De perto ninguém é normal

ter, 31/07/07
por Bruno Medina |

Independente de onde você more tenho certeza de que aí, perto da sua casa, existe um personagem que é onipresente: o(a) maluco(a) do bairro. Aquela figura que através de sua maneira bastante singular de lidar com os vizinhos é a responsável pela dose certa de surrealismo que falta no cotidiano. Grande parte dos moradores prefere ignorá-los, talvez por medo de um contato que os exponha ao ridículo, e, dessa forma, não enxergam a importância de se ter um maluco por perto.

Quando deixei de morar em Copacabana logo percebi que seria difícil encontrar outro lugar que conjugasse amostragem tão rica de tipos urbanos. Acredito até que o bairro seja uma espécie de celeiro mundial da categoria, e que só em Nova York haja concorrência à altura. O máximo que consigo agora nas minhas cercanias é vez ou outra esbarrar num cara que pede um copo d’água em todos os estabelecimentos comerciais que vê pela frente, do banco à lavanderia. Pelo que fiquei sabendo, ele começa cedo e segue um roteiro pré-estabelecido até chegar ao final de seu perímetro; o ofício é parecido com o de um carteiro, só que em vez de entregar malotes, ele pede água.

Agora fiquei pensando que deve haver também uma visita estratégica ao banheiro, tantos são os copos bebidos. Certa vez, almoçando num restaurante, o vi tomar dois copos seguidos. Quando se arriscou a pedir o terceiro, o funcionário avisou que a água havia acabado; ele retrucou dizendo que servia da bica, mas nada feito, um terceiro copo seria a gota d´água. Antes de sair, me perguntou se eu sabia de um show que Marisa Monte faria em Porto Alegre. Naturalmente respondi que não, ele acrescentou que gostava muito de ouvir rádio e partiu, a sede era mais forte.

Assim como o gordo e o magro, e o arroz com feijão, o maluco do bairro e seu rádio são uma dupla indissociável. Não se trata de coincidência porque, afinal de contas, é muito fácil entender a predileção de alguém que não bata muita bem por uma caixinha que, quando ligada, conversa com você, o que, no caso deles, nem sempre deve ocorrer com a freqüência desejada. O melhor exemplo dessa relação simbiótica atende pelo nome de Marquinho e habita a rua Barata Ribeiro, entre República do Peru e Paula Freitas.

É um homem bem alto, que, em algumas ocasiões, veste terno e dança. Caso um dia você esteja passando pela área e vir um cara com um rádio colado na orelha fazendo moonwalker (aquela caminhada pra trás do Michael Jackson) na faixa de pedestres não é pegadinha nem filmagem de videoclipe, é o Marquinho. Ele não esconde de ninguém a predileção por Roberto Carlos, mas, mesmo assim, recebe dos moradores fitas-cassete gravadas com os mais diversos gêneros, só para variar. Meu amigo Kassin o presenteou com as músicas de sua banda +2, pena não termos descoberto ainda se o repertório agradou. Na internet Marquinho é figurinha fácil e suas exibições já rendem vídeos no YouTube, blogs e comunidades no Orkut. Numa delas tomei conhecimento de que ele anda batendo com baguetes nos ônibus durante a madrugada. Deve estar ensaiando uma nova coreografia.

Ainda em Copacabana, duas quadras adiante, está Dona Maria. Ela é demais! Uma senhorinha estilo Tia Anastácia cuja área de atuação é a esquina da delegacia, um espaço de uns dez metros quadrados que cuida como se fosse sua casa. Estende roupa, varre a calçada, e ai de quem jogar papel no chão. É bronca na certa. Anos atrás, quando eu esperava para atravessar a rua, ela pediu que eu chegasse para o lado e passou com a vassoura por cima dos meus pés. Como é que não percebi que estava atrapalhando a limpeza?!

Todos os casos que lembrei acima são de figuras muito queridas em seus bairros. Desconsiderando eventuais alterações comportamentais são sujeitos extremamente pacíficos, perfeitamente integrados e muito populares, chegando a assumir o status de lenda urbana. Esse provavelmente é o caso do Luizão da Tapeçaria Fernandes, que, segundo alguns, é o verdadeiro autor dos padrões de estampa dos tapetes da loja sob cuja marquise se abriga. Em seu conhecido e misterioso caderninho, estariam registradas as provas de sua genialidade explorada indiscriminadamente.

Marquinho (cuja foto ilustra este post), apesar de não ter se envolvido em nenhuma história mirabolante, ficou tão famoso que levou a turma de uma comunidade no Orkut a incentivar um romance entre ele e uma tal de Rosemary do Lido. Tenho minhas dúvidas quanto à viabilidade do casal. Mesmo que haja algum futuro envolvimento, os malucos, com o perdão da palavra, dificilmente se toleram. Além do mais, a carreira solo costuma render mais louros.

Sobre essa nítida aproximação entre a loucura e a genialidade, vale conhecer os belos trabalhos de Arthur Bispo do Rosário e a história de Estamira, narrada no documentário homônimo de Marcos Prado.

