O CITADÍSSIMO NÉLSON RODRIGUES DISSE TUDO, UMA VEZ: “TODA ORAÇÃO É LINDA. DUAS MÃOS POSTAS SÃO SEMPRE TOCANTES, AINDA QUE REZEM PELO VAMPIRO DE DUSSELDORF”

sáb, 20/07/13
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Toda demonstração coletiva de fé é comovente. A passagem do Papa Francisco pelas ruas do Rio certamente terá cenas bonitas.

Independentemente de qualquer coisa, a opção do Papa pelo despojamento e por uma simplicidade franciscana já criou uma imagem simpática a ele – desde o primeiro dia. 

Eu me lembro de duas cenas marcantes. Nunca me esqueci da aparição sorridente do recém-eleito Papa João Paulo I na sacada do Vaticano. Um onda de simpatia se espalhou em questão de horas pelo planeta ( hoje, seria em questão de segundos ). Trinta e três dias depois, ele estava morto. 

E aquela imagem de João Paulo II se contorcendo em dores e tentando abençoar a multidão, numa janela da Praça de São Pedro ? 

O citadíssimo Nélson Rodrigues escreveu uma vez: “Toda oração é linda. Duas mãos postas são sempre tocantes, ainda que rezem pelo vampiro de Dusseldorf”.

Disse tudo, em dezessete palavras.

Para ser sincero: minha fé é aérea. Quando estou em terra firme, sou devastado por dúvidas. Quando me aproximo do aeroporto, começo a me converter. Durante as turbulências, minha fé explode, fervorosa. Nestes momentos, comparado comigo, o Papa não passa de um reles ateu. De volta à terra firme, no entanto, meus embates teológicos comigo mesmo se reiniciam, ferozes. Um dia, se resolverão. 

Sempre achei os ateus extremamente pretensiosos, porque se julgam donos de um conhecimento capaz de negar algo obviamente superior a todos nós : a força inexplicada que move a máquina do mundo. Que maquinação é esta que incendeia protóns, elétrons, átomos, energias ? Ninguém conseguiu até hoje produzir uma explicação indiscutível.

Os crentes também não me convencem, porque, na esperança de um dia serem salvos, passaram a acreditar cegamente em impossibilidades físicas e em dogmas cientificamente desmontáveis ( se não fosse assim, aliás, não seriam dogmas ) .

E o silêncio dos céus ? Numa bela passagem do livro O Nariz do Morto, o grande escritor ( católico ) Antônio Carlos Vilaça pediu às estátuas e aos crucifixos: “Falai !” :

“Ó paredes, dizei-me. “Eu quero a estrela da manhã !”. Dizei-me o endereço dela. Ó sala capitular, ó claustros, ó antifonários com iluminuras, ó sinos brônzeos, estatuazinhas , capitéis, afrescos, casulas, pesadas estalas, pedras, faces, madeiras e ouro, tapetes, cálices, relicários , retábulos e móveis, crucifixos e virgens, falai ! Um sussurro que nos chegue. Que monólogo é este, dia e noite entretido ? Sombras, sombras, sussurrai-me, segredai-me. Todo esse passado, esse peso, essa pátina, pureza, pecado”.

Por fim : por menor que seja, a fé é, sempre, uma vitória pessoal contra o silêncio. Quando demonstrada coletivamente, como acontecerá nos próximos dias no Brasil, jamais deixa de ser tocante. 

A casa é sua, Francisco !

O dia em que o ministro Fernando Henrique Cardoso descobriu o que é “espionagem”: secretário de estado americano sabia mais sobre segredo militar brasileiro do que ele

seg, 08/07/13
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Quando era ministro das Relações Exteriores do presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso teve, na prática, uma  lição de como a “espionagem” funciona. Durante uma escala nos Estados Unidos, a caminho de uma missão diplomática no Japão, FHC ouviu do secretário de estado americano, numa conversa privada, uma pergunta sobre um segredo militar brasileiro.  FHC desconhecia o assunto. Já na presidência, Fernando Henrique soube que o projeto a que o secretário americano se referia de fato existia. Em suma: o secretário de Estado americano sabia mais sobre o Brasil do que o então ministro das Relações Exteriores brasileiro.

