Uma arma de papel na Guerra ao Terror: EUA oferecem “dinheiro vivo” em troca de informações sobre terroristas. Maior recompensa: R$ 40 milhões (a oferta é válida para o Brasil…)

qua, 07/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews exibe nesta quarta-feira, às 20:05 (reprise: meia-noite e meia), entrevista inédita em que o ex-agente do Serviço de Segurança Diplomática do Departamento de Estado americano, Fred Burton, fala sobre recompensas milionárias pagas pelo governo dos EUA em troca de informações sobre terroristas

O governo americano usa uma poderosa arma de papel na chamada Guerra ao Terror : dinheiro para informantes.

O Departamento de Estado dos EUA mantém, desde os anos oitenta, um programa chamado “Rewards For Justice”. Cem milhões de dólares já foram pagos a cerca de sessenta informantes que passaram ao governo americano informações que levaram à captura de terroristas. As recompensas não são pagas apenas a quem ajudar a esclarecer ataques terroristas já ocorridos : o prêmio vale, também, para quem der informações que evitem novos atentados. 

Não há qualquer restrição geográfica: as recompensas podem ser pagas a informantes de qualquer parte do mundo.

Gravamos em Austin, Texas, uma longa entrevista com o agente que, durante anos, atuou na frente contra o terror. Chama-se Fred Burton. É autor de livros como “Ghost: Confessions of a Counterterrorism Agent” .

Burton cita um detalhe : as recompensas são pagas, em geral, em “dinheiro vivo”, “em notas de cem dólares” – numa “mala preta”. Se o informante é valioso, pode receber ajuda para ganhar um novo endereço e mudar de identidade. É o que aconteceu com o cúmplice de Ramzi Yousef, o responsável pelo primeiro ataque ao World Trade Center, em 1993. Quando soube que o programa oferecia recompensas pulpudas, o cúmplice entregou o chefe. Recebeu 1 milhão e 100 mil dólares em dinheiro vivo. Trocou de identidade.  Final da novela: o informante “sumiu na poeira da estrada”. Yousef foi preso no Paquistão, transferido para os Estados Unidos e condenado à prisão perpétua.

A maior recompensa oferecida, hoje, é de 25 milhões de dólares ( cerca de 40 milhões de reais ) a quem der informações que resultem na captura do sucessor de Bin Laden na Al-Qaeda, o médico egípcio  Ayman al-Zawahiri.  Há uma lista de cerca de trinta terroristas que valem, na avaliação do Reards for Justice, cinco milhões de dólares cada ( cerca de 8 milhões de reais ).

O Departamento de Estado publica a lista em vinte e oito idiomas – inclusive o português : 

https://www.rewardsforjustice.net/index.cfm?page=wanted_terrorist&language=portuguese

 Trechos da entrevista que a  Globonews levará ao ar nesta quarta-feira:

“A fonte que nos permitiu capturar Ramzi Yousef, o mentor do primeiro ataque ao World Trade Center, recebeu Us$ 1,2 milhão em dinheiro vivo, em uma maleta preta da Samsonite…O dinheiro veio de uma ferramenta poderosa do governo americano: um programa chamado “Rewards for Justice”. O programa foi, literalmente, projetado em um guardanapo no início da década de oitenta. Os informantes recebem pagamento. Não importa em que lugar do mundo estejam. Por exemplo: cidadãos do Brasil, Europa ou sudeste da Ásia podem entrar em contato com o governo americano através de um número gratuito, pelo nosso website, ou por embaixadas e consulados dos EUA em qualquer país , com informações. O governo americano vai tentar confirmá-las. Se forem substanciais, este indivíduo pode receber milhões de dólares. O informante a quem pagamos 1,2 milhão foi transferido para os Estados Unidos, depois que o tiramos do Paquistão. Literalmente, desconheço o paradeiro desse informante hoje. Nós demos o dinheiro a ele. E ele seguiu adiante. Pelo que sei, nunca voltou a entrar em contato conosco. Nunca nos procurou. Era muito dinheiro. Espero que ele tenha investido bem”

“Sempre que oferecemos a alguém a oportunidade de ganhar dinheiro, temos que investigar para excluir pistas forjadas ou alegações malucas – que chegam aos montes. Há os que nos escrevem, nos telefonam ou nos visitam alegando coisas absurdas. Dizem que Muammar Kadhafi vai tomar o plenário da ONU. Ou que o presidente Obama na verdade não trabalha para os Estados Unidos, mas para a Nova Ordem Mundial. Quando divulgamos este tipo de programa para o público, temos que excluir informações errôneas ou ridículas. Usávamos procedimentos como dizer: “Tudo bem. Agora que nos trouxe informação sobre esta ameaça, você aceita passar pelo detector de mentiras ?”. A maioria saía correndo”.

O agente também trata de um caso que envolve o Brasil: o assassinato do coronel Josef Alon, adido militar da Embaixada de Israel nos Estados Unidos, em julho de 1973, em Washington, poucos meses depois do massacre dos atletas israelenses nas Olimpíadas Munique, em setembro de 1972. O ataque à delegação isralense foi feito pela organização Setembro Negro. A investigação comandada por Burton descobriu que o terrorista que se infiltrou  nos EUA para eliminar o adido militar israelenses tinha ligações com a organização terrorista que cometera o ataque em Munique. Depois de obter um passaporte falso, o homem que matou o adido militar israelense teria embarcado para o Brasil – onde, segundo garante Burton, se refugiou em Porto Alegre:

“O terrorista do Setembro Negro que apertou o gatilho e matou o coronel Alon fugiu dos EUA após o assassinato. Recebeu do Setembro Negro uma identidade falsa – que facilitou a viagem ao Brasil. Viajou para Porto Alegre, especificamente, onde se refugiou no interior de uma comunidade palestina durante anos. Tentei localizá-lo no Brasil,o que foi muito difícil. É parecido com a situação na Tríplice Fronteira : não conseguíamos a ajuda de ninguém, o auxílio de ninguém. Eu suspeitava fortemente de alguém o teria advertido sobre nós. O homem fugiu do Brasil e foi para o Líbano, onde estava protegido pelo Hezbollah – que lhe deu abrigo. O que me impressioniou foi a capacidade do Setembro Negro de conseguir um passaporte para ele e levá-lo imediatamente para o Brasil depois do assassinato. Sou impedido por lei de divulgar o nome do verdadeiro assassino. Depois que ele fugiu para o Brasil, voltou para o Líbano. Fontes que tenho na comunidade de inteligência israelense me enviaram uma mensagem por celular. Meus contatos em Israel disseram que eles tinham “resolvido o assunto”. Tinham “cuidado do problema”. Entendi que os israelenses fizeram esse indivíduo desaparecer. Quando ao que aconteceu com ele, só posso especular. Não sei ao certo. Imagino que tenham feito com o atirador o que fizeram com outros agentes palestinos após o massacre de Munique: devem tê-lo assassinado”.

Depois da morte dos atletas israelenses em Munique, o governo de Israel promoveu uma operação clandestina : caçou e eliminou, um por um, em vários países, os terroristas palestinos responsáveis pelo ataque. A operação, batizada de Ira de Deus, virou tema do filme “Munique”, dirigido por Steven Spielberg.

A saga do agente Burton para tentar esclarecer a morte do adido militar da embaixada israelense é o assunto principal do livro que Burton acaba de lançar: “Chasing Shadows”  (“Caçando Sombras”).

A entrevista de Burton ao DOSSIÊ GLOBONEWS : SEGREDOS DE ESTADO joga um pouco de luz sobre operações que, como ele admite, ocorrem quase sempre no mundo das sombras.

