UM IMORTAL DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS DISPARA SEUS PETARDOS: O CALOR E A PAISAGEM EXUBERANTE “ATRAPALHAM” O BRASIL. E MAIS: LITERATURA BRASILEIRA É “PAISAGÍSTICA, COSMÉTICA E DESESPIRITUALIZADA”

sex, 26/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Um imortal da Academia Brasileira de Letras, o poeta e escritor Lêdo Ivo, lança farpas e “chuta o balde” em entrevista exibida no DOSSIÊ GLOBONEWS ( com reprise na segunda-feira, às três e meia da tarde). A entrevista foi gravada num ambiente solene : a sala de reuniões da Academia, no centro do Rio. Mas o escritor – de 86 anos – não se furtou a disparar seus petardos.

Lêdo Ivo defende uma tese original: diz que a exuberância da paisagem atrapalha o Brasil, porque faz com que o brasileiro viva voltado para fora, em detrimento da “vida interior”. O resultado se faz sentir na literatura brasileira:

“É claro que a exuberância da paisagem atrapalha. Veja o problema amazônico : a paisagem no Brasil sai pelo ladrão. Isso se reflete na literatura brasileira. É um literatura muito paisagística, muito  cosmética. É raro, no Brasil, um escritor do tipo de Machado de Assis, um “tatu” literário, que sonda as almas. Uma das funções da literatura é o estudo da condição humana. Você não pode fazer uma literatura cosmética, só de fora. Você tem de dazer uma literatura “de dentro”. Isso falta ao Brasil! É um país que tem uma literatura muito desespiritualizada, uma literatura muito de superfície” 

O escritor aponta outro “mal” brasileiro: o calor – que não favorece, em nada, a reflexão :

“O calor excessivo não ajuda a reflexão. Os escritores europeus produzem, em geral, nos meses de frio. Baudelaire anseia pelo frio para escrever seus poemas! Aqui no Brasil, o calor atrapalha muito”.

Lêdo Ivo pede passagem:

*”Não consigo passar da página três de nenhum livro de teoria literária, porque não sei em que língua são escritos”. 

.”Um livro de três mil exemplares no Brasil já é um best-seller”

.”O sistema de de difusão cultural no Brasil mudou. Já não temos críticos literários. Quando surgi, havia críticos como Antônio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, Álvaro Lins e Wilson Martins – que me reconheceram. Pude sair do anonimato e me tornar uma figura pública. Hoje, o ”juiz literário” do poeta é o repórter do segundo caderno”.

*”Antes,vinha gente de Minas Gerais para ver Olavo Bilac passar na avenida. Hoje, ninguém vem nem de Nova Iguaçu para ver um de nós passar pela avenida Presidente Wilson!”

*”Noto que os jovens poetas não têm o senso da tradição literária. Não leram Dante, não leram Skakespeare. Não é culpa deles apenas. É culpa do sistema educacional ! As escolas começaram a privilegiar o presente, como se o Brasil tivesse começado na Semana de Arte Moderna !”.

*”Desde que, na ditadura militar, se substituiu o estudo da gramática pela chamada “comunicação e expressão”, as novas gerações começaram a falar muito mal. É uma linguagem padronizada – e, às vezes, de grunhidos…”

Lêdo Ivo chama de “babaca” um nome importante da literatura brasileira. A palavra “babaca” foi usada numa chamada levada ao ar pela Globonews. Resultado: o poeta foi informado de que já se fizeram até apostas para descobrir quem é o alvo do ataque. Amigos telefonaram para Lêdo Ivo perguntando se era verdade que o “babaca” seria Machado de Assis. Houve quem fizesse outro palpite ousado: o “babaca” seria Joaquim Nabuco. Ou Guimarães Rosa.

Não: o escritor chamado de “babaca” por Lêdo Ivo é Oswald de Andrade, um dos pais do Modernismo brasileiro. Por quê ? Ora, porque ele era “chato”, disse, sucintamente, o poeta.

Aqui, o vídeo da entrevista:

https://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1509163-17665,00-ACADEMICO+LEDO+IVO+DIZ+QUE+A+PAISAGEM+EXUBERANTE+ATRAPALHA+O+BRASIL.html

DELÍRIOS NO PLANALTO CENTRAL DO BRASIL : O DIA EM QUE UM PRESIDENTE BRASILEIRO QUIS ANEXAR UM VIZINHO!

seg, 22/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

 

A crise institucional aberta pela renúncia do presidente Jânio Quadros terminou frustrando um plano que, se executado, ganharia, com certeza, um lugar de destaque numa antologia mundial dos desvarios politicos : o presidente queria anexar a Guiana Francesa ao território brasileiro, numa operação militar de surpresa – uma investida no estilo da frustrada anexação das Ilhas Malvinas pela Argentina, em 1982.

A invasão das Malvinas deflagrou uma guerra entre Inglaterra e Argentina. Qual teria sido a reação internacional a uma aventura expansionista brasileira na Guiana Francesa ? Jânio Quadros chegou a convocar, para uma audiência secreta em Brasília, o governador do Amapá, Moura Cavalcanti, um político que, anos depois, durante os governos militares, ocuparia o Ministério da Agricultura do general Garrastazu Medici e o governo de Pernambuco, por eleição indireta. 

 

Moura Cavalcanti estava disposto a cumprir a surpreendente determinação do presidente : afinal, tinha sido nomeado para o cargo de governador do Amapá pelo próprio Jânio Quadros. Ordens sao ordens.

