“O proletário é o sujeito explorado financeiramente pelo patrões e literariamente pelos poetas engajados”.Palavra de Mário Quintana

qua, 31/03/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

E eis que emerge de meus Arquivos Implacáveis uma entrevista com um poeta solitário : Mário Quintana. Tinha humor e leveza. Grau de pretensão e empáfia : zero. 

CINCO VERSOS DE MÁRIO QUINTANA (Alegrete, RS, 1906):

1. “Ai de mim/Ai de ti, ó velho mar profundo/Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios”.

2. “A vida é um incêndio/nela dançamos, salamandras mágicas/Que importa restarem cinzas/se a chama foi bela e alta?/Em meio aos torós que desabam/cantemos a canção das chamas!/Cantemos a canção da vida/na própria luz consumida…”

3. “Um poema como um gole d’água bebido no escuro/Como um pobre animal palpitando ferido/Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna/Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema/Triste/Solitário/Único/Ferido de mortal beleza”

4. “Da primeira vez em que me assassinaram/perdi um jeito de sorrir que eu tinha/Depois, de cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa minha…”

5. “Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!/Ah! Desta mão, avaramente adunca,/Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!”

E VINTE E TRÊS RESPOSTAS:

Qual deve ser o primeiro compromisso da agenda da vida de um poeta?

QUINTANA: “O primeiro compromisso deve ser: não parar de poetar. Não parar de viver intensamente”

O senhor diz que gosta de fazer projetos a longo prazo, para “desafiar o diabo”. Que último desafio o senhor lançou?

QUINTANA: “O último desafio foi uma viagem – gorada – a Paris. O próximo, já em execução, é aprender a falar inglês. Eu era apenas tradutor de francês da Editora Globo. Aprendi, sozinho, a língua inglesa numa gramática, para traduzir. Mas apenas lia o que estava escrito, sem saber a pronúncia. Agora, estou lidando com um curso de inglês da Inglaterra por meio de fitas cassete. O primeiro tradutor de Virginia Woolf no Brasil fui eu. A tradução foi bem recebida pela crítica”.

O escritor Erico Verissimo dizia que “Quintana é um anjo que se disfarçou de homem”. O senhor tem algum reparo a fazer à observação?

QUINTANA: “Tenho. Sempre desejei ser exatamente o contrário: uma espécie de diabo”

Qual a grande compensação que a poesia dá a quem a escreve?

QUINTANA: “Minha grande compensação é ter, às vezes, conseguido pegar a poesia nuínha em flor. Mas é difícil! (ri)”

Críticos já notaram que o senhor tem uma preferência especial pelas reticências. É verdade que prefere as reticências aos pontos finais?

QUINTANA: “Considero que as reticências são a maior conquista do pensamento ocidental, porque evitam as afirmativas inapeláveis e sugerem o que os leitores devem pensar por conta própria, após a leitura do autor”

O senhor diz que, ao escrever, “pergunta mais do que responde”. Qual a grande pergunta que o senhor não conseguiu ver respondida até hoje, aos oitenta e dois anos?

QUINTANA: “O essencial é a gente fazer perguntas. As respostas pouco importam”

Se a poesia, segundo suas palavras, “é uma loucura lúcida”, todo bom poeta deve ser necessariamente louco, ainda que lúcido?

QUINTANA: “Creio que é na Bíblia que foi escrito que todos nós temos um grão de loucura. O poeta deve ter esse grão de loucura, mas não necessariamente estar num grau de loucura”

O senhor já se confessou simpático à restauração da monarquia no Brasil. Que cargo gostaria de ocupar no Brasil governado por um Rei?

QUINTANA: “É claro que nenhum! Eu não desejaria ser o Poeta da Coroa. A melhor receita para fazer um mau poema é fazê-lo de encomenda”

Além de poeta, o senhor é tradutor de obras clássicas, como vários volumes de Marcel Proust. Que semelhança pode existir entre o trabalho de tradução e o ofício da criação poética?

QUINTANA: “Há sempre uma diferença entre tradução literal e tradução literária. Creio que a tradução de um autor é, nada mais, nada menos, a estréia desse autor na literatura da língua para a qual ele foi traduzido. Daí, a responsabilidade enorme de traduzir um Proust, um Voltaire, gente assim”

O senhor já chegou a trabalhar simultaneamente na preparação de cinco livros. Em algum momento da vida se sentiu tentado a deixar de escrever?

QUINTANA: “Sempre estou escrevendo, em prosa e em verso.Venho trabalhando em quatro livros. Cinco é demais! Nunca pensei em deixar de escrever, porque é a única coisa que sei fazer na vida”.

Qual o grande medo do poeta Mario Quintana hoje?

QUINTANA: “Tenho medo de dizer”

O senhor, segundo notou o autor de um artigo publicado pela revista ISTOÉ, “nada tem: nem casa, nem mulher, nem dinheiro, nem família”. Tanto desapego foi escolha pessoal ou aconteceu à revelia do que o senhor desejou ?

QUINTANA: “Catastrófico o autor, para mim desconhecido, dessa coisa publicada na ISTOÉ. O certo é que elas não tiveram tempo…E agora, no fim da picada, acho preferível a solidão sozinho à solidão a dois. Quero a solidão sozinho!”

(Enclausurado num quarto de hotel em Porto Alegre, Mario Quintana tinha uma mania: escrever a mão textos que, só depois, eram datilografados pela secretária Mara Cilaine, guardiã do poeta)

O senhor já declarou que “o proletário é um sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados”. Em algum momento, o senhor acreditou que a poesia poderia mudar o mundo ?

QUINTANA: “Para mudar o mundo, caberia ao poeta candidatar-se a vereador, a deputado ou a outro cargo assim- e não fazer poemas que as classes necessitadas não têm tempo de ler. Ou não sabem ler. É verdade que Castro Alves influiu na abolição da escravatura. Mas acontece que Castro Alves era genial. Já nós temos apenas algum talento….”

