Agente da CIA que tentou matar Saddam Hussein faz “cálculo cruel” e conclui: “assassinatos políticos” são “justificáveis” quando evitam ou terminam uma guerra
A Globonews exibe hoje, segunda, às 20:05 ( com reprise à meia-noite e meia ) o terceiro programa da série DOSSIÊ GLOBONEWS:SEGREDOS DE ESTADO. Entrevistado: Robert Baer, o agente da CIA que, confessadamente, participou de uma conspiração para matar Saddam Hussein.
Espionagem internacional não é para amadores. Que o diga Robert Baer, o ex-agente da CIA que se envolveu em operações de alto risco no Iraque. Esteve pessoalmente envolvido na conspiração armada por militares iraquianos para matar o ditador Saddam Hussein. Considerado por fontes insuspeitas, como o jornalista Seymour Hersh, como “talvez o melhor agente de campo em atuação no Oriente Médio”, Baer foi acusado (pelo FBI!) de ter tramado a morte de Saddam. Teve de se explicar em Washington. Ou seja: Baer terminou envolvido numa intriga interna envolvendo CIA e FBI.
A entrevista com Robert Baer foi gravada na Califórnia. O ex-agente da CIA enfrenta as limitações na hora de falar: precisa submeter à agência, até o fim da vida, todo texto que escrever para publicação ( Baer é autor de livros como “See no Evil” e “The Company We Keep”, inéditos no Brasil mas facilmente acessíveis através de livrarias virtuais como a Amazon).
Por coincidência, um dia antes de gravar a entrevista para a Globonews, Baer tinha recebido uma ordem da CIA : estava proibido de publicar, na revista Time, detalhes sobre a operação que resultou na morte de Bin Laden. Assim foi feito. Quando acontece um grande caso, a revista recorre a Baer como uma espécie de “consultor”. A ordem da CIA chegou em forma de carta, endereçada à casa do agente- onde estávamos agora para a gravação da entrevista.
O cinegrafista Eduardo Torres estava se preparando para fazer imagens do ex-agente diante de um monitor que exibia a carta da CIA, já devidamente escaneada. Cuidadoso, Baer pediu que esperássemos por um momento. Usou, então, um pequeno pedaço de fita adesiva preta para encobrir, no monitor, o trecho da carta da CIA em que aparece o endereço da casa onde estávamos. Tratei de tranquilizá-lo. Disse a ele que não se preocupasse: não iríamos exibir, no programa, um endereço pessoal. Mas, cauteloso como qualquer agente que se preze, Baer preferiu se resguardar. Colou o minúsculo pedaço de fita adesiva sobre o endereço.
Baer não usa meias palavras. Diz que a invasão do Iraque, em 2003, foi uma “loucura”, uma “catástrofe” que alterará o equilíbrio do Oriente Médio pelas próximas décadas. As declarações do ex-agente da CIA contra a intervenção no Iraque poderiam ter saído da boca de um militante anti-Bush. Mas, fiel ao estilo direto e contundente, o agente faz, também, declarações que teriam lugar garantido num compêndio de falas ”politicamente incorretas”. Sem o menor temor de ofender ouvidos sensíveis, ele diz que assassinatos políticos são plenamente justificáveis quando são cometidos, por exemplo, para evitar uma guerra.
Cita logo dois exemplos: se Bin Laden tivesse sido eliminado logo depois dos ataques de 11 de Setembro, os EUA não teriam prolongado por tanto tempo as operações militares no Afeganistão. Idem com o Iraque : o agente garante que, se Saddam Hussein tivesse sido eliminado ainda nos anos noventa, os Estados Unidos não teriam invadido o país em 2003. Quantas vidas teriam sido poupadas ? – pergunta ele. Baer diz que o cálculo é “cruel”, mas se for para escolher entre uma guerra e um assassinato político, ele fica com segunda alternativa, sem discussão.
Entrevistados que falam sem rodeios são perfeitos para TV. Sou suspeito para falar, mas aviso, a quem interessar possa: quem quiser entender a lógica – às vezes “cruel” – de um agente secreto que ostenta uma extensa folha de serviços prestados à espionagem internacional deve ver a entrevista do ex-agente Baer. Vale a pena. É instrutivo. Ouvir a palavra de quem atuou na sombra por tanto tempo é sempre um bom exercício jornalístico.
Um pequeno trecho do que ele disse :
Sobre a conspiração para matar Saddam Hussein: “Tentei matá-lo. Só lamento não ter conseguido. Porque não teríamos tido essas guerra desastrosa que temos no Iraque. A invasão do Iraque, em 2003, foi uma loucura, Nós – você, eu, todo mundo – vamos pagar por ela. Cem mil iraquianos foram mortos sem necessidade. O equilíbrio do Oriente Médio foi destruído. É uma catástrofe – ainda que consideremos apejas o número de mortos. E será uma fonte de instabilidade no Oriente Médio pelos próximos cem anos, graças a George W. Bush, a Dick Cheney ( vice-presidente no Governo Bush) e todo o resto. Aquilo foi uma loucura. Não há outra forma de descrever”.
“Dei sinal verde ( aos conspiradores). O objetivo era esse ! Nós sabíamos, na CIA, que os neoconservadores do Congresso estavam pressionando para aprovar uma invasão do Iraque – para derrubar o regime e mudar o país. Tal ideia era uma idiotice. Nós sabíamos. Ao mesmo, sabíamos que o problema era um homem: Saddam Hussein – e seus dois filhos. Deveríamos nos livrar de Saddam e deixar o regime lá. Claramente, ele era o objetivo. Tínhamos oficiais militares prontos para assumir depois de Saddam. Eu acho, até hoje, que a lógica toda de novs livrarmos de Saddam é ainda válida”. ( militares hostis a Saddam Hussein planejaram um golpe que foi mal sucedido. Baer teve encontros secretos com os conspiradores. Deu a eles sinal verde).