Alem de dar a ordem a Moura Cavalcanti, o presidente passou, diante do governador, uma mensagem por rádio para um comandante militar, com a orientacao textual :

-Estudar a possibilidade de anexar ao Brasil a Guiana Francesa – se possível,pacificamente.

‘’Eu me recordo dos termos com exatidão ‘’- disse-me Moura Cavalcanti, numa entrevista gravada no Recife.  Já abalado por uma doença renal que o materia meses depois, Moura Cavalcanti  descreve, com detalhes, a cena surrealista que presenciou em Brasília, como testemunha e personagem, num dia de 1961:

GMN – Que ordens o senhor recebeu do presidente Jânio Quadros, em Brasília, em relação à Guiana Francesa ?

Cavalcanti : ‘’Quando o presidente Jânio Quadros analisou o processo de venda de manganês para os países estrangeiros, me deu a seguinte ordem : ‘’Defenda os interesses nacionais acima de qualquer outra coisa. A propósito : eu acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso. Por que não anexarmos a Guiana Francesa ao território brasileiro ?’’.

GMN – Que reação o senhor teve ao receber esta ordem ?

Cavalcanti : ‘’Uma reação violenta. Primeiro,o seguinte : não tinha estrutura para agir como um conquistador. Não tinha sonhado em conquistar terras, nas minhas andanças por Macaparana(N: terra natal do ex-governador,em Pernambuco). Quando muito, tinha pensado em aumentar o meu engenho…Andei de um lado para o outro;f iquei confuso, evidentemente.E Jânio Quadros me disse : ‘’Sente aqui !’’. Eu me sentei junto ao telex. E ele passou um telex a um militar que, me parece, era o chefe do Estado Maior das Forcas Armadas’’.

GMN – Que comentário Jânio Quadros fez sobre o plano ?

Cavalcanti : ‘’Jânio Quadros me disse : ‘’Um país que dominar do Prata ao Caribe falará para o mundo !’’. O presidente olhou o pequeno papel que tinha nas mãos, com a ordem. Olhou o mapa do Brasil, imenso, na parede. Balançou lentamente a cabeca, antes de dizer que um país que fosse do Prata ao Caribe seria respeitado e dominaria o mundo’’.

GMN – Por que é que esta ideia do presidente não se realizou ?

Cavalcanti : ‘’Porque Jânio Quadros renunciou dias depois. A conversa com Jânio ocorreu em agosto de 1961, às vesperas da renuncia’’.

GMN – Como é que seria feita,na prática, esta anexação ?

Cavalcanti : ‘’A anexação da Guiana Francesa começaria com uma visita de Jânio Quadros à Amazônia. Uma esquadra chegaria ao cais do porto, no Amapá’’’.

GMN – A principal motivo da anexação seria econômica ?

Cavalcanti : ‘’O presidente queria evitar a saída de minérios do território brasileiro. A saída de minérios era uma coisa incrível. Uma parte saía através da Guiana; outra através do nosso porto’’.

GMN – Que outra orientação ele deu ?

Cavalcanti : ‘’Janio falou muito sobre o disciplinamento do trânsito dos minérios’’.

GMN – O senhor estava disposto a cumprir a ordem do presidente ?

Cavalcanti : ‘’Eu estava disposto a cumprir o que ele desejava’’.

GMN – O projeto, então, só nao se realizou por causa da renúncia ?

Cavalcanti : ‘’A minha parte eu cumpriria ! (silêncio).Em um mês,eu criei uma Polícia Militar’’.

GMN – Como seria feita a anexação ? Através da abertura de uma picada na selva ?

Cavalcanti : ‘’Cabia a mim a abertura da picada, até Oiapoque. (N:onde havia uma base militar brasileira e uma base militar francesa). Vi a queda das castanheiras.Quando recebi a orientação do presidente, fui para a fronteira. Consegui, com uma base americana que ficava localizada no Caribe, um helicóptero.

Eu me lembro que um assessor me dizia : ‘’Se esse helicóptero cai na floresta amazônica, vai dar manchete !  Helicóptero cai e morre governador e secretário !’’.

GMN – Quando o presidente Jânio Quadros falou sobre a anexação da Guiana,só estavam no gabinete o senhor e ele ?

Cavalcanti : ‘’Só estávamos eu e ele- o presidente. Antes,ele não me disse que eu não levasse ninguém nem me pediu para que eu não falasse. Disse, apenas, que o assunto seria secreto’’.

GMN – Que outras pessoas souberam desta conversa,na época ?

Cavalcanti : ‘’Cordeiro de Farias ( n: marechal) soube; Golbery do Couto e Silva soube,José Aparecido de Oliveira, tenho a impressão, soube’’

GMN – O ministro das relações exteriores, Afonso Arinos, estava presente ?

Cavalcanti : ‘’A este encontro meu com o presidente, ele não estava presente. Mas, como ele dizia que os ministros eram ministros de verdade, Afonso Arinos deve ter sabido’’.

GMN – Como é que o senhor avalia este episódio hoje ? Que importância este plano teria para a história do país ?

Cavalcanti : ‘’Hoje, nós estamos diferentes’’.

GMN – Mas,na época, a anexação poderia ter acontecido ?

Cavalcanti : ‘’Poderia ! Poderia ter acontecido.E seria aceito pela França. A base francesa tinha um coronel que vivia bêbado. Era um batalhão de elite – que foi para dentro da selva. A gente via que eles tinham desejo que aquilo acontecesse. A anexação seria uma operação militar.Uma estação de rastreamento seria criada’’.