Os sonhos

sex, 27/07/07
por Bruno Medina |

Na prática, o mundo se divide em pessoas de duas categorias: as que adoram contar seus sonhos e as que odeiam ouvir. Faço parte da segunda. Minha intolerância com sonhos alheios nasceu quando comecei ouvir não apenas histórias, mas narrativas recheadas de simbolismos e metáforas muito particulares, com pouco ou nenhum sentido para quem escuta.

Não me venha com “meu tio era um dragão azul anil voando no pátio da minha primeira escola” ou “estava preso dentro de um cubo de vidro debaixo d’água e você passou, comendo pé-de-moleque a bordo de um submarino, mas você era um playmobil”. Quando se sonha algo parecido com isso, o melhor é guardar para si, ou registrar nas telas de pintura ou de cinema.

Tenho a sensação de que meus sonhos duram tempo demais, são sempre mais arrastados e lentos do que qualquer dia de tédio; raramente me lembro deles quando acordo. Existe, porém, um que me persegue, infelizmente nada edificante; estou na escola, na véspera de um prova de matemática e não estudei. Naqueles segundos antes de abrir os olhos, sou tomado por uma profunda angústia e acordo com o coração disparado para me dar conta de que foi apenas um pesadelo.

Ponto para os estudiosos da psicanálise, que já de cara devem ver nesse relato facetas da minha personalidade. Freud e seus sucessores foram responsáveis por significativa contribuição para o hábito de se conversar publicamente sobre sonhos. Não duvido que esses sejam excelentes objetos para investigação quando se pretende acessar o inconsciente, mas daí a se confiar em simbolismos universais, não sei…

Reza a lenda que sonhar com dentes caindo significa morte de alguma pessoa próxima. Mas e se um dentista tiver esse sonho? O significado é o mesmo? Existem inúmeros sites dedicados ao assunto, contendo tantas interpretações que precisam ser dividas por letras. Em um deles -que nem vou indicar o link- descobri, surpreso (até porque nem sabia que alguém sonhava com esse tema), que existem pelo menos quatro sentidos ocultos em se sonhar com epilepisia:

a) Ser epiléptica(o): terá lucros.
b) Filhos com epilepsia: será surpreendida(o).
c) Parentes com epilepsia: as preocupações e cuidados desaparecerão.
d) Outras pessoas com epilepsia: receberá dinheiro inesperado

(???) Tá bom, se um dia eu sonhar com epiléticos, aviso a vocês o que aconteceu depois. Agora, não vale passar o dia mentalizando os colegas no trabalho tendo surto.

Além daqueles que ministram cursos e editam livros, existe uma conhecida atividade ilícita que provou, mais do que qualquer outra, ser a melhor quando o assunto é lucrar com sonhos. Esses especialistas prestam consultas em plena rua, sentados em banquetas estrategicamente posicionadas nas esquinas de maior movimento. O significado dos sonhos dificilmente é elucidado, mas não raro chega a render bons trocados. Ganhou um doce quem lembrou do Jogo do Bicho.

Muito antes de se falar em psicanálise, já havia aqueles que, desprovidos de qualquer embasamento teórico ou ético, associavam personagens oníricos ao universo simbólico presente na fauna lotérica: vaca, cobra, burro, elefante e veado tradicionalmente personificam desafetos da vida cotidiana. Esse último foi até capaz de amaldiçoar entre os homens o número 24, seu correspondente na tabela do jogo.

Sirva para que fim for, esvaziando bolsos, gerando empregos ou entortando o juízo, eles sempre vêm. Bem-vindos ou temidos, nunca se anunciam nem aceitam sugestões. Sinônimo de obsessão, clichê do verso ou simplesmente uma sequência de idéias involuntárias, são muitos os sonhos; os indecifráveis, os individuais, os coletivos, os reais, os impossíveis de realizar…no entanto, como dissociá-los como o princípio fundamental de quase tudo que se vê?

“Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto, é realidade.” (Raul Seixas)

Em tempo, obrigado pelos numerosos comentários. Mesmo que eu não os cite, eu os leio.

As grandes idéias

ter, 24/07/07
por Bruno Medina |

Hoje cedo acordei com uma grande idéia. Dois minutos depois, percebi que não era tão boa assim. Durante sessenta segundos fui tomado por um otimismo contagiante e por aquela sensação de euforia presente nos momentos especiais da vida. Aqueles que provocam a ilusão de que estamos vivendo cenas de um filme, e nos faz pensar que dali para frente nada mais será como antes. Mas depois passou.

Quando poderia imaginar que num dia de semana qualquer teria uma grande idéia, e, ainda mais, que em tão pouco tempo já teria desistido de colocá-la em prática. Seguindo a lógica, nesse exato instante podem estar nascendo ou morrendo pensamentos que teriam a real capacidade de transformar o mundo, os quais muito provavelmente nunca chegaremos a conhecer.

Será que Einstein ou Thomas Edison tinham plena consciência da dimensão que suas teorias e inventos assumiriam? E quantos gênios como eles deixaram de se consagrar e foram esquecidos no anonimato por um mínimo ajuste, um detalhe que faltou. Mais do que originalidade, a boa idéia demanda uma enorme dose de estudo, persistência e sorte. Porque muitas vezes, no início, são apenas impulsos criativos dissociados que, ao não receberem o devido estímulo, se esvaziam e fenecem à margem da história.

