O depoimento do homem que deu aula de pilotagem a terroristas : eles rezaram na hora do pouso

sex, 09/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

 A Globonews leva ao ar nesta sexta, às 8 e 5 da noite, com reprise à meia-noite e meia, uma reportagem gravada nos EUA, na cidade que serviu de  “porta entrada” de  terroristas que viriam a cometer o mais devastador atentado da História. É o penúltimo episódio da série DOSSIÊ GLOBONEWS: SEGREDOS DE ESTADO, 

O “ovo da serpente” estava ali. Mas ninguém notou. Os primeiros terroristas do 11 de Setembro a desembarcarem em território americano escolheram, como primeira escala, um lugar insuspeito – San Diego, na Califórnia, onde vivem cerca de cem mil muçulmanos.  

Khalid Al-Midhar e Nawaf Al-Hawzi chegaram em janeiro de 2.000, exatamente um ano e oito meses antes dos ataques. Não despertaram qualquer suspeita.

Khalid tinha 26 anos de idade. Nawf,vinte e cinco. Eram árabes. Passaram a frequentar a mesquita do Centro Islâmico de San Diego. Alugaram um apartamento num conjunto residencial chamado Parkwood, na zona norte da cidade. Um vizinho estranhou o fato de que os inquilinos quase não tinham móveis. Falavam em voz baixa em celulares De vez em quando, saíam de carro – de madrugada.

Os dois se matricularam numa escola de aviação. Dois detalhes chamaram a atenção do instrutor .

Primeiro: os alunos – que diziam ter planos de trabalharem como pilotos na Arábia Saudita – queriam aprender logo a pilotar Boeings. O desejo parecia despropositado, porque os dois, além de falarem inglês precariamente, entendiam pouquíssimo de aviação. Além de tudo, ninguém começa um curso querendo pôr as mãos  no painel de controle de um Boeing. É como chegar a uma escola de música querendo reger a Orquestra Sinfônica. Mas o desejo da dupla de alunos pareceu uma mera e inofensiva esquisitice.

Segundo detalhe:  quando estava a bordo do pequeno avião, em companhia dos dois estudantes que, na verdade, eram terroristas, o instrutor se surpreendeu com uma cena. Os dois começaram a rezar em voz alta. O fato de um seguidor do islamismo interromper as atividades para rezar não chega a ser extraordinário, é claro. O que chamou a atenção foi o fato de o ritual ser praticado a bordo de um avião, em meio a uma aula.

Um dos personagens do DOSSIÊ GLOBONEWS:SEGREDOS DE ESTADO é, justamente, o instrutor que, sem suspeitar de nada, deu aula de pilotagem aos dois, a bordo do Cesnna, modelo 172 N, prefixo N 739 RF.

Rick Garza, o instrutor, lembra:

 Quanto a atitudes incomuns:  os dois pareciam demorar a aprender as coisas. Em um vôo, notei que um dos dois, Khalid al-Mihdhar, começou a rezar para Alá, em árabe, no fundo do avião. Isso aconteceu no momento que estávamos pousando. Por ser uma pessoa religiosa e espiritual, achei curioso o fato de ele estar rezando naquele momento. Não entendi se ele estava nervoso ou com medo. Não sabia o que ele estava fazendo. Aquilo ficou na minha mente. Perguntei para quem ele estava rezando. Disse a ele que eu era um homem muito espiritual”

“Perguntei porque achei muito interessante. A princípio, eles estavam um pouco fechados. Dirigi minha pergunta a Khalid al-Mihdhar. Mas ele não disse nada. Apenas perguntei:  ”Para qual Deus que você está rezando? ” .  E ele: “Para Alá”. Começou a dizer outras coisas em árabe. Não entendi. Eu apenas disse a ele que, como cristão e um homem muito espiritual,achava aquilo muito interessante. Isso foi muito marcante”.

Pergunto ao instrutor se ele hoje desconfiaria de um estudante estrangeiro que, sem maiores referências, quisesse aprender a pilotar:

É uma pergunta interessante. Não recusaria um estudante estrangeiro hoje. Eu não gostaria de ser conhecido como alguém que cria perfis, raciais ou não. De qualquer maneira, se eu recebesse alguém vindo do Oriente Médio, perguntaria a cidadania e onde o aluno foi criado. Tentaria achar o máximo de informações possível sobre eles e diria a razão. Desde então,  conheci pessoas do Oriente Médio que são cidadãos americanos muito dedicados. Não tenho problemas em dar aulas a alguém assim. Mas eu teria um problema com estrangeiros que não falassem inglês e com quem houvesse alguma similaridade ou algum paralelo que pudesse ser feito com os terroristas. Eu os recusaria educadamente”.  ( As entrevistas com o instrutor, o proprietário da escola e o líder do Centro Islâmico de San Diego vão ao ar no DOSSIÊ GLOBONEWS )

Os dois alunos que tiveram aulas de pilotagem em San Diego não chegaram a concluir o curso. De San Diego, partiram para outros pontos dos EUA. A dupla, comprovadamente, passou pelo Arizona.  Os dois embarcariam, na manhã do 11 de setembro de 2001, no avião que foi jogado sobre o Pentágono, o centro do poder militar americano. Quem assumiu o controle do avião foi outro terrorista – Hani Hanjour – que concluíra o curso.

A investigação sobre o atentado revelaria quer os terroristas suicidas usavam nomes em código para definir os alvos dos ataques.

O Pentágono era chamado de “Faculdade de Belas Artes”.