Fred Burton dá entrevista à Globonews em Austin, Texas : o agente descreve operações feitas no "mundo das sombras" (Foto: Eduardo Torres )

 

Ex-espião americano revela qual a palavra que usava assustar suspeitos durante interrogatórios no Afeganistão: “Guantánamo”

ter, 06/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews leva ao ar nesta terça-feira, às 20:05, na série DOSSIÊ GLOBONEWS: SEGREDOS DE ESTADO, uma entrevista com Anthony Shaffer, o espião americano que, depois dos atentatos do 11 de Setembro, cumpriu duas missões no Afeganistão, na chamada “Guerra ao Terror”.

O coronel Anthony Shaffer se envolveu numa polêmica inesperada: quando voltou do Afeganistão, depois de participar de operações secretas contra a organização terrorista Al-Qaeda, resolveu publicar um livro. Como sempre acontece, o texto foi submetido previamente à aprovação do comando militar americano.

Título: “Operation Dark Heart” ( o título é uma citação indireta ao filme Apocalipse Now, a obra-prima de Francis Ford Coppola inspirada em “Heart of Darkness”/”O Coração das Trevas”, o livro de Joseph Conrad. A citação não foi gratuita : quando se embrenhou numa área remota do Afeganistão, no encalço de militantes da Al-Qaeda, Shaffer diz que se lembrou do filme de Coppola ).  

Assim que o livro saiu, Shaffer teve uma péssima surpresa:  o Pentágono comprou – e destruiu-  todos os exemplares da primeira edição. Um porta-voz se limitou a dizer que o texto trazia informações que poderiam comprometer a segurança nacional. Resultado: os poucos exemplares que escaparam da destruição terminaram leiloados na Internet por preços que chegaram a dois mil exemplares. Viraram “relíquia”. Uma nova edição, cheia de tarjas pretas, foi lançada. 

O livro descreve uma operação que, na avaliação de Shaffer, deveria ter sido realizada, em território paquistanês, contra uma base da Al-Qaeda. Estava tudo pronto para que um ponto de reunião de líderes da Al-Qaeda fosse bombardeado. Mas o comando militar americano não autorizou a incursão. Tempos depois, Bin Laden seria capturado em circunstâncias parecidas : numa incursão clandestina realizada em território do Paquistão. 

O New York Times deu destaque à proibição do livro do espião. Disse que a “tática do Pentágono” era “destruir livros para guardar segredos”.

Shaffer já tinha virado notícia ao fazer uma declaração que causara alvoroço:  disse que, um ano antes dos ataques do 11 de Setembro, encontrara, durante uma investigação feita nos EUA, uma foto de Mohammed Atta, o estudante egípcio que viria a liderar o grupo de terroristas que lançaram aviões contra o Word Trade Center e o Pentágono. A investigação sobre Atta, no entanto, não teria sido levada adiante - o que configuraria um grave erro de avialiação dos órgãos de segurança interna dos EUA.  

Convocado a depor no Congresso americano, diante da Comissão que investigava o 11 de Setembro, Shaffer manteve o que disse: o homem que ele vira numa foto um ano antes dos ataques era Atta, sim. Mas a Comissão não conseguiu uma prova definitiva de que o homem que viria a chefiar o bando de terroristas tinha sido identificado com tanta antecedência. Ficou, no ar, a polêmica.

Shaffer gravou a entrevista para a Globonews num domingo, em casa, nos arredores de Washington. Revelou qual a palavra que usava para assustar prisioneiros durante interrogatórios: Guantánamo, a prisão que os EUA abriram numa base militar para abrigar suspeitos de terrorismo. A base, como se sabe, fica em território cubano, numa área arrendada desde o início do Século XX pelo governo americano. O próprio Shaffer reconhece, na entrevista, que a reputação de Guantánamo é “péssima”. Assim, bastaria citar o nome da prisão para despertar medo nos interrogados.

Shaffer não se recusa a tocar num ponto delicado:  o tratamento dado a prisioneiros. Em resumo, o ex-espião se declara contra o uso de métodos violentos, mas diz que, numa situação extrema, para evitar um atentado devastador, ele recorreria à tortura para arrancar informações de um suspeito que soubesse o que iria acontecer.

Um trecho da entrevista:

“Uma das melhores abordagens em qualquer interrogatório é usar o medo. E não técnicas violentas. Não sou a favor de interrogatórios violentos. Não apoio a tortura. Mas, se você identifica o medo de alguém, pode usar o medo como ferramenta. Usei, muitas vezes, a ideia de Guantánamo, uma prisão lendária e com péssima reputação na cabeça de qualquer um. A maioria não quer ir para lá. Durante os interrogatórios, em especial de indivíduos suscetíveis, que não queriam ir para Guantánamo, citar a prisão com certeza é uma boa ferramenta. É como dizer: “Se você não cooperar, se não sentirmos que você vai falar toda a verdade, vamos mandar você para Guantánamo!”. A ameaça é, claramente, bem mais eficaz do que o ato em si. Era o que usávamos. Interrogamos um cidadão americano que,  obviamente, temia ir para Guantánamo. Usamos o medo em nosso favor. E ele acabou cedendo, porque teve medo. Isso é o que deve ser feito nos bons interrogatórios”.

O senhor torturaria alguém  ?

“Se houvesse um perigo claro e iminente, ou se eu acreditasse que aquele indivíduo tivesse informações sobre atos que poderiam resultar na morte de dezenas de milhares ou milhões de pessoas, como um ataque nuclear, por exemplo, acho que sim. Se eu estivesse convicto de alguém tinha a informação, eu torturaria. Isso é muito simples. Em interrogatórios com tortura, as pessoas falam o que você quer ouvir, para fazerem com que você vá embora. Isso, no entanto, não quer dizer que elas saibam o que você quer saber! Só há uma possibilidade: só um ataque nuclear ou outro ataque potencialmente catastrófico justificaria o uso de tortura. Nunca vi algo assim em todos esses anos. Ouvi amigos e parceiros comentarem a respeito. É um cenário altamente improvável, mas é o único que, para mim, justificaria a tortura. Quero deixar claro que não somos treinados para torturar”.

“Com base em experiência própria, eu, francamente, nunca acreditei na necessidade de interrogatórios violentos quando você entende como é o sujeito que você interroga. Hoje, esse debate ainda continua. Não estou dizendo – quero que fique bem claro ! – que eu nunca torturaria alguém.. Mas não acredito que seja o caminho correto. Talvez por um momento, como Jack Bauer ? Não creio. Quero deixar claro, novamente, que não acho má ideia obrigar alguém a ficar acordado ouvindo músicas de Perry Como… Há coisas que incomodam muito o prisioneiro. Como incentivo para que ele fale, podemos usar melhoria das condições do cárcere, assim como os seus próprios medos. É só mantê-lo acordado, não deixar que as coisas fiquem agradáveis e ir devolvendo os privilégios conforme ele for cooperando. Nada além. Isso não é tortura. É criar incômodos até o sujeito começar a cooperar”. 

Anthony Shaffer, em entrevista à Globonews : livro destruído pelo Pentágono ( Foto: Eduardo Torres )

O HOMEM QUE CAMINHOU AO LADO DE BIN LADEN PELAS MONTANHAS GELADAS DO AFEGANISTÃO: A AL-QAEDA DESCOBRE O PODER DA INTERNET NA GUERRA DE PROPAGANDA!

seg, 14/09/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

caminhada numa montanha no Afeganistão

Bari Atwan & Bin Laden: caminhada numa montanha no Afeganistão (Foto: cortesia Abdel Bari Atwan)

Jornalista é bicho esquisito. O entrevistado dá os anéis, mas ele quer os dedos. O entrevistado dá um boi, mas ele quer a boiada.