Imagino que sete mil anos atrás, quando a roda foi inventada na Mesopotâmia, certamente existiam os que discordavam de sua eficiência; os primeiros modelos não eram círculos perfeitos, possuíam arestas, e muitas quebraram até que se encontrasse a correta relação entre peso de carga e a espessura do material. E os criadores ainda precisavam lidar com aquele espírito de porco que insistia em dizer “tá vendo? Isso nunca vai dar certo, porque você não tenta o losango ao invés do círculo?”. Felizmente o anônimo inventor aperfeiçoou sua idéia para que tivéssemos carros e colunas vertebrais saudáveis.

Numa entrevista, perguntado sobre o século XX, Luis Fernando Veríssimo resumiu que aquele foi o século em que as melhores idéias foram derrotadas. Não é de se estranhar que justamente ao longo das últimas décadas a propaganda acabou virando um ingrediente imprescindível nessa história, quem diria… Porque, convenhamos, uma grande idéia só é realmente grande se todos a conhecerem, e isso pode demorar. No caso do avião, desde os primeiros rascunhos de Leonardo da Vinci ao protótipo do 14 Bis foram necessários quatrocentos anos.

A fim de possibilitar um desenvolvimento mais ágil e contribuir para a causa de jovens inventores carentes de incentivo, fiz uma breve pesquisa e essas foram três idéias que, na minha opinião, merecem ser divulgadas:

Máquina de programação de sonhos – invenção japonesa que consiste em pré-determinar o tema dos sonhos. Introduz-se uma foto na engenhoca e a máquina se encarrega de repetir durante toda a noite frases e músicas que remetam a imagem escolhida.

Carteira anti-roubo – invenção australiana. Confeccionada em aço inoxidável e dotada de dispositivos que esguicham uma tinta azul capaz de inutilizar seu conteúdo caso seja violada por alguém que não detenha a senha.

Mochila dínamo – desenvolvida pela Universidade da Pensilvânia. Converte passos de uma caminhada em uma carga elétrica de até 7 watts. Isso teoricamente seria o suficiente para alimentar um MP3 player e um telefone celular.

fonte: Guia dos Curiosos

Quem sabe você não é dono da idéia que falta para que uma dessas invenções se torne um grande sucesso? Essa era a minha idéia: criar um banco virtual de idéias, em que o conhecimento pudesse ser compartilhado e permitisse o surgimento de grandes invenções. Alguém tem um projeto mas não sabe com desenvolvê-lo? Basta inseri-lo no banco e esperar até que outro o complemente ou aprimore o raciocínio.

Acabei desistindo porque considerei que o projeto esbarraria em empecilhos envolvendo questões relativas a patentes e direitos autorais. Além disso, quem possui uma boa idéia não tem o costume de dividi-la com estranhos e com freqüência espera lucrar alto com ela. Foi um sonho bonito, possível por apenas dois minutos.

Agora, se você quer ser realmente útil para a humanidade encontre um substituto para o papel higiênico. Não é possível que o homem pretenda construir bases fora do planeta mas se contente em continuar… bem, você entendeu. Ou então, inspire-se nos versos de Caetano, que diz que “Se você tem uma idéia incrível / É melhor fazer uma canção”.

Em meio ao caos

sex, 20/07/07
por Bruno Medina |

Quase 72 horas após a tragédia, não há qualquer registro de declaração oficial de ao menos um dos responsáveis pelos órgãos envolvidos na fiscalização ou administração da aviação civil brasileira. Se o número de “s” nesta frase soa estranho, saiba que são pelo menos oito as entidades que, de algum modo, estão relacionadas a esse gravíssimo acidente: Conac, Cenipa, Decea, Cindactas, Ministério da Defesa, Anac e, por último, mas nem por isso menos significativo, Infraero.

Faltaria-me espaço para descrever neste blog as funções correspondentes a cada órgão representado por essas siglas, especialmente no momento em que a imprensa e a sociedade buscam algum tipo de explicação razoável para o fato de, em menos de um ano, quase 400 pessoas terem morrido sem que se tenha certeza das causas ou do(s) culpado(s).

Em meio à cobertura do acidente, tomei conhecimento da declaração de um especialista em aviação que sinalizava para o fato de acidentes aéreos dessas proporções dificilmente ocorrerem por apenas uma razão. É preciso ter cautela antes de apontar o dedo em alguma direção. Nos botequins, nas esquinas e nas malfadadas filas de banco, os nomes de Diego Hipólito e Jade Barbosa têm sido escassamente pronunciados. Cederam lugar a termos até então distantes de nosso vocabulário, como grooving e aquaplanagem. Essa compreensível comoção popular é centelha fundamental quando o que se espera é uma profunda, urgente e irrestrita reforma.