O senhor é autor de uma sugestão original: a nação lucraria se pudesse escolher livremente os ministros – e não apenas o presidente. De onde nasceu essa constatação ?

QUINTANA: “Não me lembro de ter feito tal sugestão. Mas agora gostei! O povo poderia influir mais diretamente no Executivo – que não ficaria só com o presidente e seus amiguinhos…”

O senhor escreveu que a poesia é a “invenção da verdade”. Conseguiu inventar todas as verdades que queria através da poesia ?

QUINTANA: O que meu cérebro lógico pensa não é exatamente o que pensa a parte não lógica do cérebro. Além da mera geometria euclidiana, existe a geometria não-euclidiana. Isso parece meio confuso, mas me faz lembrar uma verdade que escrevi um dia: a poesia não se entrega a quem sabe defini-la”.

Aos oitenta e dois anos, o senhor é otimista ou pessimista diante do destino do homem neste fim de século?

QUINTANA: “Sou otimista. Há mais liberdade de expressão e mais comunicação. Não há, como nos meus tempos de menino, aquela proibitiva divisão entre as faixas etárias”

Num livro lançado há exatamente quarenta anos, Sapato Florido, o senhor escreveu que “os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”. Qual foi, então, o melhor anúncio que o senhor já leu?

QUITANA: “Não sei se foi o melhor, mas o mais divertido foi este: “Alugam-se duas salas para mulheres bem-arejadas”. Ler os pequenos anúncios, em todo caso, é pôr-se em contato com as necessidades do povo”

Saber que “o vôo do poema não pode parar”, como o senhor diz em “O Vento e a Canção”, é um consolo para quem escreve?

QUINTANA: “Para quem escreve, saber que o vôo do poema não pode parar é sinal de que a vida continua deslizando, apesar dos solavancos”

O poema “No Meio do Caminho”, escrito por Carlos Drummond de Andrade no final dos anos vinte, foi ridicularizado e bastante criticado quando surgiu. O senhor, no entanto, incluiu o poema entre os que gostaria de ter escrito. De que maneira o senhor reagiria às críticas que foram feitas ao poema?

QUINTANA: “Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro…”

Se “os caminhos estão cheios de tentações”, qual a grande tentação do poeta Mario Quintana hoje ?

QUINTANA: “Os caminhos continuam cheios de tentações. Mas…..cabem,aqui, reticências”

Os jovens poetas sempre esperam ensinamentos dos mais experientes. Se um poeta de vinte anos pedisse um conselho a Mário Quintana, que resposta o senhor daria a ele ?

QUINTANA: “Que ele não exigisse conselho de ninguém – e seguisse o próprio nariz”

Quem – ou o quê – atravanca o caminho do senhor hoje ?

QUINTANA :”Ah, a popularidade!”

E sobre a Academia Brasileira de Letras ?(N: Quintana foi derrotado nas três vezes em que tentou entrar para a Academia). O senhor não quer dizer nada ?

QUINTANA: “Não. Nem para dizer que não pretendo falar”
 

(Entrevista gravada em 1988. Quintana morreu em 1994)

O QUE É QUE UMA CRIANÇA PODE APRENDER “OBSERVANDO UM LEÃO VELHO E SARNENTO RONCANDO NO FUNDO DA JAULA” ? (COM A PALAVRA, H.L.MENCKEN, O JORNALISTA QUE COMBATIA ATÉ OS JARDINS ZOOLÓGICOS)

qui, 25/03/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Senhoras e senhores: o Dossiê Geral tem o prazer de passar a palavra para H.L.Mencken, o jornalista que conseguia escrever contra até jardins zoológicos:  “O Livro dos Insultos de H.L. Mencken”  ganhou uma nova edição. Mencken morreu em 1956. Era da linhagem de Paulo Francis. Vasculho a estante:  localizo um exemplar da primeira edição, lançada no Brasil faz vinte e dois anos. Grifei vários trechos.  Fala, Mencken:

1. “Educativo é avó! Mostre-me um guri que tenha aprendido alguma coisa valiosa ou importante observando um leão velho e sarnento roncando no fundo da jaula ou uma família de macacos disputando amendoins. Ganhar alguma instrução útil de tais baboseiras é palpavelmente impossível.  Nenhuma descoberta científica de qualquer valor, mesmo para os próprios animais, saiu até hoje de um zoológico. O tipo de sujeito que gosta de passar o tempo contemplando um camelo babar, araras matraqueando ou um lagarto comendo moscas é exatamente o tipo de sujeito cuja debilidade mental deve ser combatida, não estimulada”. 

2. “Todo ator é um sujeito vazio de ideias; é artificial; é ignorante; é preguiçoso; é absurdamente adulado; tem os modos de um garçom ou de um ginecologista da moda”.

3. “O que chamamos de progresso, disse Havelock Ellis, é apenas a substituição de um aborrecimento por outro aborrecimento. A ideia é tão óbvia que já deve ter ocorrido, de vez em quando, até a algum ministro de Estado”.

4. “Um jovem de dezessete anos que não seja um poeta será apenas um jumento, seu desenvolvimento foi paralisado antes mesmo do seu estágio como girino. Mas um homem de cinquenta anos que continue a escrever poesia é um infeliz que nunca passou intelectualmente da adolescência”.

5. “Todos os homens verdadeiramente sensíveis lutam poderosamente pela distinção e pelo poder, isto é, pelo respeito e pela inveja dos seus semelhantes, pela admiração de uma interminável série de carcaças portando aminoácidos em rápida desintegração. E para quê ? Se eu soubesse, certamente não estaria escrevendo livros neste infernal verão americano; estaria exposto numa sala de cristal e outo – e as pessoas pagariam dez dólares para me contemplar através de buraquinhos”.