Numa entrevista que fiz com ele ( publicada, na íntegra, no livro DOSSIÊ BRASÍLIA : OS SEGREDOS DOS PRESIDENTES” – que traz, também, depoimentos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco), FHC descreve a cena: 

Qual o grande segredo o senhor teve de guardar quando estava no poder mas pode revelar hoje ?

FHC: “Não é um grande segredo. Aconteceu antes de eu estar na presidência: quando estava indo para o Japão, como chanceler do presidente Itamar, passei pelos Estados Unidos, onde o secretário de Estado, Warren Christopher, depois de uma conversa agradável que teve comigo e com várias pessoas, me disse que precisava me falar em particular: “Ministro, temos informações de que o Brasil vem obtendo material secreto da Rússia para fazer mísseis” .  Fiquei surpreso ! Brinquei na resposta que dei ao secretário de Estado: “Se o Brasil e a Rússia estão fazendo, só se for com financiamento americano porque estamos em uma crise grande…”

Tempos depois, já como presidente da República, fui informado de que o Brasil tinha, efetivamente, conseguido controlar o sistema de lançamento de satélites – que, na verdade, é o mesmo ( usado para mísseis). Era esse o fato.

Tomei, então, a seguinte decisão: “Vou anunciar ao mundo que o Brasil dispoe da tecnologia”. Combinei com os ministros militares e com o Itamaraty que iríamos propor que o Brasil entrasse para o sistema internacional de controle – que se chama MTCR ( Missile Technology Control Regime – ou Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis).

Vim para São Paulo, fui até São José dos Campos, para o lançamento de um avião da Embraer que faz tanto sucesso hoje: o 135. Fiz o discurso. Tive, então, uma surpresa: ninguém no Brasil deu importância ao que eu disse ! Só quando saiu publicado nos Estados Unidos é que deram importância. De fato, tínhamos nos apoderado da tecnologia para o lançamento de satélites”.

O governo americano estava mais bem informado do que o senhor ?

FHC: “O governo americano sabia ! Quando voltei daquela viagem, falei com o presidente Itamar – que também não estava informado sobre o assunto. Aquilo foi feito com discrição. Era uma coisa boa: um desenvolvimento tecnológico nosso”.

Depois de eleito presidente, Fernando Henrique Cardoso teve conversas privadas com o presidente americano Bill Clinton. Num desses encontros, Clinton insinuou que o Brasil poderia ter uma presença militar na Colômbia, país que enfrentava dois problemas gigantescos: os cartéis da droga e a força da guerrilha:

O que é que o presidente Bill Clinton dizia ao senhor em conversas privadas ? O senhor foi convidado a passar um fim de semana en Camp David, a residência de verão do presidente…

FHC: “Fui a Camp David. O presidente Clinton queria que o Brasil tivesse um papel mais ativo na Colômbia – e até no Oriente Médio. Os americanos gostam que o Brasil tenha tenha um papel mais ativo em casos assim. Mas eu eu era muito restritivo, sobretudo diante da sugestão de que o Brasil fosse mais ativo na Colômbia, onde há guerrilha. Isso signficava, no fundo, presença militar brasileira. O que havia, ali, não era uma insistência de Bill Clinton: era uma conversa em que achava que o Brasil poderia ter esse papel.

Conversamos bastante sobre História. Clinto sabe muito de História: é um homem de cultura. Impressionou-me muito quando falou sobre a China e sobre a Rússia. Disse o seguinte: “A deve sempre perguntar a um país como esse: do que é que ele tem medo ? Qual o medo histórico desse país ? Qual é a ambiçao ? Por exemplo: a Rússia deve ter medo de ser invadida, porque já sofreu invasões várias vezes. Já a China deve ter medo de ser despadaçada pelos chefes da guerra. Deve-se perguntar: qual é a ambição de países assim ? São expansionistas ? Não são expansionistas ?”.