Assim caminham as redações.

Abdel Bari Atwan, o jornalista que foi convocado pela Al Qaeda para um diálogo olho-no-olho com Osama Bin Laden, aceitou nos dar uma longa entrevista, em Londres –  depois de alguma relutância.

Terminada a gravação, pedi encarecidamente ao entrevistado que me cedesse cópias das fotos que ele tirou do megaterrorista Bin Laden.

Atwan tinha me dado um boi : a entrevista. Eu estava pedindo a boiada.

Faz parte.

A insistência, desta vez, foi premiada : o homem nos “brindou” com cópias de fotos que ele próprio tirou de Bin Laden, nas montanhas geladas do Afeganistão.

Um militante da Al Qaeda fez, a Atwan, o favor de clicá-lo ao lado do chefe Bin Laden. Assim, Atwan pôde descer das montanhas para a planície com uma prova indiscutível de que o encontro existiu  ( Bin Laden não permitiu gravações).

Bari Atwan chama a ateñão para um detalhe que nem sempre é levado em conta: a Al-Qaeda, hoje, já não precisa fazer, pessoalmente, a catequese de militantes. A “ideologia” da organização se espalha via Internet.

Eis a terceira e última parte de nossa entrevista com Abdel Bari Atwan sobre os encontros que ele teve o chefão da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, antes dos atentados do 11 de Setembro:

diálogos e caminhadas, sem gravador por perto

Atwan e Bin Laden: diálogos e caminhadas, sem gravador por perto (Foto: cortesia Abdel Bari Atwan)

 

“Amo a experiência americana. Mas, para nós, árabes, muçulmanos, povos do Terceiro Mundo,o problema é a política externa americana – que vem nos destruindo!”

 Que tipo de sentimento o senhor tem em relação aos Estados Unidos?

 Amo os Estados Unidos. Amo a experiência americana. Imigrantes de todas as partes do mundo foram ao país. Criaram uma superpotência. É um país multicultural, multiétnico, multirreligioso. Nós encontramos nos Estados Unidos todas as cores, todas as culturas, todas as religiões que, ao trabalharem juntas, conseguiram criar uma grande superpotência. A igualdade, a democracia, os direitos humanos, a constituição, tudo forma uma bela experiência. Gostaria que tivéssemos esta experiência em todo o mundo.

Mas, para nós, árabes, muçulmanos, povos do Terceiro Mundo,o problema é a política externa americana – que vem nos destruindo 

Os Estados Unidos apóiam ditaduras no Oriente Médio e lançam guerras. Hoje, enfrentamos três guerras no mundo islâmico: estão nos combatendo no Afeganistão, estão nos combatendo no Iraque, estão nos combatendo na Palestina, porque apóiam ocupações israelenses. É este o nosso problema com os Estados Unidos.

Se os Estados Unidos tivessem uma política externa justa, que nos tratasse, a nós, árabes e muçulmanos, como trata o povo americano, com igualdade, sob as regras da lei, não haveria problema.  Se tivéssemos um sistema judiciário independente, como eles têm, seria excelente”.

Abdel Bari Atwan)

Bin Laden: livros e armas (Foto: Abdel Bari Atwan)

Bin Laden convidou o senhor para entrevistá-lo. Por que ele não permitiu que o senhor gravasse a entrevista?

“Fui convidado por Osama Bin Laden para fazer  a entrevista. Bin Laden chegou a ter um embaixador em Londres – que circulava em público. Não era, portanto, considerado um terrorista. Depois, o embaixador foi preso, porque os Estados Unidos queriam que ele fosse deportado, sob a acusação de que enviou telefones satélite para os acusados de atacar as embaixadas em Nairóbi e Dar es Salaam.

“Um dos colegas de Bin Laden disse-me que Bin  Laden não gravou porque não queria cometer erros na construção das frases”

Quando cheguei diante de Bin Laden, fui surpreendido porque ele não queria que a entrevista fosse gravada! Atuei, então, como um estudante: fiquei tomando notas enquanto ele me dava as respostas. Detesto tomar notas assim! Sou editor de um jornal.

Eu nem poderia insistir para que a entrevista fosse gravada ou perguntar por que ele não queria que eu usasse o gravador. Mas, depois, Abu Musab, um dos colegas de Bin Laden, disse-me que Bin Laden não gravou porque não queria cometer erros na construção das frases. Não queria também cometer eventuais equívocos na citação de passagens do Alcorão. Porque erros poderiam ser usados contra ele, como prova de que ele não seria  qualificado, depois, como Mullah ( n: uma espécie de clérigo).

Pareceu-me que Osama Bin Laden estava planejando tudo desde o início:  um dia, ele seria o Califa, o líder de todos os islâmicos do mundo. Não queria, então, que alguém tivesse em mãos qualquer prova de que tivesse cometido erros ou de que não conhecia o Alcorão ou a gramática árabe!”

“Perguntei :”Onde é que fica o toilete?”. Responderam: “Toilete? Você pensa que aqui é o Sheraton ou o Hotel Hilton? Trate de encontrar uma árvore. Vá se lavar lá”.

cortesia Abdel Bari Atwan)

Bin Laden: os motivos do "ódio" (Foto: Abdel Bari Atwan)

O senhor rezou com Bin Laden?

“Rezei. Um grupo me esperava do lado de fora, às quatro horas da manhã, debaixo de uma temperatura gelada, algo como vinte e cinco graus abaixo de zero! Deram-me um pouco de água. Porque a reza da manhã é a única em que você precisa se lavar. Trouxeram-me, então, água numa espécie de bacia. Disseram que era para a higiene matinal. O que notei é que eles iam para fora da caverna, para se levar. Precisavam tirar as calças. Mas estava gelado. Perguntei :”Onde é que fica o toilete?”. Responderam: “Toilete? Você pensa que aqui é o Sheraton ou o Hotel Hilton? Trate de encontrar uma árvore. Vá se lavar lá”.

Como sou tímido, tive de ir para longe da caverna. Não sou como eles. E estava gelado! Tive a impressão de que minhas pernas iam ser separadas do meu corpo.

Terminei rezando depois de Osama Bin Laden. Graças a Deus, ele me pediu para deixar o grupo que estava rezando, porque minha participação poderia ter sido catastrófica.Eu poderia cometer equívocos ao citar passagens do Corão”.

A morte de Bin Laden hoje significaria o fim da Al-Qaeda?

 “Se você me fizesse esta pergunta antes da invasão do Iraque ou antes do 11 de setembro, eu responderia que a morte de Bin Laden significaria o fim da Al- Qaeda. Porque no Oriente Médio, no mundo islâmico, as organizações giram em torno de um homem. Quando o líder é morto, a organização se desintegra. Mas a Al Qaeda é diferente. A organização se transformou.

“O que existia, antes, era uma Al-Qaeda. Hoje, há várias mini-Al-Qaedas. É como um franchising, uma rede de lanchonetes”

Osama Bin Laden desapareceu nos últimos anos. Mas a Al Qaeda vem se fortalecendo cada vez mais.

É dez vezes mais do que era antes, em consequência da guerra da política externa do presidente George Bush. A Al-Qaeda deixou de ser o que era antes: uma organização em forma de pirâmide, em que existia uma cúpula e uma base : hoje, a Al-Qaeda é uma organização que se espalhou.

O que existia, antes, era uma Al Qaeda. Hoje, há várias mini-Al Qaedas. É como um franchising, uma rede de lanchonetes como a Kentucky Fried Chicken. Hoje, existe Al Qaeda no Afeganistão, Al Qaeda no Paquistão, Al Qaeda na Arábia Saudita, Al Qaeda no Iraque, Al Qaeda na Somália. Amanhã, quem sabe, haverá Al Qaeda na Europa,  Al Qaeda em Darfur.