Mas, infelizmente, os temas polêmicos no Brasil por tradição se limitam, na esfera política, ao âmbito das discussões; quase nunca chegam a se materializar em ações concretas. A expressão “caos aéreo” deveria ser inadmissível, porque é inadmissível se acostumar com o caos. Causa indignação a todos o fato de que, do último ano para cá, um contingente cada vez maior de pessoas se submeta a viajar de ônibus entre Rio e São Paulo por receio de não chegar a salvo ao destino; seja por conta dos atrasos, dos cancelamentos de vôos ou, o pior, dos acidentes. Apesar da pressão da sociedade civil, a classe política se manteve ocupada demais com seus próprios escândalos, ao invés de implementar medidas práticas para a resolução definitiva desse calvário que já se estende por meses.

De “caos aéreo” a grooving, os termos e os escândalos sucessivos circulam de boca em boca, de mão em mão, feito batata-quente, enquanto inquéritos e processos se arrastam, se acumulam e envelhecem nas instâncias da justiça. Ingerência e nepotismo são palavras tão estranhas quanto grooving ou aquaplanagem, mas, por algum motivo, despertam menos interesse. Talvez pela configuração de nossa história política as crises se perpetuem sem que tenhamos condições de precisar exatamente seu início, ou prever um desfecho.

Qualquer um que viaje com relativa freqüência de avião conhece muito bem o Aeroporto de Congonhas. Eu mesmo já devo ter estado lá mais vezes do que nos aeroportos da minha própria cidade, tamanha a relevância estratégica de sua localização. A cada ano são cerca de 19 milhões de passageiros em trânsito por seus terminais, o que o credencia como o mais movimentado aeroporto do país. A reforma de ampliação de sua capacidade parece não ter conseguido acompanhar o constante crescimento do número de usuários, impulsionado pelos bons números da economia refletidos no setor, aliás, uma tendência observada em quase todas as capitais.

O desafio é entender por que era possível Congonhas crescer enquanto estudos de segurança alertavam para a necessidade de uma redução drástica de suas atividades. Durante o procedimento de aproximação da pista, a sensação de estar sendo engolido pela cidade é quase hipnótica, e não precisa ser grande entendedor de aviação para constatar que a conjugação de uma expressiva densidade de prédios ao entorno do aeroporto e à cabeceira da pista resultava em um risco iminente. Mas a ocupação da área não ocorreu de um dia para o outro. Foi fruto da permissividade e do descaso de consecutivos governos, talvez mais preocupados com a quantidade do que com a segurança dos passageiros.

Agora surgem indícios significativos de que havia um problema com o reversor da turbina do avião. Antes que essa vire a palavra da moda, vale considerar que um defeito da aeronave não isenta os órgãos administrativos de suas responsabilidades nesse ou em qualquer outro acidente. Não fosse em Congonhas, talvez essa fatalidade pudesse ter sido evitada, e o mais grave: histórias de vida não teriam sido dilaceradas.

Juízo Final

ter, 17/07/07
por Bruno Medina |

Gosto de acreditar que faço parte de uma das últimas gerações em que o videogame ainda não era ameaça significativa à hegemonia dos brinquedos. Da minha infância em diante, o que se viu foi a diminuição gradual no tamanho das seções destinadas a vendê-los em lojas de departamento, até que estas passassem a oferecer bonecas, carrinhos, jogos eletrônicos e microcomputadores como se todos fizessem parte da mesma categoria. Isso sem falar nas bonecas e carrinhos que são microcomputadores.

Deve ser um tanto difícil para um adolescente de hoje imaginar a vida sem mp3, celular ou internet, mas o tio aqui garante que o mundo do disco de vinil, da ficha de orelhão e da máquina de escrever dava certo, ah, como dava… Não se trata de saudosismo barato, mas sim de uma inquestionável constatação: a informática – mesmo que em sua forma elementar – passou a ser pré-requisito básico para a vida a partir do século XXI.

Veja o exemplo das urnas utilizadas nos pleitos brasileiros; do Oiapoque ao Chuí, todas digitais, ou pense então nos inúmeros serviços públicos prestados a população sem que haja a necessidade de trocar palavras com um funcionário mal-humorado. Mesmo os mais relutantes tiveram de se render aos adventos tecnológicos, sob o risco de, em poucos anos, precisarem de ajuda para realizar tarefas banais.

Sempre pude me orgulhar de ser referência na família e entre os amigos quando o assunto envolvia qualquer coisa digital. Ganhei meu primeiro computador em 1989, naquela época os programas precisavam ser carregados toda vez que seriam usá-los. Pegava-se um disquete, daqueles grandões ou uma fita-cassete (desculpe, não dá prá explicar isso para quem tem menos de vinte e cinco anos) e copiava-se os dados para a memória (curtíssima) da máquina. Depois de desligada, zerava, ou seja, era necessário repetir o processo todos os dias. Então, quando um programa era iniciado, o recomendado era estar bem certo de suas intenções, até porque qualquer mudança de planos acarretava uma enorme perda de tempo.

Dessa época pra cá quase tudo se transformou, menos a minha aptidão para lidar com sistemas binários, pelo menos era o que eu achava até ontem. Amigos, não sou mais referência nesta área. Perdi o bonde do progresso, me tornei obsoleto, fui superado, sou mais uma vítima da exclusão digital. E o meu algoz, acreditem, foi o Internet Banking!