6. “Todo governo é composto de vagabundos que, por um acidente jurídico, adquiriram o duvidoso direito de embolsar uma parte dos ganhos de seus semelhantes”

7. “O jornal americano médio, especialmente o chamado de primeira linha, tem a inteligência de um pastor batista, a coragem de um camundongo, a informação de um porteiro de ginásio, o bom gosto de um criador de flores artificiais e a honra de um advogado de porta de cadeia”

8. “Quando martelam diariamente que todo político é um patife, todo serviço público é dirigido por escroques e todas as operações de Wall Street têm como objetivo garfar as pessoas comuns, os jornais estão bastante perto da verdade, para qualquer propósito prático”

9.”Talvez o homem seja uma doença localizada do cosmos – uma espécie de eczema ou uretrite pestífera. Existem, é claro, diferentes graus de eczemas, assim como há diferentes graus de homens. Sem dúvida, um cosmos afligido por uma infecção de Beethovens jamais precisaria de um médico. Mas um cosmo infestado por socialistas, escoceses ou corretores da Bolsa deve sofrer como o diabo”.

10.”Política consiste numa sucessão de asneiras, muitas das quais tão idiotas que existem apenas como palavras de ordem ou demagogia, não podendo ser reduzidas a qualquer declaração lógica”

11. “A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável”

12. “Um metafísico é alguém que, quando você lhe diz que dois vezes dois são quatro, ele quer saber o que por entende por vezes, o que signfica dois, o que quer dizer são e por que isto dá quatro. Por fazerem tais perguntas, os metafísicos desfrutam um luxo oriental nas universidades e são respeitados como homens educados e inteligentes”.

13. “O homem detesta os parentes de sua mulher(…) De todos eles, a sogra é obviamente a mais repugnante, porque ela não apenas macaqueia sua mulher, mas também porque antecipa o que sua mulher provavelmente se tornará. Aquela visão, naturalmente, lhe provoca náuseas”.

14.”A pintura, a escultura, a música e a literatura, se exibirem algum conteúdo estético ou intelectual, não são para multidões, mas para indivíduos selecionados, quase todos sofrendo do fígado”.

15.”Duvido que a arte de pensar possa ser ensinada – pelo menos, por professores do segundo grau. Não é adquirida, mas congênita. Algumas pessoas nascem com ela. Suas idéias fluem com clareza e elas são capazes de raciocínio lúcido. Quando dizem alguma coisa, esta é instantaneamente reconhecível; quando a escrevem são luminosas e convincentes. Eu diria que essas pessoas constituem cerca de 1/8 de 1% da espécie humana. Os demais filhos de Deus são tão incapazes de pensamento lógico quanto de esquiar na lua. Tentar ensiná-los será uma empreitada tão presunçosa quanto tentar ensinar a uma pulga os Dez Mandamentos. A única coisa a fazer com eles será transformá-los em PHDs e mandá-los escrever livros sobre estilo”. 

O DIA EM QUE CID MOREIRA CHOROU “DE SOLUÇAR”

qui, 18/03/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Aviso ao internauta  incauto : se quiser saber do choro de Cid Moreira, vá direto para o penúltimo parágrafo.

Porque o resto do espaço foi ocupado pelo maior preâmbulo já publicado pelo Dossiê Geral. 

O primeiro contato entre as patas do blogueiro-que-vos-fala e o carpete da sede da Rede Globo, no Jardim Botânico, ocorreu em 1985. Logo depois, tive uma sensação que seria marcante: ter um texto lido por Cid Moreira.

A sensação seria marcante para qualquer jornalista, mas especialmente para quem, como eu, jamais teve  qualquer vocação para TV :  o blogueiro era – e é – um praticante da “imprensa escrita”  que  foi parar em TV por puro acidente. Terminou ficando. C´est la vie.

( É verdade: se eu fosse um filósofo de botequim, declararia solenemente que a vida não passa de uma enorme sucessão de acasos e equívocos que a gente nunca consegue corrigir a tempo.  ”O que diabos estou fazendo aqui? ” é uma pergunta que me ocorre quinze vezes por dia, em qualquer ambiente em que esteja.  Costumo fazê-la na surdina, a mim mesmo. A resposta é um silêncio cúmplice. Meu demônio-da-guarda costuma me soprar: “Também não tenho a menor ideia. Toca o barco enquanto tento achar uma resposta!”).

Mas, como ia dizendo antes de ser estupidamente interrompido por este devaneio filosófico: eu estava na praia de Boa Viagem, no Recife,  recém-chegado de uma temporada em Paris, onde, além de estudar cinema e ter tido a chance de um encontro com Glauber Rocha, prestei relevantes serviços à pátria francesa como camareiro de um hotel no Quartier Latin e motorista de uma família rica. Um ex-chefe de reportagem caminhava pela areia. Perguntou se eu não queria ir para a TV. Respondi que não, obrigado. Não tinha o menor interesse em trabalhar em televisão. Gostava de escrever reportagens que se estendiam por  laudas e laudas (era assim que se chamavam as páginas onde nós, dinossauros, datilografávamos os textos). Jornal era minha praia. Além de tudo, uma jaguatirica da serra, minimamente maquiada, é vinte vezes mais fotogênica do que eu. Reconhecer-se pouco “fotogênico” é um eufemismo para “que bicho feio arretado!”. O que diabos eu iria fazer em TV? Ficar escrevendo frases telegráficas ? E a subliteratura que eu cometia com tanta dedicação em minhas reportagens especiais para o jornal? O que é que iria fazer com ela ? De qualquer maneira, por insistência do ex-chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, subi o Morro do Peludo, em Olinda, onde ficam as instalações da TV Globo-Recife.