“Cérebro da invasão do Iraque” diz como decisão foi tomada: “O presidente concluiu que era mais perigoso deixar Saddam no poder do que ir à guerra”

qui, 08/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews exibe à meia-noite e meia, dentro da série DOSSIÊ GLOBONEWS : SEGREDOS DE ESTADO, entrevista inédita com o homem que ocupou um posto-chave no Pentágono durante o governo Bush. A exibição de episódios inéditos da série ocorre sempre às 20:05, mas, hoje, excepcionalmente, será à meia-noite  e meia, em virtude da transmissão ao vivo do pronunciamento do presidente Obama sobre a economia. A série vai ao ar até o sábado, dia 10.

Douglas Feith vai passar o resto da vida explicando uma decisão extremamente polêmica que foi tomada quando ele ocupava um posto importante no Pentágono durante o governo de George W. Bush :  a invasão do Iraque, em 2003, como parte da chamada “Guerra ao Terror”.

Poucas decisões foram tão criticadas. O custo  – em dinheiro e em vidas – foi imenso. Cerca de cinco mil soldados americanos morreram. Quarenta mil foram feridos. Calcula-se em dez mil o número de militares iraquianos mortos – e, em cem mil, o número de civis ( o número foi citado por um agente da CIA que, durante anos, atuou no Oriente Médio: Robert Baer, personagem de um dos programas da série DOSSIÊ GLOBONEWS : SEGREDOS DE ESTADO). Vincent Bugliosi, promotor que ficou famoso nos anos sessenta por ter atuado no julgamento da Família Manson ( o bando de assassinos que matou, entre outros, a atriz Sharon Tate ), quer que Bush seja julgado como “criminoso de guerra”.

Feith era homem de confiança total do então secretário de Estado, Donald Rumsfeld. Ocupou o posto de subsecretário. Em suas memórias, Rumsfeld diz que encomendou a Feith um relatório detalhado sobre o que deveria ser feito no Iraque.

Quando estava no poder, raramente Feith falava com jornalistas. Fora do Pentágono, disse que se arrepende do mutismo.  Deveria ter se pronunciado com mais frequência.

Hoje, é diretor do Centro de Estratégias para Segurança Nacional do Instituto Hudson, em Washington. Publicou um livro, inédito no Brasil: “War and Decision”. Quando nos recebeu, estava apressado, porque tinha um compromisso marcado para logo depois, fora do Instituto. Mas não se furtou a responder a nenhuma pergunta, inclusive sobre temas que o deixam levemente irritado, como, por exemplo, o fato de ter sido chamado de “falcão” pela imprensa. Ou as suspeitas de que o petróleo estaria, no fim das contas, por trás da decisão de invadir o Iraque. A entrevista terminou se estendendo.

Douglas Feith fala com clareza sobre um ponto fundamental : diz que, desde o início das discussões internas sobre como os Estados Unidos deveriam aos ataques do 11 de Setembro, ficou claro qual seria a Estratégia Bush. A decisão tomada foi a seguinte :  a prioridade não era punir os autores do ataque – o que seria feito, também -, mas evitar que outros atentados ocorressem. Assim, nasceu a  ideia ( controversa) da intervenção no Iraque, país que, sob o regime de Saddam Hussein, acumulava um histórico de hostilidades contra os EUA.  

Sempre tive curiosidade de ouvir de alguém do governo Bush uma explicação sobre o Caso do Iraque. Que explicação ele daria sobre a “velha” dúvida:  se o Iraque não tinha relação com a Al-Qaeda - a organização terrorista responsável pelos atentados de 11 de Setembro –  por que os EUA invadiram o país ?  Douglas Feith era o destinatário perfeito da pergunta, porque, desde o início, participou das discussões sobre a reação dos EUA aos atentados do 11 de Setembro. ( Repórter existe poara fazer perguntas e ouvir. Ponto. Simples assim. Fazer julgamento é papel dos comentaristas ).

Feith chegou a descrever uma cena típica de bastidores : quando as tropas da chamada “coalizão” chegaram a Bagdá, um soldado americano tratou de encobrir a cabeça de uma estátua de Saddam Hussein com a bandeira americana. A imagem foi transmitida para o mundo todo. Sem que ninguém soubesse, o gesto do soldado provocou uma correria nos bastidores do poder, em Washington : o próprio Douglas Feith correu ao telefone para pedir aos comandantes militares que mandassem o soldado tirar imediatamente aquela bandeira americana da cabeça da estátua Saddam. O gesto do soldado, com toda razão, poderia ser visto como uma provocação gratuita. Em questão de segundos, o soldado tirou a bandeira americana da estátua. Douglas Feith acha que nem houve tempo de a reclamação chegar aos ouvidos do soldado. É provável que o próprio soldado tenha se dado conta da besteira que estava fazendo. 

A entrevista de Feith é um belo documento sobre o que pensa um estrategista que embarcou, sem titubear, numa decisão que será tema de discussão pelas próximas décadas ( a íntegra do que ele disse vai no ar no DOSSIÊ GLOBONEWS: SEGREDOS DE ESTADO) :

“O Iraque representava um perigo à segurança nacional já antes do 11 de setembro. Era um problema que o governo Bush herdou do governo Clinton e do governo do Bush pai. Por toda a década de 1990, houve inúmeras resoluções para tentar lidar com os perigos do regime iraquiano. Quando assumiu, em 2001, o presidente Bush tinha de lidar com o fato de que a estratégia de contenção que a ONU havia criado para o regime de Saddam Hussein estava desmoronando. O problema geral do Iraque foi, então,reexaminado à luz dos ataques do 11 de setembro. O presidente decidiu que o problema iraquiano era ainda mais importante e urgente à luz dos ataques do 11 de setembro. O Iraque era um elemento da rede terrorista internacional e um dos principais patrocinadores estatais de grupos terroristas. Não quer dizer que estava ligado ao 11 de setembro, mas era parte da rede global que nos preocupava. Sobre a razão de termos agido contra o Iraque ao invés de outros países, a maioria perguntava: Por que não atacar o Irã? Por que não atacar a Coreia do Norte? A resposta curta é que, antes de considerar a ação militar, temos que ter certeza de que tentamos tudo o que era possível para resolver o problema. Estava claro que muita diplomacia seria necessária para ver se podíamos lidar com o problema norte-coreano ou com os problemas e ameaças iranianos. Eram problemas que exigiam diplomacia. Quanto ao caso do Iraque, incontáveis esforços diplomáticos foram feitos ao longo de anos para lidar com o problema. O presidente, sensatamente, concluiu que havíamos esgotado todos os meios pacíficos para lidar com essa perigosa ameaça”.

