“O proletário é o sujeito explorado financeiramente pelo patrões e literariamente pelos poetas engajados”.Palavra de Mário Quintana
E eis que emerge de meus Arquivos Implacáveis uma entrevista com um poeta solitário : Mário Quintana. Tinha humor e leveza. Grau de pretensão e empáfia : zero.
CINCO VERSOS DE MÁRIO QUINTANA (Alegrete, RS, 1906):
1. “Ai de mim/Ai de ti, ó velho mar profundo/Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios”.
2. “A vida é um incêndio/nela dançamos, salamandras mágicas/Que importa restarem cinzas/se a chama foi bela e alta?/Em meio aos torós que desabam/cantemos a canção das chamas!/Cantemos a canção da vida/na própria luz consumida…”
3. “Um poema como um gole d’água bebido no escuro/Como um pobre animal palpitando ferido/Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna/Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema/Triste/Solitário/Único/Ferido de mortal beleza”
4. “Da primeira vez em que me assassinaram/perdi um jeito de sorrir que eu tinha/Depois, de cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa minha…”
5. “Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!/Ah! Desta mão, avaramente adunca,/Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!”
E VINTE E TRÊS RESPOSTAS:
Qual deve ser o primeiro compromisso da agenda da vida de um poeta?
QUINTANA: “O primeiro compromisso deve ser: não parar de poetar. Não parar de viver intensamente”
O senhor diz que gosta de fazer projetos a longo prazo, para “desafiar o diabo”. Que último desafio o senhor lançou?
QUINTANA: “O último desafio foi uma viagem – gorada – a Paris. O próximo, já em execução, é aprender a falar inglês. Eu era apenas tradutor de francês da Editora Globo. Aprendi, sozinho, a língua inglesa numa gramática, para traduzir. Mas apenas lia o que estava escrito, sem saber a pronúncia. Agora, estou lidando com um curso de inglês da Inglaterra por meio de fitas cassete. O primeiro tradutor de Virginia Woolf no Brasil fui eu. A tradução foi bem recebida pela crítica”.
O escritor Erico Verissimo dizia que “Quintana é um anjo que se disfarçou de homem”. O senhor tem algum reparo a fazer à observação?
QUINTANA: “Tenho. Sempre desejei ser exatamente o contrário: uma espécie de diabo”
Qual a grande compensação que a poesia dá a quem a escreve?
QUINTANA: “Minha grande compensação é ter, às vezes, conseguido pegar a poesia nuínha em flor. Mas é difícil! (ri)”
Críticos já notaram que o senhor tem uma preferência especial pelas reticências. É verdade que prefere as reticências aos pontos finais?
QUINTANA: “Considero que as reticências são a maior conquista do pensamento ocidental, porque evitam as afirmativas inapeláveis e sugerem o que os leitores devem pensar por conta própria, após a leitura do autor”
O senhor diz que, ao escrever, “pergunta mais do que responde”. Qual a grande pergunta que o senhor não conseguiu ver respondida até hoje, aos oitenta e dois anos?
QUINTANA: “O essencial é a gente fazer perguntas. As respostas pouco importam”
Se a poesia, segundo suas palavras, “é uma loucura lúcida”, todo bom poeta deve ser necessariamente louco, ainda que lúcido?
QUINTANA: “Creio que é na Bíblia que foi escrito que todos nós temos um grão de loucura. O poeta deve ter esse grão de loucura, mas não necessariamente estar num grau de loucura”
O senhor já se confessou simpático à restauração da monarquia no Brasil. Que cargo gostaria de ocupar no Brasil governado por um Rei?
QUINTANA: “É claro que nenhum! Eu não desejaria ser o Poeta da Coroa. A melhor receita para fazer um mau poema é fazê-lo de encomenda”
Além de poeta, o senhor é tradutor de obras clássicas, como vários volumes de Marcel Proust. Que semelhança pode existir entre o trabalho de tradução e o ofício da criação poética?