Já repararam que cada vez mais os sistemas de segurança bancários incrementam em complexidade? “Digite as letras correspondentes aos números de sua senha”, “digite o código de confirmação que você vê na tela”, “se você vê o selo digital referente a sua conta, clique ok”, “escolha uma senha provisória de oito números e letras para autorizar o envio de uma senha definitiva para o seu endereço”.

Será que é possível sacar quarenta reais sem ter a sensação de se estar passando por um exame psicotécnico ou acessando informações sigilosas da KGB? Foi no meio de um processo desses que digitei os números errados e bloqueei minha senha. No dia seguinte precisei ir até o caixa eletrônico de uma agência para resolver a questão e naquela de “digite aqui sua senha antiga e aqui sua senha nova”, acho que me confundi com uma outra senha qualquer (são tantas!) e bloqueei também meu cartão.

Por conta disso, só me restava procurar um funcionário de carne-e-osso da agência. Humilhado pela idiotice, ainda fui obrigado a sentar naquela poltroninha e esperar os que estava na minha frente resolverem suas pendências bancárias e baterem aquele já tradicional “papinho extra” com a gerente. Durante quarenta minutos lamentei o erro capital enquanto aguardava o atendimento. Chegada minha vez, a surpresa: “ih, seu cartão é múltiplo, só na boca do caixa”. Olhei para a fila, enorme, acho que era dia de pagamento, e entendi tudo: a agência bancária é o purgatório e as filas são a punição do sistema para os imperitos ou incapacitados.

Então a situação é a seguinte: estou impedido de realizar qualquer movimentação bancária até que resolva encarar a fila do caixa. Para quem se gabava de fazer tudo pela internet, nunca pisava numa agência de banco e se sentia o arauto da tecnologia, foi um duro golpe. Aceito meu castigo e não pretendo adiar a pena. Vou escrever a nova senha num pedaço de papel, para não confundir, tal como fazem as vovós apesar dos alertas sobre o perigo de serem assaltadas, e hoje mesmo estarei na fila, ouvindo as inevitáveis histórias daqueles que, como eu, estão condenados.

p.s: acabaram de ligar do banco. Esqueci minha identidade na mesa da gerente…

Auto-retratos

sex, 13/07/07
por Bruno Medina |

Contrariando o que foi concluído no texto anterior, resolvi me submeter à delicada tarefa da auto-análise. Se a praxe é decifrar o outro, torna-se bem-vinda qualquer iniciativa de apontar a lupa para si próprio, ainda mais se for em público. Fez muito sucesso no Centro Cultural Banco do Brasil a intervenção interativa proposta pelo diretor de arte Jair Souza, através da qual era possível montar o próprio rosto a partir de um banco de dados. Os retratos formaram um enorme painel que acabou por ser um curioso registro antropológico da população.

https://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM687161-7823-AUTORETRATO+FALADO,00.html

“Auto-retrato falado” só não foi melhor porque, dentre centenas de opções de narizes, bocas e afins, o excesso de capricho na auto-representação se traduzia em fila que minou minha paciência numa manhã de sábado, contribuindo para que desistisse de participar do experimento. Na internet, porém, encontrei um programa semelhante ao utilizado na exposição: https://flashface.ctapt.de/. Antes de tecer um comentário crítico, saiba que dá um trabalho imenso se auto-retratar. Não só pela quantidade de detalhes a serem considerados, mas também pelo aspecto psicológico envolvido em questões como “meu queixo é tão pequeno assim?” ou “nenhum desses narizes é o meu”. Isso sem considerar que não tem quem não fique com cara de “serial killer”. Fala a verdade, você deixaria seu filho andar na companhia desse homem? Você compraria um carro usado de alguém que tivesse essa fisionomia? Acho que o software já tem inserido um código de programação tipo “bandidalizer”, o que me faz pensar se os indivíduos normalmente retratados dessa maneira não têm uma aparência mais amistosa pessoalmente. Agora imagina se esse retrato-falado circula por aí fora do contexto? Se alguém de brincadeira resolve imprimí-lo e colar num poste? Diz aí se não seria possível me prenderem por conta desse desenho?

Para quem não pretende se ver com cara de bandido, existe uma possibilidade mais amena. Esse aí do lado não é o Milhouse adulto, mas sim o meu avatar dos Simpsons. Se eu fosse um personagem de cartoon, creio que seria mais ou menos desse jeito. Com um pouco de boa vontade, dá para reconhecer algumas características minhas, ou não? O mais legal é perceber que a composição de sua auto-imagem dificilmente condiz com a que os outros fazem de você. Fiquei com pena dos responsáveis pela exposição ao imaginar o montante de pessoas que discordaram de seus próprios retratos. Para terminar, um poema de Mario Quintana sobre o tema, intitulado…

O AUTO-RETRATO

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco

Novela: eu assisto!

ter, 10/07/07
por Bruno Medina |

Eu assisto novela, admito, sempre assisti. E não é porque “a televisão estava ligada”, tampouco porque “não tinha nada melhor para ver”, é gosto mesmo. Não sou viciado, mas, quando acompanho uma trama, evito perder capítulos; se não puder assisti-los, recorro ao resumo no jornal. É difícil escrever sobre isso sem imaginar a reação aí, do outro lado, sem sentir que estou fazendo uma confissão. Existe preconceito. Não venha com o argumento de que “novela é tudo igual”, porque não é. Há situações com exagerado teor melodramático, abuso de clichês, mas a graça está justamente na maneira como o autor desenvolve a história.