“Se você olhar para os fatos que baseiam a análise do presidente Bush e da equipe do governo sobre a razão de termos tomado ações militares contra os perigos impostos por Saddam, verá que foi um plano muito bem elaborado. Mas houve erros. O mais famoso foi a crença de que o Iraque tinha estoques de armas de destruição em massa. Havia erros no plano. Isso era um grande problema.  De um modo geral, o plano envolvia elementos sobre o histórico iraquiano de agressão contra seus vizinhos, hostilidade contra os Estados Unidos, apoio a grupos terroristas, uso e busca de armas de destruição em massa. Pode ser verdade que eles não tinham os estoques, mas esses outros elementos eram parte importante da análise. Baseado em tudo o que se sabia, o presidente concluiu – de forma sensata – que era mais perigoso deixar Saddam no poder do que ir à guerra. Por mais que ir à guerra fôsse muito perigoso. Isso não criou um mau precedente nem serviu de incentivo para outros irem à guerra por razões fúteis. Os Estados Unidos pesaram essas razões com muito cuidado, discutiram o tema com vários países e o presidente tomou uma decisão sensata”.

 ”A pergunta é se eu aceito ser chamado de falcão? Não sei exatamente o que as pessoas querem dizer com o termo! Durante meses, houve deliberações sobre se a ação militar era necessária no Iraque. Participei dessas deliberações como uma de muitas autoridades. Concordei com a decisão do presidente de que ação militar era necessária. O presidente tomou a decisão certa. O mundo ficou muito melhor depois de termos removido Saddam Hussein do poder”.

Uma arma de papel na Guerra ao Terror: EUA oferecem “dinheiro vivo” em troca de informações sobre terroristas. Maior recompensa: R$ 40 milhões (a oferta é válida para o Brasil…)

qua, 07/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews exibe nesta quarta-feira, às 20:05 (reprise: meia-noite e meia), entrevista inédita em que o ex-agente do Serviço de Segurança Diplomática do Departamento de Estado americano, Fred Burton, fala sobre recompensas milionárias pagas pelo governo dos EUA em troca de informações sobre terroristas

O governo americano usa uma poderosa arma de papel na chamada Guerra ao Terror : dinheiro para informantes.

O Departamento de Estado dos EUA mantém, desde os anos oitenta, um programa chamado “Rewards For Justice”. Cem milhões de dólares já foram pagos a cerca de sessenta informantes que passaram ao governo americano informações que levaram à captura de terroristas. As recompensas não são pagas apenas a quem ajudar a esclarecer ataques terroristas já ocorridos : o prêmio vale, também, para quem der informações que evitem novos atentados. 

Não há qualquer restrição geográfica: as recompensas podem ser pagas a informantes de qualquer parte do mundo.

Gravamos em Austin, Texas, uma longa entrevista com o agente que, durante anos, atuou na frente contra o terror. Chama-se Fred Burton. É autor de livros como “Ghost: Confessions of a Counterterrorism Agent” .

Burton cita um detalhe : as recompensas são pagas, em geral, em “dinheiro vivo”, “em notas de cem dólares” – numa “mala preta”. Se o informante é valioso, pode receber ajuda para ganhar um novo endereço e mudar de identidade. É o que aconteceu com o cúmplice de Ramzi Yousef, o responsável pelo primeiro ataque ao World Trade Center, em 1993. Quando soube que o programa oferecia recompensas pulpudas, o cúmplice entregou o chefe. Recebeu 1 milhão e 100 mil dólares em dinheiro vivo. Trocou de identidade.  Final da novela: o informante “sumiu na poeira da estrada”. Yousef foi preso no Paquistão, transferido para os Estados Unidos e condenado à prisão perpétua.

A maior recompensa oferecida, hoje, é de 25 milhões de dólares ( cerca de 40 milhões de reais ) a quem der informações que resultem na captura do sucessor de Bin Laden na Al-Qaeda, o médico egípcio  Ayman al-Zawahiri.  Há uma lista de cerca de trinta terroristas que valem, na avaliação do Reards for Justice, cinco milhões de dólares cada ( cerca de 8 milhões de reais ).