As mini-Al Qaedas são totalmente independentes do quartel-general da organização. Igualmente, a Al Qaeda já não depende da TV Al Jazeera ou do jornal Al Quds para divulgar seus comunicados.

Hoje, a organização dispõe de uma mídia alternativa: os sites na  Internet! Assim, a Al Qaeda consegue chegar na frente do governo e dos serviços de informação americanos.  A ideologia da Al Qaeda pode ser vista na Internet. Qualquer pessoa pode acessar esta ideologia: hoje, ninguém precisa ir ao pregador ou ao líder ou esperar por instruções ou por lições sobre a ideologia da Al Qaeda. É este é perigo!”.

(A íntegra do depoimento de Abdel Bari Atwan aparece no “Dossiê História”/Editora Globo)

UM TELEFONEMA ENIGMÁTICO DE UM MILITANTE DA AL-QAEDA. TEMPOS DEPOIS, VEIO O 11 DE SETEMBRO

dom, 13/09/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Eis a segunda das três partes do depoimento de Abdel Bari Atwan, dono de um jornal de língua árabe sediado em Londres – o homem que encarou Bin Laden:    

GMN)

Atwan: contatos imediatos com Bin Laden (Foto: GMN)

É verdade que o senhor recebeu informação prévia sobre aquele que viria a ser o pior ataque terrorista da história?

“Eu estava esperando um ataque da Al-Qaeda contra os Estados Unidos. Mas, para ser sincero, não esperava que fosse na escala do que aconteceu em Nova York, no 11 de setembro.

O braço direito militar de Bin Laden tinha me dito que a Al Qaeda iria ensinar aos Estados Unidos uma lição muito, muito grande , algo de que os americanos jamais se esqueceriam. Recebi, portanto,a informação de que “alguma coisa” iria acontecer, porque Osama Bin Laden estava se preparando para algo “grande”. A ligação telefônica que recebi dizia : “Pode esperar que alguma coisa vai acontecer”.

Imaginei que a Al-Qaeda iria atacar uma embaixada americana. Mas nunca me ocorreu que eles fossem tão longe, a ponto de planejar um ataque ao World Trade Center, o maior centro financeiro do mundo. Mas eles planejaram o ato muito bem, o que, para mim, foi uma surpresa” .

GMN )

Atwan : sinais da Al-Qaeda ( Foto : GMN )

O senhor se arrepende de não ter avisado a ninguém sobre a possibilidade de um grande ataque?

“Recebemos, durante todo o tempo, informações sobre ataques que, no fim, terminam não acontecendo. Pensei, então, que este tipo de telefonema que recebi trazia um tipo de informação igual a tantas outras.    

Nós, árabes, habitantes do mundo islâmico, estamos sempre ameaçando atacar ou praticar vingança. As ameaças às vezes se realizam mas, em outras, não. Eu não estava realmente certo de que eles estavam preparando um ataque da escala do que aconteceu. Não levei o aviso a sério. Mas, se eu pudesse evitar um ataque maciço como aquele, eu evitaria”

 “Quando eu mencionava os Estados Unidos, podia ver o sangue subir à cabeça de Bin Laden”

Que tipo de comentário Bin Laden fez ao senhor sobre a possibilidade de fazer um grande ataque contra os Estados Unidos?

Bin Laden estava cheio de ódio contra os Estados Unidos. Pude ver. O que ele queria era se vingar, fazer um grande ataque. Era o tempo todo assim. Quando eu mencionava os Estados Unidos, podia ver o sangue lhe subir à cabeça.

Bin Laden me disse que queria se vingar. Queria atacar. Queria promover um ataque muito, muito grande. Queria atingir os Estados Unidos no bolso. Ou seja: abalar o nervo financeiro do país de uma maneira ou outra. Mas não havia como dizer. O que ele me disse é que um grande ataque exige muita preparação. Não é fácil. Um ataque assim demanda tempo e preparo. Ao me dizer estas coisas, talvez ele estivesse se referindo ao que viria a acontecer no 11 de setembro”.

Qual foi o momento mais assustador do encontro que o senhor teve com Bin Laden?

“Houve três coisas assustadoras.

Primeira: quando estávamos indo para o encontro, em Tora Bora, passamos por estradas primitivas e estreitas. Eram estradas feitas para camelos e burros, não para carros. Quanto mais alta a estrada, mais escorregadia. O motorista devia ter uns dezoito anos. Dirigia como se estivesse numa autoestrada. Fiquei morrendo de medo.

“O motorista respondeu: ” Um grupo estava passando por aqui. Uma grande pedra caiu. Esmagou o carro. Todos morreram. Estão com Deus agora, no paraíso. São mártires”

Segunda: quando a gente estava chegando ao topo da montanha, vi pedras que rolavam sobre a estrada. O motorista parava o carro na estrada, para remover as pedras do meio do caminho. Tudo indicava que outras pedras iriam cair, adiante. Perguntei: “Isso é normal?”. Porque era assustador ver pedras caindo na estrada. O motorista respondeu: “É normal! Dez dias atrás, um grupo estava passando por aqui. Uma grande pedra caiu. Esmagou o carro. Todos morreram. Estão com Deus agora, no paraíso. São mártires. Então, se acontecer algo assim, será bom, porque iremos para o paraíso!”.

Eu disse: “Talvez seja cedo para eu ir para o paraíso. Porque quero fazer a entrevista….”.

Terceira: cinco minutos depois de chegar à caverna, ouvi barulho de tiro, foguetes, tudo.Todo mundo que estava dentro da caverna correu para fora, com suas armas. Fiquei onde estava, na caverna. Quase não me mexi. O som de tiros durou uns quinze,vinte minutos. Eram foguetes, eram bateria anti-aérea.

Quando voltaram, eles disseram: “Isso foi um exercício militar. Os americanos poderiam ter seguido você. Fazemos estes exercícios rotineiramente”.

Quando o exercício ia começar pela segunda vez, segurei um dos soldados e disse: “Por favor, fique comigo! Estou assustado!”. Os outros foram para fora da caverna, mas este ficou comigo. Temi que os americanos poderiam nos atingir. Se atingissem, tudo estaria acabado para nós ali.

 “Estava dormindo no mesmo quarto que Osama Bin Laden. Botei a mão embaixo da cama. Puxei. Era um revólver”

 Depois, quando eu estava dormindo no mesmo quarto que Osama Bin Laden, em camas que na verdade eram feitas de galhos de árvores, logo senti que havia alguma coisa incomodando minhas costas. Não eram camas apropriadas. Não estávamos no Hotel Sheraton, afinal de contas. Como  a cama era ruim, eu não conseguia dormir direito. Tentei, então, ver o que estava me incomodando. Botei a mão embaixo da cama. Puxei. Era um revólver.

Puxei as outras coisas: era uma caixa de granadas de mão! Descobri que estava dormindo sobre um arsenal!

Bin Laden estava ao lado – dormindo. Posso dizer que ele não roncava. Se alguém quisesse matá-lo, aquela era a melhor oportunidade. Porque eu tinha os revólveres, as granadas, tudo. Mas eu pensaria em algo assim….”

GMN)

Atwan : escolhido pela Al-Qaeda para a missão (Foto:GMN)

Qual foi a impressão pessoal mais marcante que Bin Laden deixou no senhor?

“Fala pouco. Não é feito nós, árabes do Oriente Médio ou talvez latino-americanos, que são barulhentos e usam as mãos para falar…Não.