Corta para 1985. Jardim Botânico, Rio. O texto que Cid Moreira gravou se perdeu na poeira da estrada: tinha sido feito para o Jornal Nacional. Descrevia o primeiro dia de desfile das escolas de samba no carnaval de 1986. Entendo tanto de escola de samba quanto o atacante Dentinho  – do Corinthians - entende de física quântica. Mas o texto, claro, era meramente descritivo. Não precisava ser escrito por um especialista. Eu me lembro de que o destaque do desfile daquele ano foi a homenagem,bonita, que a Mangueira fez a Dorival Caymmi.

( Quanto a ser ou não especialista: jornalista, como se sabe,  é aquele ser bípede capaz de se transformar, em poucos minutos, num profundo especialista em todo e qualquer assunto. A cena é corriqueira nas redações. Cai um avião, por exemplo. É pule dez dez: logo, logo, na reunião de pauta, um jornalista começará a pontificar sobre segurança aérea, treinamento de pilotos,  técnicas de resgate, profissão de aeromoça, capacitação de comissários de bordo, envio de equipes de salvamento, programação de robôs, engenharia de vôo, diâmetro das turbinas, painel de controle,velocidade do reverso  etc.etc. Faz parte do ritual da profissão. A sorte é que, antes de ir ao ar, tais teses passarão por “n” filtros).

Pois bem: depois de rabiscar o texto sobre o desfile das escolas de samba numa máquina de escrever que, hoje, pareceria jurássica, entreguei a obra-prima a Cid Moreira, para que ele gravasse. Cid chegava à redação do Jornal Nacional em torno das quatro da tarde. A cena era característica: dobrava o braço, levava a mão até a altura do ombro e usava o dedo médio e o indicador, estendidos, para carregar o paletó nas costas. Era assim que desfilava pelo corredor onde ficavam as ilhas de edição.

Instalado na cabine de gravação, ele passava os olhos no texto. Fazia marcações com a caneta para sublinhar as pausas. Depois, eu teria a chance de gravar dezenas de textos com Cid Moreira, no Jornal Nacional ou no Fantástico. Vi que Cid precisava apenas de alguns segundos de dar à leitura o tom que a gente pedia. Os grandes narradores são assim. Quando a matéria tratava de algum assunto grave, bastava pedir : “É porrada!”. Quando o assunto não tinha tons dramáticos, bastava dizer: “Pega leve”.

A passagem pela TV deu a este blogueiro a (rara) chance de ter suas frases mambembes lidas por vozes grandiosas, como as de Cid Moreira, Sérgio Chapelin ( é dono de uma das locuções mais marcantes, mais elegantes e mais bonitas da história da TV brasileira), William Bonner (caso raríssimo de jornalista que, se quisesse, poderia fazer carreira apenas lendo textos com aquele vozeirão), Celso Freitas, Berto Filho. São feras diplomadas e reconhecidas. A gente dizia, em tom brincadeira: “Lida por Sérgio ou por Cid, uma frase como Gugu-Dadá imediatamente soa importante”.

De vez em quando, uma alma curiosa pergunta ao blogueiro: “Por que é que você não lê o texto de suas matérias na TV?”. Respondo, há anos: se algumas das vozes mais marcantes da TV estão ali, ao alcance da mão, para dar brilho, ritmo, clareza e força  ao que a gente escreve, por que é que eu iria dispensá-las ?  Sempre que possível, recorri e recorro a elas. Fiz os cálculos: daqui a 85 anos, seis meses e vinte e cinco dias aparecerá um jornalista que leia um texto com o brilho de um Sérgio Chapelin ou um Cid Moreira. Como diria o filósofo Riachão, “cada macaco no seu galho”. Voz é dom. Não se adquire.

Cena de redação: era preciso criar um nome para a versão brasileira do mascarado. Que tal Mister M ? E assim foi feito

Tive uma co-participação num episódio famoso da carreira de Cid Moreira. O Fantástico tinha comprado uma série produzida no exterior, em que um mágico desvendava os segredos das mágicas. O programa original o apresentava como “masked magician” – o mágico mascarado. Era preciso arranjar um nome ”brasileiro” para ele. Reunião na sala da direção do Fantástico para tratar do momentoso assunto. Lá estavam Luizinho Nascimento, diretor do Fantástico; Luiz Petry, o editor que, brilhantemente, terminou dando alma à versão brasileira do mágico mascarado – e o locutor-que-vos-fala – que, na época, era editor-chefe do programa. Faltava um nome. Meu pequeno rebanho de neurônios se reuniu para fazer uma prece às musas da inspiração, em busca de uma saída para o impasse. Propus: e se a gente chamar o mágico de Mister M ?  “Por quê?” – uma voz inquisidora queria saber. Não havia um motivo especial: “Mister M pode ser Mister Mágica. Ou Mister Montano ( o sobrenome do nome de batismo do mágico). Ou nada: apenas um nome”.

E assim foi feito. Cid Moreira leu com uma entonação inesquecível os textos inspirados que Luiz Petry preparava para o quadro. O mágico virou “senhor de todos os segredos”. O nome “Mister M”  caiu na boca do povo. O próprio mágico – que não sabia que tinha sido batizado como Mister M no Brasil – chegou a adotar o nome, depois de informado. Uma vez, liguei para ele. A gravação na secretária eletrônica dizia que “Mister M” não podia atender.  Ocorre-me agora: Mister M poderia ser “Mister Moreira”.

Um dia, quando estiver recolhido a uma caverna,  ouvirei a pergunta fatal, provavelmente pronunciada por um neto curioso: “O que foi que Vossa Excelência fez de memorável na vida ?”. Depois de pedir três horas para pensar, responderei: “Que eu me lembre, nada, a não ser criar um nome: Mister M”. 

Belo destino.

E o choro de Cid Moreira ?

O superlocutor lançou, esta semana, o livro “Boa Noite”, escrito em parceria com Fátima Sampaio Moreira. Como diziam aqueles anúncios antigos, já deve estar nas “boas casas do ramo”. Não deu tempo ler. Passei uma vista, curioso. Já deu para ver que é um belo registro sobre a trajetória do dono de uma voz que marcou época.

