Caetano revela: militares gravaram interrogatório a que foi submetido no Rio de Janeiro e pergunta: “Onde estarão estas fitas ?” E mais: o dia em que Chico Anysio se ofereceu para ajudar Caetano a voltar do exílio

ter, 08/02/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Pouco depois de chegar a Londres, para um exílio que duraria dois anos e meio, Caetano Veloso teve uma surpresa : recebeu uma carta em que o humorista Chico Anysio se oferecia para intermediar um possível retorno  ao Brasil.  O gesto  solidário de Chico Anysio comoveu Caetano – que tinha sido preso em São Paulo, juntamente com Gilberto Gil, duas semanas depois da decretação do AI-5, o ato que dava poderes absolutos ao regime militar. Trazidos ao Rio de carro, os dois passaram por três quartéis, até viajarem para Salvador, onde passaram seis meses sob regime de prisão domicilar. Em seguida, em meados de 1969, receberam autorização para sair do Brasil. Destino: Londres. Voltaram ao Brasil no início de 1972.

Diz Caetano:

“Chico Anysio me escreveu uma carta bem cedo, logo que eu tinha chegado a Londres. Respondi: “Chico, agradeço muito. Não há nada que eu queira mais do que voltar ao Brasil. Mas não quero dialogar com essas autoridades que trataram do jeito que me trataram….”. É a primeira vez que estou contando assim. Mas aconteceu. As cartas provavelmente estarão perdidas”.

A referência a Chico Anysio é parte do longo depoimento que Caetano Veloso gravou para o nosso documentário “CANÇÕES DO EXÍLIO: A LABAREDA QUE LAMBEU TUDO” ( a ser exibido nesta terça, quarta e quinta, em três episódios de 50 minutos, no Canal Brasil. A negociação para a volta ao Brasil é parte do segundo episódio. Além de Caetano Veloso, o documentário, produzido pela Multipress Digital para o Canal Brasil, traz depoimentos de Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner – e participações especiais de Paulo César Peréio e Lorena da Silva).

Caetano Veloso,em CANÇÕES DO EXÍLIO: onde estão as fitas do interrogatório ?

Cerca de um ano depois da oferta de Chico Anysio, Caetano Veloso recebeu, por fim, uma autorização para uma viagem ao Brasil: iria comparecer à comemoração dos quarenta anos de casamento dos pais, na Bahia. Maria Bethânia, irmã de Caetano Veloso, se encarregou de fazer os contatos, numa operação que incluiu o empresário Benil Santos e – de novo – o próprio Chico Anysio. ”Bethânia estava trabalhando com o empresário Benil Santos – que trabalhava, também, com Chico Anysio”, diz Caetano, no documentário. “Chico se dispôs, através de Benil Santos, a ajudar Bethânia. De fato, ele ajudou Benil a ajudar Bethânia a conseguir”

A autorização foi dada para que Caetano Veloso permanecesse um mês em Salvador. Mas, ao desembarcar no Rio, uma surpresa esperava Caetano Veloso, ainda na pista do aeroporto :

“Vim com Dedé ( n: mulher de Caetano na época ). Quando chegamos ao Galeão, a gente desceu aquela escadinha. Já no pé da escada, tinha umFusca : me pegaram e dali mesmo saíram comigo. Levaram-se para um apartamento na avenida Presidente Vargas (centro do Rio) e, ali, me interrogaram. Estavam com um gravador de rolo. Onde estarão estas fitas hoje ? Gravaram tudo o que estavam perguntando e todas as minhas respostas. Isso durou seis horas. Queriam que eu fizesse uma canção louvando a Transamazônica. Disseram: “Alguns colegas seus estão colaborando conosco, fazendo músicas”… Pensei: “Voltei ao Brasil para ser preso de novo! Quase morro”.

As exigências apresentadas a Caetano Veloso: neste mês de permanência no Brasil, ele não deveria cortar o cabelo ou tirar a barba, para dar uma aparência de “normalidade”; não deveria sair da cidade de Salvador; ficaria sob a vigilância permanente de dois agentes; deveria fazer duas apresentações na TV.   As exigências foram cumpridas.   