“É calmo. Ri raramente. Fala com suavidade. Jamais interrompe você”

É calmo. Ri raramente. Fala com suavidade. Jamais interrompe você. Espera que você termine de falar. Quando fala, usa poucas palavras. Não é feito nós, que falamos sem parar. Ao mesmo tempo, ele tem senso de humor. Disse-me: “Precisamos da América. Queremos cooperar com eles. Precisamos vender o petróleo que temos. Não podemos beber petróleo. Não dá para beber…”.

 A partir do que ouviu de Bin Laden, como é que o senhor explica o ódio extremo que ele desenvolveu contra a civilização ocidental?

  “Os Estados Unidos são odiados por Osama Bin Laden – que vive cheio de ódio contra a administração americana, não contra o povo.  Bin Laden é contra as políticas americanas, porque sente que, quando estava combatendo as tropas soviéticas no Afeganistão , foi usado pelos americanos e,depois, descartado, como se fosse um lenço de papel. Milhares de árabes mujahedins foram mortos na luta para manter as tropas soviéticas fora do Afeganistão. Osama Bin Laden ficou amargurado. Depois que eles derrotaram as tropas soviéticas, os Estados Unidos os descartaram. Como se não bastasse, os combatentes passaram a ser considerados de terroristas. Ou seja:  cumpriram um papel, foram abandonados e, no fim das contas, ainda foram acusados de ser terroristas.

Bin Laden lutou no Afeganistão para libertar o país de tropas estrangeiras. Mas, quando voltou para a Arábia Saudita, viu que havia meio milhão de soldados americanos lá, justamente no país em que ele nasceu. Perguntou: “Qual é a diferença? O que ocorria no Afeganistão era uma ocupação soviética. Aqui,  é ocupação americana”.

Feitas as contas, ele sentia  que tinha sido deixado de lado e traído pelos americanos. Para ele, os americanos estavam fazendo, na Arábia Saudita,  a mesma coisa que os soviéticos tinham feito no Afeganistão”.

 A SEGUIR: ÚLTIMA PARTE DO DEPOIMENTO. AS FOTOS DE BIN LADEN. UMA RADIOGRAFIA DA AL QAEDA, A ORGANIZAÇÃO TERRORISTA QUE ELEGEU OS ESTADOS UNIDOS COMO ALVO NÚMERO UM.  

AS DESCOBERTAS DO HOMEM QUE ESTEVE FRENTE A FRENTE COM BIN LADEN : O SUPERTERRORISTA TEM MEDO DE GRAVADOR! (PARTE 1)

sáb, 12/09/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Perguntei ao Joel Silveira octogenário qual era a grande entrevista que ele gostaria de ter feito mas não fez.

Resposta na ponta da língua : Adolf Hitler.

O maior repórter brasileiro me disse que aproveitaria a entrevista para fazer uma ponderação:  ”Eu diria a ele : “Hitler, você deveria ter se dedicado à pintura! Não deveria ter abandonado seus quadros. O mundo ganharia um pintor medíocre. Em compensação, se livraria de um psicopata sanguinário”. É claro que, quando eu desse este conselho a Hitler, a entrevista seria imediatamente interrompida. Eu seria levado para fora da sala e executado dez minutos depois”.

Joel ria ao me descrever a cena imaginária.

A escolha de Hitler para a grande entrevista é perfeitamente compreensível.

Todo jornalista que se preza daria a mão direita para ter a chance de interrogar um vilão da magnitude de Hitler.

E hoje? Quem é o vilão que mereceria qualquer sacrifício em troca de uma entrevista ? Eu ofereceria meu time de botão preferido e uma foto autografada de Charlotte Rampling em troca de cinco minutos diante do megaterrorista Osama Bin Laden.

O motivo: o mal é, sempre foi e será jornalisticamente fascinante. 

Bin Laden dificilmente sairá de seus esconderijos para brindar um repórter com uma entrevista – menos ainda um brasileiro.

Mas….tive a chance de colher, em Londres, um longo depoimento do homem que interrogou Bin Laden “ao vivo e a cores”, frente a frente, numa caverna no Afeganistão.

Eis o que escrevi depois de entrevistar Abdel Bari Atwan, um dos personagens mais desconfiados que tive a chance de encontrar: 

Primeira (e surpreendente ) descoberta: Bin Laden não permite que suas palavras sejam gravadas. O cúmulo do perfeccionismo : não quer que um eventual vacilo na fala seja eternizado numa gravação

Apoiado por um cajado – que lhe confere um ar de pastor de ovelhas –  Bin Laden caminha por uma trilha coberta de neve, nas alturas de uma montanha de Tora Bora, no Afeganistão. Com voz suave, descreve qual é a tática que pretende usar para infligir derrotas, vexames, danos e humilhações à superpotência que seus olhos fundamentalistas enxergam como a encarnação do mal na terra: os Estados Unidos da América.

Ao lado de Bin Laden, Abdel Bari Atwan - que detectou a “suavidade” no tom de voz do líder da organização terrorista Al Quaeda- , anota freneticamente tudo o que ouve. Tentou gravar a peroração, mas esbarrou na resistência de Bin Laden a gravadores.

( Atwan procurou saber por que diabos Osama Bin Laden preferia que suas palavras fossem anotadas, ao invés de gravadas. Um dos militantes da Al-Qaeda deu a ele uma informação que serve de pista sobre o que passa pela cabeça deste pastor de ovelhas antiamericanas : Bin Laden não queria gravar porque poderia, quem sabe, cometer um ou outro tropeço na construção de uma frase ou na citação de uma passagem do Alcorão. Diante do que viu e ouviu, Atwan elaborou uma explicação para este demonstração extremada de perfeccionismo :  como espera um dia ser entronizado como o califa que comandará os muçulmanos de todo o planeta, Bin Laden não quer deixar, atrás de si, registros de imperfeições, por menores que sejam).  

GMN )

Abdel Bari Atwan : frente a frente com Bin Laden ( Foto: GMN )

Terminada a peroração de Bin Laden, Atwan descobriu que tinha colhido na fonte, sem intermediários, as duas pontas de um novelo.

Primeira ponta: os motivos do ódio que o homem do cajado devotava aos Estados Unidos ( São dois. Bin Laden reclamou de que os Estados Unidos usaram – e depois abandonaram – guerrilheiros islâmicos “fervorosos” que, nos anos oitenta, lutavam contra as tropas soviéticas que tinham invadido o Afeganistão, um país islâmico. A derrota soviética atendia aos interesses americanos, porque a União Soviética era a grande inimiga dos Estados Unidos no cenário internacional. Segundo motivo: Bin Laden considerou um sacrilégio intolerável a presença maciça de soldados americanos em lugares sagrados do islamismo, na Arábia Saudita, durante o deslocamento de tropas que lutaram na primeira Guerra do Golfo, em 1991. As origens da guerra que ele declararia aos Estados Unidos remontam, então, ao  Afeganistão e à Arábia Saudita. Bin Laden também se queixou do apoio americano a “ditaduras corruptas” no mundo árabe).

Segunda ponta: a revelação de Bin Laden sobre a tática que adotaria contra os Estados Unidos ( já, já, Atwan dará detalhes sobre o que ouviu).

O convite para um encontro frente-a-frente com Osama Bin Laden partiu da própria Al-Qaeda. O convidado não vacilou um segundo antes de aceitar

Atwan bate no peito: diz que os três dias que passou em companhia de Bin Laden em Tora Bora o transformaram no jornalista que mais tempo ficou com o líder da Al-Qaeda, antes ou depois do 11 de Setembro.

