Lembranças de um país em que eleição direta para presidente era apenas um brilho nos olhos do comandante da oposição

sex, 29/10/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Do caderno de anotações imaginário:

Quando, no dia 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi morto sob tortura nas dependências do II Exército, em São Paulo, o deputado  Ulysses Guimarães, presidente do MDB e, portanto, chefe da oposição, estava no Recife.

O “Doutor Ulysses” – era assim que todos o chamavam – tinha feito uma tumultuada viagem a Caruaru, no agreste do Estado, para participar de uma espécie comício fora de época.  Não deu certo. Por ordem do Ministério da Justiça, o governo de Pernambuco mandou avisar que estavam proibidas reuniões políticas em praça pública. Assim, o tal comício foi transferido, às pressas, para um ambiente fechado – um auditório que ficou superlotado.

Eu me lembro de que Ulysses Guimarães, um orador que produzia frases de efeito em série,  levou o auditório ao delírio ao lançar o nome do senador Marcos Freire como candidato das oposições ao governo de Pernambuco. Todos sonhavam com uma eleição direta em 1978. Não houve eleição direta em 1978 : os governadores só voltariam a ser escolhidos pelo voto do povo em 1982. ( Tempos depois, ao entregar ao país uma nova Constituição, ele diria: “Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades”). As ruas do centro de Caruaru ficaram povoadas de guardas, equipados com armas e cães.

De volta ao Recife, depois da aventura em Caruaru, o “Doutor Ulysses” estava se preparando para embarcar para Sergipe quando estourou a notícia de que o presidente Ernesto Geisel tivera uma reação surpreendente diante da morte do operário :  decidira punir,com demissão, o comandante do II Exército, general Ednardo D`Ávila.  Havia, obviamente, uma crise militar no ar.

Repórter da sucursal Recife do jornal “O Estado de S.Paulo”, fui convocado, às pressas, para embarcar no avião que, dali a minutos, levaria o Doutor Ulysses para Aracaju, a próxima parada do périplo nordestino.

Fiz a primeira abordagem ainda no corredor do Aeroporto. O Doutor Ulysses leu,com ar grave, o telex que eu lhe entregara, com informações sobre a demissão do comandante do II Exército. Disse que falaria a bordo.

Depois do embarque, pegou um jornal para ler. Vi perfeitamente quando, ao tentar atravessar os parágrafos de  um editorial, Doutor Ulysses tropeçou – e caiu gloriosamente nos braços de Morfeu. Pegou no sono, sem largar o jornal.

Desde então, uma dúvida incendiária passou a agitar minhas florestas interiores : para que servem, realmente, os editoriais dos jornais, além de provocar um desabamento incontrolável das pálpebras de quem os lê ?  Sono,sono, sono.

Quanto à declaração : raposa, o Doutor Ulysses sentiu a gravidade do momento. Quando acordou, me pediu que o procurasse depois do pouso. Lá embaixo, iria falar. Uma multidão o aguardava no Aeroporto. O homem escapou. Durante a coletiva, ninguém tocou no assunto da demissão do general. Fiz a pergunta, porque já estava, literalmente, “correndo contra o relógio”. Doutor Ulysses respondeu com frases cuidadosas. Disse que o MDB não tinha prevenção contra militares. Fez questão de lembrar que o partido já tinha sido presidido por um general  reformado, o senador Oscar Passos. Ou seja: o comandante da oposição pisava em ovos, porque sabia que, em época de crise militar, o terreno estava minado.  O homem não queria, ali, atiçar a fúria do Olimpo verde-oliva.

Ao deixar a sala onde dera a entrevista coletiva, na Assembléia Legislastiva de Sergipe, Doutor Ulysses apertou minha mão e cochichou, no meu ouvido, uma frase que, até hoje, não sei se foi uma queixa ou um cumprimento: “Você soltou o seu petardo !”. 

De madrugada, quando chegou ao hotel, Ulysses foi cercado de novo pelo matilha de repórteres que seguiam seus passos – o locutor-que-vos-fala, inclusive. Topou falar, à beira da piscina deserta. Disse que temia que, se houvesse uma crise, a oposição poderia ser levada a recorrer a “soluções de força”.

