“CANÇÕES DO EXÍLIO” : a voz dos entrevistados, sem interrupções. Com a palavra, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner!
(AQUI, TEXTO ESCRITO QUANDO DO LANÇAMENTO DA SÉRIE DE QUATRO EPISÓDIOS – QUE DEU ORIGEM AO DOCUMENTÁRIO):
A quem interessar possa: bem ou mal, tento retomar, com CANÇÕES DO EXÍLIO, um caminho que abandonei lá atrás : o de possível documentarista.
O locutor-que-vos-fala já é uma ruína cinquentenária. Vivo repetindo para mim mesmo os títulos daqueles editoriais clássicos do Correio da Manhã: “Chega!”, “Basta!”, “Fora!”. Cinco vezes ao dia, penso em apagar a luz do meu velho teatro mambembe, recolher as tralhas, devolver aos incautos o dinheiro da entrada, bater em retirada e ir morar num cubículo minimamente confortável na zona rural de Santa Maria da Boa Vista, cidade onde nunca estive, aliás, mas que elegeria como destino favorito, pelo belo nome. Quanto a todo o resto, dou por visto o espetáculo. Veredito definitivo: risível. A recíproca, eu sei, é verdadeira.
Há uma síndrome que imagino comum em quem um dia resolveu sair de casa : depois de algum tempo, a gente não resiste à tentação de fazer a pergunta “fatal” : Deus do céu, o que diabos vim fazer aqui, no “estrangeiro” ? De qualquer maneira, como diz o lixo subliterário de autoajuda, “nunca é tarde” para retomadas. Decidi, então, nem que fosse como mera experiência, retomar o fio de uma meada interrompida. Fiz um documentário. Poderia ser um bom passatempo.
Em um texto narrado por Paulo César Peréio – uma das vozes mais marcantes do Brasil – ,exponho, logo na primeira parte de CANÇÕES DO EXÍLIO, as dúvidas e vacilações que tive depois de gravar os depoimentos. Como usá-los ? O que fazer com tudo o que Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner contaram ? Resolvi correr o “risco” de dividir estas dúvidas com os possíveis espectadores .
A exposição pública das dúvidas do documentarista pode até criar alguma estranheza em quem espera ouvir, logo no início de CANÇÕES DO EXÍLIO, a palavra do timaço de entrevistados. Mas vou logo avisando: depois que o narrador sai de cena, a palavra é passada, “radicalmente” , aos personagens. Ninguém interfere : nem o entrevistador. Desta vez, atuo atrás das câmeras. É minha opção favorita. Sempre foi.
Estar diante de uma câmera é, para mim, um incômodo comparável ao de obturar um dente sem anestesia. Tenho horror. Teria imensa alegria se um dia recebesse uma ordem judicial que me obrigasse a manter uma distância de 500 metros de uma câmera: eis a minha visão do paraíso.
Depois de ver e rever as gravações feitas com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner em 2010 , fiz uma opção radical : a de deixar que os entrevistados simplesmente falassem – sem interrupções, sem cortes desnecessários, sem concessões ao ritmo “frenético” e à ditadura do tempo na TV, em que um minuto é uma eternidade. Há falas de cerca de dez minutos. Por que não ? Por que cortá-las, mutilá-las, desossá-las, em nome de uma suposta agilidade ?
Devo dizer que foi uma honra ter tido a chance de contar com Peréio como uma espécie de “alter ego”. Não se pense que esta ”divagação” sobre o que fazer com os depoimentos foi uma viagem em torno do próprio umbigo. ”Pas de tout !”. Pelo contrário. A exposição das dúvidas vem sempre acompanhada de informação jornalística.
Exemplo : se digo que poderia reforçar o documentário com entrevistas tiradas do baú, apresento, por exemplo, o áudio da gravação que fiz com Caetano Veloso, no Recife, no remotíssimo ano de 1973. Eu tinha 16 anos de idade. Mr. Veloso tinha voltado do exílio havia pouco tempo. Tratei de guardar a fita cassete. Preservada por todo este tempo, a gravação virou relíquia. Ganhou status de documento jornalístico: o que um dos mais importantes nomes da Geléia Geral Brasileira dizia, ali, no começo dos anos setenta ?
Feitas as contas, tudo o que CANÇÕES DO EXÍLIO quer é fazer algo que, tenho certeza, pode ter alguma utilidade : produzir memória. Vivo dizendo que produzir memória é uma das (poucas) coisas realmente úteis que o jornalismo pode fazer.