QUINTANA: “Há sempre uma diferença entre tradução literal e tradução literária. Creio que a tradução de um autor é, nada mais, nada menos, a estréia desse autor na literatura da língua para a qual ele foi traduzido. Daí, a responsabilidade enorme de traduzir um Proust, um Voltaire, gente assim”
O senhor já chegou a trabalhar simultaneamente na preparação de cinco livros. Em algum momento da vida se sentiu tentado a deixar de escrever?
QUINTANA: “Sempre estou escrevendo, em prosa e em verso.Venho trabalhando em quatro livros. Cinco é demais! Nunca pensei em deixar de escrever, porque é a única coisa que sei fazer na vida”.
Qual o grande medo do poeta Mario Quintana hoje?
QUINTANA: “Tenho medo de dizer”
O senhor, segundo notou o autor de um artigo publicado pela revista ISTOÉ, “nada tem: nem casa, nem mulher, nem dinheiro, nem família”. Tanto desapego foi escolha pessoal ou aconteceu à revelia do que o senhor desejou ?
QUINTANA: “Catastrófico o autor, para mim desconhecido, dessa coisa publicada na ISTOÉ. O certo é que elas não tiveram tempo…E agora, no fim da picada, acho preferível a solidão sozinho à solidão a dois. Quero a solidão sozinho!”
(Enclausurado num quarto de hotel em Porto Alegre, Mario Quintana tinha uma mania: escrever a mão textos que, só depois, eram datilografados pela secretária Mara Cilaine, guardiã do poeta)
O senhor já declarou que “o proletário é um sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados”. Em algum momento, o senhor acreditou que a poesia poderia mudar o mundo ?
QUINTANA: “Para mudar o mundo, caberia ao poeta candidatar-se a vereador, a deputado ou a outro cargo assim- e não fazer poemas que as classes necessitadas não têm tempo de ler. Ou não sabem ler. É verdade que Castro Alves influiu na abolição da escravatura. Mas acontece que Castro Alves era genial. Já nós temos apenas algum talento….”
O senhor é autor de uma sugestão original: a nação lucraria se pudesse escolher livremente os ministros – e não apenas o presidente. De onde nasceu essa constatação ?
QUINTANA: “Não me lembro de ter feito tal sugestão. Mas agora gostei! O povo poderia influir mais diretamente no Executivo – que não ficaria só com o presidente e seus amiguinhos…”
O senhor escreveu que a poesia é a “invenção da verdade”. Conseguiu inventar todas as verdades que queria através da poesia ?
QUINTANA: O que meu cérebro lógico pensa não é exatamente o que pensa a parte não lógica do cérebro. Além da mera geometria euclidiana, existe a geometria não-euclidiana. Isso parece meio confuso, mas me faz lembrar uma verdade que escrevi um dia: a poesia não se entrega a quem sabe defini-la”.
Aos oitenta e dois anos, o senhor é otimista ou pessimista diante do destino do homem neste fim de século?
QUINTANA: “Sou otimista. Há mais liberdade de expressão e mais comunicação. Não há, como nos meus tempos de menino, aquela proibitiva divisão entre as faixas etárias”
Num livro lançado há exatamente quarenta anos, Sapato Florido, o senhor escreveu que “os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”. Qual foi, então, o melhor anúncio que o senhor já leu?
QUITANA: “Não sei se foi o melhor, mas o mais divertido foi este: “Alugam-se duas salas para mulheres bem-arejadas”. Ler os pequenos anúncios, em todo caso, é pôr-se em contato com as necessidades do povo”
Saber que “o vôo do poema não pode parar”, como o senhor diz em “O Vento e a Canção”, é um consolo para quem escreve?
QUINTANA: “Para quem escreve, saber que o vôo do poema não pode parar é sinal de que a vida continua deslizando, apesar dos solavancos”
O poema “No Meio do Caminho”, escrito por Carlos Drummond de Andrade no final dos anos vinte, foi ridicularizado e bastante criticado quando surgiu. O senhor, no entanto, incluiu o poema entre os que gostaria de ter escrito. De que maneira o senhor reagiria às críticas que foram feitas ao poema?