Horas depois, ao sair do hotel bem cedo, em direção ao aeroporto, Doutor Ulysses pediu à recepção que um dos repórteres – que também estavam hospedados ali – fosse chamado.  Um colega, a serviço do Jornal do Brasil, foi acordado. Ouviu,então, um apelo do Doutor Ulysses: por favor, ele pedia, retirem do texto da entrevista a expressão “soluções de força”. O pedido foi retransmitido a todos os repórteres. Assim foi feito.

Nem faz tanto tempo: o Brasil era um país em que o comandante da oposição enfrentava, literalmente, cães no meio da rua. Não se podia promover aglomeração política em praça pública. Não se votava nem para governador. O que dirá para Presidente da República ?   (tempos depois do entrevero em Caruaru, cães avançariam sobre o comandante do MDB em Salvador. Lá, ele pronunciaria a frase célebre: “Baioneta não é voto! Cachorro não é urna!”).

Independentemente de qualquer coisa, é sempre bom saber que, já há um quarto de século, o país vive numa democracia em que cenas como aquelas -  o presidente do partido da oposição se refugiando num auditório para escapar dos cães da polícia – só teriam lugar num roteiro de ficção.

Então: às urnas, cidadãos ! 

E ”atenção para o refrão” :  numa democracia, independentemente de coloração ideológica, a única coisa que não se pode tolerar é a intolerância com adversários. Ponto.

Longa  vida às urnas !

É impossível ficar indiferente à beleza indescritível do teto da Capela Sistina : Michelangelo dá uma mostra do “paraíso inatingível”

sex, 15/10/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Do caderno de anotações (com acréscimos)  :

CIDADE DO VATICANO – Nem 11:59 nem 12:01. O relógio marca meio-dia em ponto quando uma das janelas do Vaticano se abre. Apequenada pela distância que a separa da multidão, uma figura se aproxima do parapeito para saudar os visitantes que, lá embaixo, na Praça de São Pedro, apontam para a janela um oceano de câmeras digitais .

De longe, é impossível discernir, a olho nu, as feições da figura que acena da janela. Mas quem usa o visor das câmeras como uma espécie de binóculo improvisado vai enxergar, com razoável clareza, o sorriso travado do personagem. Ei-lo: o papa Bento XVI acaba de fazer uma aparição no Vaticano.

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O Papa aparece na janela: a multidão reage (Fotos: Geneton Moraes Neto)


Justiça se faça: a taxa de carisma do Papa é algo perto de zero, comparada com a de João Paulo II. Mas uma aparição do sucessor de Saã Pedro é sempre capaz de espalhar pela multidão uma corrente de entusiasmo. É o que acontece. Os fiéis aplaudem. Bento XVI acena. Gritos. Novas palmas.

Depois que o Papa se recolhe, a multidão forma uma fila para entrar na Basílica. Um ponto de passagem quase obrigatório: os túmulos dos Papas. Despojado, como os outros, o túmulo de João Paulo II desperta comoção. Quem não se lembra da imagem comovente de João Paulo II se contorcendo de dores naquela janela do Vaticano, incapaz de pronunciar até o fim a bênção aos fiéis ?

Visitantes mais devotos choram lágrimas discretas diante do túmulo. Poucos resistem à tentação de fotografar. Um funcionário pede que a fila apresse o passo, para evitar um congestionamento humano nos corredores do Vaticano. A dois passos dali, outro túmulo atrai atenções: o de João Paulo I, o Papa que só reinou por trinta e três dias, em 1978. Um visitante anônimo deixa uma rosa vermelha sobre o túmulo de João Paulo I. É o único ornamento de um túmulo extremamente despojado. Silêncio, pedem os vigilantes do Vaticano. ”Um minuto, é só uma foto”, respondem os turistas.

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O túmulo de João Paulo I : rosas deixadas pelos visitantes

A figura do Papa pode até parecer um anacronismo. Mas a aura de segredo que envolve aqueles corredores, a sincera comoção despertada – por exemplo – pela visão do túmulo de João Paulo II ou a corrente de eletricidade que percorre a multidão quando o Papa surge na janela deixam uma certeza: o fascínio produzido por estes rituais é que garante a permanência da Igreja.

O que dizer da beleza indescritível do teto da Capela Sistina ?  Ninguém passa imune pela experiência de olhar para o teto da Capela e contemplar em silêncio a obra-prima de Michelangelo - a mão de Deus dando vida ao homem.

Como bem disse Paulo Francis: “A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores. Os artistas estão sempre aí nos lembrando disso. Existe um paraíso, pois Beethoven ou Gauguin já nos deram mostras convincentes. É inatingível permanentemente, mas devemos ser gratos pelas sobras que nos couberem”.