O senhor achou, então, que o presidente Bill Clinton esperava que o Brasil tivesse uma presença militar na Colômbia ?

FHC: “Clinton não me disse com essas palavras, mas a verdade era essa. Isso foi antes de os Estados Unidos terem essa presença tão ativa. O que ele disse foi: “O Brasil poderia ter um pouco mais de preocupação….”. Mas, nessa matéria, tínhamos uma posição muito mais retraída e muito menos intervencionista”.

Que resposta, então, o senhor deu ao presidente Bill Clinton quando ele fez essa insinuação sobre a presença militar do Brasil em território colombiano ?

FHC: “Clinton não falou nesss termos, em “militar”. É que havia, na Colòmbia, a guerriha e a droga – a questão mais séria. A resposta que dei foi a seguinte: “Temos no Brasil nossa política antidrogas, temos também a floresta amazônica – que, de alguma maneira, mas não tanto, nos protege”. A polêmica era a seguinte: os Estados Unidos queriam que houvesse um comando único da repressão à droga. O Brasil não quis. Queríamos ter nossa política. O fundo da questão é esse”.

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As confissões de Pedro Simon : a decisão de dar adeus ao Senado, o diálogo decisivo com um arcebispo num momento de dor e a lembrança da madrugada em que o Presidente da República foi derrubado

sáb, 06/07/13
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

 

Pedro Simon: a hora de bater em retirada

O senador Pedro Simon deu um susto em seus assessores. Nunca tinha feito uma declaração pública sobre se iria ou não sair de cena, depois de quatro mandatos no Senado Federal. Resolveu fazer, sem aviso prévio, na entrevista que gravei com ele para o DOSSIÊ GLOBONEWS  ( vai ao ar neste sábado, às 21:05, com reprise no domingo, às 17:05 ).

Decidido: Simon não disputará a eleição de 2014. Acabou o suspense. Fez as contas: completará 85 anos de idade justamente no mês em que termina o atual mandato – janeiro de 2015. Resolveu que chegou a hora de dar por encerrada a trajetória no Senado. Quer passar adiante o bastão. A não ser que haja alguma improvável reviravolta, o nome de Pedro Simon não voltará a aparecer nas cédulas eleitorais gaúchas.

O trecho da entrevista em que o senador surpreendeu os assessores  Luiz Fonseca e Luiz Cláudio Cunha :

O senhor já decidiu se vai ou não disputar um novo mandato em 2014 ?

Simon: “Termino meu mandato – são sessenta anos de vida pública – no dia 15 de janeiro de 2015. Neste dia, faço 85 anos. É uma determinação do destino. Não vejo muita lógica em ser candidato com quase 85 anos. Há gente nova, brilhante e capaz. Mas não vou largar a política. Vou ajudar o meu partido, como soldado raso ou seja como for. Mas não pretendo”.

Já se pode dizer, então, que o senador Pedro Simon vai sair de cena, pelo menos no Congresso Nacional. O senhor sai de cena frustrado ou feliz com o que fez ?

Simon: “Eu saio feliz. Tive grandes missões, grandes responsabilidades. Sempre fiz o que podia fazer. Não fui herói, não fui santo. Mas, dentro da capacidade relativa que eu tinha, o que podia fazer eu fiz. Sinceramente. Duvido que tenha no Brasil um político que tenha trazido mais políticos para a classe política do que eu. É o que passei a vida fazendo, porque achava que era importante”.

Ouvir Pedro Simon é testemunhar um orador em ação. Homem despojado, sabidamente alheio aos apelos das vaidades vãs, o senador pode, no entanto, bater no peito para se vangloriar de uma façanha:  é perfeitamente capaz de falar em silêncio. “Mas como é possível ? ” – perguntará algum observador ingênuo. É possível, sim : quando sobre à tribuna – ou quando se confessa diante de um repórter, como faz agora, no gabinete que ocupa na ala Alaxandre Costa do Senado Federal -, o senador transforma em arte a habilidade de pontuar as frases com silêncios dramáticos. E os silêncios completam o que ele diz. Deve ter sido sempre assim, desde os tempos em que exercia seus dotes oratórios como advogado.