Uma das cenas narradas por Cid no livro:

“Sou uma pessoa que teve grande credibilidade em meu trabalho, que teve muitas coisas que muitos poderiam chamar de sucesso. Era reconhecido por um país inteiro, onde quer que eu fosse, tive relacionamentos amorosos com muitas mulheres bonitas e inteligentes, tive dinheiro, prestígio e cultura. Usufruí de conforto e pratiquei esportes. Vivo em uma das cidades mais bonitas do mundo, quase em frente ao mar. Viajei e visitei várias partes do planeta. Então, muitos vão insistir que isso é sucesso e tudo o que o homem precisa nessa vida. Eu vou dizer do fundo do meu coração : é tudo ilusão, como refletiu tão bem o sábio rei Salomão. É tudo ilusão ! Não que eu não seja agradecido, ou coisa assim, por ter vivido as minhas experiências (…) Nâo estou dizendo que, apesar de tudo, não foi boa a minha vida. Estou dizendo que, em algum momento, a gente para para pensar e se dá conta de que se sente imensamente sozinho. Certa noite, depois do jantar, sentei em uma poltrona em meu escritório e sentir uma dor incrível provocada pela solidão. Nesse dia, eu chorei. Chorei muito mesmo! De soluçar! De doer a alma! Quando não suportava mais essa dor, me ajoelhei e pedi a Deus um sinal do que eu deveria fazer para tornar minha vida realmente significativa (…) Nós, miseráveis, que andamos de um lado para o outro sem saber para onde estamos indo, nos destruímos mutuamente(…) Desejo parar de vagar que nem cego e usar os atributos que me foram dados de maneira inteligente”.

Depois dessa crise, Cid Moreira embarcou num projeto grandioso: usar aquela voz para gravar a Bíblia na íntegra.

CORONEL REVELA DETALHES DO PLANO SECRETO ARMADO PARA PROTEGER TANCREDO NEVES ( E EX-MINISTRO LAMENTA: POR QUE O CONGRESSO NÃO DEU POSSE A TANCREDO NEVES NO HOSPITAL DE BASE DE BRASÍLIA ?

seg, 15/03/10
por Geneton Moraes Neto |
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A Globonews reexibe,nesta segunda, às onze e meia da manhã e às cinco e meia da tarde, no programa GLOBONEWS ESPECIAL, uma reportagem sobre os bastidores da transição do regime militar para o civil.

Aos que nasceram ontem: o dia 15 de março de 1985 marca, tecnicamente, o fim do regime militar. Faz exatamente vinte e cinco anos que João Batista Figueiredo, o último dos generais a presidir o Brasil, deixou o Palácio do Planalto. Ou seja: faz vinte e cinco anos que o regime militar acabou. Quem deveria ter asssumido a Presidência era o ex-governador de Minas, Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral no dia 15 de janeiro de 1985.  Mas quem tomou posse foi o vice-presidente eleito, José Sarney. Horas antes da posse, Tancredo foi internado às pressas no Hospital de Base de Brasília,com dores abdominais. Os médicos decidiram operá-lo imediatamente. Trinta e oito dias depois, Tancredo estava morto.

A passagem do regime militar para o civil foi marcada por intensas articulações de bastidores.

Um plano cinematográfico chegou a ser desenhado, em segredo, para proteger o candidato Tancredo Neves contra eventuais investidas de militares insatisfeitos com a transição. Eram minoria, mas inspiravam temor. 

O GLOBONEWS ESPECIAL traz um depoimento de um coronel que tinha a função de abastecer o staff de Tancredo com informações recolhidas, em sigilo, junto a militares. O coronel Kurt Pessek se encarregou de armar um plano para tirar imediatamente o candidato Tancredo Neves de Brasília caso houvesse alguma escaramuça militar. O  coronel decidiu que, caso houvesse uma situação de risco, Tancredo seria levado para o gabinete do então senador Severo Gomes – que tinha uma saída que dava para o estacionamento do senado. De lá, Tancredo seria levado para a rodovia que dá acesso a Unaí, onde um pequeno avião, pilotado pelo deputado Jorge Vargas, estaria à espera do candidato, para levá-lo a Uberlândia.  Por fim, Tancredo seguiria,num avião maior, para Porto Alegre. Motivo: quem comandava o Exército no sul, na época, era o general Leônidas Pires Gonçalves – que já tinha aderido à candidatura Tancredo Neves à presidência. Terminou escolhido ministro do Exército.

Trechos do depoimento do coronel Kurt Pessek ao locutor que vos fala:

“Estabeleci uma rede para saber : se uma tropa saísse de um quartel, se fosse decretada prontidão na região, se houvesse qualquer movimento militar dentro daquele quadro, ou discursos de generais como Newton Cruz que, naquela época, não estava achando graça nenhuma naquela mudança para a democracia, vamos assim dizer. Se ele dissesse alguma coisa, nós desencaderíamos o plano de tal como que pegasse todo mundo de surpresa”. 

“Não avisamos nada.Nem ao comandante do Batalhão nem a Porto Alegre.Por que não avisamos? Porque não queríamos de jeito nenhum que alguém soubesse”.

“Tancredo Neves ficou em dúvida sobre certos detalhes. Mas ficou satisfeito com o fato de Jorge Vargas ser o piloto do avião. Estava em dúvida sobre como é que iríamos chegar ao local. Ficoui preocupado como é que ele iria sair do Congresso. Porque todas as vezes em que ele andava tinha um cortejo atrás. Tancredo não poderia sair sem estar com um disfarce.O que ficou em dúvida foi que alguém propôs de comprarmos uma peruca para disfarçar. Achei que bastaria um chapéu,porque Tancredo não iria botar aquela peruca nunca!”.