GMN – Depois que recebeu a notÍcia da renúncia do presidente, o senhor se sentiu aliviado diante da perspectiva da invasão da Guiana ?

Cavalcanti : ‘’Tive um sentimento de perda. Eu pensava que o caminho era aquele.Pode ser orgulho meu’’.

(Entrevista publicada originalmente no livro Dossiê Brasil)

O DIA EM QUE PERSEGUI RUBEM FONSECA, O NOSSO J.D.SALINGER : O ESCRITOR QUE DETESTA REPÓRTERES

qua, 17/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Uma idiossincrasia une o escritor brasileiro Rubem Fonseca ao americano J.D.Salinger : o horror a entrevistas.

Não são os únicos, é claro. A galeria das celebridades brasileiras que dedicam aos repórteres um silêncio de pedra inclui João Gilberto, Dalton Trevisan, entre outros.

Há casos de gente que, depois de décadas tratando os repórteres a golpes de silêncio, resolve abrir a guarda. É o que aconteceu com o Carlos Drummond de Andrade já octogenário.

Cumpri o meu papel de abelhudo: tratei de importuná-lo por telefone, já que ele, em situações normais,  era alérgico a contato pessoal com repórter.  A tática deu certo. Gravei uma extensa entrevista com o autodenominado Urso Polar. Tive o descaramento de fazer setenta e seis perguntas. O poeta respondeu a todas. Dezessete dias depois, estava morto. Sem querer, a entrevista virou um testamento.

A íntegra da entrevista foi publicada no livro “DOSSIÊ DRUMMOND” – que ganhou, não faz tempo, uma nova edição da Editora Globo.

Eu me arrisco a dizer que o DOSSIÊ é um bom começo para quem quer conhecer o maior poeta brasileiro. A  falsa modéstia não me impede de dizer que Paulo Francis dedicou quase uma coluna inteira ao livro. Disse que aquela entrevista de Drummond foi a melhor que tinha lido.

Já tratei da entrevista telefônica aqui:

https://g1.globo.com/platb/geneton/2009/09/07/grande-poeta-e-pessimo-profeta-drummond-se-confessa-ao-telefone-sou-uma-pessoa-terrivelmente-corajosa-porque-nao-espero-nada-de-coisa-nenhuma/

Do alto de minha jaula de dinossauro, digo aos jovens repórteres: não se impressionem com quem vive dizendo que entrevista por telefone não funciona. É claro que se deve tentar o contato pessoal. Mas, quando o telefone é a única saída, por que não usá-lo desbragadamente ? Basta ter um equipamento que garanta uma gravação de boa qualidade.  Se eu achasse que entrevista por telefone não funciona, não teria colhido o último grande depoimento de Carlos Drummond de Andrade.

Por falta de vocação para exercer tarefas realmente importantes, sou, desde a tenra idade de treze anos, um caçador de declarações alheias. Belo destino…

Tentei arrancar uma entrevista com Rubem Fonseca longe de casa, em Paris. A tarefa foi parcialmente bem-sucedida. Consegui gravar um depoimento em que ele falava na primeira pessoa.

(Vou fazer uma confissão inconfessável: tenho uma certa simpatia pelo mutismo de escritores e artistas que fogem de repórteres. Se eles querem que suas únicas declarações públicas sejam as obras que produzem, por que não ? Não há entrevista de Drummond que consiga reproduzir a beleza, a contundência e a tristeza de versos como os de  “Consolo na Praia”, por exemplo. Tenho certeza de que seria impossível reproduzir em entrevista uma declaração tão definitiva sobre a postura diante da vida  quanto a que ele fez nos versos belíssimos de  ”A Máquina do Mundo”).

Mas… entrevistas podem servir, claro, para lançar luzes sobre a personalidade de quem cria. Podem contribuir para agitar a pasmaceira ou provocar iluminações. É o suficiente. Eis, portanto, o outro lado da moeda:  os que se fecham no mutismo perdem uma boa chance de ter um contato que pode ser, sim, produtivo com o leitor (ou ouvinte ou telespectador).

 Fim das digressões.

Voilà minhas anotações sobre o escritor que, diante de um repórter, prefere ficar mudo:

Cena 1

Rio de Janeiro, 2005

Os detetives dos livros de Rubem Fonseca são espertíssimos. Notam tudo. Quem navegou deliciado pelas páginas de um livro como Bufo & Spalanzanni certamente se surpreendeu com a argúcia dos investigadores criados pela imaginação de Fonseca. Mas lamento informar que o próprio Rubem Fonseca não é tão atento : não notou que eu segui seus passos sorrateiramente pelas ruas do Leblon. Fonseca nem desconfiou. O criador não é tão arguto quanto suas criaturas.

Faz pouco tempo: Rubem Fonseca estava na fila do Supermercado Zona Sul, na rua General Artigas. Sozinho. Anônimo. Silencioso. Usava um boné, não para se proteger do sol – porque já eram sete da noite -, mas certamente para se resguardar da investida de algum leitor inconveniente ou, pior, algum repórter intruso, como eu. O horror, o horror, o horror.

Pensei: vou fazer uma foto de Rubem Fonseca, a “Greta Garbo das letras”, o homem que devota um consistente horror a repórteres e fotógrafos. O problema é que minha máquina – amadora – estava em casa. Resolvi acompanhar, à distância, a caminhada de Fonseca pelas ruas, na saída do supermercado. Quem sabe? Se ele passasse em frente ao meu apartamento, eu teria trinta segundos para correr, pegar a máquina lá dentro e voltar para a rua, a tempo de eternizar o flagrante num disquete.