Os silêncios dramáticos do senador, aliás, nunca vêm sozinhos, mas acompanhados de gestos típicos:  quando se cala entre uma frase e outra, Simon faz um ar contrito, como se estivesse sofrendo em busca de alguma palavra que lhe tenha escapado. Balança as mãos,  como se estivesse espanando o vazio. Franze a testa, como se estivesse preocupado. Fixa os olhos claros em algum ponto do chão, como se estivesse distante de tudo. Pronto. Emoldurada por este gestual, a figura do Pedro Simon clássico estará completa. É inconfundível. Ah, fiel ao gauchês, volta e meia subtrai o “s” dos plurais.

O político que venera São Francisco de Assis fez uma espécie de voto de pobreza:  passou os bens para os filhos. Teve fôlego para enfrentar os sacrifícios de uma peregrinação a pé pelo sertão nordestino, rumo ao santuário erguido em homenagem a São Francisco em Canindé, no Ceará, porque queria experimentar a penitência, o cansaço, o jejum.

A entrevista do senador terminou se transformando numa mistura de memória política com memória pessoal.  Simon não se incomoda de falar da dor que cintila, renitente, em algum ponto de suas lembranças desde aquele fim de semana maldito de 1984, em que perdeu o filho Matheus num desastre de carro. É capaz de comover o interlocutor quando descreve a conversa decisiva que teve com o então arcebispo de Porto Alegre, o cardeal Dom Vicente Sherer, dias depois da morte do filho. Da conversa – que durou horas – saiu um Simon reconvertido, pronto para a caminhada que o levaria, um dia, a peregrinar pelos sertões nordestinos em busca do santuário onde, longe dos holofotes, pôde venerar o ideal franciscano de despojamento.

Um trecho da entrevista, em que o senador fala da conversa com o cardeal Vicente Scherer depois da morte do filho e dos  últimos momentos de João Goulart na Presidência da República :

O SENADOR E O CARDEAL : A CONVERSA QUE MUDOU A VIDA DE SIMON

O então arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, passou um dia inteiro trancado com o senhor, porque, depois de perder um filho num acidente, o senhor disse que Deus não estava olhando para o senhor. Naquela conversa, o senhor foi reconvertido ?

Pedro Simon: “Perdi minha mulher e um filho num acidente de automóvel. Naquela época do registro da candidatura de Tancredo Neves na mesa do senado, estávamos na expectativa de que a Arena ia querer boicotar, porque Sarney tinha candidato da gente. Fizemos, então, um esforço concentrado aqui em Brasília. Fui dos primeiros a ficar aqui. Eu tinha marcado com minha mulher e meus três filhos – eeu devia há muito tempo- que nós iríamos descansar. Aquilo coincidia com o feriado de finados. Telefonei dizendo que não podia ir mas que iria dois dias depois. Minha mulher ficou chateada. Terminou indo. Primeiro, morreu meu filho. Depois, minha mulher teve uma depressão de tal natureza que não se recuperou.

Quando houve a missa do meu filho, Dom Vicente veio e me deu um abraço: “Firme, Dr. Pedro ! Tenho rezado muito a Deua pedindo para ele olhar pra ti”. Eu disse: “Dom Vicente, agradeço ao senhor por suas orações. Só não peça para Deus olhar para mim, porque, cada vez que ele olha, ele me dá uma paulada”.

Um dia depois, às seis e meia da manhã, apertam a campainha. Era Dom Vicente. Ficou comigo o dia inteiro. Dom Vicente era brilhante. Não tinha na retórica uma grande qualidade. Mas ali, não sei se era eu , não sei se era ele, eu recuperei minha fé com ele. Se ele não estivesse ali, não sei o que aconteceria. Porque eu estava de mal com o mundo. Uma das coisas que Dom Vicente me mostrou: “Dr.Pedro, o senhor perdeu o filho. Disso, o senhor não teve culpa. É o destino. Pelas informações que tenho, os seus outros dois filhos estão enlouquecidos, porque o senhor não liga, não fala, não toma conhecimento de nada. Se alguma coisa acontecer a eles, o senhor é o culpado”. A primeira coisa que fiz, então, foi procurar meus dois filhos. Minha vida tomou um rumo”.