“Os informantes eram militares – que atuando,ainda,na ativa. A maioria eram paraquedistas. Mas havia também uma minoria de não paraquedistas – que nos davam as informações sobre as tendências. Eu sabia perfeitamente como estavam as idéias nos quartéis com respeito à assunção de Tancredo”

“Nós geralmente nos encontrávamos na estação rodoviária ou no supermercado. Ficava um carrinho ao lado do outro. Os carrinhos ficavam cheios. Depois, nós os largávamos lá. Conversávamos bem à vontade. Ninguém ligava. Talvez pensassem que estávamos discutindo o preço do filé mignon. Uma reunião num lugar mais reservado – ou até mesmo num bar ou num botequim – poderia chamar atenção. Tínhamos o cuidado de não falar nada no telefone e nos encontrarmos sempre nos lugares onde houvesse mais gente,como rodoviária às seis da tarde. O principal cuidado era tudo fosse falado: não havia nada escrito. Nem podia haver. Tínhamos o máximo cuidado de só falar com Tancredo, diretamente”.

“Ninguém imaginaria que alguém viesse matar Tancredo Neves. Não havia essa hipótese. O que havia era a probabilidade de uma mudança do status quo. Qual era o status quo ? Tancredo vai assumir, o governo passa a ser civil. A ideia era esta: a salvaguarda do programa em si: ele vai assumir,sim,vai para o Rio Grande do Sul e vem escorado,aí sim.Tudo dependeria do general Leônidas”.

O presidente eleito diz ao ministro: partido forte no Brasil é o PFA, o Partido das Forças Armadas

Nossa expedição a Brasília, para gravar depoimentos para o GLOBONEWS ESPECIAL, se completou com uma entrevista com um personagem que viveu os bastidores da transição: o ex-ministro Ronaldo Costa Couto. Vinte e cinco anos depois da “mais longa das noites” – aquela em que o presidente eleito, inacreditavelmente, foi levado a um hospital, o ex-ministro lamenta: diz que toda a perplexidade e todas as dúvidas que paralisaram o país naquela noite poderiam ter sido evitadas se o Congresso tomasse uma providência simples: bastaria que uma comissão do Congresso Nacional empossasse Tancredo Neves no cargo de Presidente da República no próprio Hospital de Base. Assim, as dúvidas sobre, por exemplo, quem deveria assumir perderiam razão de ser. Não seria preciso consultar juristas na madrugada nem discutir o texto de artigos da constituição. Para todos os efeitos, Tancredo Neves estaria empossado presidente. 

Trechos do depoimento de Costa Couto: 

“Não tomei conhecimento desse plano de fuga ( o ex-ministro fala do plano armado pelo coronel para retirar Tancredo de Brasília, caso fosse preciso).  Mas soube depois. Tancredo era um homem prevenido. Tinha realmente de tomar essas precauções.Tomei conhecimento o tempo todo dos cuidados de Tancredo com tudo o que se referia à segurança e às Forças Armadas”

” O presidente eleito temia,sim ( uma reação militar). A candidatura Tancredo Neves atravessou campo minado. Tancredo era gato escaldado. Dizia: desde o Movimento tenentista – lá nos anos vinte – parte das Forças Armadas mostra essa disposição intervencionista.Uma postura de salvadores da pátria. Isso é um perigo. Brincava: “Sempre houve no Brasil vários partidos. Mas um dos mais fortes é o PFA. Perguntei a ele: “PFA?”. E ele: É o Partido das Forças Armadas!” Doutor Tancredo cuidou com extremo zelo para que a candidatura chegasse a bom termo. Mas houve armadilhas e minas. Em algumas, quase pisamos. Havia golpistas - geralmente, radicais de direita. E continuistas – que queriam esticar o mandato do general João Figueiredo”.

“Doutor Tancredo temia muito os radicais. Sempre me dizia: “Cuidado com os radicais: os de direita, os de esquerda e até os de centro”. Dentre todos,o que mais preocupava Tancredo era Newton Cruz, comandante militar do Planalto. Achava o general Newton um homem inteligente, corajoso,mas um tanto destemperado. Tancredo sempre lembrava na votação da emenda Dante de Oliveira,em abril de 84: o general fardado,com quepe e tudo, batendo com uma vara nos carros de Brasília. Tancredo achava aquilo uma demonstração de destempero.Dizia que um general destemperado poderia alterar o curso desse processo histórico: “Temos de administrar muito bem, temos de ter extremo cuidado com isso”.

“Houve um encontro secreto de Tancredo Neves com o presidente Figueiredo – de que não posso falar. O encontro foi tão secreto que só me lembro que foi em Brasília. Uma troca importante de informações Neste caso,só no momento oportuno vou falar. Recebi um pedido de que mantivesse a discrição.E não abro mão de fazê-lo.Dei  minha palavra. Vou cumpri-la”.

“Fica claro que Tancredo, no Hospital de Base de Brasília, tinha energia, tinha vontade, tinha condições de ser empossado em 15 de março de 1985. seria a solução mais simples, mais objetiva e mais tranquilizadora.O vice-presidente Sarney certamente não se oporia. Naquele momento, ele mostrou desapego ao caso. Ulysses Guimarães, naquele momento, fez a mesma coisa. Isso tranquilizaria, inclusive, o próprio Tancredo,que estava muito inseguro em relação ao futuro político,não apenas em relação à saúde. Teria evitado problemas enormes, como, por exemplo, aquela perplexidade na noite de 14 para 15 de março, quando o mundo todo começou a prestar atenção para o que acontecia no Brasil, aquela tragédia grega sem igual. Todo mundo perplexo:  quais serão os rumos da Nova República ? O que é que vai acontecer com Tancredo internado ? Tudo poderia ter sido evitado”.