Se fosse escolher entre Cinema e Jornalismo, aliás, eu escolheria Cinema, sem vacilar. Já tinha escolhido, lá atrás. Quando era “inocente, puro e besta”, como na letra de Raul Seixas, no Recife dos anos setenta, fazia meus filmecos em Super-8. Mas terminei exercendo o Jornalismo, por mil razões. É sempre assim: a correnteza vai nos arrastando. C´est la vie. Mas – de vez em quando – é possível dar umas braçadas para tentar evitar o precipício – de resto, inevitável.
Independentemente de qualidade, CANÇÕES DO EXÍLIO é uma tentativa bem pessoal de fazer as duas coisas, juntar as duas pontas: o que é documentário, afinal , se não Jornalismo para Cinema ?
A disponibilidade, o talento e a dedicação de Jorge Mansur, ex-editor de telejornalismo que resolveu investir suas energias numa produtora, abriram o caminho para que a ideia do documentário se materializasse.
Posso garantir aos senhores jurados que os depoimentos, reunidos, formam um documento precioso sobre os chamados “anos de chumbo”: a prisão e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, dois grandes nomes que, com o Tropicalismo, tinham incendiado o cenário da música brasileira.
Lá estão: Caetano Veloso descrevendo com detalhes o interrogatório, gravado, a que foi submetido assim que desembarcou no Brasil para uma visita negociada : os militares queriam, entre outras coisas, que ele compusesse uma música em louvor à rodovia Transamazônica; Jorge Mautner explicando como e por que defendia, no exílio londrino, a ideia de que a novidade planetária não viria da Europa: viria do Brasil; Jards Macalé revivendo a sensação inesquecível que teve ao desembarcar de volta ao Brasil, no auge do verão de 1972, depois de amargar invernos londrinos: era a tal “labareda que lambeu tudo”; Gilberto Gil revelando o sofrimento que teve, pouco depois da volta ao Brasil, para compor, com Chico Buarque, uma música que jamais conseguiu gravar: a bela “Cálice”.
A frase “Pai, afasta de mim este cálice/de vinho tinto de sangue” foi escrita numa sexta-feira da paixão. Atormentado com a dificuldade que estava encontrando para demonstrar solidariedade a Chico Buarque, vítima das tesouras da censura, Gil se lembrou do sofrimento do Cristo. Não por acaso, a música foi proibida. Só foi gravada, pelo próprio Chico Buarque, anos depois, ao lado de Milton Nascimento.
Em resumo : ao fazer o documentário CANÇÕES DO EXÍLIO, originalmente exibido pelo Canal Brasil no formato de quatro episódios, constatei, pela enésima vez, que não há assunto esgotado. É bom saber que o que interessa foi feito : CANÇÕES DO EXÍLIO produziu memória. A palavra de ordem, então, bem que poderia ser : pé na estrada, câmera na mão & luz na tela. Ponto. Faz bem à saúde correr riscos, apostar no incerto. Missão cumprida. Próximo passatempo, por favor.
6 janeiro, 2013 as 9:26
Sentindo o que se está passando hoje,e ver “canções do exilio”me lembro a presidenta Dilma falar na cara do José agripino,perguntar a ele de que lado estava ele,quando o pau quebrou.E quando Gilberto gil fala daqueles que tinha sensibilidade de perceber porque estavam ali eles e ele e pediram para ele cantar. Me lembra um pouco a pacificação hoje na ROCINHA onde tenho e tive a oportunidade de conversar com alguns soldados da UPPS e ercebendo que eles tem a sensibilidade que tem que dá certo independente de onde vem o projeto e nossas aflições de moradores e amesma deles como pessoas.Guardada a devida diferença entre o regime e hoje.
6 janeiro, 2013 as 9:26
Sentindo o que se está passando hoje,e ver \"canções do exilio\"me lembro a presidenta Dilma falar na cara do José agripino,perguntar a ele de que lado estava ele,quando o pau quebrou.E quando Gilberto gil fala daqueles que tinha sensibilidade de perceber porque estavam ali eles e ele e pediram para ele cantar. Me lembra um pouco a pacificação hoje na ROCINHA onde tenho e tive a oportunidade de conversar com alguns soldados da UPPS e ercebendo que eles tem a sensibilidade que tem que dá certo independente de onde vem o projeto e nossas aflições de moradores e amesma deles como pessoas.Guardada a devida diferença entre o regime e hoje.
6 janeiro, 2013 as 9:52
Parabéns Geneton, há tempos que suas entrevistas/documentários tem se tornado obrigatórias para aqueles que ainda acreditam que na tv brasileira existem excelentes jornalistas, incentivando não só os amantes de um bom programa mas também prestando um grande serviço à nação para futuros estudantes de comunicação social.