O senhor teve diálogos importantes com líderes históricos do Brasil. O senhor diria que esta conversa pessoal com o arcebispo foi a mais importante que o senhor teve na vida ?

Pedro Simon: “Sob o ponto de vista da minha vida, foi. Eu estava caindo dia após dia. Estava caindo em depressão. Eu não aceitava o que tinha acontecido comigo. Não estava certo. E o arcebispo conseguiu fazer um retorno muito bonito”.

A MAIS LONGA DAS NOITES : JANGO SE VÊ À BEIRA DO ABISMO

Um mês antes do golpe de março de 1964, o senhor ouviu um desabafo do ainda presidente João Goulart sobre as cobranças que ele vinha sofrendo para apressar as chamadas reformas de base. Em que termos foi feito este desabafo ?

Pedro Simon: “Já foi no final. Jango marcou com a gente às dez da noite no Palácio do Alvorada. Chegamos lá às dez. Quando ele chegou, era meia-noite. Ficamos até as seis da manhã. E ele desabafou. Começou a “chorar”, magoado. Disse: “Pelo amor de Deus, será que eu mudei, será que não quero fazer as coisas ? Mas estou cercado de tudo que é lado ! É a Igreja, é o poder militar, são os empresários, é a mídia, é até a classe média – uma campanha de rebelião ! E alguns querem que eu faça tudo como projetamos ! Que eu faça cem por cento assim. Não dá! Se eu fizer, caio na hora ! O que estou propondo, o que estou discutindo é o que vamos fazer. Por exemplo: reforma agrária. Nós vamos fazer trinta por cento do que prometemos. Quando chegar a hora de imp´lantar, eu boto mais vinte. Quem vier depois não voltará atrás. Vai ter de caminhar adiante”. É o que ele dizia”.

Qual era a queixa mais séria que o então presidente João Goulart fazia em relação à falta de apoio político que ele tinha ?

Pedro Simon: “Todas as forças – desde as reacionárias, as extremistas – até forças – digamos assim – conservadoras que nunca tiveram participação em radicalismo e em golpe dessa vez estavam todas fechadas. A Igreja, com aquela campanha de “Deus, pátria e família” tinha se movimentado de tal maneira que era quase uma unanimidade. A imprensa toda ! A classe empresarial, os industriais – toda. Faltou alguém ? E o Exército, as Forças Armadas.

Jango estava reduzido a uma base de esquerda, rachada em dez tipos de decisões :”Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo” . E o outro lado estava unido e coeso de uma maneira total”.

O senhor testemunhou um momento dramático : o instante em que o então presidente João Goulart decidiu que não iria lutar para permanecer na presidência. O que é que ele disse, exatamente ?

Pedro Simon: “Ficamos no aeroporto, em Porto Alegre, de meia-noite às duas e meia da madrugada, quando o avião de Jango chegou. Fomos todos para a casa do comandante do III Exército – que disse: “Presidente, estou à sua disposição. Nós – do III Exército – estamos aqui. A decisão é sua !”.

Brizola já estava insistindo em fazer um movimento. Brizola queria que Jango o nomeasse ministro da Fazenda e nomesse o general Ladário Teles, comandante do III Exército, como ministro da Guerra, para começar, naquela madrugada, a caminhar. Deu para sentir que Jango não tinha nenhuma simpatia pela nomeação de Brizola como ministro da Fazenda. Em Ladário ele confiava, mas dava para ver que Ladário não era um daqueles generais de convivência com o presidente da República. Não tinha uma credibilidade, não era um nome de força que pudesse representá-lo em muita coisa. Representava porque estava no comando do III Exército”.

O senhor diz que, neste encontro com o Presidente João Goulart, Leonel Brizola pediu para ser nomeado ministro da Fazenda e o general Ladário, ministro da Guerra. Por que exatamente Brizola queria ser ministro da Fazenda, naquelas circunstâncias ?