Rubem Fonseca saiu do supermercado, entrou à direita na General Artigas, dobrou à esquerda na Ataulfo de Paiva e seguiu, anonimamente feliz sob a lua do Leblon. Guardei uma distância prudente: fiquei sempre a uns dez passos do homem, para não perdê-lo de vista. Não perdi.

Rubem parou diante de uma banca. Bela imagem: o homem célebre e solitário contemplava as manchetes dos jornais pendurados na banca como se fossem roupas num varal. Mas lamento informar que perdi a foto perfeita. Não deu tempo de ir buscar a máquina.

O homem sumiu de vista, entrou à direita na rua General Urquiza, caminhou em direção ao mar do Leblon. O repórter ficou a ver navios.

É tudo o que Rubem, o fugidio, sempre quis.

Cena 2

Londres, 1997

Quando cruza o Atlântico para falar a platéias estrangeiras, Rubem Fonseca se torna extraordinariamente falante, brincalhão, nada tímido. O Rubem Fonseca que enfrentou uma platéia de leitores – a maioria, brasileiros – num salão do Royal Festival Hall, às margens do rio Tâmisa, em Londres, em junho de 1997 – era o oposto da fera inacessível que ele parece ser.

O palco parecia a materialização de uma miragem: ao lado de Fonseca, outra celebridade arredia, o suposto tímido Chico Buarque de Hollanda, lia trechos do livro que acabara de lançar em terras inglesas.

Temeridade: quando foi concedida à platéia o direito de abordar as estrelas, perguntei o que é que Chico Buarque achava dos críticos que o consideravam um “intruso” entre os escritores. Rubem Fonseca tomou as dores. Não deve ter gostado da pergunta. (anotei: ele vestia um paletó marrom claro, sem gravata. A barba branca e grisalha e a cabeleira rala davam-lhe um ar de ancião). Tirou o charuto da boca e disparou :

- Quero dizer que Chico Buarque sempre foi um escritor – a vida inteira. E é um poeta. Noventa e nove por cento dos críticos elogiaram os livros de Chico. Somente um crítico o tratou como um ”outsider”. Somente um! Nós, escritores, consideramos Chico Buarque um escritor. Em nome de todos os escritores, quero dizer que temos orgulho de ter Chico Buarque entre nós !

Lá fora, os dois ofereceram autógrafos aos leitores. Quando chegou a minha vez, Rubem Fonseca me brindou com uma exclamação que soou algo irritada (“Qual é, oh cara?”). Depois, escreveu no meu exemplar do livro de Chico Buarque:

- Chico é um grande escritor. June,1997.

Guardei a relíquia.

Cena 3

Paris, 1987

Quase, quase, quase. Como diria Geraldo José de Almeida, o locutor da Copa de 70, “por pouco, pouco, muito pouco, pouco mesmo”. Quase que consegui uma entrevista com Rubem Fonseca. De passagem por Paris, eu soube que ele iria participar de um debate sobre cultura brasileira num auditório do Centro de Cultura Georges Pompidou. Peguei o gravador.

Eis a fera diante de mim, num corredor que dá acesso ao auditório: de gravata, suéter vermelho, sobretudo azul. Faço formalmente, em nome do povo brasileiro, um pedido de entrevista (os repórteres passam a vida na ilusão de que estão falando em nome das multidões). Rubem Fonseca responde com um sorriso malicioso: “Sou tímido” – o que, obviamente, é mentira. Faço nova investida. “Nem sonhar” – ele decreta, para desconsolo do autor do pedido. Pousa a mão sobre meu ombro, faz uma concessão : “Por que é que você não escreve sobre o que ouviu?”. Parcialmente recompensado em minha teimosia, ligo o gravador assim que ele começa a falar.

De volta ao Brasil, transcrevo, vírgula por vírgula, as palavras da esfinge e encaminho tudo a Zuenir Ventura – grande amigo de Rubem. Dias depois, Zuenir me diz que Rubem Fonseca tomou um grande susto quando viu que o que tinha dito lá em Paris, a nove mil cento e quarenta quilômetros do Leblon, tinha rendido cento e quarenta linhas – um raríssimo depoimento de nossa Greta Garbo na primeira pessoa do singular.

Os principais trechos :

“Nasci em Juiz de Fora. Lá, aos dois meses de idade, eu tinha uma babá que me levava para passear de tarde. Mas, na verdade, ela ia ver o namorado, o lanterninha do cinema. Ela me sentava, ia namorar e eu via sessões atrás de sessões. Aos três anos, eu já tinha visto vinte mil horas de filme. Fui crescendo. E disse assim: “Quero fazer cinema!”. Eu deveria fazer cinema. Mas, quando eu tinha oito anos, me deram uma máquina de escrever. Fiquei com aquela máquina de escrever dentro de casa e querendo fazer cinema. Era difícil…”.

“As pessoas me dizem assim: “Ouvi dizer que você lê um livro por dia!”. É verdade. Mas vejo três filmes por dia! Vejo um filme atrás do outro”.

“Sou um cinéfilo que foi condenado a escrever. Uma vez, Arnaldo Jabor me disse: “Eu queria ser um romancista!”. E eu: “Vamos trocar? O que eu queria era ser cineasta!”.