Sobre o efeito de assassinatos políticos: “Os assassinatos, segundo meus cálculos morais e o de outros, são justificáveis para terminar uma guerra ou para evitar uma. Isso é importante. Nós estamos falando de cálculos morais. Quando os EUA se veem na iminência de uma guerra, é muito melhor substituir a guerra por um assassinato. Bin Laden é um caso óbvio. Em outubro de 2001, deveria ter sido assassinado, provavelmente por via aérea, com bombardeiros B-1. Isso teria nos evitado a guerra no Afeganistão e no Paquistão. Não há justificativa para a Guerra no Iraque. Mas, se tivéssemos conseguido assassinar Saddam, poderíamos não ter entrado em guerra. Os Estados Unidos deveriam parar de ser a polícia do mundo e não cometer assassinatos ou invasões. Mas, se é preciso escolher entre assassinato e invasão, dado o número de vidas perdidas – é um cálculo bem frio – eu escolho o assassinato. Os dois assassinatos teriam deixado os EUA fora de duas guerras. O primeiro seria o de Bin Laden. Por que ir para o Afeganistão se ele já estaria morto ? O movimento estaria, supostamente, terminado. Ou então deveriam matar a ideia desse culto, dessa guerra contra o Ocidente. Mas não se pode matar uma ideia com uma invasão. O mesmo acontecia no Iraque. Saddam era o problema. Era imprevisível. A ideia era: se matássemos Saddam - e alguns de seus seguranças – mataríamos umas cinco pessoas, em vez de….quantos milhões de pessoas vão acabar mortas ? É um cálculo cruel, mas, para mim, faz sentido”.
5 setembro, 2011 as 14:10
Infelizmente, sob certo ângulo, Baer está correto. Mais vale matar um, mesmo que seja um dilema moral, que permitir que milhões morram em consequência da falta de atitude. Mas, algumas questões vêm à minha mente.
Se o objetivo de matar Saddam era baseado em “armas de destruição em massa” (ADM) que nunca foram encontradas, o que mais justificaria esta invasão? O regime ditatorial? Mas se o interesse da CIA era apenas matar Saddam e seus filhos, deixando o regime na mão de militares da ativa, quem poderia garantir que um outro déspota não assumisse o poder, talvez até com mais crueldade que Saddam?
Acredito que esta invasão tenha sido uma demonstração de força, apenas isso. Saddam vinha tentando convencer a OPEP a trocar seus “petrodólares” por “petroeuros” ou algo similar, o que seria inequivocadamente uma catástrofe econômica mundial, pela desvalorização do Dólar e valorização do Euro.
Os EUA pressionaram seus aliados com retórica (“ou estão conosco ou contra nós”) e aproveitaram o momento para exterminar o que, em verdade, poderia ser uma ameaça muito maior à sobrevivência da nação.
Quanto a um agente da CIA divulgando material “confidencial”, me parece muito mais informação e contra-informação do que realmente apenas o drama de consciência em que Baer justifica seus procedimentos.
No mais, parabéns mais uma vez Geneton, pelas matérias do MAIS ALTO NÍVEL E RELEVÂNCIA que você nos apresenta. Um prazer na leitura.
Forte abraço, David
5 setembro, 2011 as 15:53
Será que o Governo Bush não tinha, desde o início, interesse de invadir o Iraque? É muito plausível que a verdadeira razão por trás da invasão fosse a manutenção do US Dólar como moeda de referência para o comércio internacional de petróleo (enquanto é sabido que o Iraque de Saddam Hussein estava realmente mudar para o Euro) e o controle da produção petrolífera iraquiana por parte de Cia.s americanas no pós-guerra. Ou seja, o argumento de busca da “armas de destruição em massa” pela ‘segurança nacional’ sempre foi balela! Vide:>, , etc.
No caso do Afeganistão, fala-se que o verdadeiro interesse são as reservas de lítio, elemento estratégico para a tecnologia mais moderna de baterias elétricas, já usada em computadores e afins, e que pode dar início a um novo ciclo na indústria automotiva mundial. Vide: , etc. Outra vez, a ‘caçada ao terrorismo, pela segurança nacional’ é apenas uma ‘desculpa esfarrapada’. Guerras são motivadas sempre por disputas por recursos naturais e pela riqueza, sejam eles reservas petrolíferas e/ou de carvão, minério de ferro, terras agráveis ou mesmo um mero poço d’água no deserto… Aliás, já é previsto que as reservas de água doce do planeta estão escasseando, e os países que têm água (potável) em abundância (O Brasil encabeça essa lista) podem ser ameaçados num futuro próximo pela ganância dos poderosos…
18 novembro, 2011 as 23:40
Grandes Entrevistas! Mais uma vez a vida imita a arte e vice versa: Jack Bauer da vida real?
4 dezembro, 2011 as 20:01
Posso fazer uma pergunta ? Quantas pessoas Saddam Hussein matou e foi condenado à MORTE e quantas o exercito americano matou ? O sr. Bush não deveria ser condenado àmorte também? E quantos o exercito de Israel matou ? Não devem ser condenados também ?
11 junho, 2012 as 13:42
… bravo David Svaiter (quem não tenho o prazer de conhecer !) !
… matou a charada ! Curto e grosso !
… quem sabe, sabe !
Parabéns !
nuno cesar