Claro que com o hábito me tornei mais exigente, mais seletivo, e hoje são raras as vezes que me pegam de jeito. Alguns enredos me interessam até determinado ponto, para depois serem abandonados sem arrependimento, caso os dramas não tomem os rumos esperados. Isso sem citar aquelas “viradas de mesa” tradicionais, propositadamente encaixadas para corrigir o que foi apontado de negativo em pesquisas de recepção. Certa vez, Janete Clair recorreu a um terremoto para dar fim à parte considerável do elenco de uma novela, ainda bem que essa eu não assisti…

Escrever uma novela no Brasil deve ser mesmo tarefa hercúlea. Esse formato televisivo tornou-se um dos mais eficientes meios de se comunicar com a população. São inúmeros os casos em que campanhas públicas de educação e conscientização acabaram se infiltrando na realidade dos personagens. É preciso considerar um público tão abrangente que se torna quase impossível saber o que o agrada. Todo mundo tem uma opinião, uma sugestão, uma crítica. O desafio é sempre o mesmo: inovar sem perder a tradição.

Atualmente, na faixa das oito, a trama leva a assinatura de Gilberto Braga. Talvez seja ele o autor que mais atraia aqueles que enchem a boca para enfatizar sua aversão ao gênero. Diálogos realistas, personagens antagônicos e temas polêmicos são elementos que, bem dosados, conseguem atrair novos telespectadores sem afastar os mais conservadores. Histórias inusitadas e personagens memoráveis fizeram desse autor um dos nomes mais respeitados dentro de sua classe. Alguns conhecidos meus só assistem a novelas dele, tamanha é a sensação de que seu repertório de truques embaixo da manga é mais sofisticado. São esses “truques” que o levam a se distinguir dos demais.

A estréia de uma novela de Gilberto Braga marca o melhor momento em anos para revelar publicamente noveleiros enrustidos. Assumo nutrir uma ponta de satisfação em deixar pessoas embaraçadas ao se darem conta de que deixaram escapar seu apreço pelas novelas. Para confirmar a suspeita, basta escolher um personagem daqueles polêmicos e emitir uma opinião absurda. Exemplo: “acho que a Taís tem razão em desprezar o avô. Aquele velho era bonzinho demais, não tinha ambição. Ela foi criada para ser pobre, e isso dá raiva mesmo” ou “Ah, gente, o Olavo é igual a qualquer um de nós! Na vida quem não é esperto acaba tomando rasteira”.
Daí o cara começa a se mexer na cadeira. Passa a mão em cima da boca, coça a nuca. É assim comigo, não dá pra ouvir alguém dizendo uma sandice sem rebater. Dois minutos de debate e o “ex-avesso-a-novelas-televisivas” se entrega. Depois que a máscara cai, vem a parte mais divertida; aliviado pela confissão, o sujeito assume ter lido no salão que Paula vai ser seqüestrada, diz estar torcendo para Mateus e Camila ficarem juntos no final e discorda do casamento entre Lúcia e Antenor. A partir desse momento ele próprio sempre vai puxar o comentário do capítulo da noite anterior.

Acho engraçada a turma que torce o nariz para as novelas, mas adora as séries americanas. Não se trata de uma questão de patriotismo pois, apesar de ser fã da dramaturgia nacional, reconheço o valor de certas produções estrangeiras. Essa tão alardeada ascensão das séries tipo drama, sem dúvida, deve boa parte de seu sucesso a aproximação com o folhetim. O que não entendo é como o pessoal não dá o braço a torcer e concorda que as séries são – guardadas as devidas proporções – legítimas representantes da categoria novelão. Vai dizer que “Friends”, com ajustes aqui e ali, não daria uma ótima novela das sete? E “The Sopranos” não tem todos os requisitos necessários para bombar no horário nobre?

Em alguns casos a associação é menos óbvia, como em “Lost”, mas não chega a ser preciso muito empenho para constatar que os elementos fundamentais estão todos lá: o bem e o mal, a ambição, a disputa pelo amor, a traição. Considero essa a minha novela preferida atualmente. Não perdi nenhum episódio das três temporadas, e aguardo ansioso pelo início da quarta. Tá certo que já estou um pouco cansado de ver personagens em seqüência tomarem uma paulada na cabeça e serem arrastados pela selva, mas ainda assim o roteiro surpreende.

A embalagem muda, o conteúdo é o mesmo. Pode chamar do nome que for, seja aqui ou em qualquer outro lugar, faz parte de nossa essência se interessar por histórias que envolvam o próximo. Talvez porque ter o outro como objeto de apreciação – vide os reality shows – seja bem mais confortável do que voltar os olhos para si mesmo. O comportamento dos personagens, dos atores que os interpretam, do vizinho ou dos amigos, não raramente são merecedores de mais atenção do que os nossos próprios. Por isso as novelas estarão sempre aí. Atire a primeira pedra quem disser que nunca assistiu!