“O que o bom diretor de cinema pretende é pensar de uma maneira criativa. Como romancista, sei que o romance cedeu o lugar como manifestação artístico-cultural de massa. Já se disse que Theodore Dreiser (romancista americano, autor de “Uma Tragédia Americana”) cedeu lugar nas salas de aula a George Pabst, o grande diretor. É ótimo, é interessante que aconteça. O problema é que, hoje, parece que as pessoas não têm paciência de ficar vendo um filme durante duas horas, sem que haja um intervalo comercial no meio. O Pabst foi substituído pelo anúncio do Creme Ponds! É uma coisa séria”.

“O problema principal – e o único que existe nessa coisa de o cinema substituir a literatura – é que a literatura tem mais significados. Do ponto de vista polissêmico, a literatura é superior ao cinema. Vou explicar. Cito um grande filme de um grande cineasta: São Bernardo – de Leon Hirzmann. Todos temos uma grande admiração por Leon Hirzmann, grande cineasta. Quandi vi São Bernardo, eu tinha uma idéia sobre o personagem principal, criado por Graciliano Ramos. Minha mulher tinha uma idéia sobre o personagem. Cada pessoa que tivesse lido o livro tinha uma idéia. Criava o personagem junto com Graciliano Ramos. Isso é a polissemia da literatura. Mas,no grande filme do grande Leon Hirzmann, o personagem era Othon Bastos. Se eu fosse ver o filme pela segunda vez, era Othon Bastos. Era sempre Othon Bastos! Da segunda vez que li São Bernardo, o personagem já era outro, no livro”.

“Há uma crença de que fazer um roteiro de cinema é mais fácil do que fazer um romance. Não é absolutamente verdade. É fácil fazer um mau roteiro de cinema. Você pode fazer um roteiro com facilidade. Mas fazer um bom roteiro de cinema é tão difícil quanto escrever um bom romance”.

“Um dia, depois de ter escrito alguns livros e ter visto mais cinema, fui fazer uma tradução de um livro de Joseph Conrad chamado “The Nigger of Narcissus”. Há, no prefácio, uma frase que não consegui esquecer: “My task is to make you hear. My task is to make you feel. And, above all, to make you see. That`s all. And everything”. Minha tarefa é fazer você ouvir. Minha tarefa é fazer você sentir. E,acima de tudo,fazer você ver. Isto é tudo. E é muito”.

UM PROFESSOR ENTREGA O DIPLOMA AO “DR. ALCIDES”

sáb, 13/02/10
por Geneton Moraes Neto |

Nunca um post provocou tantas respostas quanto o que lamentava a execução de Alcides, o estudante morto a tiros por bandidos no Recife. Era filho de uma ex-catadora de lixo. Entrou para a universidade como primeiro colocado entre os alunos de escola pública que prestaram vestibular. A imagem da vibração da mãe de Alcides no momento da aprovação do filho no vestibular emocionou o Brasil, ao ser exibida na TV.

O comentário 175, postado por um professor que se comoveu com o caso, certamente resume o sentimento geral : todos estão entregando, simbolicamente, ao estudante Alcides o diploma que ele já não poderá receber.

O comentário enviado pelo internauta:

175Lauro Almeida de Oliveira:
13 fevereiro, 2010 as 11:00

“Ao Doutor ALCIDES DO NASCIMENTO LINS, com orgulho lhe entrego o seu DIPLOMA, sob o aplauso de milhões de brasileiros honestos como você.

Senhora MARIA LUIZA, Mãe do Doutor ALCIDES e o seu Pai : nos perdoeem. Infelizmente, monstros, assassinos, covardes, nojentos, não deixaram o Doutor ALCIDES DO NASCIMENTO LINS comparecer a essa solenidade. Não o deixaram ajudar os milhares de brasileiros que estariam nas filas para serem atendidos por ele. Seus familiares estão orgulhosos e tristes eternamente, assim como eu, Lauro, Pai, Avô e Professor há quase quarenta anos: sei o que é o sorriso de um negro-autêntico brasileiro-vencedor que lutou até o seu último minuto com a formação de seus pais: seja honesto, seja honrado, seja leal, seja puro, seja limpo, seja pobre-rico em seus atos, mesmo que isto lhe custe a própria vida. O Doutor ALCIDES assim cumpriu sua palavra silenciosa, ouvindo seus pais… foi, é e sempre será aquele que com dignidade maternal, com espírito de luta, com lealdade interna soube nos dar uma lição de vida. Vida essa que nós não soubemos proteger para você estar aqui conosco…

Doutor ALCIDES!… onde você estiver, será lembrado com uma singela homenagem prestada pelo Professor Lauro e seus estudantes, pelo Brasil e pelo Mundo: farei um minuto de contemplação ao seu sonho, ao seu sorriso, aos seus amigos, seus pais e aqueles que conheceram você e por você irão chorar eternamente sua falta.

Escrevo essas linhas hoje, sábado de carnaval, 13 de fevereiro de 2010, estou no Rio de Janeiro e até agora seus algozes não apareceram. Nesta madrugada, me deparei com seu sorriso acima : estavas feliz e realizado, porém ausente eternamente…
DOUTOR ALCIDES, um beijo e um abraço, de um Pai seu adotivo, avô e eternamente amigo: Lauro”

UM ESTUDANTE CHAMADO ALCIDES DO NASCIMENTO LINS, UMA EX-CATADORA DE LIXO CHAMADA MARIA LUIZA – E A ENORME, A INDESCRITÍVEL, A MONSTRUOSA VERGONHA DE SER BRASILEIRO

qua, 10/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

O estudante Alcides: vergonha, vergonha, vergonha

O estudante Alcides: vergonha, vergonha, vergonha

A TV é imbatível na arte de produzir lembranças marcantes. Uma imagem aparentemente banal pode ficar anos gravada nas nossos retinas fatigadas. Um exemplo: a alegria sinceríssima de uma ex-catadora de lixo chamada Maria Luiza ao receber a notícia de que o filho tinha sido aprovado no vestibular de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco.