( Quem é, afinal, este homem a quem Bin Laden fez tantas confidências, antes dos ataques do 11 de setembro de 2001?  Abdel Bari Atwan é um palestino, nascido na Faixa de Gaza. Radicado na Inglaterra, dirige um jornal de língua árabe que é publicado em Londres, o Al-Quds al- Arabi. A chance de um encontro face a face com Bin Laden nas montanhas de Tora Bora nasceu depois de um convite da Al Qaeda. 

Não por acaso, Atwan se tornou especialista na Al-Qaeda. Disse sim ao nosso pedido de entrevista. Mas demonstrou ser um homem desconfiado. Vive olhando para os lados, como se estivesse se guardando contra a investida de algum intruso imaginário. Sobre a mesa de trabalho, mantém um terço ao alcance da mão, ao lado do teclado do computador. O bigode é de Sadam Hussein. Os cabelos devem ter passado por uma tintura rejuvenescedora).

GMN )

Pausa para uma oração no meio da entrevista ( Foto : GMN )

Jornais publicaram que Osama Bin Laden chegou a andar com um cartão de visita de Atwan no bolso. Atwan já declarou, escreveu e repetiu que não endossa nem apóia a  “agenda da Al-Qaeda”.  Mas é certo que o encontro nas montanhas de Bora Bora serviu para estabelecer uma relação de confiança entre o bigodudo Atwan e o candidato a califa Osama Bin Laden . Basta um exemplo: a Al Qaeda escolheu o jornal de Atwan para divulgar comunicados de repercussão mundial, como, por exemplo, o e-mail em que a organização assumia a autoria dos atentados que abalaram Madrid em 2005.   

Aos olhos das autoridades americanas, no entanto, os contatos de Abdel Bari Atwan com a Al-Qaeda podem ter sido meramente profissionais, mas foram  suficientes para envolvê-lo sob manto de suspeição. As tentativas que Atwan fez para obter visto de entrada nos Estados Unidos, para atender a convites de universidades,  trombaram em dificuldades, restrições e vexames. Atwan desistiu de tentar de novo. 

As instalações do jornal Al-Quds al Arabi são modestas. Ficam no primeiro andar de um prédio feio na King Street.

Começa a gravação. Abdel Bari Atwan vai traçar um retrato falado sobre o homem que declarou guerra à maior potência militar do planeta:

Bin Laden me disse : “Se eu conseguir atrair os americanos para o Oriente Médio, para combatê-los  em meu próprio terreno, em meu próprio chão, em meu próprio quintal, será perfeito”

Qual foi o comentário mais marcante que Bin Laden fez ao senhor sobre a luta contra os Estados Unidos?

“Osama Bin Laden me levou para uma “excursão turística” pelas montanhas de Tora Bora. Caminhamos sob um frio intenso. Disse-me: “Não posso combater os americanos nos Estados Unidos , porque é extremamente difícil. É algo que exige grande planejamento e grande esforço. Mas, se eu conseguir atrair os americanos para o Oriente Médio, para combatê-los em meu próprio terreno, em meu próprio chão, em meu próprio quintal, será perfeito. Prometo a você: farei maravilhas, porque esta será uma das melhores coisas que podem acontecer em minha vida: lutar contra os americanos em território islâmico, em território árabe”.

Parece-me que o presidente Bush, um homem esperto, cumpriu este desejo de Bin Laden ao invadir o Iraque e o Afeganistão….Hoje, a Al-Qaeda se reagrupa no Afeganistão; o Talibã, também, impõe perdas nas forças da Otan. Destruíram a reputação da América – política e militar – depois da invasão do Iraque. Veja-se o que a Al Qaeda e outras organizações estão fazendo contra as forças americanas no Iraque: cerca de três mil mortes! Deus sabe o que acontecerá ainda”.

O senhor diz que Bin Laden transformou os Estados Unidos em parte do Oriente Médio. Como é que o senhor explica esta estratégia?

“Bin Laden conseguiu enganar os Estados Unidos. Conseguiu ser mais rápido do que eles: fez o ataque contra o World Trade Center para fazer com que os americanos mandassem tropas para o Oriente Médio e para o Afeganistão. Lá, Bin Laden poderia combatê-las.

 ”Sabia que, se os Estados Unidos enviassem tropas para o Oriente Médio, enfrentariam o destino que enfrentaram no Vietnam ou que os soviéticos enfrentaram no Afeganistão”

Quem olha para a História vai ver que todos os impérios caíram porque tentaram expandir suas fronteiras e atacar países menores. Parece que Bin Laden estudou História muito bem. Porque sabia que, se os Estados Unidos enviassem tropas para o Oriente Médio, enfrentariam o destino que enfrentaram no Vietnam ou que os soviéticos enfrentaram no Afeganistão. Bin Laden planejou tudo. Deve estar satisfeito.

Escondido em algum lugar, ele deve estar esfregando as mãos, contente, porque não poderia imaginar que os Estados Unidos iriam fazer o que estão fazendo agora. Bin Laden não imaginaria que os Estados Unidos estariam sofrendo derrotas num país como o Iraque. Não esperaria que os Estados Unidos fossem gastar esta montanha de dinheiro, centenas de bilhões de dólares, além de perder três mil soldados, até agora.

Se Bin Laden morrer amanhã, morrerá feliz. Porque conseguiu se vingar dos Estados Unidos, grande país que ele considera o mal:  Bin Laden fez com que os Estados Unidos fossem humilhados no Oriente Médio, na mão de muçulmanos e árabes. Deve estar extremamente feliz agora”.

“Disse que gostaria de ter morrido com seus companheiros que foram mortos na luta contra as tropas soviéticas no Afeganistão. Porque ele considera esta vida precária. O que ele quer é a  vida eterna. Quer ir para o paraíso”

Depois dos encontros com Bin Laden, o senhor escreveu que teve a impressão de que ele não era um homem comum. O que é que ele tinha de tão extraordinário?

“O que chamou minha atenção, no caso de Osama Bin Laden, é que ele é um homem corajoso. Não teme a morte. A verdade é que ele lamentava o fato de ainda estar vivo.

Bin Laden me disse que gostaria de ter morrido com seus companheiros que foram mortos na luta contra as tropas soviéticas no Afeganistão. Porque ele considera esta vida precária. O que ele quer é a vida eterna. Quer ir para o paraíso. A declaração que Bin Laden me fez neste sentido me impressionou.

O que me impressionou também foi a humildade que Bin Laden cultiva. Um exemplo: ele comia a mesma comida que os seus colegas, como qualquer outro guerrilheiro mujahedin ( n: é este o nome dado a um muçulmano envolvido numa batalha. A palavra mujahedin significa “combatente”) . Por esta razão, era adorado e amado por eles. Bin Laden me mostrou coragem. Parecia ter paz de consciência. Não demonstrava ter medo de nada. É um personagem fascinante”.

“Não usa telefone. Não usa celular. Não usa qualquer tipo de equipamento eletrônico, porque sabe sabe que pode ser fatal”

 É verdade que o senhor recebeu ligações da Al-Qaeda?   

 “Recebi várias chamadas telefônicas da Al-Qaeda, mas não de Bin Laden, pessoalmente. As ligações foram feitas pelo braço direito de Bin Laden na área militar, Abu Hafs al-Misri, depois do bombardeio de Kandahar, em 1998, quando o presidente Bill Clinton enviou mísseis Cruise como vingança contra o ataque a embaixadas americanas em Nairóbi (Quênia) e Dar es Salaam (Tanzânia).

 Abu me telefonou. Disse-me que eles iam se vingar. Iriam dar aos Estados Unidos uma lição que os Estados Unidos jamais tinham recebido. É provável que ele estivesse dando sinais do que aconteceria no 11 de Setembro. 