QUINTANA: “Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro…”
Se “os caminhos estão cheios de tentações”, qual a grande tentação do poeta Mario Quintana hoje ?
QUINTANA: “Os caminhos continuam cheios de tentações. Mas…..cabem,aqui, reticências”
Os jovens poetas sempre esperam ensinamentos dos mais experientes. Se um poeta de vinte anos pedisse um conselho a Mário Quintana, que resposta o senhor daria a ele ?
QUINTANA: “Que ele não exigisse conselho de ninguém – e seguisse o próprio nariz”
Quem – ou o quê – atravanca o caminho do senhor hoje ?
QUINTANA :”Ah, a popularidade!”
E sobre a Academia Brasileira de Letras ?(N: Quintana foi derrotado nas três vezes em que tentou entrar para a Academia). O senhor não quer dizer nada ?
QUINTANA: “Não. Nem para dizer que não pretendo falar”
(Entrevista gravada em 1988. Quintana morreu em 1994)
31 março, 2010 as 15:58
QUINTANA: “Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro…”
Quintana, foi um dos homens mais lúcidos, sábios e tinha uma profunda sensibilidade na alma! Preciso dizer que uma alma sensivel é um ser mergulhado em si mesmo; com um olhar amplo do universo! É um ser desprovido de egoismo e recheado de caridade. Só com esta qualidade alguém pode fazer histórias de sua próprias estória. E é assim que vive qualquer gênio! Mário Quintana foi assim. Bjs.
31 março, 2010 as 16:17
Obrigado Geneton, por me propiciar, nessa tarde enfadonha e tediosa de uma quarta-feira chuvosa, o lirismo, a simplicidade, o humor calmo e a poesia de Mário Quintana.
Preciso ler mais Quintana, eu sei, sempre soube disso. Ele revigora, anima, simplifica, faz sorrir.
Mais uma vez, obrigado.
31 março, 2010 as 16:22
Se o Mencken fosse assim, hã…
31 março, 2010 as 21:04
Eu penso, que além dos ministros do governo, os imortais da academia também deveriam ser escolhidos pelo povo. Desta forma Quintana seria um imortal.
31 março, 2010 as 21:30
Pôxa Geneton, tem tanta coisa dele que eu gosto. Aí vai um bem conhecido, que eu adoro:-
“Poeminho do Contra”
“Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão,
Eu passarinho.”
Genial!!
31 março, 2010 as 21:31
Salve, Geneton!
Rapaz, você mandou muito bem no blog. Quintana é uma festa para o cérebro. Qualquer adjetivo é insuficiente para dimensionar a grandeza desse mestre.
Existe uma frase da madre Tereza de Calcutá que diz algo mais ou menos assim: “não permita que alguém saia diante de você sem que tenha se tornado um pouco melhor”. Me parece que o Quintana era exatamente esse tipo de pessoa.
A propósito, essa Academia Brasileira de Letras é mesmo uma grande piada. Admite Paulo Coelho, Sarney, etc., e rejeita o Quintana. Algo assim não pode ser entendida como algo sério. Só pode ser deboche.
1 abril, 2010 as 1:01
Genial! Teria Mario Quintana um lugar dentre imortais como Jose Sarney ou como Paulo Coelho… Melhor pra ele ter ficado de fora. Nossos valores precisam ser revistos, temos intelectuais, nosso povo e bom em tudo que se dispoe a fazer. Mas falta aprender a se amar, a se respeitar. Eu sempre falo: Enquanto hover criancas abandonadas pelas ruas, nada sera justo ou fara sentido nesse pais. Enquanto a gente nao olhar pro lado, nada mais nos supreendera. Faco um apelo as pessoas que tem influencia e que por a caso leiam isso. Temos que nos re educar! Vistirmos a camisa da igualdade, aprender que a felicidade deve ser coletiva! E que o pais deve ser de todos! Ou nunca sera de ninguem!
Chega de maselas, chega de impunidade, chega de politicagem e ultrapassagens pela “Direita”.
Vamos construir uma patria pra chamar de mae!
Abracos!
