Globo Mar revela segredos e mistérios do Arquipélago do Marajó

sex, 24/05/13 por thiago.brandao | categoria Episódio da temporada 2013, Temporada 2013

A calmaria dos rios, a força do mar. Na união da natureza surgiu o Arquipélago do Marajó. E é neste encontro de águas, doce e salgada, que o Globo Mar navega. Com o pé no rio Guamá, em Belém do Pará, começa a viagem do programa, em uma lancha, que tem um nome bastante sugestivo: ‘devaneio’. Bora viajar.

Navegar por essas águas é ter sempre companhia. O programa mostra um dos navios que transportam passageiros de Belém pra Macapá e de Macapá pra Belém. São mais de 20 horas de viagem.

O trafego de embarcações é intenso, a equipe passa por um navio, e por um ferryboat que saiu de Altamira, levando passageiros, e até um carro. Dá pra ver, atrás do carro, um trator, inclusive. E além de transportar os passageiros, transporta carga: açaí, peixe, madeira.

Pra alcançar a Baía do Marajó, a equipe tem que atravessar a Baía do Guajará. Muitos rios deságuam nesta região, famosa por suas praias de água doce. A equipe navega em direção à praia de Caripi, que é uma das mais movimentadas da região, principalmente porque é uma das mais próximas de Belém. De carro, dá mais ou menos uma hora de viagem. E também, o acesso pelo rio é fácil.

A repórter Poliana Abritta mostra um ritual de batismo da população ribeirinha, na beirinha do rio.

Poliana: o Globo Mar gosta de sol, é verdade, mas a gente tá vendo que nuvens carregadas começam a se formar. Não vai ter jeito, nesse programa a gente vai se molhar, e não vai ser por causa do mar, e nem do rio, não, vai ser por causa da chuva.

Só existem duas estações na região, verão e inverno. No inverno, os rios estão cheios, e no verão ficam secos. Estamos no inverno. A força dessa água invade plantações. É preciso ser forte, como os búfalos, pra sobreviver bem aos terrenos alagados.

Ter coragem pra enfrentar a fúria das aguas que se encontram. Há milhares de anos esse encontro dos rios Amazonas e Pará com o Oceano Atlântico foi tão poderoso que elevou o sedimento do fundo e criou o arquipélago de Marajó. São mais de 2,5 mil ilhas. Só na Ilha de Marajó são 16 municípios e cerca de 300 mil habitantes. E em Soure, a equipe do programa foi conhecer a praia do Pesqueiro.

Na praia do Pesqueiro, o mar é de água salobra e as casas dos pescadores são de palafitas, ou seja, elas ficam suspensas exatamente como eram as moradias dos índios marajós.

Poliana: você tem uma vista privilegiada, né? Tá na beirinha, primeira fila.
Moradora: com certeza, a nossa casa era mais pra lá, conforme a maré veio, aí foi derrubando e a gente foi recuando.
Poliana: você falou que a casa era mais pra lá, como é que você recuou essa casa? Como é que faz isso?
Moradora: a gente desmanchou e veio recuando.

As casinhas coloridas, o vento que sopra o tempo todo, e um povo tão simpático que convida a equipe do programa a entrar.

Poliana: por que a senhora mora bem aqui perto da água, perto do mar e não lá atrás, onde a água ia demorar a chegar?
Maria Raimunda dos Santos: porque aqui sempre foi nossa casa, aqui, que nós fizemos, e não era assim. A maré era mais lá.
Poliana: ela entra dentro de casa?
Rafaela Luzia Gomes: não, não entra dentro de casa, mas vem por debaixo da casa da gente. Ano passado veio até mais ou menos na frente, entrou, sujou, e os tocos de água batiam de baixo da casa. Tremia a casa.
Idalina dos Santos: é, eu só vou sair daqui mesmo, desse pedaço, quando o mar me tirar daqui. Enquanto não me tirar eu fico aqui.

Mar ou rio? Rio ou mar? Um ou outro, esse povo corajoso enfrenta. A equipe do programa testemunhou essa coragem quando pegamos carona com o seu Rosildo Santos, que pesca nestas águas há mais de 50 anos.

Poliana: aqui embaixo tá cheio de pedra.
Rosildo Santos: cheio de pedra, cheio de pedra grande.
Poliana: não sei se dá pra vocês perceberem a diferença, mas a gente está saindo de uma área em que o rio tem uma correnteza maior, mais forte, bem movimentado, e o seu Rosildo está me explicando que é porque aqui embaixo tem muita pedra, só embarcação pequena passa por essa região, agora, daqui pra lá o rio fica muito mais tranquilo, a água fica muito mais lisa. Do lado de cá já não tem mais pedra, não é seu Rosildo?
Rosildo: não. Já escapulimos um pouco.