“Infelizmente, não nos ocorreu. Infelizmente, não. O momento era de perplexidade e de susto. A gente não tinha informações ainda de como iriam reagir as Forças Armadas, como iria se comportar o presidente Figueiredo. Havia perplexidade e informações desencontradas. Começou a circular, no meio popular, a informação de que Tancredo havia sido assassinado. Circulou também que ele tinha levado um tiro. E por isso, ele tinha sido hospitalizado. Era este o clima,era este o ambiente. Por que o Congresso não credenciou uma comissão para empossar Tancredo Neves no próprio hospital ?. Teria sido a grande solução”.

A VÍTIMA DO ASSASSINATO MAIS CÉLEBRE DO CINEMA PASSOU A VIDA COM MEDO DE CHUVEIRO. O CULPADO : MR. HITCHCOCK

qua, 10/03/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Janet Leigh: medo de banho desde que filmou a cena

 

 

Quantas das cenas dos filmes premiados este ano com o Oscar vão ser lembradas daqui a meio século ? Nenhuma.

 

 

A “cena do chuveiro” de Psicose assusta platéias há exatamente meio século. O filme de Hitchcok nasceu “clássico do suspense”.

O locutor-que-vos-fala teve a chance de entrevistar a vítima do assassinato mais célebre do cinema: Janet Leigh.

Direto dos arquivos implacáveis do Dossiê Geral, a entrevista completa:

Um banho de chuveiro num hotel de beira de estrada. Somente a mão de um gênio poderia transformar um gesto tão banal em sinônimo de medo, suspense, terror, mistério, agonia. Alfred Hitchcock, o “mestre do suspense”, conseguiu.

A cena do assassinato do personagem interpretado por Janet Leigh em “Psicose” já foi escolhida por críticos franceses como “a mais memorável” da história do cinema.  Filmada em setenta ângulos diferentes durante sete dias, a sequência do chuveiro dura apenas quarenta e cinco segundos, mas rendeu quatro décadas de fama a Janet Leigh , uma atriz de sorte que parece estar sempre no filme certo na hora certa.

Quando o Los Angeles Times resolveu fazer a lista das cinquenta melhores produções de todos os tempos, descobriu que Janet Leigh é a única atriz que aparece em três dos filmes mais votados : “Psicose” (Alfred Hitchcock), “Touch of Evil” (Orson Welles) e “The Manchurian Candidate” (John Frankenheimer).

“Psicose” chegou às telas em junho de 1960. A fascinação exercida por esse clássico do suspense é tanta que até hoje, nos encontros de Janet Leigh com fãs e jornalistas, “Psicose” termina sempre se transformando em assunto principal. Não há como escapar: Janet Leigh será sempre Marion Crane, a vítima de Norman Bates, o psicopata interpretado com brilho por Anthony Perkins.

Aos 68 anos de idade, ex-mulher de Tony Curtis, com quem formou um dos mais badalados casais de Hollywood, mãe das atrizes Jamie Lee Curtis e Kelly Curtis, Janet Leigh resolveu escrever, em parceria com Christopher Nickens, um livro sobre a saga que viveu sob o chuveiro.

Lançado na Inglaterra pela Pavillon Books, o livro se chama, como não poderia deixar de ser, “Psicose”, (Psycho). Afastada das telas, Leigh pretende fazer carreira como romancista. Mas dificilmente a Janet Leigh romancista se livrará da sombra de Marion Crane.

Nesta entrevista , Janet Leigh revela que o filme que a consagrou também lhe trouxe ameaças que até hoje se repetem – na vida real. Hitchcock não imaginaria roteiro melhor.

GMN: Você ficou famosa como personagem da cena do assassinato no chuveiro em “Psicose”. Quando entra no chuveiro você ainda hoje se lembra da cena?

JL.: “Mas eu não tomo banho de chuveiro…”

GMN: O motivo é o filme?

JL.: “Sim: Eu nunca tinha imaginado, antes, o quanto ficamos vulneráveis quando estamos no chuveiro. Ficamos completamente vulneráveis! Eu nunca tinha pensado neste detalhe- até ver a cena do chuveiro na tela. Hoje, prefiro não tomar banho de chuveiro. O fato de eu não poder ver o que se passa do outro lado da cortina enquanto estou tomando banho me incomoda. Prefiro usar a banheira. Ainda assim, quando estou na banheira gosto de ficar olhando para a porta. Se tomar banho de chuveiro for a única alternativa, num lugar onde não exista banheira, eu então deixo a cortina aberta. O chão fica todo molhado, mas pelo menos eu posso ver o que se passa em volta…
Para dizer a verdade, durante a filmagem da cena do crime do chuveiro não fiquei assustada, talvez porque tudo é feito aos poucos, em meio a várias repetições. Quando vi a cena editada, na versão final do filme, é que senti todo o horror daquele grito. Era como se eu estivesse sentindo cada golpe daquela faca. Fiquei aterrorizada.”

GMN: É verdade que ainda hoje você recebe cartas e telefonemas ameaçadores?

J.L.: “É verdade. Gente estranha me manda cartas dizendo: ‘Quero fazer com você o que Norman Bates fêz com Marion no chuveiro.’ São ameaças sinistras. É terrível. Um chegou a mandar uma fita descrevendo o que queria fazer. Ainda hoje preciso de vez em quando trocar o número do meu telefone. Um dos autores de ameaças me telefonava perguntando: ‘Posso falar com Norman?’. Eu respondi: ‘Deve ter sido engano.’ A voz do outro lado insistia: ‘Não é engano. Não é do Motel Bates?’.”

GMN: Você levou a sério alguma dessas ameaças?

J.L.: “Uma vez, chamei o FBI. Um diretor amigo nosso, Mervyn Le Roy, estava nos visitando logo depois de fazer um filme sobre a história do FBI. Resolvi mostrar a ele as cartas. Imediatamente ele me sugeriu que o FBI fosse avisado. Agentes vieram à minha casa. Dois dos autores de ameaças terminaram localizados. Os agentes disseram que é difícil saber quando é que uma ameaça dessa representa um perigo real ou quando não deve ser levada a serio.”