Osama Bin Laden pessoalmente não usa telefone. Não usa celular. Não usa qualquer tipo de equipamento eletrônico,porque sabe sabe que pode ser fatal. Mas os seus colegas e assessores usam telefone”.

A SEGUIR, NA PARTE II : POR QUE BIN LADEN ESTAVA “CHEIO DE ÓDIO”. O BLOGUEIRO GANHA UM “BRINDE” : FOTOS ORIGINAIS DO TERRORISTA NAS MONTANHAS DO AFEGANISTÃO!              

O DIA EM QUE O GRANDE REBELDE NORMAN MAILER DECRETOU, SEM ALEGRIA, O FIM DE UMA ERA: “JÁ NÃO SOMOS UMA CULTURA LITERÁRIA. SOMOS UMA CULTURA TELEVISIVA”

ter, 08/09/09
por Geneton Moraes Neto |

Começo contando vantagem :  testemunhei, gravei e fotografei uma das últimas aparições públicas de um monumento da literatura americana. 

( Pausa para oração. Dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, padroeira dos repórteres: além de contar vantagens, que outra arma um blogueiro acidental pode empunhar para implorar pela atenção de transeuntes apressados ? A padroeira fica em silêncio. Vou em frente). 

Aos amantes da palavra impressa, lamento informar que as notícias não são boas.

Quando saí daquele auditório, tive a impressão de ter testemunhado o fim de uma era. Divido esta experiência com os frequentadores do DOSSIÊ GERAL.  Vasculho meus arquivos implacáveis em busca do meu relato.

Ei-lo:

O lamento do velho lobo: um americano médio é incapaz de citar o nome de três bons escritores contemporâneos

Acabou. O fim de uma época em que os escritores tinham uma voz ativa na sociedade foi decretada por um porta-voz insuspeito: um grande escritor. Nome: Norman Mailer. Sem qualquer alegria, ele constata que, hoje, um americano médio, “razoavelmente inteligente”, não seria capaz de citar o nome de três bons escritores contemporâneos. Adeus, meninos.

It´s all over now, baby blue.

E agora?

Agora, vale a pena ouvir a palavra de Mr. Mailer. Eis o homem: o Grande Rebelde das Letras Americanas, o velho porta-voz das insurreições, o Eterno Dissidente, o “último ícone da literatura americana do Século XX” caminha apoiado por duas bengalas. Os cabelos, desalinhados, clamam por um pente. Traja uma camisa laranja de mangas compridas. Uma jaqueta protege-o dos rigores do inverno.

Primeira constatação: a longevidade – definitivamente – não vem de graça: o tempo cobra, ao Norman Mailer de 83 anos, o pedágio imposto aos octogenários que ousam desafiar a passagem dos séculos

(quando Mailer nasceu, no último dia de janeiro de 1923, em Long Branch, New Jersey, a Primeira guerra Mundial tinha acabado havia apenas cinco anos. Os horrores do delírio hitlerista, a viagem do homem rumo às estrelas, o rosto estilhaçado de John Kennedy em Dallas, a aventura americana no Vietnam, a rebelião dos jovens dos anos sessenta, todos estes temas que um dia ocupariam a pena do Mailer escritor ainda demorariam décadas para acontecer: eram apenas uma possibilidade escondida nas cartas de alguma cigana).

Mailer reclama : já não pode encarar o espoucar dos flashs

Quando fala, o Grande Rebelde pontua as frases com um pigarro renitente. Quando ouve, fixa os olhos limpidamente azuis no movimento dos lábios do interlocutor – um esforço para captar, no ar, as palavras que a quase surdez o impede de ouvir.

“Eu estou ficando surdo a cada minuto” – confessa, sem esforço para disfarçar a ruína auditiva. “Estou ficando velho. Já não terei tanto tempo” – diria, pouco depois. “Desculpe o pigarro. O motorista me disse outro dia, sobre minha voz: “Você soa como Richard Nixon no fim da vida…”.

Que ninguém se iluda com a aparente autocomiseração. O octogenário Norman Mailer provará já, já, que não lhe falta fôlego para disparar petardos verbais em todas as direções.

O Grande Rebelde me brindaria esta noite com uma confidência feita ao pé do ouvido – um pequeno prêmio concedido à minha impertinência. Assediado por fãs que pediam um autógrafo em exemplares do recém-lançado “The Big Empty”, o livro que reúne seus diálogos políticos com o filho John Buffalo , Mailer comete ali e aqui pequenas indelicadezas, facilmente perdoáveis quando se contam as décadas que já acumula sobre os ombros.

Um leitor estende-lhe um bilhete. Mailer nem olha para o pedaço de papel: “Não posso ler. Não posso”. Quando outro fã dispara flashs a dois palmos de seus olhos, resmunga: “Gente de minha idade não pode encarar flash….”.

Norman Mailer : fim de uma era ( FOTO : GMN)

O desconforto diante do espoucar dos flashs parece legítimo. Diante do assédio ao nosso personagem, recorro a um caso extremo de concisão. Pergunto a Norman Mailer se ele poderia se definir em uma só palavra – e escrevê-la na folha de rosto do meu exemplar.

 

Colho uma confidência ao pé do ouvido. Noites de autógrafos ? Ah, “são brutais, rudes e desconfortáveis”

Não, não pode. Pega a esferográfica vagabunda para me presentear com um autógrafo, escrito em letra firme e legível. O assédio faz Mailer me confidenciar o que pensa dessas aparições: “São brutais, rudes e desconfortáveis”. Guardo o desabafo em meu gravador.

É inevitável: uma sensação de “fim de uma era” percorre a espinha dorsal de quem testemunha a aparição do Grande Rebelde das Letras neste início de noite gelado, no prédio que serve de sede à New York Society for Ethical Culture, no número 2 da rua 64, Nova Iorque.

Eis ali o escritor que, no auge dos anos sessenta, agitava os manifestantes que bradavam diante do Pentágono contra o envolvimento americano na Guerra do Vietnam. Hoje, apoiado por bengalas e aparelhos para surdez, emite impropérios contra o Presidente George Walker Bush para platéias não tão numerosas.

Os manifestantes que antes lotavam as alamedas de Washington hoje se resumem a duas centenas de almas que enfrentam o frio do inverno nova-iorquino para ouvir, em tom reverente, a pregação anti-establishment do Velho Rebelde

O que terá acontecido? Onde estão as hordas de ouvintes? O próprio Mailer dá o diagnóstico : “Já não somos uma cultura literária. Somos uma cultura televisiva. Os escritores já não são tão importantes quanto antes. É o que digo, sem nenhum prazer”.

Onde estão as equipes de TV da CBS, NBC, ABC, que não aparecem para documentar a pregação do Velho Lobo? A única equipe de TV presente é a de um canal francês.

O repórter cede à tentação de anotar um paralelo cruel : é como se a inevitável decadência física de Mailer tivesse acompanhado a não tão inevitável perda de importância da figura do escritor numa sociedade dominada pelas imagens.

As caixas de som espalham o som de “Mother”, a canção prodigiosa em que John Lennon resumiu em duas frases a história da psicanálise

As caixas de som espalham os acordes de canções militantes cometidas pelo John Lennon pós-Beatles, como “Power to the People”. Depois, a platéia é embalada pelos versos de Lennon em “Mother”, a canção que mereceria o Grande Prêmio Internacional de Concisão porque consegue resumir em duas frases tomos e tomos de tratados psicanalíticos: “Mother, don´t go/ Daddy, come home”: Mãe, não vá embora/Pai, venha para casa”.