Detalhe:  criado com as dificuldades imagináveis, o filho tinha tirado o primeiro lugar entre os alunos de escolas públicas aprovados no vestibular. A imagem da vibração da mãe tinha sido captada quase que casualmente pelo cinegrafista Marconi Pryston, durante a gravação de uma reportagem sobre o vestibular para o telejornal local da TV Globo Recife. A alegria da mãe ganhou repercussão nacional ao ser exibida no Fantástico, numa série conduzida por Zeca Camargo. Era comovente. O tema da reportagem era a felicidade. Em seguida, o exemplo do estudante ganhou espaço no Globo Repórter.

O filho de D. Maria Luiza iria se formar este ano. Mas foi assassinado a tiros, na porta de casa, no bairro da Torre, no Recife. Os dois assassinos procuravam por outro homem. Não o encontraram. Abordaram Alcides – que morava numa casa vizinha -, em busca de notícias. Como Alcides disse que não sabia onde estava o “alvo”, foi morto com dois tiros na cabeça, à queima-roupa. Execução sumária. Não há outra palavra para definir os autores do crime: são animais. Ponto.

Faltará alguém na festa de formatura da turma de biomedicina da Universdiade Federal de Pernambuco. A ex-catadora de lixo disse às tvs: “Minha vida acabou”.

O Brasil tem uma dívida enorme, indescritível, imensurável com Alcides do Nascimento Lins e com esta mulher. A dívida com Alcides jamais poderá ser paga. Uma vida foi desperdiçada em troca de quê ? De nada. Há qualquer coisa de terrivelmente errado num país que premia com dois balaços o filho de uma ex-catadora de lixo que, a despeito de tudo, chega à universidade na condição de primeiro lugar entre alunos de escola pública. Tinha vinte e dois anos de idade. Vinte e dois!

Neste momento, só há um sentimento possível : a enorme, a indescritível, a imensurável, a monstruosa vergonha de ser brasileiro.

 

aqui, a reportagem do Jornal Nacional sobre o caso :

eo.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1207407-7823-ASSASSINATO+DE+ADOLESCENTE+NO+RECIFE+PROVOCA+INDIGNACAO+EM+TODO+O+BRASIL,00.html

COMENTÁRIO SUCINTO SOBRE O PLANALTO CENTRAL DO BRASIL

dom, 07/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Brasília : oito letras que mentem.

“CARNAVAL ! ADORARIA VER UM PUXADOR DE SAMBA BERRAR UMA MÚSICA POR DUAS HORAS SEGUIDAS, DESDE QUE EU ESTIVESSE, CLARO, SOB ANESTESIA GERAL”

dom, 07/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

 O luso-dinossauro José Saramago declarou, não faz tempo, que o sucesso do twitter é um sinal de que logo chegará o dia em que a humanidade se comunicará por monossílabos.

( Aos que desembarcaram ontem no Planeta Terra : o twitter é aquele espaço da internet em que internautas podem se comunicar com mensagens que tenham, no máximo, 140 caracteres. É tudo curto, direto, telegráfico, instantâneo. Daí para o monossílabo seria um passo. Não faz tempo, o G1 informou que o twitter já arrebanhou 65 milhões de seguidores em todo o mundo ).

A bem da verdade: a comunicação por monossílabos não seria de todo ruim. O planeta seria um lugar melhor se ficasse livre do matraquear coletivo que infesta nossos ouvidos vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano.

Fiz os cálculos: a rigor, eu só precisaria de quatorze letras para me comunicar. Ficaria feliz se, em qualquer lugar e sob qualquer circunstância, pudesse dirigir ao terráqueo mais próximo a seguinte pergunta: “Onde fica a saída ?”.  Quatorze letras: a receita da felicidade.

Assim, imaginei que não seria estapafúrdio tentar acomodar na jaula dos 140 caracteres os Princípios Básicos de Nossa Passagem pelo Planeta, aquelas cláusulas pétras que regem nossos passos – algo assim:

“Eu toparia vestir a camiseta de uma cervejaria para entrar no Sambódromo – desde que,claro, eu estivesse sob a mira de uma Kalashnikov AK-47″

Para não perder o bonde, o blogueiro – uma ruína cinquentenária em avançado estado de decomposição – fez uma experiência no Planeta Twitter. Que tal tentar comentários ( inúteis, é óbvio) sobre o estado geral das coisas, em cerca de 140 caracteres ?

Voilà :

1

Carnaval! Adoraria ver um puxador de samba berrar uma música por duas horas seguidas, desde que eu estivesse, claro, sob anestesia geral.

2

Intuição: nunca, never, jamais confie em gente capaz de usar a palavra “molecada”, urrar “uh ru!” e dizer “oi, galera”. São torturadores disfarçados.

 

3

 

Carnaval! Adoraria ver Ivete Sangalo e Cláudia Leite saltitando- desde que eu estivesse, claro, sedado e respirando com ajuda de aparelhos.

4

Curso de detetive: jamais confie em quem começa uma frase com “veja bem”. São assaltantes de creches. 

 

5

É claro que eu iria ver peruas siliconadas se exibindo no Sambódromo, desde que eu estivesse inconsciente e preso a uma camisa-de-força.