Eles usam a rede de emalhe, que também é conhecida como rede de espera. De um lado, a rede fica suspensa por boias, e debaixo da água, pequenos pesos de chumbo mantém o outro lado no fundo. Os peixes acabam presos na armadilha, que fica invisível nas águas barrentas do Marajó.

Marcelo Vianna, consultor da UFRJ: a característica da pesca artesanal é fazer exatamente com que o pescador use o seu conhecimento tradicional pra pescar da melhor forma naquela área especifica, na melhor época do ano. Então cada um pesca das formas mais diversificadas possíveis.
Poliana: e aqui é uma das regiões do Brasil onde a pescaria sofreu mais influencia, e recebeu a maior herança dos indígenas, dos povos indígenas, né?
Marcelo: isso, é o que a gente chama de pescaria cabocla. É a pescaria típica dos indígenas com um pouquinho da colonização europeia.

Os pescadores jogam a rede varias vezes e nada.

Poliana: vai jogar de novo onde, seu Rosildo?
Rosildo: vou jogar de novo. Procurar o peixe, a gente vai aqui, outro ali, até encontrar o peixe.

Rosildo encontra um peixe. Pra não dizer que não pegamos nada.

Poliana: esse barcão, com esse único peixe. Que fartura, tá fartando peixe, gente. A rede voltou furada, o que houve, seu Rosildo?
Rosildo: o boto é malandro. O pescador tem raiva dele, ele vai comendo o peixe que tem na rede. Aproveita segura e come. Come e a bocada que ele dá ele leva um pedaço da rede também.
Poliana: e qual é a lenda que envolve o boto aqui?
Rosildo: a lenda do boto é que o boto se vira em homem, e a bota vira em mulher e vão bater na casa de pescador, pra namorar pescador também.

O boto se disfarça de homem ou de mulher, mas por baixo do chapéu ele esconde uma grande narina.

Poliana: o nosso amigo lá, nosso companheiro, o Marcilio, tá se metendo em encrenca num tá não?
Rosildo: tá se metendo em encrenca. Vocês não vão dormir, vão sonhar com elas. Beijando elas, tudo elas vão fazer com vocês. Ela é bonita, é loira, se faz de loura bonita, é cabeluda nas costas.
Marcilio: modelo?
Rosildo: é modelo ela, é modelo.
Poliana: se a baía hoje tá pra boto e não tá pro pescador, vambora que a gente tem muita coisa bonita pra ver, tem muita água pela frente.

E de volta ao barco, olha que problemão. O motor parou de funcionar.

Poliana: o Joel falou que aqui no fundo é pedra. E se o casco encostar?
Joel: aí racha. Se sentar em cima da pedra aí pode rachar aí por baixo.
Poliana: ou seja, a gente tem um problema sério. E uma corrida contra o tempo?
Joel: é problema sério, aí a gente afunda.

O barco da equipe estava a apenas um metro acima de um conjunto de rochas muito grande. Uma verdadeira armadilha para destruir barcos.

Poliana: o tempo vai passando e a maré vai baixando e o risco do casco da nossa lancha encostar nas pedras aumenta. Bom, e veio o vento, e veio a chuva, a nossa agonia começou há mais de três horas.

Enfim, chegou o socorro. E veio que veio.

Poliana: estamos na reta final agora, tem cinco horas e meia que a gente tá nessa estória. Tentando voltar, tentando sair do lugar na verdade.

A equipe do programa conseguiu sair dessa e viu o pôr do sol em terra firme.

O Globo Mar está navegando pela Baía de Marajó. A equipe do programa arrumou uma companheira de viagem, uma gaivota, ela acompanhou o barco por muito tempo.

Desde os índios Marajós, que ocuparam a região durante 900 anos, o povo de lá tem que se adaptar às leis que as águas impõem. E se a maré avança, eles recuam as casas. E se a maré não tá boa pra peixe, eles recorrem ao mangue.

Poliana: a gente desembarcou em Salvaterra. A diferença é só o rio, de um lado é Soure, do outro é Salvaterra. E é lá que a equipe foi conhecer uma iguaria que tem que ter coragem para provar. Com quem que o senhor aprendeu a tirar o turu?
Pescador: aprendi com o meu pai.
Poliana: o turu é conhecido como o cupim do mar, ele dá em mangue. Então a gente vai ter que descobrir aí uma madeira que já esteja mais antiga, qual a madeira que o turu gosta de ficar, como é que a gente vai descobrir?
Pescador: é só mangueira. Quando eu conseguir o pau eu vou explicar, pra identificar se tem turu ou não.

O pescador encontra e a repórter Poliana Abritta mostra o turu.