Vou te deletar…

sex, 06/07/07
por Bruno Medina |

Não há consenso entre pesquisadores e estudiosos sobre o fato de Donga (não confunda com o técnico da nossa seleção) ser conhecido como o primeiro compositor a gravar um fonograma desse gênero. A letra de “Pelo telefone” é um marco na fundação do samba, também por um feito inédito que denota sua relevância: pela primeira vez, clubes carnavalescos cariocas abriram seus desfiles na Avenida Central tocando a mesma música. O sambista, que em sua época popularizou o advento do telefone, oitenta anos mais tarde, inspirou Gilberto Gil na composição de “Pela Internet” (criar meu web site/fazer minha home-page…) a fazer o mesmo pela web.

Em 1997, esses termos tecnológicos “cabeludos” que hoje estão na ponta da língua de qualquer criança, eram tão pouco difundidos que o ministro – fascinado pelas possibilidades de interação através da grande rede – resolveu ilustrar a relatividade da distância e a rapidez de informação, que seriam as premissas do novo milênio. A música caiu na boca do povo e estabeleceu-se como o mais referido e fiel retrato musical dos primeiros anos da internet. Não é difícil ouvir seus versos associados a situações do cotidiano, mesmo uma década após o lançamento.

Por coincidência ou senso de oportunidade (acredito mais na primeira opção), um até então desconhecido cantor sertanejo foi o responsável pelo terceiro capítulo dessa história. Dez anos depois de Gil, o atendente de telemarketing Ewerton Assunção, compôs a pérola tecnológica da atualidade:

Posso até admitir que o clipe e a letra são de gosto um tanto duvidoso, e que é totalmente plausível discordar da sua importância, mas é fato que esse cara, no ano passado, foi o primeiro a realizar no Brasil, quiçá no mundo, um registro musical sobre a segunda revolução da internet. “Eu vou te deletar do meu orkut” decreta a obsolescência de “Pela internet”, e é na própria rede (sim, com boa ajuda da regravação de Frank Aguiar) que se espalhou com a velocidade prenunciada por sua antecessora.

É provável que quando composta, seu autor não tivesse ciência do feito; deve ter se inspirado em uma situação real, protagonizada por ele próprio ou por um amigo, e esse é justamente o seu grande mérito. Não se trata de um estudo musicado, ou de uma profecia metafórica, mas sim de um tema que remete ao presente, e, querendo ou não, faz parte do nosso cotidiano. No mais, quando você imaginou ouvir a palavra “powerpoint” empregada nesse contexto? E a carga emocional que transborda em “no msniiiiiii!”? Esse cara é um gênio!

Pode ser que para você o “sertanerd” ou o “Cybersertanejo” não seja novidade. Para mim era, pelo menos até semana passada. Esse fato só comprova que tenho passado menos tempo do que devia (ou não?) bisbilhotando na internet, além de me trazer a constatação de como é volátil a validade do “novo”. Por conta disso, creio que nossa época não mais possa ser sintetizada através de uma só música, porque os acontecimentos são tão rápidos que escapam a qualquer tentativa de registro.

Se você não se contentou em ouvir o refrão apenas duas vezes nesse clipe, recomendo cautela porque, numa escala de zero a dez de perigo de grudar na rádio cabeça, “Eu vou te deletar do meu orkut” é onze, com louvor. Para quem gostou, aqui vai um trecho da letra e da cifra:

C F C
Eu vou te deletar te excluir do meu orkut
G
Eu vou te bloquear no msn
F C
Não me mande mais scraps nem email power point
G F C G
Me exclua também e adicione ele

Não me espanto se, como manda a regra da criação instantânea de celebridades, Ewerton emplacar nos próximos meses um novo sucesso nos palcos dos principais programas de televisão, ou se alguma de suas músicas for executada em versão remix no próximo carnaval fora de época. Isso se outro melhor vídeo da temporada no Youtube não assumir seu posto.

Esporte S.A.

ter, 03/07/07
por Bruno Medina |

Com o início dos Jogos Pan-americanos – assim como sempre acontece em épocas de grandes eventos esportivos – entra em campo o personagem que é o principal responsável pela existência do esporte como o conhecemos hoje: o torcedor. Apesar de não estar no páreo, seu papel é tão imprescindível a ponto de se dizer que a torcida é o décimo segundo jogador de um time de futebol. Não por coincidência, os esportes mais notáveis são exatamente aqueles que arrebatam maior número de seguidores. Tamanha fidelidade há muito rende excelentes oportunidades de negócios – inclusive para os atletas – e, talvez por conta disso, há quem ache que algumas modalidades estejam hoje distantes de seus reais objetivos.