6

Curso de detetive: nunca, never, jamais confie em quem fala em “beijo no coração”. São esquartejadores de coelhinhos recém-nascidos.

7

O que é melhor? A) ver um ônibus de turistas brasileiros cantando “ô-lê-lê-ô-lá-lá-pega-no ganzê-pega-no ganzá” em Paris; B) morrer. Resposta: B!

 8

Eu leria do começo ao fim uma entrevista de Cláudia Leite falando de amamentação, desde que, claro, alguém me pagasse 1 milhão de euros cash. 

9

Nunca, jamais, sob hipótese alguma, confie em casais em que um chama o outro de “momô” e coisas parecidas. São passadores de cheques sem fundo.

 

10

Sério: eu iria sem reclamar a um show de Ivete Sangalo num estádio, desde que eu estivesse, claro, sob a mira de 38 soldados da Divisão Panzer. 

11

Confirmado: nunca, jamais, sob hipótese alguma, confie em quem usa,usou ou pensa em usar bandana ou rabo-de-cavalo. São assassinos de velhinhas.

12

Sério: é óbvio que eu iria ver uma peça em que atores interagem com a plateia- desde que eu recebesse, como recompensa, uma mansão quitada em NY. 

13 

Pesquisa: se você fosse obrigado a passar o resto da vida numa ilha ouvindo a Banda Calyso, você tomaria o veneno com ou sem açúcar ?

14

 Curso de detetive: nunca, never, jamais confie em quem estira o dedo mindinho quando segura um copo. São falsificadores de vacina antipólio.

 

 15

Eu iria ao teatro ver uma dessas cópias de musicais americanos,desde que, claro, recebesse em troca uma pensão vitalícia de 78 mil e 500 reais.

 16

 Carnaval! Adoraria ver as exibições de “samba no pé” na TV – desde que eu estivesse, claro, em estado de coma induzido. 

17 

Pequena dúvida noturna  : por que é que a Interpol ainda não inaugurou um presídio exclusivo para atores que fazem “número de plateia” ?

18

Palpite: nunca, jamais, sob hipótese alguma, confie em quem palita os dentes em público com a mão espalmada para esconder a boca. São psicopatas.

19

Começo a acreditar em Deus quando chego ao aeroporto,viro crente fervoroso quando estou no avião,volto a ser ateu quando piso em terra firme

 20

Puro feeling: nunca, never,  jamais confie em quem cheira vinho, balança a taça e faz um bochecho. São serial killers em potencial.

 21

Se todos os jornalistas que ser acham gênios relinchassem três vezes antes de dormir, a cidade inteira acordaria com o barulho.

22

  

Um belo teste de emprego: o candidato que conseguisse rir de uma dessas ceninhas idiotas dos anúncios de cerveja voltaria para o fim da fila.

 

23

Cálculos: quando tinha 17 anos, eu não confiava em ninguém com mais de 30. Hoje, não confio em ninguém com menos de 50. Nem com mais. 

 24

Dica: toda vez que um camelô se aproximar, pegue o celular e fique repetindo “klaatu barada nikto”. Já testei. Funciona. O camelô desiste.

25

Quem foi o idiota que achou que a Humanidade poderia se comunicar com um máximo de 140 caracteres ? O pior é que pode. Então, viva ele!

UM KENNEDY LEVANTA A VOZ PARA PEDIR O FIM DO EMBARGO AMERICANO CONTRA CUBA

sex, 05/02/10
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A atribulada biografia de um Kennedy : entrevista exclusiva será reexibida neste domingo ao meio-dia e meia, com nova reprise na segunda, às 3 e meia da tarde,no DOSSIÊ GLOBONEWS.

Você é um Kennedy. O pai, Peter Lawford, é ator em Hollywood. Você se acostuma a conviver, em casa, com gente como Marylin Monroe e Frank Sinatra. Elizabeth Taylor leva você para tomar banho de piscina. Um tio, JFK,é presidente dos Estados Unidos. A tia é a mulher mais famosa do mundo: Jaqueline Kennedy. Outro tio, Robert Kennedy, é senador. Aos olhos dos outros mortais, são supercelebridades. Para você, não: são apenas parentes, amigos, visitas. 

Com o tio, John Kennedy : infância em "berço de ouro"

Com o tio, John Kennedy : infância em "berço de ouro"

O que é que o futuro reserva para você ?  Fama, poder e fortuna, é óbvio – diria uma cigana esperta, sem fazer o menor esforço. Não há como dar errado. Se quiser, você pode fazer carreira política: basta brandir o sobrenome célebre numa campanha eleitoral.  Se prefrir,  pode brilhar nas telas de cinema. O pai se encarregará de fazer todos os contatos necessários para que as portas se abram.

Mas, não. A “vida real” é capaz de desfazer o que as cartas das ciganas dizem. Roteiros previsíveis raramente se confirmam. 

Primeiro, você recebe a notícia de que  tio célebre – John - foi abatido a tiros numa praça em Dallas, ao meio-dia e meia do dia 22 de de novembro de 1963. Depois, já adolescente, você lê no jornal que o “tio Bob”, o senador Robert Kennedy, tinha sido atingido pelos tiros de um imigrante jordaniano num hotel em Los Angeles, n0 momento em que comemorava uma vitória nas eleições primárias para escolha do candidato do Partido Democrata a presidente dos Estados Unidos, nas eleições de 1968. Você pensa: “Ah, de novo, não”. O pai, viciado em bebida, tinha saído de casa.