Poliana: dizem que é bom, mas não sou eu que vou experimentar. O professor Marcelo vai poder explicar melhor. Oh, esse aqui tá com a barriga cheia de lama.
Marcelo: ele tem um papel bom e um papel ruim. Na natureza ele age comendo esses troncos mortos e ajudando a reciclar toda essa matéria orgânica. Ele acelera esse processo. E o impacto que ele causa pra gente é que, assim como ele come a madeira no mangue, os troncos mortos, ele come os fundos dos barcos também, então é muito comum você encontrar barcos todo furadinho e quem faz é esse bichinho. Ele, apesar de parecer uma minhoca, ele é um molusco, é um parente da ostra.

Poliana: quantos turus pra encher a barriga? Café da manha?
Pescador: a gente consome em torno de, eu pelo menos consumia em torno de meio litro. Pra poder, eu acho que, saciar a fome.

O turu é fonte de proteína.

Poliana: alguém quer provar?
Marcelo: eu quero estou morrendo de vontade. Tem seu valor. Dá outro pra mim? Lembra frango.

É no mangue também que o seu José pesca o camarão. Ele usa uma armadilha feita à mão, o matapí, confeccionado com um bambu bem levinho, o jutapí.

Poliana: a isca pro camarão que fica dentro do matapí é apenas coco ralado com a casca de arroz tudo triturado e vira essa massa aqui dentro que inclusive não tem um cheiro muito bom não. Mas o camarão gosta não é seu José?
José: adora.
Poliana: três matapís, em quatro horas na água, renderam uma boa quantidade de camarão. O senhor recolhe por dia quanto de camarão, seu José?
José: na faixa de oito litros, de abril em diante, abril, maio e junho esses três meses vai dar muito, que é a época dele.
Poliana: no período que tem muito o senhor diminui?
José: é.
Poliana: por que não tem procura pra tudo isso?
José: é, não tem procura no mercado.

Poliana: tá vendo aquela lancha se aproximando ali? Ela é a nossa salvação. Ontem a noite, depois de um dia exaustivo, a gente recebeu a noticia de que o nosso barco quebrou pela segunda vez. Estava entrando água na lancha, e ai por uma questão de segurança a gente não pôde seguir viagem naquele barco, tivemos que apelar pra todos os santos, e graças a deus um deles ouviu as nossas preces. Uma nova lancha pra gente continuar a nossa viagem. Nunca vi uma baia tão revolta, parece que a gente está em mar aberto. Comandante, é a tempestade ou isso é comum aqui?
Comandante: isso é normal, chove muito nessa época, vai embora, vai surfando.
Poliana: estamos navegando contra o vento, contra a maré. Mas a gente chega lá. É impressionante, a chuva chega assim de um jeito que a gente pensa que vai ter que parar a gravação, que não vai ter jeito mais de continuar. É como num passe de mágica, uma ora o mundo tá acabando, no minuto seguinte vai tudo voltando pro seu lugar, o céu vai abrindo e parece que nada aconteceu.

Esse equilíbrio delicado, mal da pra gente se acostumar com o sol e lá vem chuva de novo. A chuva não é um bom negocio pro pescador marajoara.

Poliana: dois peixes. Vende ou fica só pro senhor mesmo?
Pescador: não, eu levo o que dê pra comer lá em casa, tem que correr atrás.
Poliana: no barco ‘renascer’ os pescadores estão tendo um pouquinho mais de sorte, se é que a gente pode chamar isso de sorte. Dá pra tirar quanto?
Pescador: dá pra tirar uns R$ 40, por ai.
Poliana: com todos esses peixes.
Pescador: é.
Poliana: e ai vocês dividem?
Pescador: é.
Poliana: fica R$ 20 pra cada um.
Pescador: é, por ai.

No inverno não é a quantidade de peixes que diminui, é a quantidade de água que aumenta. Que vem de todos os lados e vai em direção ao oceano. A pesca fica fraca porque os peixes estão dispersos num vasto mar de água doce. Foram quase oito horas de navegação até a equipe do programa chegar na foz do Rio Amazonas, responsável por 20% de toda a água doce do planeta.

Poliana: foi duro, foi difícil, mas o Globo Mar chegou. Estamos no delta do Amazonas, no encontro dos rios Pará e Amazonas com o Oceano Atlântico. Já estamos no Atlântico, mas é que a força do Amazonas se impõe. Ele avança quase 200 quilômetros mar adentro. Conta-se que um ano antes de Pedro Alvares Cabral anunciar oficialmente o descobrimento do Brasil, em 1499 o espanhol navegador Francisco Yañez Pinzon chegou à Ilha de Marajó, foi o primeiro a fazer contato com os povos indígenas que viviam aqui, e ele chegou por aqui, pela costa nordeste da ilha. Só no final do século 16 é que os portugueses conseguiram consolidar o seu domínio nessa região. Isso depois de ter que expulsar holandeses, franceses e ingleses, que a essa altura já estabeleciam relações comerciais com os povos daqui.