O Departamento de Estado publica a lista em vinte e oito idiomas – inclusive o português : 

https://www.rewardsforjustice.net/index.cfm?page=wanted_terrorist&language=portuguese

 Trechos da entrevista que a  Globonews levará ao ar nesta quarta-feira:

“A fonte que nos permitiu capturar Ramzi Yousef, o mentor do primeiro ataque ao World Trade Center, recebeu Us$ 1,2 milhão em dinheiro vivo, em uma maleta preta da Samsonite…O dinheiro veio de uma ferramenta poderosa do governo americano: um programa chamado “Rewards for Justice”. O programa foi, literalmente, projetado em um guardanapo no início da década de oitenta. Os informantes recebem pagamento. Não importa em que lugar do mundo estejam. Por exemplo: cidadãos do Brasil, Europa ou sudeste da Ásia podem entrar em contato com o governo americano através de um número gratuito, pelo nosso website, ou por embaixadas e consulados dos EUA em qualquer país , com informações. O governo americano vai tentar confirmá-las. Se forem substanciais, este indivíduo pode receber milhões de dólares. O informante a quem pagamos 1,2 milhão foi transferido para os Estados Unidos, depois que o tiramos do Paquistão. Literalmente, desconheço o paradeiro desse informante hoje. Nós demos o dinheiro a ele. E ele seguiu adiante. Pelo que sei, nunca voltou a entrar em contato conosco. Nunca nos procurou. Era muito dinheiro. Espero que ele tenha investido bem”

“Sempre que oferecemos a alguém a oportunidade de ganhar dinheiro, temos que investigar para excluir pistas forjadas ou alegações malucas – que chegam aos montes. Há os que nos escrevem, nos telefonam ou nos visitam alegando coisas absurdas. Dizem que Muammar Kadhafi vai tomar o plenário da ONU. Ou que o presidente Obama na verdade não trabalha para os Estados Unidos, mas para a Nova Ordem Mundial. Quando divulgamos este tipo de programa para o público, temos que excluir informações errôneas ou ridículas. Usávamos procedimentos como dizer: “Tudo bem. Agora que nos trouxe informação sobre esta ameaça, você aceita passar pelo detector de mentiras ?”. A maioria saía correndo”.

O agente também trata de um caso que envolve o Brasil: o assassinato do coronel Josef Alon, adido militar da Embaixada de Israel nos Estados Unidos, em julho de 1973, em Washington, poucos meses depois do massacre dos atletas israelenses nas Olimpíadas Munique, em setembro de 1972. O ataque à delegação isralense foi feito pela organização Setembro Negro. A investigação comandada por Burton descobriu que o terrorista que se infiltrou  nos EUA para eliminar o adido militar israelenses tinha ligações com a organização terrorista que cometera o ataque em Munique. Depois de obter um passaporte falso, o homem que matou o adido militar israelense teria embarcado para o Brasil – onde, segundo garante Burton, se refugiou em Porto Alegre:

“O terrorista do Setembro Negro que apertou o gatilho e matou o coronel Alon fugiu dos EUA após o assassinato. Recebeu do Setembro Negro uma identidade falsa – que facilitou a viagem ao Brasil. Viajou para Porto Alegre, especificamente, onde se refugiou no interior de uma comunidade palestina durante anos. Tentei localizá-lo no Brasil,o que foi muito difícil. É parecido com a situação na Tríplice Fronteira : não conseguíamos a ajuda de ninguém, o auxílio de ninguém. Eu suspeitava fortemente de alguém o teria advertido sobre nós. O homem fugiu do Brasil e foi para o Líbano, onde estava protegido pelo Hezbollah – que lhe deu abrigo. O que me impressioniou foi a capacidade do Setembro Negro de conseguir um passaporte para ele e levá-lo imediatamente para o Brasil depois do assassinato. Sou impedido por lei de divulgar o nome do verdadeiro assassino. Depois que ele fugiu para o Brasil, voltou para o Líbano. Fontes que tenho na comunidade de inteligência israelense me enviaram uma mensagem por celular. Meus contatos em Israel disseram que eles tinham “resolvido o assunto”. Tinham “cuidado do problema”. Entendi que os israelenses fizeram esse indivíduo desaparecer. Quando ao que aconteceu com ele, só posso especular. Não sei ao certo. Imagino que tenham feito com o atirador o que fizeram com outros agentes palestinos após o massacre de Munique: devem tê-lo assassinado”.

Depois da morte dos atletas israelenses em Munique, o governo de Israel promoveu uma operação clandestina : caçou e eliminou, um por um, em vários países, os terroristas palestinos responsáveis pelo ataque. A operação, batizada de Ira de Deus, virou tema do filme “Munique”, dirigido por Steven Spielberg.

A saga do agente Burton para tentar esclarecer a morte do adido militar da embaixada israelense é o assunto principal do livro que Burton acaba de lançar: “Chasing Shadows”  (“Caçando Sombras”).

A entrevista de Burton ao DOSSIÊ GLOBONEWS : SEGREDOS DE ESTADO joga um pouco de luz sobre operações que, como ele admite, ocorrem quase sempre no mundo das sombras.

Fred Burton dá entrevista à Globonews em Austin, Texas : o agente descreve operações feitas no "mundo das sombras" (Foto: Eduardo Torres )

 

Ex-espião americano revela qual a palavra que usava assustar suspeitos durante interrogatórios no Afeganistão: “Guantánamo”

ter, 06/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews leva ao ar nesta terça-feira, às 20:05, na série DOSSIÊ GLOBONEWS: SEGREDOS DE ESTADO, uma entrevista com Anthony Shaffer, o espião americano que, depois dos atentatos do 11 de Setembro, cumpriu duas missões no Afeganistão, na chamada “Guerra ao Terror”.

O coronel Anthony Shaffer se envolveu numa polêmica inesperada: quando voltou do Afeganistão, depois de participar de operações secretas contra a organização terrorista Al-Qaeda, resolveu publicar um livro. Como sempre acontece, o texto foi submetido previamente à aprovação do comando militar americano.

Título: “Operation Dark Heart” ( o título é uma citação indireta ao filme Apocalipse Now, a obra-prima de Francis Ford Coppola inspirada em “Heart of Darkness”/”O Coração das Trevas”, o livro de Joseph Conrad. A citação não foi gratuita : quando se embrenhou numa área remota do Afeganistão, no encalço de militantes da Al-Qaeda, Shaffer diz que se lembrou do filme de Coppola ).  