Nos próximos dias não faltarão na televisão anunciantes associando suas marcas a belas imagens, cuidadosamente escolhidas com o intuito de traduzir e incentivar toda a emoção cabível no ato de torcer. Os homens de negócio sabem que o trinômio patrocínio-atleta-torcida é poderoso, e não restam dúvidas que a tv deu uma boa contribuição para essa polêmica parceria. Foi através da transmissão ao vivo que o esporte deixou de ser apenas competição para se tornar espetáculo. Se por um lado o capital das grandes empresas incrementa a atividade esportiva, por outro submete times, equipes e seleções aos seus interesses. Nem sempre foi assim.

É difícil afirmar ao certo quando ocorreu o primeiro evento esportivo, deixo isso para especialistas, mas é fácil imaginar que essa data está relacionada ao surgimento do torcedor. Reza a lenda que no ano de 490 a.C., os persas planejavam invadir a Grécia e coube ao mensageiro Pheidippides a ingrata missão de correr os 240km que separavam Atenas de Esparta, só para pedir uma ajuda. A notícia se espalhou com rapidez na região, e os habitantes dos povoados por onde ele passaria se puseram na beira da estrada para dar uma força, levar uma moringa com água, gritar um incentivo ou simplesmente aplaudir a iniciativa daquele que foi o precursor de todos os esportistas.

O trajeto foi cumprido em dois dias (eu avisei que era lenda) e seu esforço para impedir a guerra foi recompensado com um sonoro “não” dos espartanos. De lá mesmo, aproveitando o embalo, ele fez o caminho de volta. A travessia ficou tão famosa que acabou inspirando o que depois veio se tornar a maratona. Esse cara provavelmente morreu engolido por um leão ou coisa que o valha, sem ter tido sequer a oportunidade de lançar a própria linha de calçados ou mesmo receber a homenagem de ter um estádio batizado com seu nome. No entanto cabe a ele o mérito de ter protagonizado a primeira de todas as competições.

Da Grécia antiga pra cá o esporte despertou discursos inflamados e apaixonados e fincou raízes profundas em nossa sociedade. Os atletas migraram das arenas, das quadras e dos campos para as colunas sociais e as revistas de fofoca, assumindo o status de celebridades. Alguns enriqueceram quase que do dia pra noite, casaram-se com atrizes famosas, ou elegeram-se para cargos políticos. Sobre esse esfacelamento das fronteiras do esporte, vale uma lembrança da exposição de Pelé que ocupou o Masp alguns anos atrás e foi patrocinada por uma multinacional peso-pesado da área de bebidas gaseificadas. O esporte se transformou radicalmente, virou show business, mas será que o torcedor se adequou a essas mudanças?

No Brasil não há como falar em torcida sem pensar em futebol. É de se admirar o sujeito que pinta a cara para ir ao estádio e gasta seu suado dinheirinho comprando a camisa oficial de seu time, que invariavelmente custa um absurdo. Com o rádio de pilha colado na orelha, se pendura no alambrado na beira do campo e grita palavrão quando o adversário ataca. Quando seu time faz um gol, abraça o desconhecido ao lado e, se vencer a partida, esquece a família em casa para virar a noite no botequim. Quando perde o campeonato, chora, e falta ao trabalho no dia seguinte para não ser encarnado pelos colegas. Acho que assim como o amigão do último texto, um torcedor já nasce torcedor. Ele torce por seu esporte predileto, e se não fosse esse, seria um outro qualquer. São daqueles que enchem a boca para dizer “nós somos campeões do não sei o quê…”. Nós quem?

Pronto, cheguei aonde queria. Será que ainda faz sentido falar em “nós”? Consideremos a atual seleção brasileira que disputa a Copa América. Dá para contar nos dedos de uma mão os jogadores que atuam no país. Dentre os demais, muitos deixaram seus clubes de origem ainda moleques para se estabelecerem em definitivo na Europa. O time está desfalcado de seus dois melhores jogadores, algo que chega a ser embaraçoso perante a comunidade do futebol internacional.

Essa identidade com o time que sobra do lado do torcedor anda faltando e muito no lado dos atletas. Toda Copa do Mundo traz consigo a notícia de alguém que morreu do coração durante um jogo da seleção. Imagina só, infartar por causa de uma partida de futebol! Ainda mais se tratando de um time que parece estar mais preocupado em assegurar bons contratos de patrocínio do que apresentar um futebol que orgulhe seus compatriotas.

Nesses meses que anteciparam o Pan, a imprensa noticiou uma penca de vezes atletas das mais diversas categorias esportivas pedindo dispensa dos jogos junto a suas confederações. O motivo alegado podia ser a intenção de disputar um outro evento internacional simultâneo ou mesmo divergências com a equipe técnica. É por causa de questões como essa que não consigo me envolver mais com o esporte. Assisto, acompanho, e só. Gostaria muito de ser como aqueles que não conseguem permanecer inertes no sofá – cada lance é motivo para se levantar e acompanhar a torcida-, que pedem silêncio, batem palmas e esbravejam na frente da televisão. Tenho certeza de que é muito mais divertido.

É triste constatar que o senso de coletivo se deixou sobrepor pelo individual. Dentro de uma equipe, é comum cada jogador ter seu próprio patrocinador. O maior prejudicado por esses contratos é o torcedor. Aquele que parece ser o que mais se envolve e o único que não ganha nenhum tostão com isso.



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