Michelangelo nos dá, na Capela Sistina, um exemplo épico do tal paraíso inantigível. A nós, tristes mortais, cabe contemplar a cena e seguir adiante – “de mãos pensas”, como diz o verso final de um poema estupendo de Carlos Drummondo – “A Máquina do Mundo”. É um dos mais belos já escritos na língua portuguesa. Ao caminhar num fim de tarde solitário por uma estrada pedregosa, embalado pelo som “pausado e seco” dos seus próprios passos, o poeta nota que a “máquina do mundo” se abre de repente diante de si, com todos os seus mistérios, grandezas e cintilações, como se pedisse para ser decifrada. Ali, ele tinha a chance de desvelar o enigma geral: “A memória dos deuses / e o solene sentimento de morte / que floresce no caule da existência mais gloriosa/ tudo se apresentou nesse relance/ e me chamou para seu reino augusto/ afinal submetido à vista humana”.

Tive esta sensação ao vislumbrar o teto da Capela Sistina : a de que, ali, a “máquina do mundo” , afinal “submetida à vista humana”, se oferta, inteira, a todos nós.  Mas somos, todos, incapazes de decifrá-la.  O  poeta de passos pausados e secos dispensara voluntariamente a  oferta : não quis ver o enigma decifrado. Preferiu seguir adiante na estrada pedregosa de Minas, já mergulhada na treva mais “estrita”.  Ao contrário do poeta – que dispensou a oferta – somos incapazes de alcançar o enigma da máquina do mundo.  O que se pode fazer ? Imitar o gesto do poeta e seguir adiante – não por uma estrada pedregosa de Minas, mas pelos  corredores infindáveis do Vaticano.

A obra-prima de Michelangelo: a mão de Deus dá vida ao homem

Uma dúvida agitava minhas florestas interiores : sem segredos, sem a pompa, sem a grandiosidade que se estende por corredores sem fim, o que restaria, afinal, à Igreja ?

Ainda assim, o Vaticano de vez em quando concede ao populacho a chance de espiar de relance uma nesga do que acontece por trás daqueles muros. O Museu do Vaticano abriu, no Palazzo Apostolico Lateranense, uma exposição chamada “Habemus Papa”. Lá estão relíquias como o martelo usado para constatar a morte dos Papas. O martelo exposto à curiosidade pública foi usado para cumprir o ritual fúnebre de Leão XIII, em 1903. Um ajudante bate três vezes na fronte do Papa morto com o martelo, para constatar a morte. Chama o nome de batismo do Papa. O silêncio é a resposta.

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O túmulo despojadíssimo de João Paulo II : ponto de visitação obrigatória

É assim que tudo acaba. O que fica ? A grandeza esmagadora do Vaticano e a beleza de rituais capazes até de acender uma fagulha de fé no peito de descrentes.

Cenas dos bastidores do poder, no tempo em que Presidentes eram escolhidos no quartel: o dia em que o general Médici disse que queria “passar o bastão” para Jarbas Passarinho

qui, 07/10/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Bato na porta da casa de um personagem que poderia ter sido presidente da República durante o regime militar.

(Aos que desembarcaram ontem no Planeta Brasil: nem faz tanto tempo, a escolha do nome de quem ocuparia o posto de presidente da República não era tarefa dos milhões de eleitores. Dependia da vontade de um fechadíssimo colegiado de militares. O Congresso Nacional apenas referendava o nome de quem já tinha sido escolhido nos quartéis).

Quando o marechal Costa e Silva morreu, em 1969, o nome do coronel da reserva Jarbas Passarinho chegou a ser cogitado para sucedê-lo na Presidência da República.

Quem resolveu  botar o nome de Passarinho na roda foi  um general que, por  coincidência, viria a ser o ungido : Emílio Garrastazu Médici. Coronel da reserva, Passarinho ocupava o Ministério do Trabalho no governo Costa e Silva. 

O plano de Médici – o de submeter o nome do coronel da reserva Jarbas Passarinho ao crivo do colegiado verde-oliva como possível sucessor de Costa e Silva  - não prosperou. Quando, por fim, foi indicado para a Presidência, o general Médici nomeou Passarinho para o Ministério da Educação. Em resumo : o homem que Médici queria ver na presidência terminou virando ministro do próprio Médici. Adiante,o general emitiria outro sinal de que queria ver Passarinho na Presidência.