Assim que o livro saiu, Shaffer teve uma péssima surpresa:  o Pentágono comprou – e destruiu-  todos os exemplares da primeira edição. Um porta-voz se limitou a dizer que o texto trazia informações que poderiam comprometer a segurança nacional. Resultado: os poucos exemplares que escaparam da destruição terminaram leiloados na Internet por preços que chegaram a dois mil exemplares. Viraram “relíquia”. Uma nova edição, cheia de tarjas pretas, foi lançada. 

O livro descreve uma operação que, na avaliação de Shaffer, deveria ter sido realizada, em território paquistanês, contra uma base da Al-Qaeda. Estava tudo pronto para que um ponto de reunião de líderes da Al-Qaeda fosse bombardeado. Mas o comando militar americano não autorizou a incursão. Tempos depois, Bin Laden seria capturado em circunstâncias parecidas : numa incursão clandestina realizada em território do Paquistão. 

O New York Times deu destaque à proibição do livro do espião. Disse que a “tática do Pentágono” era “destruir livros para guardar segredos”.

Shaffer já tinha virado notícia ao fazer uma declaração que causara alvoroço:  disse que, um ano antes dos ataques do 11 de Setembro, encontrara, durante uma investigação feita nos EUA, uma foto de Mohammed Atta, o estudante egípcio que viria a liderar o grupo de terroristas que lançaram aviões contra o Word Trade Center e o Pentágono. A investigação sobre Atta, no entanto, não teria sido levada adiante - o que configuraria um grave erro de avialiação dos órgãos de segurança interna dos EUA.  

Convocado a depor no Congresso americano, diante da Comissão que investigava o 11 de Setembro, Shaffer manteve o que disse: o homem que ele vira numa foto um ano antes dos ataques era Atta, sim. Mas a Comissão não conseguiu uma prova definitiva de que o homem que viria a chefiar o bando de terroristas tinha sido identificado com tanta antecedência. Ficou, no ar, a polêmica.

Shaffer gravou a entrevista para a Globonews num domingo, em casa, nos arredores de Washington. Revelou qual a palavra que usava para assustar prisioneiros durante interrogatórios: Guantánamo, a prisão que os EUA abriram numa base militar para abrigar suspeitos de terrorismo. A base, como se sabe, fica em território cubano, numa área arrendada desde o início do Século XX pelo governo americano. O próprio Shaffer reconhece, na entrevista, que a reputação de Guantánamo é “péssima”. Assim, bastaria citar o nome da prisão para despertar medo nos interrogados.

Shaffer não se recusa a tocar num ponto delicado:  o tratamento dado a prisioneiros. Em resumo, o ex-espião se declara contra o uso de métodos violentos, mas diz que, numa situação extrema, para evitar um atentado devastador, ele recorreria à tortura para arrancar informações de um suspeito que soubesse o que iria acontecer.

Um trecho da entrevista:

“Uma das melhores abordagens em qualquer interrogatório é usar o medo. E não técnicas violentas. Não sou a favor de interrogatórios violentos. Não apoio a tortura. Mas, se você identifica o medo de alguém, pode usar o medo como ferramenta. Usei, muitas vezes, a ideia de Guantánamo, uma prisão lendária e com péssima reputação na cabeça de qualquer um. A maioria não quer ir para lá. Durante os interrogatórios, em especial de indivíduos suscetíveis, que não queriam ir para Guantánamo, citar a prisão com certeza é uma boa ferramenta. É como dizer: “Se você não cooperar, se não sentirmos que você vai falar toda a verdade, vamos mandar você para Guantánamo!”. A ameaça é, claramente, bem mais eficaz do que o ato em si. Era o que usávamos. Interrogamos um cidadão americano que,  obviamente, temia ir para Guantánamo. Usamos o medo em nosso favor. E ele acabou cedendo, porque teve medo. Isso é o que deve ser feito nos bons interrogatórios”.

O senhor torturaria alguém  ?

“Se houvesse um perigo claro e iminente, ou se eu acreditasse que aquele indivíduo tivesse informações sobre atos que poderiam resultar na morte de dezenas de milhares ou milhões de pessoas, como um ataque nuclear, por exemplo, acho que sim. Se eu estivesse convicto de alguém tinha a informação, eu torturaria. Isso é muito simples. Em interrogatórios com tortura, as pessoas falam o que você quer ouvir, para fazerem com que você vá embora. Isso, no entanto, não quer dizer que elas saibam o que você quer saber! Só há uma possibilidade: só um ataque nuclear ou outro ataque potencialmente catastrófico justificaria o uso de tortura. Nunca vi algo assim em todos esses anos. Ouvi amigos e parceiros comentarem a respeito. É um cenário altamente improvável, mas é o único que, para mim, justificaria a tortura. Quero deixar claro que não somos treinados para torturar”.

“Com base em experiência própria, eu, francamente, nunca acreditei na necessidade de interrogatórios violentos quando você entende como é o sujeito que você interroga. Hoje, esse debate ainda continua. Não estou dizendo – quero que fique bem claro ! – que eu nunca torturaria alguém.. Mas não acredito que seja o caminho correto. Talvez por um momento, como Jack Bauer ? Não creio. Quero deixar claro, novamente, que não acho má ideia obrigar alguém a ficar acordado ouvindo músicas de Perry Como… Há coisas que incomodam muito o prisioneiro. Como incentivo para que ele fale, podemos usar melhoria das condições do cárcere, assim como os seus próprios medos. É só mantê-lo acordado, não deixar que as coisas fiquem agradáveis e ir devolvendo os privilégios conforme ele for cooperando. Nada além. Isso não é tortura. É criar incômodos até o sujeito começar a cooperar”. 