Pedro Simon: “Você faz uma pergunta que cada um responderia de um jeito. Vou responder com a interpretação que tenho, mas com certeza absoluta : ali, naquele momento, para ser uma coisa para valer, se Brizola assumisse o ministério da Fazenda não por convite de Jango mas por imposição própria e se o general Ladário assumisse o ministério da Guerra, haveria um movimento em que Brizola é que assumiria o comando. Caso contrário, se ele fosse, por exemplo, ministro da Justiça, não iria ter um tostão, não iria ter poder nenhum. Mas ele como ministro da Fazenda, com o ministro da Guerra ao lado, poderia tentar fazer alguma coisa. Isso deve ter assustado um pouco Jango : até que ponto Brizola iria nessa caminhada”.

Que reação o presidente João Goulart teve quando soube que a presidência da República tinha sido declarada vaga ?

Pedro Simon: “A reação de Jango foi de profundo abatimento. Digo uma coisa interessante: Jango não estava com fisionomia de derrotado ou de medo ou de temor. Estava com uma fisionomia firme”.

Alguém tentou convencer o presidente João Goulart, além de Leonel Brizola, a resistir ?

Pedro Simon: “O ímpeto de resistir existia. O que deixava a gente preocupado era quando Jango dizia: “Eu sei que a Sétima Frota está ali do lado, pronta para intervir, querendo intervir ! Pelas informações que a gente tem, ela quer fazer tudo para intervir, porque acha que este é o momento de fazer a limpeza que quer fazer no Brasil. E não sei se temos condições de resistir”. Isso deixava a gente também assustado. Uma coisa muito interessante é que, no início, a reunião foi democrática. Ficamos todos na sala de estar do comandante do III Exército. Havia um hall de entrada grande. Estava todo mundo ali. Depois, alguns foram para a sala de jantar. Em seguida, foram para o quarto do comandante. E,no fim, estavam Jango, Brizola e já não lembro quem no banheiro. E aí nunca mais vi Jango – que saiu pelos fundos e foi embora”.

O senhor confirma, então, que o ainda presidente João Goulart tinha informações sobre a iminência de uma intervenção americana no Brasil, em 1964? O senhor ouviu referências de Joáo Goulart a este perigo ?

Pedro Simon: “Nesta madrugada, na casa do comandante do III Exército, Jango foi enfático: “Estão ali – preparando”. E, no Palácio do Alvorada, quando estivemos com ele, Jango disse a mesma coisa.Sõ não disse tão enfaticamente : “Estão aqui, esperando para entrar”.

É historicamente correta a afirmação de que o então presidente João Goulart não resistiu exclusivamente porque queria evitar derramamento de sangue ?

Pedro Simon: “Absolutamente certo. Jango sentiu que as coisas estavam se precipitando. Ia ser algo muito grave – que fugiria do controle”.

O senhor chegou a ouvir alguma referência do então presidente João Goulart sobre o medo que ele tinha de que houvesse derramamento de sangue no Brasil ?

Pedro Simon: “Jango disse que não estávamos preparados para um golpe de estado. Ficou convencido de que a frota americana estava “ali do lado” e a guerra civil seria uma realidade. Eu diria com toda sinceridade que Jango teve coragem. Não foi um ato de medo : teve o peito de dizer : pago um preço mas não quero ver o que pode acontecer com o Brasil”.

Relato de uma testemunha acidental de um tumulto nas ruas do Leblon: o Dr. GL entra em cena num fim da noite de quinta-feira

sex, 05/07/13
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Fazia trinta e seis anos que eu não via, pessoalmente, o Dr. GL : o Gás Lacrimogêneo. Aconteceu hoje, no Rio de Janeiro.

Boa noite, Dr. GL. Prazer. Sou aquele estudante que conheceu o senhor no Recife, faz tempo. O senhor não se lembra, claro. Mas como eu iria esquecer ?

