lugar que conjugue harmonicamente preço, comodidade e satisfação.

Tenho uma teoria de que quase todo mundo tem um trauma ou pelo menos uma boa história de cabeleireiro ou barbeiro para contar. Será que isso tem algo a ver com o fato de o termo também se aplicar àqueles que dirigem mal? Certo mesmo é que, no trânsito ou no salão, quase todo mundo já foi vítima.



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