Quem descreve estas cenas de um tempo em que voto popular para Presidência era um luxo inalcançável é o homem que esteve no centro destas cenas de bastidores do poder militar. 

Ei-lo: o ex-ministro, ex-senador e ex-governador Jarbas Passarinho mora no fim de uma rua de pouquíssimo movimento no Lago Norte, em Brasília.

 Solitário,  contempla os livros da biblioteca abarrotada. Lá estão volumes e volumes de memória política e militar de personagens de todos os “matizes ideológicos”. Aqui, a ex-dama de ferro britânica Margareth Thatcher se mistura com o trotskista Jacob Gorender, autor de um volume que passa em revista a luta armada contra a ditadura militar.

Nossa expedição ao refúgio do ex-ministro rendeu um programa, o DOSSIÊ GLOBONEWS. Tive o cuidado de levar para a entrevista o áudio da famosa reunião em que o regime militar decretou o AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968. Ao justificar por que estava votando a favor do ato, o então ministro Passarinho fez, naquela sexta-feira aziaga de 1968, duas declarações marcantes. Primeiro, admitiu, sem meias palavras, que o país estava mergulhando numa ditadura. Em seguida, disse que mandava “às favas” todos os “escrúpulos de consciência”. Tanto tempo depois, o ministro ouviu, circunspecto, a gravação. Disse que, sob circunstâncias idênticas, assinaria de novo o ato, porque os chefes militares o convenceram de que, dentro da normalidade democrática, não conseguiriam manter a ordem. Certo de que,um dia, seria cobrado por ter assinado um ato que teria um efeito devastador sobre a democracia, Passarinho teve o cuidado de fazer um bilhete manuscrito, endereçado à mulher - D. Ruth – e ao filho mais velho. A reunião do AI-5  foi, claro, um dos temas da entrevista. O vídeo pode ser visto aqui:

https://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1622262-17665-337,00.html

Dias depois, voltei a procurá-lo, para que ele descrevesse cenas que não chegaram a ser abordadas na gravação para a TV :  o dia em que o general Médici emitiu um sinal de que queria ver Jarbas Passarinho entronizado no Palácio do Planalto.

A gravação:

O senhor foi cotado para suceder o presidente Costa e Silva. Em algum momento, o general Médici tratou com o senhor sobre este assunto ?

Jarbas Passarinho: “Daniel Krieger (senador pelo Rio Grande do Sul) conta que, quando Médici comandava o III Exército,  o chamou a Porto Alegre para dizer que gostaria de levar ao comando uma chapa para a sucessão de Costa e Silva. A chapa que Médici submetia a Krieger seria: eu para a presidência da República e Daniel Krieger para a vice.  

Num ato de extrema dignidade, Krieger, que era nosso guru político, concordou. Eu tinha passado pouco tempo no Senado naquele tempo, porque fui logo para o ministério. Médici trouxe a sugestão. E não foi bem sucedido na proposta de apresentar esta chapa ao colégio eleitoral”.

A chapa não foi bem sucedida porque o senhor não era general : era apenas coronel ?

Jarbas Passarinho: “A cena é atribuída a um dos generais mais prestigiosos – que disse:  ”Gosto muito de Passarinho, mas não bato continência para coronel”…Isso foi muito falado – e nunca admitido”.

A frase é atribuída ao general Orlando Geisel…

Passarinho: “A frase foi atribuída a ele, mas não confirmada….”

Em algum momento na sucessão de Costa e Silva o general Médici chegou a falar com o senhor ou só falou com o senador Daniel Krieger ?

Passarinho: “O general Médici falou com Krieger, mas também com o Estado Maior do III Exército,em Porto Alegre. O coronel Hestel,membro do Estado Maior, me comunicou que o general Médici tinha dito a eles que iria fazer a proposta”.

Obviamente, a possibilidade de ser presidente da República lhe passou pela cabeça. O senhor chegou a pensar no que faria ?

Passarinho: “Não cheguei, talvez porque tivesse chegado, quase tranquilamente, à conclusão de que era, no caso da sucessão de Costa e Silva, o momento era  muito prematuro para mim.  Já no caso da sucessão do próprio Médici, ele teve uma palavra que fica comigo. Vim dos Estados Unidos, onde estava numa reunião dos ministros do trabalho das Américas. Médici me recebeu na Ilha do Governador, no Rio, onde estava preparando o governo. Neste momento, ele mostrou claramente, com palavras, algo que tenho guardado comigo….”