GMN: Uma das lendas que correm sobre “Psicose” diz que Alfred Hitchcock mandou abrir de repente a torneira de água fria durante a filmagem da cena para obter de você uma expressão de espanto…

J.L.( interrompendo): “Não, não, não. Não é verdade. Pelo contrário: Hitchcock fez questão de que a água ficasse na temperatura correta, para que eu não sentisse desconforto. Sou uma atriz. Posso demonstrar medo numa cena. Não preciso de água fria…”

GMN: Qual foi o grande problema que você enfrentou na hora de fazer a cena no chuveiro?

J.L.: “Hitchcock queria que eu usasse lentes de contato para que, nas imagens em close, logo depois do assassinato, eu parecesse realmente morta. O oculista, no entanto, disse que as lentes só ficariam prontas em seis semanas. Não daria tempo de esperar. Tive de fazer tudo sem lente de contato.”

GMN: O que é que mais lhe chamou a atenção em Hitchcock durante a filmagem?

J.L.: “Fiquei impressionada com o fato de que ele jamais olhava através do visor da câmera. Perguntei por quê. Hitchcock me respondeu: ‘Não preciso olhar através do visor. Já sei onde a câmera vai ficar; já sei quais as lentes que vou usar. Então, posso saber exatamente como é que a imagem vai aparecer’.
A verdade é que ele sabia de tudo tão bem que nem precisava olhar através da câmera .
Houve também uma cena de bastidores que me impressionou. Hitchcock queria gravar um som que sugerisse uma faca ferindo o corpo. Um assistente trouxe para o estúdio vários tipos diferentes de melão. Passou, então, a cortar cada um com uma faca. De costas para o assistente, sem olhar em nenhum momento para trás, Hitchcock escolheu, pelo som de faca, qual era o tipo de melão que deveria ser usado…”

GMN: Você trabalhou com grandes diretores, como Hitchcock e Orson Welles. Que comparação fez entre os dois?

J.L.: “Tive sorte de trabalhar com talentos tão fantásticos quanto Orson Welles, John Frankheimer e Fred Zinemann. Trabalhei com os melhores. Orson Welles e Hitchcock eram o oposto um do outro. Os dois eram gênios, mas Orson Wells era mais espontâneo e improvisador, ao contrário de Hitchcock, um diretor que planejava cada take com detalhes.”

GMN: “Psicose” representou, para você, o sucesso internacional mas também um drama: você recebeu a notícia de que seria a última vez que trabalharia com Hitchcock. Por quê?

J.L.: “O que aconteceu foi que devido ao grande sucesso de “Psicose”, o próprio Hitchcock me disse que, se voltássemos a trabalhar juntos, não importa quanto tempo depois, o público imediatamente relacionaria o novo filme a “Psicose”. Isto afetaria então, o novo filme que estivéssemos fazendo.
Eu queria trabalhar de novo com Hitchcock. Mas penso que ele estava absolutamente certo ao apontar esse risco.”

GMN: Um jornal inglês publicou há pouco que você tinha abandonado a carreira porque já estava cansada da “hipocrisia” de Hollywood. É verdade?

J.L.: “Não sei de onde tiraram esta idéia. Diminuí o ritmo de trabalho porque achei que esta seria uma atitude justa para com meu marido e minhas filhas. Passei a aceitar apenas tarefas que pudessem ser cumpridas em pouco tempo.”

GMN: Tanto tempo depois , você ainda responde a perguntas sobre a cena do assassinato no chuveiro. Você compararia esta cena com que outra, na história do cinema?

J.L.: “Não consigo pensar em outra cena que venha imediatamente à lembrança como algo tão chocante. Não consigo pensar em nenhuma. Houve, é claro, outros momentos memoráveis em filmes, mas esta cena parece ser aquela que o público se lembra- em estado de choque…”

GMN: Você teve uma carreira de sucesso, mas é sempre lembrada como a Marion Crane de “Psicose”, assim como Anthony Perkins será sempre lembrado como Norman Bates. O fato de ser lembrada por apenas um filme- e particularmente por uma cena- lhe traz algum incômodo?

J.L.: “Em nosso ofício, trabalhamos duro para criar imagens. Ser parte de uma imagem que vai ficar para sempre é algo notável. Fico orgulhosa. “Psicose” é um filme que já dura 35 anos. É o sonho de todas as atrizes.”

GMN: Você visitou o Brasil no início dos anos sessenta. Que lembrança guardou dessa viagem?

J.L.: “Visitei o Brasil duas vezes. A primeira foi em 1960. Percorri seis cidades, numa visita organizada pelo USIS, o serviço de divulgação dos Estados Unidos. Depois, participei de uma entrega de prêmios cinematográficos. Uma vez, quando estávamos a caminho da inauguração de um centro para a juventude, cruzamos com um grupo que ensaiava para o carnaval, num subúrbio do Rio de Janeiro. Todo mundo estava dançando na rua. Pedi que nosso carro parasse. Gosto de dança e de música. Começei a dançar. Um homem- que estava ali, no meio da rua- começou a dançar sem olhar para o meu rosto. Quando a música acabou, ele, quase ajoelhado, me olhou atentamente. Somente aí é que exclamou: Mas é Janet Leigh!…”
(Entrevista gravada em 1995. Janet Leigh morreu em 2004, aos 77 anos).

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JÁ SE DIVIDE, NOS BASTIDORES, ENTRE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E ZIRALDO

seg, 01/03/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

O Dossiê Geral não é exatamente uma coluna de notas, mas registra uma informação de bastidor:  há um racha “extra-oficial” na Academia Brasileira de Letras sobre a escolha do  sucessor do bibliófilo José Mindlin. Um grupo, tido como “simpático” a São Paulo, quer a candidatura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas há outro que defende a candidatura do cartunista e multi-artista Ziraldo.

Em resumo:  se as previsões se confirmarem, a Academia pode testemunhar um duelo entre FHC x Ziraldo.



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