O Amigão
Diz um conhecido provérbio que “o maior tesouro da vida é a amizade”, e não é difícil encontrar quem concorde com a afirmação. Porque, mesmo que você tenha muito poucos predicados, deve haver alguém, uma pessoa que seja, capaz de compreender, perdoar e até achar graça nos seus defeitos. Amigos, por vezes, tornam-se mais relevantes em nossas vidas do que certos parentes, e justo isso é o bonito da amizade; o fato dela ser uma escolha, e não uma imposição.
Outro provérbio diz que “se conselho fosse bom não se dava, vendia”, e é através dele que podemos medir a importância, a coragem -e porque não dizer- a nobreza de um personagem que se encontra um degrau acima dos melhores amigos. Um posto raro dentro da hierarquia das relações de afeto, a ponto de ser provável que você nunca tenha conhecido um genuíno… amigão.
Cabe aqui fazer uma distinção; amigo é amigo, amigão é amigão. Entenda que o amigão não é apenas um grande amigo, é muito mais do que isso. Amigos do peito se faz aos montes, um em cada esquina. Amigão é um só, e olhe lá. Ainda não cheguei à conclusão se o sujeito nasce amigão, tipo, uma vocação adormecida, ou se essa é uma aptidão que se desenvolve ao longo do tempo, ou mesmo de acordo com a necessidade. Mas o que importa nesse caso é reconhecer que a sina desse clã consiste em transpor o perímetro de segurança das amenidades sociais, vencer o medo da rejeição, e mostrar seu valor justamente nos momentos mais delicados:
Almoço de confraternização da empresa. Você caminha em direção a mesa da diretoria para interá-los dos desafios superados por seu departamento naquele semestre. Aproveita o ensejo para requisitar aquele aumento prometido durante o amigo-oculto do ano anterior. Entretido com a tarefa de abordar o assunto sem causar nenhum constrangimento, você nem imagina que uma lasca de couve-mineira emoldura seu sorriso.
De repente alguém puxa seu braço por trás e coloca um fio-dental na palma de sua mão, recomendando que você altere sua trajetória e inclua uma escala no banheiro antes da visita à mesa da chefia. Depois de escapar por um triz do papel de bobo e do risco de rebaixamento de cargo, tendo o aumento assegurado, você se pergunta por que demoraram quarenta minutos para avisá-lo sobre a gafe. A resposta é simples; porque ser amigão é tarefa para muito poucos. É fazer pelo próximo o que gostaria que fizessem por você. Outro exemplo:
Final dos anos 90, o grunge não é mais o mesmo depois da morte de Kurt Cobain. Você não é mais o mesmo depois dos últimos oito anos em que deixou as madeixas crescerem. A adolescência ficou para trás e agora, os compromissos da vida adulta sugerem uma adaptação de estilo, você decide cortar o cabelo. Na cadeira do barbeiro, ao ver a própria imagem refletida no espelho, é quase impossível não lembrar dos anos de dedicação e do montante investido em cosméticos. A opção por um corte menos radical, um meio termo, acaba vencendo.
A notícia do novo visual se espalha entre os amigos e todos anseiam por sua primeira aparição pública. Você mantém o suspense e espera pela ocasião certa, a festa de aniversário daquela sua amiga/paixão platônica. A data não poderia ser mais apropriada, inclusive porque ela sempre foi uma grande incentivadora dos cabelos mais curtos. Você não se contentará com nada menos do que uma oportunidade para declarar seus sentimentos, aproveitando o impacto positivo que sua nova aparência irá causar. Ao chegar à portaria do prédio, você encontra um colega de faculdade subindo com um saco de gelo. Ele “congela” ao cumprimentá-lo, e antes que você possa dizer alguma coisa, o amigão se revela no exato momento em que pousa a mão sobre seu ombro e diz:
- Raspa. Você está parecendo a Glória Pires.
Assim, a partir de uma palavra, você se da conta de que sua referência de auto-imagem é considerada ridícula pelos demais. A festa foi perdida, mas o lado positivo é que você ganhou alguém em quem pode confiar.
Porque esse vai ser o cara que vai avisar que você está com mau-hálito, que sua namorada é safada, que o mecânico te cobrou por uma peça que não existe no seu carro, que sua blusa preferida te faz pagar “peitinho”, que determinado modelo de óculos escuros não fica bem em você pois seu nariz parece uma quilha de barco…enfim, isso sim é a amizade em seu estágio mais avançado.
Com um pouco de atenção -basta ligar a tv ou folhear certas revistas- é possível observar a falta latente que faz um amigão para certas celebridades. Onde estava Erasmo Carlos nos últimos trinta e cinco anos para não obrigar Roberto Carlos a mudar de cabeleireiro? Que espécie de irmão é Luciano para permitir que Zezé di Camargo use aquelas calças de couro apertadas? Falando em roupa, pelo amor de Deus, quem é a figurinista de Joelma, da banda Calypso? E cadê a amigona da ex-BBB Íris Stefanelli para avisá-la que acabaram seus quinze minutos de fama?
Para encerrar, proponho uma reflexão: olhe para o lado e repare se não existe alguém precisando de uma luz, de um sábio conselho, daquela palavra de sinceridade. Não perca a chance de ser generoso, não se deixe abater pelo medo. Quem sabe hoje não é dia de descobrir sua vocação para ser o amigão de alguém? Ou mesmo perceber que era você quem estava desesperadamente precisando de um…