Três meses depois do assassinato de Robert Kennedy , você começa a usar drogas. Tinha virado um adolescente “revoltado e assustado”.

O resultado: em pouco tempo, você usa drogas pesadas. Vai ao fundo do poço: chega a pedir dinheiro a transeuntes, numa estação ferroviária, em Nova York, para comprar droga. Ninguém seria capaz de imaginar que ali estava alguém com o sobrenome Kennedy.

Você termina pegando Hepatite C. Nem sabe dizer como: deve ter sido através de uma seringa contaminada. Consegue se livrar do vício. Hoje, é pai de três filhos. Viaja pelo mundo fazendo campanha de esclarecimento sobre a doença. Dá esperança aos portadores. São milhões. 

Como você é um Kennedy, não deixa de tratar de política, é claro. Não poderia. Resolve, então, erguer uma bandeira surpreendente : diz que os Estados Unidos devem suspender, já, o embargo comercial imposto a Cuba, um castigo que já dura meio século. O embargo, você diz, é ineficiente. Pode ter tido alguma utilidade política um dia. Hoje, só serve para mostrar que os dois grandes partidos americanos, o Democrata e o Republicano, viraram reféns de uma tropa de exilados cubanos que perderam tudo na Revolução Cubana. Num gesto que, em outros tempos, seria inimaginável, você desembarca em Cuba para um encontro logo com quem: com Fidel Castro, em pessoa, o homem que um dia seus tios tentaram,em vão, desalojar do poder.

Você é afirmativo: diz que os Estados Unidos devem suspender o embargo a Cuba “amanhã” . Motivo: enquanto durar o embargo, o próprio governo de Cuba terá uma bela chance de demonizar os EUA e usá-lo como desculpa para seus próprios erros. O embargo comercial não é bom nem para o povo cubano nem para o povo americano.  Chegou a hora de suspendê-lo – é o que você diz, numa extensa entrevista que gravou para o DOSSIÊ GLOBONEWS.

Um Kennedy pede o fim do embargo contra Cuba : chegou a hora

Um Kennedy pede o fim do embargo contra Cuba : chegou a hora

Você fala com a desenvoltura e a simpatia de um Kennedy em campanha. É bem articulado. De vez em quando, solta uma frase bem-humorada para pontuar uma observação. Pergunto: por que diabos você não segue a carreira política ? O sobrenome Kennedy ainda pesa: já seria meio caminho andado.  Você diz que não, não  pensa em se candidatar. Chegou à conclusão de que mudar “qualquer coisa” nos EUA é uma tarefa extremamente difícil. Ao contrário do “tio Ted”, capaz de conviver e argumentar exaustivamente com quem lhe fazia oposição, você diz que não teria paciência para tanta negociação ( o “tio Ted” é o senador Edward Kennedy – a quem você se refere com a reverência quase filial). Mas, para não fugir do figurino clássico dos candidatos a político, você deixa no ar a possibilidade de um dia tentar a carreira política.

É assim. Quase nada acontece de acordo com o figurino que os ingênuos imaginam.

Você se chama Christopher Kennedy Lawford. Assim que acaba a gravação para o DOSSIÊ GLOBONEWS, você diz que gostaria de receber,depois,  uma cópia da entrevista editada. Oferece um exemplar autografado do livro que publicou sobre a batalha contra a hepatite. A caminho do elevador, faz uma confidência: diz que de vez em quando fica espantado com o nível de desinformação de repórteres americanos que o procuram.

Uma cena inesquecível: criança, ele viu a mulher “mais famosa do mundo” sem roupa. Era Jacqueline Kennedy

Você vem de uma família que vive sob os holofotes da imprensa. Sempre foi assim. Os Kennedy já foram chamados de “a família real americana”. Não por acaso, a chamada “imprensa sensacionalista” não perde uma chance de falar de um Kennedy, especialmente os que, como você, já se envolveram em “escândalos” , como o vício em drogas, por exemplo. Você diz que não lê jornais sensacionalistas nem vê programas de fofocas na TV. Torce para que o público um dia fique entediado com a fofocagem sobre as celebridades. Fica assustado quando vê que casais famosos negociam a venda de fotos de filhos recém-nascidos. Se alguém, em décadas passadas, dissesse que fotos de bebês seriam vendidas por milhões, seria chamado de louco, diz você, com ar ligeiramente desolado.

Em um livro autobiográfico que lançou nos Estados Unidos, mas que não chegou ao Brasil, você cita uma cena marcante : o dia em que, sem querer, via a tia famosa, Jacqueline Kennedy, nua:

“Uma noite, enquanto meu primo John dormia, procurei por minha tia Jackie para saber se eu poderia telefonar para casa. Chamei-a, mas não obtive resposta.Fui ao quarto, ouvi o barulho de chuveiro ligado no banheiro. Aproximei-me da porta,para ver se ela estava lá. A porta estava entreaberta. Pude ver que ela estava se preparando para tomar banho e fazendo seus exercícios diários. Fiquei na porta, hipnotizado. Era a primeira vez que eu via uma mulher daquela maneira. Eu tinha dez anos de idade. Estava tendo uma experiência que provavelmente todo homem termina tendo. Mas a mulher que eu estava vendo ali era possivelmente a mais famosa do planeta. Vê-la daquela jeito transformou-me: deixei de ser o  garoto que eu era para me tornar algo mais. Passei a ser o dono de um segredo sobre a mais reclusa das mulheres – minha tia Jackie”.



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