Lá fora, uma solitária militante – que parece saída de uma passeata contra a Guerra do Vietnam – distribui panfletos anti-Bush. O alvo agora é a intervenção americana no Iraque.

Quem enfrentou a neve das ruas pelo privilégio de ouvir a pregação do Grande Rebelde teve a sensação de que o sacrifício foi recompensado.

A vitória da “cultura televisiva” sobre a “cultura literária” não é o único tema que ocupa as atenções de Mailer neste começo de século. A “lenda literária” (é assim que o jornal Village Voice se refere a ele) oferece aos ouvintes idéias originais sobre, por exemplo, a ligação que existe entre o zelo pela língua e a sobrevivência da democracia.

Dá uma explicação quase psicanalítica sobre o medo do terrorismo. Cria uma tese controversa sobre a influência que os intervalos comerciais das TVs exercem sobre a capacidade de concentração dos telespectadores. Dá o que falar. Faz provocações. Não escorrega no ramerrame da obviedade.

Cumpre o papel que reservou para si desde que subiu ao palco literário: é um escritor que não se conforma em apenas escrever. Quer intervir. Intervém. A torrente verbal de Mailer incendeia a imaginação dos ouvintes. A ele, pois.

O terrorismo é cruel porque traz a morte sem aviso prévio: “Ser morto sem aviso é um ultraje à alma” 

Em vez de discursar sobre o óbvio desconforto que a ameaça de ataques terroristas espalhou sobre a sociedade americana, Mailer detecta um efeito pessoal provocado pela onda de medo:

- Detesto terrorismo porque uma das minhas idéias religiosas favoritas é a de que nós devemos estar preparados para a morte. Ser morto sem aviso é um ultraje à alma. Uma das piores coisas sobre o 11 de setembro é que ninguém estava preparado para um ataque daquele. Preparar-se para a morte é importante. Acredito que há alguma coisa depois da morte. O terrorismo é particularmente horrível porque estilhaça a noção de que você deve estar preparado para morrer.

Norman Mailer, em foto mal iluminada : não queria flashs no rosto (FOTO:GMN)

 O Monumento Mailer estabelece uma surpreendente ligação entre o zelo pela língua e a sobrevivência da democracia. Vale a pena ouví-lo:

- “Acontece que a democracia é a mais delicada forma de governo. A mais delicada! Por esse motivo, demorou tanto a ocorrer na História. A democracia depende de que a linguagem do povo se torne mais rica e mais elevada ao longo das décadas e dos séculos. Depende de criatividade, substância, boas instituições e alto desenvolvimento. George Bush é uma força que age negativamente sobre estes valores, porque ele reduz a linguagem. É um orador abominável”.

-“ Quero insistir neste ponto: a democracia depende da beleza da linguagem. Depende do aperfeiçoamento – e não da deterioração da língua. Os Estados Unidos eram maravilhosos nos tempos de Franklin Roosevelt, porque ele falava tão bem. O pouco que pudemos ter de John Kennedy nos deu uma mostra de que ele, um homem inteligente, queria elevar o nível da inteligência na política e na América. Democracias são delicadas. Digo: o inglês só não sofreu um colapso e só não se partiu em pedaços ao longo das turbulências do Século XX porque um dia existiu William Shakespeare. Sem James Joyce, a Irlanda seria bem menos. Faço essas constatações não por ser um semi-talentoso novelista, mas porque a linguagem é imensamente importante. Bush destrói a linguagem quando abre a boca. Em nome do terror, Bush cometeu crimes contra a integridade e a reputação do Estado. É o pior Presidente dos meus oitenta e três anos de vida. Isso significa um bocado, porque vivi sob Ronald Reagan”.

O Século XXI impõe uma exigência a todos nós: todos temos de conviver com uma dose de angústia e de incerteza

O guerreiro Mailer avisa aos ingênuos que não há com escapar de dois sentimentos que se espalharam pelo planeta depois de assentada a poeira do desabamento do World Trade Center:

- “Uma das exigências do novo Século é que nós temos de conviver com uma dose de angústia e incerteza. O Onze de Setembro derrubou os dois mais reluzentes monolitos da economia americana, as Torres Gêmeas. Além de tudo, as Torres falavam da fálica hegemonia americana sobre o mundo. A dona-de-casa típica ficou desolada diante da assustadora possibilidade de que alguém pode trabalhar durante anos para formar uma família- e perder tudo em uma hora”.

A quem interessar possa, Mailer vai logo se declarando um “conservador de esquerda” – uma classificação que, admite, nem sempre é aceita por mentes habituadas a simplificações ideológicas:

- “Pelo lado conservador, há instituições e valores que não devem ser desmentidos com um piada. Metade da população mundial se enquadra na vida familiar. Se você não se enquadra, não ridicularize. Porque família é, sob vários aspectos, uma forma de arte”.

Diante da platéia surpresa, Mailer articula uma nova teoria sobre a dificuldade de concentração das crianças

Mailer articula uma tese original sobre a televisão. Diz que a geração nascida e criada diante da luz azulada dos monitores de TV tem dificuldade de acompanhar raciocínios mais elaborados, porque toda história que a TV conta é interrompida de dez em dez minutos por comerciais :

- Quando liam, as crianças de antigamente desenvolviam o poder de concentração, pelo prazer da narrativa. Em outras palavras: elas podiam seguir um narrativa por horas. É quase como exercitar músculos: só que exercitavam a mente. Hoje, o equivalente a essas crianças espertas vêem na TV narrativas que são interrompidas a cada sete ou dez minutos por anúncios comerciais. Isso impede a continuação da narrativa. As crianças, então, ficam habituadas à idéia de que não são capazes de seguir nada que dure mais do que sete ou dez minutos. Perdem o poder de concentração. Acontece com todos: se alguém se interessa por um programa, logo vem um comercial para afetar a concentração e a capacidade de pensar mais profundamente sobre o assunto.

Uma confissão pessoal: o grande dissidente americano tenta enxergar luz depois da morte

Por fim, o Grande Rebelde causaria uma nova surpresa, ao pronunciar uma profissão de fé na reencarnação:

- Eu acredito em reencarnação, porque acredito que Deus é o criador. Para mim, a idéia de que Deus existe faz mais sentido do que a idéia de que Deus não existe. A reencarnação é um dos instrumentos profundos que Deus usa para tornar melhores suas criaturas. Quando você morre, acredito que você é julgado, não para ir ao inferno ou ao céu, uma idéia que nunca fez sentido para mim. O que faz sentido é a idéia de que você renasce. Há, espera-se, uma certa sabedoria na escolha feita no renascimento. Neste momento, você é punido pelos pecados que cometeu ou é recompensado pelo que conquistou na vida. Ou seja: a vida tem um sentido, para Deus e para você, na maneira com que você renasce. Você é premiado ou punido depois da morte.

O Grande Rebelde agarra-se à ilusão do renascimento. É como se erguesse a bandeira branca e fizesse um aceno para o invisível, o incompreensível e o improvável. Os ouvintes consomem em silêncio reverente a inesperada profissão de fé de Mailer numa vida além da morte. É como se o homem de 83 anos olhasse para o fundo do despenhadeiro – e, finalmente, depois de tantos embates, tantas protestos, tantos prêmios, tanta glória, pudesse enxergar com clareza o que antevira numa passagem de “Os Exércitos da Noite”:

“…Pois temos de ir até o final da estrada e alcançar aquele mistério onde a coragem, a morte e o sonho de amor nos prometem que poderemos, enfim, dormir”.

Norman Mailer dormiu no dia dez de novembro de 2007, meses depois de constatar, sem alegria, numa noite gélida, o triunfo da imagem sobre a palavra.



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