O dia em que diplomatas britânicos chegaram à conclusão de que é impossível traduzir o que significa o “jeito brasileiro”. Quem se habilita ?
A diplomacia é feita – também – veneno ( ver post anterior). Em um dos mergulhos que dei na papelada armazenada no Public Record Office, em Londres, terminei encontrando uma pérola, misturada a relatórios secretos sobre momentos dramáticos da vida política brasileira : um relatório em que diplomatas de Sua Majestade informam a seus chefes que é tecnicamente impossível traduzir a brasileiríssima expressão “dar um jeito”.
Quem diria: o “jeito” ocuparia as atenções da diplomacia britânica.
Pode parecer uma banalidade. Mas não é: se quiser mergulhar no “universo mental” brasileiro, um diplomata terá de entender o que significa esta instituição que tanto pode ser louvável quanto detestável. O “jeito” é louvável quando – por exemplo – o brasileiro reinventa uma criação estrangeira – o futebol, por exemplo. Mas pode ser detestável quando significa frouxidão moral e falta de compromisso. Quem conseguiria traduzir com fidelidade o que significa o “jeito brasileiro” ?
Atenção, sociólogos, antropólogos e pitaqueiros em geral: eis um tema à espera de um estudo sério. Já que diplomatas estrangeiros acham que o jeito é uma instituição ”intraduzível”, bem que um pesquisador nativo poderia tentar esmiuçar esta grande invenção brasileira. O que diabos é “dar um jeito” ? Onde é que termina a criatividade e começa a enganação ? Qual é o exemplo mais espetacular de um “jeito brasileiro” ? ( a história política traz uma coleção de exemplos: os militares estavam querendo evitar que o vice-presidente João Goulart tomasse posse no lugar do presidente que renunciou ? O “jeito” foi adotar um regime parlamentarista para diminuir os poderes do presidente. Não deu certo ? O “jeito” foi convocar um plebiscito para que o povo decidisse entre parlamentarismo e presidencialismo. E assim por diante).
A Embaixada britânica enviou a Londres, no dia 17 de agosto de 1962, um relatório em que informa que os brasileiros poderiam dar um “jeito” na crise crônica que marcava o governo Goulart :
“O único sinal de conforto que ouso oferecer é dizer que os brasileiros têm uma palavra para descrever a habilidade em encontrar uma saída para suas dificuldades : “jeito”, uma palavra intraduzível em qualquer outra língua, mas que significa, genericamente, um estratagema ou acordo de bastidores. Com frequência, “dar um jeito” não é nem sério nem inteiramente moral,mas é bastante eficiente. Tenho estado no Brasil por tempo suficiente para não afastar a possibilidade de que um “jeito” será encontrado para resolver a crise atual”.
(A quem interessar possa: o documento foi publicado no nosso livro “Dossiê Brasil”, já esgotado, mas encontrável nos sebos…O Dossiê Geral publicará, nas próximas semanas, trechos de despachos diplomáticos “venenosos” : são documentos que, depois de passarem décadas mantidos em sigilo, são finalmente abertos à consulta pública)