Confesso que quando assisti à serie de entrevistas com os militares não podia esperar outro tipo senão um quê de qualidade em sua última produção.
Torço para você continuar nesse caminho e nos brinde com muito mais trabalhos.
Mais uma vez parabéns!
6 janeiro, 2013 as 11:17
Esse documentário é FANTÁSTICO! Creio que é extremamente importante lançar luzes esclarecedoras aos episódios “mal ditos” da nossa história recente. Parabéns ao Geneton Moraes Neto pelo texto lindo e “longo”.
Muito Obrigada.
Sucesso,
Margarete
6 janeiro, 2013 as 12:55
Geneton
Assisti ao documentário (biscoito fino, hein?) fascinada e abestada. Sim, eu também tenho cinquenta anos e Joinville, apesar de ser a maior cidade de SC, industrializada, hoje sede do Balé Bolshoi, à época do golpe militar, continuou pacífica e c(ordeira). Apenas ouvíamos falar que pessoas eram presas nas capitais.
Escrevo para agradecer sua iniciativa pedagógica que, pra mim, tem sido elucidatória e vem preencher uma lacuna carente de compreensão sobre os fatos daquela época. A parte informativa já é possível resgatar nos livros didáticos de História revisitados com competência, porém, sem a devida profundidade que o assunto merece. A pressa em cumprir um conteudo programático inibe reflexões sobre o tema; a ignorância dos professores digo que deve ser perdoada; a falta de tempo para ir atrás das informações (não temos tempo de planejar com eficiência) responde pela nossa incompetência na hora de levar os alunos a refletir sobre nosso passado.
Nesse sentido, teu documentário que, pra mim, é cinema da mais alta qualidade, é instrumento que podemos levar para a sala de aula. É de valor inestimável pois sempre considerei necessário conhecer e entender o passado para perceber o momento atual. Sempre me senti lobotomizada e aleijada. À falta de um documentário corajoso e independente que trouxesse a verdade daquela época à tona, sempre me senti burra e culpei a mídia, sim, por não congtribuir, com seu poder de penetração nos lares, para formar intelectualmente o cidadão e, por conseguinte, ser efiiciente demais no seu papel de entreter….e alienar ainda mais.
Desde o documentário com os generais, percedbi que você encontrou uma nova forma de fazer jormalismo. De hoje em diante, não consigo mais visualizar seu trabalho num formato meramente “tradicional”, Deixar os personagens falarem à vontade fez toda a diferença!
Não vi nenhum jornalista, no Brasil, trabalhar dessa forma. Se existe, não tive acesso ou não estava em casa no dia e na hora marcada…rs
Sugestão:1) sinto falta de ouvir a fala de Gil sobre sua passagem pelo ministério da cultura. O que ele viu, percebeu, aprendeu e apreendeu daquele trabalho. Ao mesmo tempo me pergunto: não seria cedo demais para ouví-lo a esse respeito? Conceder o devido distanciamento temporal seria mais prudente ou até mesmo necessário à uma leiturização mais lúcida e balanceada?
2) Sinto falta, por mais piegas que possa parecer, de um documentário em que sejam chamados os sociólogos para opinarem a respeito da subida de um trabalhador ao poder (Lula) num pais de lideranças caudilhas e militares. Afinal, isso é digno de ser compreendido e estudado. Inda mais no momento atual, onde percebo, uma clara tendência dos países vizinhos em realizar o nacionalismo ao custo de uma postura mais fechada em relação aos outros países (empresas sendo nacionalizadas na marra) e que me cheira a um comunismo latino disfarçado de socialismo. Ou seria um oportunidade de mandar os grandes países, ora em crise, plantar batatas e “contribuir” para afundá-los ainda mais? Estariam nossos vizinhos dando o troco? Devería o Brasil embarcar nessa onda também?
Enfim, são perguntinhas que nascem nessa cabeça curiosa.
Parabéns por todo o teu trabalho, desculpe a delonga e obrigada por existir!
6 janeiro, 2013 as 14:14
MUITO EMOCIONANTE!!
cONFESSO QUE MT PARTICULARIDADES DA
ENTREVISTA ME EMOCIONOU!
eU ERA TÃO JOVEM…
E AMAVA PROFUNDAMENTE!!
TROPICALIENTEMENTE!!
NOTA 10 PRA ESSES BRASILEIROS
MARAVILHOSOS!!
abraço
parabens
a globonews
Lady dell
9 janeiro, 2013 as 22:15
Obrigado por este documento!