Comando Militar do Leste informa : não há registros do “evento citado”

PS: Tentei, junto ao atual Comando Militar do Leste, obter alguma informação sobre o paradeiro das tais fitas que registraram o interrogatório de Caetano. A resposta que me foi enviada é um primor de concisão :  “Prezado jornalista: Em atenção à sua solicitação informamos que: não foram encontrados registros sobre o evento citado em sua mensagem”.

Fica a dúvida no ar: as fitas foram preservadas ? Algum oficial teve o cuidado de guardá-las ? Como o interrogatório não foi “oficial” – até porque não havia uma acvusação formal contra Caetano Veloso -, é improvável que um dia haja uma palavra oficial sobre as gravações. Mas, como tanta coisa fica nas mãos do acaso, pode ser que um dia, no fundo de uma gaveta, na prateleira empoeirada de uma estante ou, quem sabe, na casa de um militar da reserva, estas fitas apareçam. Com certeza, seriam um documento precioso sobre aqueles tempos conturbados : uma época em que um compositor popular, tido como ameaça  ao bem estar da República, era submetido a um interrogatório  que teve momentos de teatro do absurdo. Ou alguém imaginaria que, sob coação, o compositor fosse criar um hino de louvação à rodovia Transamazônica, um dos símbolos do chamado “Brasil Grande”  ?

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6 Comentários para “Caetano revela: militares gravaram interrogatório a que foi submetido no Rio de Janeiro e pergunta: “Onde estarão estas fitas ?” E mais: o dia em que Chico Anysio se ofereceu para ajudar Caetano a voltar do exílio”

  1. 1
    Sabrina -Bahia:

    Tenho certeza que Chico Anysio só quis lhe ajudar, e agora será tratado pelos \"moralistas\" como aliado da ditadura.Absurdo.

  2. 2
    marcelo:

    Geneton, vi o documentário ontem no Canal Brasil e espero ver hoje de novo. Parabéns!

  3. 3
    Tatiana:

    Que nada. Estas fitas estão mortas e enterradas (como muitos dos que foram presos durante a ditadura)…

  4. 4
    Jose Albino:

    Geneton, dê uma olhada no trecho do livro de Rui Castro ( Bossa Nova) sobre essa passagem aí, citada por Caetano. Não duvido de você, porém se eu me lembro Caetano contou outra estória a Rui Castro, um pouco diferente, sobre seu retorno ao Brasil.
    Ja faz tempo que li o livro, não tenho boa memória, mas lembro-me claramente dessa passagem no livro, na qual o próprio João Gilberto classifica como paranóia a idéia que Caetano tinha sobre os riscos de voltar ao Brasil. Uma das estórias deve estar mal contada, ou ambas, pois são bem diferentes, mas com a credibilidade de banana de pijamas de Caetano ( de acorda com Luana Piovani), essa estória do interrogatório esta pouco verossimil.

  5. 5
    Tereza Franco:

    Olha, eu assisti a esta reportagem e fiquei enojada, aliás, todas as atrocidades que a ditadura cometeu me enojam e me revoltam. Como alguém pode impedir alguém de viver por motivo tão tosco! O mundo só será melhor quando todos os ditadores estiverem fora do poder.

  6. 6
    André Ramos:

    Engraçado como algumas pessoas se aproveitam de um momento político de nossa história. Nunca fizeram nada pelo país. Agora, só porque tem acesso a mídia, se dizem de vítimas. Viveram e vivem como verdadeiro capitalistas vorazes.
    Agora contar um estória da carochinha sem pé e sem cabeça…é brincadeira!!!!
    Não sou a favor e nem contra do período que tivemos presidentes militares. Por causa dos investimentos da época, hoje desfrutamos de uma excelente base industrial e econômica.
    Fica claro para mim que esse povo não fez, quis e vão fazer algo de concreto para nosso País, somente viver em proveito próprio, ganhando pensões polpudas em cima das custas do povo brasileiro.



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