Ou seja: ele citou o senhor como o possível sucessor ?

Passarinho: “Houve um fato concreto: Médici estava fumando. Acabou de fumar. Enrolou o que restou do cigarro no maço e me passou aquilo.  Como eu não fumava,  na hora não entendi o gesto. Médici, então, me disse: “Quero lhe passar o bastão”.  O governo Médici não tinha nem começado!  Àquela altura, sete dos generais da minha turma já tinham as quatro estrelas. Hélio Fernandes tinha dito,na Tribuna da Imprensa, que eu não era benquisto. Os sete generais, então, escreveram uma carta em que falavam, claríssimamente, sobre o apoio que me davam”.

A cena do cigarro foi a última vez em que ele insinuou que o senhor poderia ser indicado ?

Passarinho: “Sim. Seis meses depois, numa conversa com Médici, eu disse: “Presidente, tenho muitas dificuldades, entre nós mesmos…”. E ele fez com a cabeça um sinal de “sim”, sem dar uma palavra”.

As ”diferenças” eram militares ?

Passarinho: “Não. Eu não sentia diferenças militares, porque nunca senti agressão neste sentido. O Exército sempre foi muito honroso para mim, o tempo todo, em todas as funções posteriores que exerci. Deu-me o título de professor emérito da Escola do Estado Maior e o diploma de doutor em ciências militares”.

As diferenças eram políticas, então. Havia grupos que não queriam que a candidatura Passarinho prosperasse. Que grupos eram esses ?

Passarinho: “Não identifiquei. Quando falei com o Presidente Médici, sabia que havia resistências a mim. Chegaram a pensar que eu era “infiltrado” na Revolução….”  

Quanto à frase atribuída ao general Orlando Geisel – de que não bateria continência para um coronel : vem daí a distância do senhor em relação ao presidente Geisel ?

Passarinho : “A distância minha com Geisel era muito marcada porque o gabinete, chefiado na Casa Civil pelo general Golbery, tinha, contra mim, argumentos políticos que envolviam o Pará. Defendiam o rapaz que foi meu aluno, meu cadete e, depois, meu tenente, com quem fui capitão e com quem eu tinha rompido- o tal do Alacid ( Passarinho refere-se a Alacid Nunes – que foi indicado pelo general Geisel,em 1978, para governar o Pará). O general Moraes Rego, meu colega na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, também era deste grupo – que procurava me atingir de qualquer maneira, ainda que sem nenhum motivo. Não apresentavam nenhum fato real. Era apenas : “Não cabe, não tem sentido” . De qualquer maneira, não fiz nada no sentido de voltar ao governo do Pará. Não tinha nenhuma aspiração. O meu desejo era ficar junto com os meus. Não iria me separar da família aqui em Brasília. Fui, então, deslocado para o posto de líder do governo Figueiredo. O presidente Geisel,numa carta que tenho, diz que não teve nada com a escolha,mas que compreendeu que minha ida para o governo Figueiredo era muito mais importante. O “ciclo militar”, aliás,  já estava declinante. Chamo de “ciclo”. Regime militar o que conheci no Peru. Quando fui lá, em visita oficial, o general Alvarado começou o discurso dizendo assim: “O governo das Forças Armadas e do povo do Peru”. Isso é que entendi como governo militar”.

O principal motivo,nos anos dos governos militares, foi, afinal, o fato de a patente do senhor não ser a de general ?

Passarinho: “Nunca foi confirmada nem nunca foi desmentida esta história de que Orlando Geisel teria dito que não bateria continência para coronel. Orlando Geisel me tratava muitíssimo bem, diferente do Ernesto Geisel- que tinha reservas que membros do gabinete constituíram…Quando já estávamos no governo Figueiredo, Golbery me disse : “Eu não podia comparar Alacid com vosmicê”…Golbery tinha a mania de chamar os outros de “vosmicê”. Mas disse que foi  subordinado do general  Cordeiro de Farias. E Cordeiro era inteiramente ligado a Alacid – que foi ajudante de ordens…”.

O fato de não ter sido,no final das contas, Presidente da República virou uma frustração para o senhor ?

Passarinho: “Digo, com absoluta sinceridade, que não virou”.



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