Bacana demais!
Abraços
Esquilo
14 janeiro, 2013 as 10:45
A ditadura foi muito sombria, sinto o drama só de ver minha mãe falar o que acontecia, ela só não sofreu pq ficava calada, mas quem se atrevia a desafiar sofria como Gil, Caetano, Milton, Chico e tantos outros sofreram. Me admira ter gente q se atreve a dizer que sente saudades desta época! Parabéns, Geneton pelo excelente documentário!!!
14 janeiro, 2013 as 15:10
Geneton, tú é o melhor jornalista da rede Globo.
Não torce as notícias
Não torce para dar errado o que o governo faz.
Não procura “pelo em ôvo” para criticar o governo.
Não tenta criar um ambiente de angústia, minimizando a auto estima do povo.
Você fala perguntando e deixando seus entrevistados responderem como quiserem !
Se a direção da rede Globo entendesse sua linha de atuação, repaginava
os côroas que não se aggiornaram, estou falando de grandes nomes:
Renato Machado, Alexandre Garcia, Arnaldo Jabor, Chico Neto,
Miriam Leitão, Renata Vasconcelos, Cristina “‘fofoca” Lobo, Leilane Neubart, Merval Pereira, e
até o garôto Camarotti.
Está na hora desse pessoal, que estimei no passado se reciclarem….
Só a direção da rede GLOBO, não vê.
Saudades do velho Roberto Marinho, que contratava comunistas como
João Saldanha para amalgamar as opiniões e fazer o debate crescer.
Chega de ,manipulação!
Você é um ponto fora do gráfico!
Continue assim
Schiffini
23 janeiro, 2013 as 17:34
Geneton,
Primeiramente parabéns pelo documentário ‘Canções do Exílio’, bem como por suas excelentes entrevistas, muitas delas exibidas pela GloboNews. ‘Canções do Exílio’ é sobre um assunto muito sério. Mas você sobre dar um toque de divertimento a ele, o que nos atrai. É como devemos ver a vida, com seriedade e diversão.
Pediria sua licença para indicar-lhe um tema de documentário. Creio que você seria o produtor / repórter ideal para este. No dia 22 de janeiro passado, um homem chamado John Lennon Gomes foi preso em BH, traficante conhecido da Polícia e suspeito de matar 5 pessoas. O incrível é que é o 3º John Lennon preso em BH neste mês! Sendo o original um pacifista, o que leva a estes outros serem tão agressivos? O que levou a seus pais dar-lhes o nome do Beatle? É a tragédia da violência em nosso país. Fica a minha indicação. Link (MGTV 1ª. Edição, de 22/01/13):
https://g1.globo.com/videos/minas-gerais/mgtv-1edicao/t/edicoes/v/policia-prende-homem-suspeito-de-matar-cinco-pessoas-em-belo-horizonte/2360428/
Muito obridado e sucesso sempre!
Ernesto de Abreu Valle – BH
31 janeiro, 2013 as 5:38
Geneton, socorro! A música já serviu como expressão da alma, arte, ou voltada até para fins ideológicos no tempo em que se tinha uma ideologia coerente. Hoje a música é um festival de babaquice, tem gente que não aguenta calada ver essa devastação na cultura brasileira.
2 fevereiro, 2013 as 22:23
Fiquei extremamente extasiada com o documentário, em 1h e meia tive uma grande lição do que é jornalismo e de quem foi Joel Silveira. Fiquei presa a tela da TV pois para mim foi um documentário que me levou aos anos passados, uma época sombria. Por ser da área de saúde, me acho um pouco ignorante por estar aqui escrevendo algo, mas não poderia deixar de parabenizar Geneton Moraes por esse maravilhoso documentário.
23 fevereiro, 2013 as 17:41
Caríssimo Geneton
Hoje, sábado, 23/2/2013, às 16:40 horas, recolhi uma garrafa jogada ao mar por você com essa maravilhosa entrevista com Joel Silveira. Muito obrigado. Ao término, com o apartamento cheio de livros e, depois vazio com o movimento de câmera nostálgico, triste, terminei de ver em lágrimas.
Pena que pessoas como ele, Rubem Braga, Vinicius e tantos outros, se vão e nos deixam assim, órfãos de quem nem fomos apresentados, mas conhecemos tão bem.
Se lhe serve de consolo, no caso do Joel, ainda bem que ele, ao término do seu ciclo entre nós, deixou você para substituí-lo, neste tipo de jornalismo cada vez mais raro no nosso País.
Um abraço
Jorge