Anthony Shaffer, em entrevista à Globonews : livro destruído pelo Pentágono ( Foto: Eduardo Torres )

Agente da CIA que tentou matar Saddam Hussein faz “cálculo cruel” e conclui: “assassinatos políticos” são “justificáveis” quando evitam ou terminam uma guerra

seg, 05/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews exibe hoje, segunda, às 20:05 ( com reprise à meia-noite e meia ) o terceiro programa da série  DOSSIÊ GLOBONEWS:SEGREDOS DE ESTADO. Entrevistado:  Robert Baer, o agente da CIA que, confessadamente, participou de uma conspiração para matar Saddam Hussein.

Espionagem internacional não é para amadores. Que o diga Robert Baer, o ex-agente da CIA que se envolveu em operações de alto risco no Iraque. Esteve pessoalmente envolvido na conspiração armada por militares iraquianos para matar o ditador Saddam Hussein. Considerado por fontes insuspeitas, como o jornalista Seymour Hersh, como “talvez o melhor agente de campo em atuação no Oriente Médio”, Baer foi acusado (pelo FBI!) de ter tramado a morte de Saddam. Teve de se explicar em Washington. Ou seja: Baer terminou envolvido numa intriga interna envolvendo CIA e FBI.

A entrevista com Robert Baer foi gravada na Califórnia. O ex-agente da CIA enfrenta as limitações na hora de falar: precisa submeter à agência, até o fim da vida, todo texto que escrever para publicação ( Baer é autor de livros como “See no Evil” e “The Company We Keep”, inéditos no Brasil mas facilmente acessíveis através de livrarias virtuais como a Amazon).  

Por coincidência, um dia antes de gravar a entrevista para a Globonews, Baer tinha recebido uma ordem da CIA : estava proibido de publicar, na revista Time, detalhes sobre a operação que resultou na morte de Bin Laden.  Assim foi feito. Quando acontece um grande caso, a revista recorre a Baer como uma espécie de “consultor”. A ordem da CIA chegou em forma de carta, endereçada à casa do agente- onde estávamos agora para a gravação da entrevista.

O cinegrafista Eduardo Torres estava se preparando para fazer imagens do ex-agente diante de um monitor que exibia a carta da CIA, já devidamente escaneada.  Cuidadoso, Baer pediu que esperássemos por um momento.  Usou, então, um pequeno pedaço de fita adesiva preta para encobrir, no monitor, o trecho da carta da CIA em que aparece o endereço da casa onde estávamos. Tratei de tranquilizá-lo. Disse a ele que não se preocupasse: não iríamos exibir, no programa, um endereço pessoal. Mas, cauteloso como qualquer agente que se preze, Baer preferiu se resguardar. Colou o minúsculo pedaço de fita adesiva sobre o endereço.  

Baer não usa meias palavras. Diz que a invasão do Iraque, em 2003, foi uma “loucura”, uma “catástrofe” que alterará o equilíbrio do Oriente Médio pelas próximas décadas. As declarações do ex-agente da CIA contra a intervenção no Iraque poderiam ter saído da boca de um militante anti-Bush. Mas, fiel ao estilo direto e contundente, o agente faz, também, declarações que teriam lugar garantido num compêndio de falas  ”politicamente incorretas”. Sem o menor temor de ofender ouvidos sensíveis, ele diz  que assassinatos políticos são plenamente justificáveis quando são cometidos, por exemplo, para evitar uma guerra. 

Cita logo dois exemplos: se Bin Laden tivesse sido eliminado logo depois dos ataques de 11 de Setembro, os EUA não teriam prolongado por tanto tempo as operações militares no Afeganistão. Idem com o Iraque : o agente garante que, se Saddam Hussein tivesse sido eliminado ainda nos anos noventa, os Estados Unidos não teriam invadido o país em 2003. Quantas vidas teriam sido poupadas ? – pergunta ele. Baer diz que o cálculo é “cruel”, mas se for para escolher entre uma guerra e um assassinato político, ele fica com segunda alternativa, sem discussão.    

Entrevistados que falam sem rodeios são perfeitos para TV. Sou suspeito para falar, mas aviso, a quem interessar possa:  quem quiser entender a lógica – às vezes “cruel” – de um agente secreto que ostenta uma extensa folha de serviços prestados à espionagem internacional deve ver a entrevista do ex-agente Baer. Vale a pena. É instrutivo. Ouvir a palavra de quem atuou na sombra por tanto tempo é sempre um bom exercício jornalístico.

 Um pequeno trecho do que ele disse :

Sobre a conspiração para matar Saddam Hussein:  “Tentei matá-lo. Só lamento não ter conseguido. Porque não teríamos tido essas guerra desastrosa que temos no Iraque. A invasão do Iraque, em 2003, foi uma loucura, Nós – você, eu, todo mundo – vamos pagar por ela. Cem mil iraquianos foram mortos sem necessidade. O equilíbrio do Oriente Médio foi destruído. É uma catástrofe – ainda que consideremos apejas o número de mortos. E será uma fonte de instabilidade no Oriente Médio pelos próximos cem anos, graças a George W. Bush, a Dick Cheney ( vice-presidente no Governo Bush) e todo o resto. Aquilo foi uma loucura. Não há outra forma de descrever”.

Dei sinal verde ( aos conspiradores). O objetivo era esse ! Nós sabíamos, na CIA, que os neoconservadores do Congresso estavam pressionando para aprovar uma invasão do Iraque – para derrubar o regime e mudar o país. Tal ideia era uma idiotice. Nós sabíamos. Ao mesmo, sabíamos que o problema era um homem: Saddam Hussein – e seus dois filhos. Deveríamos nos livrar de Saddam e deixar o regime lá. Claramente, ele era o objetivo. Tínhamos oficiais militares prontos para assumir depois de Saddam. Eu acho, até hoje, que a lógica toda de novs livrarmos de Saddam é ainda válida”. ( militares hostis a Saddam Hussein planejaram um golpe que foi mal sucedido. Baer teve encontros secretos com os conspiradores. Deu a eles sinal verde).