(a primeira vez, como eu ia dizendo antes de ser interrompido pelos cumprimentos de praxe, aconteceu no Recife, nos idos de 1977. Eu tinha meus vinte, vinte e um anos. Estudava Jornalismo na Universidade Católica. Uma manifestação que contaria com a presença de três senadores da oposição ao regime militar – Marcos Freire, Paulo Brossard e Teotônio Vilela- tinha sido proibida. O governo impediu os senadores de falar. A manifestação estava vetada . Não poderia ser feita nem na rua nem em recinto fechado. Ainda assim, os senadores compareceram à frustrada manifestação. Tiveram de ir embora – de táxi – sob aplausos e gritos de apoio de quem tinha ido ali para ouví-los. Eu me lembro de ter visto o triunvirato de senadores entrando no carro – na rua do Hospício, no centro do Recife. Ah, o nome daquela rua: Hospício! O boato corria solto: a cavalaria viria dispersar os manifestantes. Dito e feito. Assim que os senadores saíram, os cavalos chegaram. Tumulto. Correria. Gás lacrimogêneo. Prisões. Givaldo – por coincidência, o dono de uma livraria especializada em livros “subversivos” – foi arrastado pelos cabelos até o carro da polícia. Ali, o Dr. GL batizou minhas retinas juvenis).

Hoje, estava conversando sobre política, Macalé, Sérgio Sampaio e Copa de 50 (!!) numa calçada do Leblon com um amigo que encontrei por acaso – Maurício Valadares – sim, aquele que faz o antenadíssimo programa Ronca Ronca nas ondas dos rádios e internets do planeta. Ali, éramos – também – testemunhas do protesto que se armava nas proximidades da casa do governador. De repente, o velho filme rodou de novo, sob outras circunstâncias e em outros tempos: tumulto. Correria. Gás. Lá vem o Dr.GL ! Crianças, correi!

A bem da verdade, não deu para ver como tudo começou. Mas uma chuva de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo foi lançada sobre os manifestantes. A polícia avançou. Quem estava ali correu. Quando estava na avenida Delfim Moreira, olhei para trás: não fosse pela truculência, a cena era até bonita. A polícia tinha apagado as luzes da avenida. O rastro deixado pelas bombas produzia garranchos brancos no ar, perto da praia escura. Se fosse Reveillon, ia ter gente aplaudindo. Não era Reveillon. Teve gente correndo.

O som das explosões deve ter acordado quem paga o IPTU mais caro do Cone Sul da América. O tempo fecha: lá vem a Tropa de Choque. Um helicóptero flutua lá em cima, às escuras, estranhamente estacionado no céu. Parece não se mover. Não emite qualquer sinal luminoso. Só o barulho do motor. Pego o telefone. Aviso à redação da Globonews que o protesto acaba de se transformar numa bela confusão. “Por sorte”, meu combalido celular consegue captar, ao vivo, nos últimos minutos do Jornal das Dez, o som das explosões.

Em meio ao tumulto, recolho no chão uma bomba, já disparada. Marca: Condor. “Tecnologias não-letais”. “GL- 203/L.Carga múltipla lacrimogênea”.”Indústria brasileira”.”Atenção: oferece perigo se utilizado após o prazo de validade”. Tento decifrar a data de validade. Não consigo enxergá-la. Os números estão gastos. O desenho de uma bandeira brasileira completa o envólucro da bomba. A pequena bandeira é azul, como todas as outras inscrições. Parece uma daquelas ironias involuntárias: tudo azul com o Dr.GL. Guardo a “relíquia” comigo. Meu filho Daniel também recolhe no asfalto uma lembrança do Dr. GL, por pura curiosidade.

Impressão desta testemunha acidental : a reação da polícia parece ter sido desproporcional a qualquer eventual provocação que tenha acontecido. Nem eram tantos os manifestantes. Resultado : por alguns minutos, a avenida Delfim Moreira parecia o que, por esses dias, se chama de “praça de guerra”.

Dr. GL, o senhor não precisava ter saído da caverna esta noite. Estava tudo azul, até que o senhor resolveu entrar em cena. E aí a Delfim Moreira virou rua do Hospício.

Ah, Dr. GL….Quando é que o senhor vai tomar jeito ?

 



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