A equipe chegou exatamente na linha imaginaria que separa os rios do mar. Quem ultrapassa esse limite tem a sua recompensa.

Poliana: ficaram quanto tempo no mar?
Pescador: nós temos oito dias hoje.
Poliana: oito dias. Eu estou sentada aqui em cima da caixa de peixe, da caixa que mantem o peixe gelado, quanto de peixe o senhor tem aqui?
Pescador: numa faixa de 800 quilos.
Poliana: o que o senhor vem trazendo aqui hoje?
Pescador: aqui tem mapará, dourada, pescada, sardinha, esse aqui é o piranambu.
Poliana: ou seja, tem peixe de água doce e de água salgada aqui hoje.
Pescador: tem.

Cada um vai receber mais ou menos R$200 por todo esse esforço. De sobreviver nessa imensidão, por nove dias, num pequeno barco pesqueiro.

Marcelo Vianna: a gente tem uma pescaria de subsistência muito importante. Essa região propicia pras comunidades do entorno um reforço alimentar. De fome ninguém morre aqui.

A equipe navegou durante 50 horas, ficou a deriva por cinco horas, pegou 12 horas de chuva durante a navegação e carregou mais de uma tonelada de material . Essa expedição só deu certo por causa da força dos marajoaras. Capaz de vencer 99% de água com 100% de coragem e camaradagem.

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15 Respostas para “Globo Mar revela segredos e mistérios do Arquipélago do Marajó”

  1. 1
    wagner tadeu chagas rocha:

    como todos os outros programas “GLOBOMAR”,excelente.

  2. 2
    Fernando Lima:

    Que tal atravessar de caiaque a Baia do Marajó? https://360graus.terra.com.br/canoagem/?did=18542&action=news

  3. 3
    antonia:

    Parabéns, Rede Globo, por mostrar ao mundo o Marajó, país de águas, que
    o Brasil não conhece.

  4. 4
    MARCIO SOUZA:

    MARAJÓ ,LUGAR MARAVILHOSO ,PARÁ TERRA ABENÇOADA …..FALTO VCS VISITAREM MAIS LOCALIDADES.

  5. 5
    Luciana:

    Muito boa a reportagem, minha terra é linda e muito interessante. Valeu Globo Mar!!!

  6. 6
    edrinelma gomes:

    eu gostei da reportagem eu gostaria que um dia vocês viesse fazer uma sobre o municipio de Muaná onde tem lugares maravilhosos,e fica tambèm na ilha do marajo e tem agora em junho tem o festival do camarão que acontece nesse mes.temos tradição e muitos coste e,crenças .

  7. 7
    Lidivani Silva:

    Adorei…moro em Soure…e gostei de ver minha cidade victa bela…

  8. 8
    Rosiane Guedes:

    Parabéns pela coragem de toda a equipe,pois realmente esse lugar é imprevisivel e acolhedor.

  9. 9
    Luciana Abreu:

    Foi maravilhoso conhecer pelo Globo Mar um pouquinho da ilha do Marajó e conhecer a sua história… sou descendente desse lugar, minha mãe é uma marajoara (nasceu em Mangabeira). Obrigada Globo Mar

  10. 10
    karol silva:

    muito triste por pensarem que o Marajó é só Soure e Salvaterra!! cade Ponta de Pedras, por que não mostram ?

  11. 11
    antonio sineiro:

    Gosto muito do mar, por isso também gosto desse programa! Espero vê-lo num horário melhor!

  12. 12
    Ivan Vieira:

    Valeu , globo mar por vcs mostrarem 1 pouco da nossa cultura marajoara , m orgulho de ser paraense parabéns valeu !!!!!!

  13. 13
    JOSE AUGUSTO RIBEIRO BAIA:

    olá. sou nativo da ilha de marajó e adorei ver minha terra e suas belezas naturais.é lindo mesmo. sou nascido em PONTA DE PEDRAS,onde tive uma infancia cheia de banhos de rio,subindo em árvores para colher frutos como manga, e o açaí. que saudade de minha terra.parabéns pelo lindo programa.

  14. 14
    Carla Santos:

    Gente! que programa lindo! estão de parabéns toda a equipe, sou Paraense e tenho muito orgulho da minha terra. Voltem sempre!

  15. 15
    Nilton Peixoto Teixeira:

    parabéns, a toda a equipe do globo mar.mais voçês perceberam que A maioria. de nós telespectadores.Estamos insatisfeitos como horário,muito tarde?

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