Sobre o efeito de assassinatos políticos: “Os assassinatos, segundo meus cálculos morais e o de outros, são justificáveis para terminar uma guerra ou para evitar uma. Isso é importante. Nós estamos falando de cálculos morais. Quando os EUA se veem na iminência de uma guerra, é muito melhor substituir a guerra por um assassinato. Bin Laden é um caso óbvio. Em outubro de 2001, deveria ter sido assassinado, provavelmente por via aérea, com bombardeiros B-1. Isso teria nos evitado a guerra no Afeganistão e no Paquistão. Não há justificativa para a Guerra no Iraque. Mas, se tivéssemos conseguido assassinar Saddam, poderíamos não ter entrado em guerra. Os Estados Unidos deveriam parar de ser a polícia do mundo e não cometer assassinatos ou invasões. Mas, se é preciso escolher entre assassinato e invasão, dado o número de vidas perdidas – é um cálculo bem frio – eu escolho o assassinato. Os dois assassinatos teriam deixado os EUA fora de duas guerras. O primeiro seria o de Bin Laden. Por que ir para o Afeganistão se ele já estaria morto ? O movimento estaria, supostamente, terminado. Ou então deveriam matar a ideia desse culto, dessa guerra contra o Ocidente. Mas não se pode matar uma ideia com uma invasão. O mesmo acontecia no Iraque. Saddam era o problema. Era imprevisível. A ideia era: se matássemos Saddam - e alguns de seus seguranças – mataríamos umas cinco pessoas, em vez de….quantos milhões de pessoas vão acabar mortas ? É um cálculo cruel, mas, para mim, faz sentido”.  

O ex-agente da CIA Robert Baer: contra a invasão do Iraque, a favor de assassinatos políticos que evitem uma guerra (Foto: Eduardo Torres)

Acorda, Daniel Ellsberg! Eles enlouqueceram ! (Ou: quem grita, hoje, em favor dos dissidentes ? Em tempos medíocres, a Grande Marcha dos Indiferentes avança)

sáb, 03/09/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A partir de hoje, sábado, a Globonews levará ao ar, diariamente, sempre às 20:05 ( com reprise à meia-noite e meia), o DOSSIÊ GLOBONEWS; SEGREDOS DE ESTADO – uma série de oito entrevistas inéditas com personagens pouco conhecidos do público. Durante três semanas, o locutor-que-vos-fala percorreu os EUA, em companhia do cinegrafista Eduardo Torres, no encalço de espiões, ex-agentes da CIA, pilotos militares, diplomatas.  Haverá reprises extras, às 8:30 e às 16:30.     

O primeiro personagem a entrar em cena na série DOSSIÊ GLOBONEWS : SEGREDOS ESTADO é um soldado americano que viveu um drama inesperado na Guerra do Iraque : ao se aproximar de um carro atingido por um bombardeio, ele descobriu que havia duas crianças dentro do carro. O que fazer ?

Se fosse cumprir rigorosamente os códigos militares, o soldado não teria socorrido as crianças. Afinal, não é papel de um soldado socorrer feridos do “lado inimigo” – ainda que sejam crianças,  atingidas “por acaso”. Mas o sentimento de solidariedade fez com que o soldado tentasse salvar as duas crianças que, por um grande azar, tinham ido parar no meio de um bombardeio. As duas estavam a bordo de uma van dirigida pelo pai.

Depois de socorrer as crianças, o soldado passou a ter pesadelos. Pior: chegou a ser admoestado por seus superiores. Virou motivo de piada entre os colegas. Logo depois, teve de voltar aos EUA, por ter sido ferido numa explosão. De volta para casa, tentou se matar porque não conseguia conviver com o chamado “stress pós-traumático”. A lembrança das crianças feridas o atormentava. Terminou se engajando numa campanha contra a Guerra do Iraque. Nome do soldado que virou pacifista: Ethan McCord.

A história terminaria aí : um veterano de guerra convivendo, em casa,  com seus fantasmas. Mas o caso teve uma reviravolta espetacular. Toda a operação militar – que resultou no bombardeio da van que conduzia as crianças – tinha sido gravada pelo Exército americano. Ao ver as imagens, um outro soldado resolveu passar o vídeo, secretamente, para o Wikileaks ( a organização que se especializou em divulgar documentos secretos de governos ) . Tornadas públicas, as imagens provocaram choque, indignação, pavor. São – de fato –  impressionantes. Ninguém fica indiferente a elas. 

 Um novo drama começou: o autor do vazamento foi imediatamente identificado pelo Exército. Era um soldado de vinte anos chamado Bradley Manning. Preso, ele foi imediatamente retirado do Iraque, levado ao Kwait e, afinal, “recambiado” para os Estados Unidos, onde chegou a ser submetido a um regime de isolamento numa prisão militar.  Agora, aguarda julgamento.

É provável que o autor do vazamento vá passar os próximos anos atrás da grades, por ter desobedecido a uma série de códigos militares. Afinal, divulgou imagens e documentos confidenciais das Forças Armadas. Em um e-mail, o soldado dizia que iria vazar o vídeo do bombardeio porque queria provocar um debate planetário sobre abusos cometidos na Guerra do Iraque. Ou seja: a intenção era a melhor possível. O problema é que, no mundo real, boas intenções podem ser passíveis de punição severa.