1 abril, 2010 as 13:37
Esse Geneton é danado, quis arrancar segredos – felizmente – não revelados pelo Mário. Mas valeu, Geneton. Só saber que és fã e entrevistou o Talese já é uma maravilha.
Bons repórteres são pra isso. Ver o que ninguém vê, olhar o que os outros não olham…e entrevistar quem, aparentemente, não tem nada para dizer, mas ” iluminam a sala” como cantava o Lupicinio.
Valeu, meu caro.
1 abril, 2010 as 14:07
É raro e sempre muito bom alguém lembrar de Mario Quintana.
Sobre a ABL: Sarney tá lá, FHC vem aí…. Não é séria!
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…
Nem mudar água pura em vinho tinto…
Milagre é acreditarem nisso tudo!
1 abril, 2010 as 14:23
E os imortais da academia preferiram tomar seu chá acompanhados por gente tipo Sarney ao invés de Quintana…
1 abril, 2010 as 15:58
Geneton, cabra da peste!
Desenterre mais entrevistas com poetas geniais.
Essa com nosso Quintana só fez bem.
Se tiver algo com o Benedetti, agradeço!
Abraço.
1 abril, 2010 as 20:18
Pô, Geneton, faltou perguntar se ele era gay ou assexuado. Era isso que todos os fãs do poeta queriam saber. Uma vez eu o vi todo animadinho com a Bruna Lombardi, mas naquela época até o Clodovil queria pegar a gata. Fica a dúvida, já que ele não saiu-da-escrivaninha nem provou o contrário!
O poeta do Alegrete. humm…
3 abril, 2010 as 3:33
GM…
Não faltou nada… ou melhor, sempre vai faltar algo que o Quintana tenha a nos dizer!
3 abril, 2010 as 4:38
parabéns, geneton,tem alguma entrevista com o ariano? esse também é bom, ” na solidao da minha portaria, essas suas entrevistas curam-me do sono,que remédio danado de bom, conterrâneo.
3 abril, 2010 as 21:38
Quintana foi o maior poeta brasileiro! Falava à alma do povo com doçura! Genialidade pura! Obrigado Geneton!
4 abril, 2010 as 18:26
Obrigada Geneton, pela maravilhosa entrevista com Gen. Leonidas.A análise pública do general sobre a revolução é realmente impressionante,estonteante.Suas perguntas claras fizeram com que ele se desdobrasse nas respostas.Parabéns,você realmente consegue arrancar, com brilho, segredos de seus entrevistados.Um testemunho vivo sobre a visão do Exército sobre a História do Brasil.Escrevo ainda sobre forte emoção.
8 abril, 2010 as 10:56
Geneton,
Excelente! Muito grato por compartilhar!
Abraços,
Adriano Nunes.( https://astripasdoverso.blogspot.com)
14 abril, 2010 as 12:24
Geneton, você é um cara legal de se ler, se for quem escreve.
Cada vez de um pouco, leio suas entrevistas. São diferentes.
Obrigado.
20 abril, 2010 as 10:56
Geneton, que privilégio ter a oportunidade de um dedinho de prosa com esse “anjo” de decência, beleza e humildade. Maravilha! obrigada pelo presente. Mario era um lord!
abraço.
7 agosto, 2010 as 10:08
Para mim os argumentos de Ledo soam de forma magoada e superficial. Afirmar que literatura serve para que se conheça a alma humana é o mesmo que afirmar que patos tem penas: uma obviedade !
Nossa literatura é diferente talvez porque a alma do brasileiro seja diferente e não porque nosso clima ou nossa paisagem seja. Talvez essa seja a grande sacada que Ledo não consegue enxergar. É inacreditável imaginar como homens centenários, que se espera vividos aos quase 90 anos, experientes pela sua condição senil e pelo seu contato íntimo com a delicadeza do conhecimento, ainda estejam acorrentados a pensamentos tão “medievais” como esse de Ledo. É infelizmente esse o tipo de postura inerte de Ledo que contamina as novas mentes sadias. Criando o país da critica na base da polêmica estéril. Evitando o país da crítica na base da criação e do progresso.