Um abaixo-assinado mundial foi lançado em defesa de Bradley Manning ( aqui:  www.bradleymanning.org ). Qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo pode assinar,pela Internet. A petição vai ser encaminhada ao Pentágono. Internautas postam, no site, fotos em que exibem para a câmera pequenos cartazes com os dizeres: “Eu sou Bradley Manning”.

A verdade é que a campanha não vem tendo a repercussão merecida. Não me lembro de ter visto, na nossa imprensa, nenhuma grande matéria sobre o tema. A pouca repercussão da campanha em solidariedade ao soldado que queria denunciar um absurdo cometido na Guerra do Iraque é um sintoma destes tempos despolitizados e medíocres em que vivemos. A dissidência virou uma flor rara. Ah, a Grande Conspiração da Mediocridade….Ah, a Grande Marcha dos Indiferentes….

Houve, no final dos anos sessenta, um caso parecido com o do soldado que virou dissidente. Um analista do Pentágono chamado Daniel Ellsberg vazou para a imprensa documentos secretos sobre o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnam. Provocou um grande debate planetário sobre o tema, mas foi preso e levado aos tribunais. Houve uma grande mobilização em favor de Ellsberg. E agora ? 

Um detalhe: aos oitenta anos de idade, Daniel Ellsberg se engajou totalmente na campanha em solidariedade a Bradley Manning. Primeiro, assinou a petição no site. Posou para uma foto em que exibe um cartaz : “Eu era Bradley Manning” . Depois, participou de uma manifestação pública em defesa de Bradley Manning, em Washington, nas proximidades da Casa Branca. Terminou detido pela polícia. O octogenário Daniel Ellsberg parece não ter perdido aquela “chama de solidariedade” que, hoje, lastimavelmente, já não é capaz de incendiar corações e mentes :

https://www.youtube.com/watch?v=d8UL5aXBlsc

Quando as tropas soviéticas marcharam sobre a Tchecoslováquia, em 1968, para pingar um ponto final na Primavera de Praga – uma tentativa de criação de um “socialismo  com face humana” -, um estudante, ingênuo, escreveu num muro: “Acorda, Lênin ! Eles enlouqueceram”. 

Diante da Grande Marcha dos Indiferentes, a hora é de dizer :  “Acorda, Daniel Ellsberg ! Eles enlouqueceram”

 
 

Daniel Ellsberg : foto postada no site em defesa do soldado dissidente

 

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Aqui, trechos da entrevista que a Globonews levará ao ar. O soldado Ethan McCord – que, depois de socorrer crianças, virou pacifista – nos recebeu em casa. O programa exibirá as imagens que Bradley Manning vazou para o Wikileaks. Os dois – McCord e Manning – vivem dramas diferentes. Manning continua numa prisão militar, à espera da hora de ir para o tribunal. McCord convive, em casa, com os fantasmas que o atormentam desde o dia em que descobriu que, dentro da van destroçada por um bombardeio, havia duas crianças :  

1

“Os EUA, principalmente nas Forças Armadas, retrataram o país todo como vilão. Fizeram com que a gente visse todos os iraquianos como inimigos. Eu achava que o Iraque era um país cheio de terroristas”

2

“Arrombávamos portas com máscaras de caveira. Tirávamos moradores de suas casas no meio da noite. Batíamos nas pessoas. Atirávamos em gente inocente. A maioria das pessoas mortas no Iraque eram homens, mulheres e crianças inocentes. Nós é que éramos os terroristas”.

3

“Eu estava animado para ir para o Iraque, porque achava que seria uma espécie de herói. O que eu esperava era levar liberdade e democracia para gente que tinha sido oprimida durante tanto tempo. Eu achava que estava indo para uma guerra justa”

4

“O surpreendente é que fui para o Iraque para levar a liberdade aos iraquianos. Mas os iraquianos é que me libertaram. Os iraquianos me libertaram de ser um escravo cego do meu governo. Abriram os meus olhos para o mundo à minha volta”.

5

“Soldados riram de mim. Disseram que eu tinha coração mole. Ou que eu parecia uma mulher por me preocupar com crianças. Outros soldados me disseram que, se estivessem lá, teriam atirado na cabeça das crianças, porque elas seriam futuros terroristas. O Exército treina os soldados para acreditarem que as crianças do Iraque ou do Afeganistão vão ser terroristas”.

6

“Depois de voltar do Iraque, tentei me matar, pelo sentimento de culpa de ter participado daquilo. Emocionalmente, é extenuante até hoje. Tenho flashbacks. Sempre que fecho os olhos, vejo corpos. É muito traumatizante”.

7

“Eu diria a George Bush que ele nos usou por motivos ilegais e imorais. Espero que ele não durma bem à noite. Tomara que as imagens dos soldados e de suas famílias e dos mortos no Iraque e no Afeganistão o assombrem toda noite. E continuam assombrando-o pelo resto da vida”.

8

“Não sou dissidente. Sou muito patriota. Amo o meu país. Aomo o povo do meu país, mas amo também toda a Humanidade, todas as pessoas do mundo”

9

“Se me arrependo de ter matado gente no Iraque ? Com certeza. As pessoas que matei no Iraque, tivessem elas armas ou não, vão me assombrar pelo resto da minha vida. Vou para a sepultura assombrado pela imagem dos rostos das pessoas que matei”.

10

“A grande mídia dos EUA não dá espaço para veteranos que se opõem à guerra, pois somos vistos como loucos. Mas os que apoiam esta guerra é que são loucos”

O vídeo completo:

https://g1.globo.com/globo-news/noticia/2011/09/ex-soldado-americano-vira-pacifista-apos-atuar-na-guerra-do-iraque.html

 



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