OK, VELHO POETA BUKOWSKI, PODE SOLTAR “O PÁSSARO AZUL” QUE VOCÊ TRAZ NO PEITO, PORQUE O BARCO JÁ ATRACOU NO ANO NOVO

qui, 31/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados,como “os tigres me encontraram/e eu já não me importo”.

Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas,tudo somado, não vale a pena temê-los.

Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…

A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.

Ou:”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/Um homem velho e confuso/dirigindo na chuva/perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.

O “DOSSIÊ GERAL” dá as boas vindas a 2010 com um poema pouco conhecido de Bukowski, o escritor que passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, Bukowski poderia, quem sabe, saudar o ano dez com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a recém-lançada coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).

A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.

Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:

“Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo, fique aí,não deixarei que ninguém o veja.

Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas eu despejo uísque sobre ele e inalo

fumaça de cigarro

e as putas e os atendentes dos bares

e das mercearias

nunca saberão que

ele está

lá dentro.

Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo,

fique aí,

quer acabar comigo ?

(…) Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou bastante esperto, deixo que ele saia

somente em algumas noites

quando todos estão dormindo.

Eu digo: sei que você está aí,

então não fique triste.

Depois, o coloco de volta em seu lugar,

mas ele ainda canta um pouquinho

lá dentro, não deixo que morra

completamente

e nós dormimos juntos

assim

como nosso pacto secreto

e isto é bom o suficiente para

fazer um homem

chorar,

mas eu não choro,

e você ?”

RETRATO BRASILEIRO

sáb, 26/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Carro de bebê versus carrão oficial estacionado em cima da calçada, na rua Sambaíba, no Leblon, em pleno dia de domingo: é preciso comentar?

Carro de bebê versus carrão oficial estacionado em cima da calçada, na rua Sambaíba, no Leblon, em pleno dia de domingo: é preciso comentar?

CARRO OFICIAL 1

O DIA EM LINCOLN GORDON FALOU SOBRE DOIS TEMAS EXPLOSIVOS. PRIMEIRO: OS ESTADOS UNIDOS QUERIAM QUE O BRASIL PARTICIPASSE DA GUERRA DO VIETNAM. SEGUNDO: A CIA FINANCIOU A CAMPANHA DE CANDIDATOS SIMPÁTICOS AOS EUA

seg, 21/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Repórteres são seres bípedes pagos para incomodar os outros.

Pois bem: incomodei o sossego do ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, na última viagem que ele fez ao nosso país. Não me arrependo (Gordon morreu em Washington, aos 96 anos, neste dezembro).

Tive a chance de fazer duas entrevistas com ele. O homem era, claro, um baú inesgotável de histórias sobre um dos períodos mais conturbados da vida política brasileira: o início dos anos sessenta.

A primeira gravação foi para a TV: os pontos mais importantes da entrevista foram ao ar no domingo seguinte, no Fantástico. Gordon já era um octogenário,mas citava datas e nomes com uma precisão invejável.

Arrisquei: perguntei se teria tempo de me receber no dia seguinte, um sábado, para uma nova gravação. Teria,sim. Gordon estava com a tarde livre. Lá fui eu, sem a parafernália do equipamento de TV, mas com meu velho gravador cassete. A segunda entrevista deve ter se estendido por cerca de três horas. O mês: novembro. O ano: 2002. Um dia, prometo, a entrevista será publicada na íntegra.

Eis uma pequena mostra do que colhi na Maratona Gordon:

Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil durante o golpe militar de 1964,guardou segredo durante anos sobre os bastidores do dia em que o governo americano tentou fazer com que o Brasil participasse da Guerra do Vietnam.

”Não contei esta história no meu livro”, diz Gordon, autor do recém-lançado “A Segunda Chance do Brasil a Caminho do Primeiro Mundo”. Ao final de um depoimento gravado durante três horas ininterruptas no quarto 904 do Hotel Glória, no Rio, o ex-embaixador revelou detalhes inéditos sobre o dia em que entrou no Palácio do Planalto,em nome do presidente Lyndon Johnson, para pedir ao marechal Castelo Branco que o Brasil se engajasse numa guerra no sudeste asiático. Lincoln Gordon volta esta noite aos Estados Unidos,depois de cumprir um périplo por São Paulo,Rio de Janeiro,Brasília e Recife.

“Eu tive de manter segredo sobre o assunto na época” – explica Gordon.”Se o que aconteceu fosse divulgado,poderia criar um problema – mais sério para o Brasil do que para os Estados Unidos. O caso seria politicamente ruim para os dois países”.

Aos 89 anos de idade, este ex-professor de Economia da Universidade de Harvard e ex-subsecretário de Estado para Assuntos Latino-Americanos parece disposto a comprar uma briga com historiadores que,segundo ele,estão traçando um retrato distorcido sobre a postura que Castelo Branco – o primeiro presidente do regime militar – assumia diante dos Estados Unidos. O ex-embaixador diz que o fracasso da tentativa americana de atrair o Brasil para a guerra do Vietnam é uma prova de que os militares que assumiram o poder no Brasil não recebiam ordens dos Estados Unidos :

- Textos históricos esquerdistas ou anti-americanos descrevem Castelo Branco como se ele vivesse dizendo “sim,senhor”,”sim,senhor” e “sim,senhor” aos Estados Unidos.Um exemplo sempre citado é a concordância do Brasil em enviar militares brasileiros para participar da intervenção na República Dominicana,em 1965.Mas o que aconteceu em relação à Guerra do Vietnam é um exemplo de que Castelo Branco não era uma mera marionete dos Estados Unidos !.Agora,estou pronto a divulgar detalhes a respeito do caso,como uma demonstração de como Castelo Branco governava – avalia Gordon,no depoimento gravado.

Autor de “Presença dos Estados Unidos no Brasil” e “O Governo João Goulart : As Lutas Sociais no Brasil”,o historiador Moniz Bandeira contesta os argumentos de Gordon :

- O marechal Castelo Branco sempre foi considerado,sim,um títere dos Estados Unidos,não apenas por historiadores brasileiros,mas também por historiadores estrangeiros,como Ruth Leacock,autor de “Requiem for Revolution” ou Jan Black – que chegou a dizer que Castelo Branco proclamou a dependência do Brasil.O que Lincoln Gordon quer fazer agora é embelezar o golpe,é fazer maquiagem de 1964.

O ex-embaixador diz que o apelo para que o Brasil participasse da intervenção militar na República Dominicana foi feito a Castelo Branco pelo emissário do presidente Lyndon Johnson – o ex-ministro Averell Harriman,numa audiência testemunhada também pelo então ministro das relações exteriores brasileiro,Vasco Leitão da Cunha :

- O ministro nos disse que o envio de tropas brasileiras deveria ser feita dentro de uma ação latino-americana endossada por dois terços dos votos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Castelo Branco nos disse,então, que este detalhe faria uma vasta diferença para o Brasil.
Gordon reconstitui,assim,as palavras que ouviu de Castelo Branco :

- Castelo Branco me disse : ”Há quem pense em países vizinhos que assumi o governo ilegalmente – num típico golpe de estado latino-americano.Eu estou tentando restaurar a lei na democracia brasileira.Quero agir da mesma maneira no plano internacional.Então,diga ao Presidente Johnson que entendo o desejo americano,estou pronto a enviar tropas brasileiras para a República Dominicana,mas a decisão deve ser tomada por dois terços dos votos da OEA”.

O sucesso do esforço para envolver o Brasil na intervenção na República Dominicana – onde os Estados Unidos temiam o surgimento de um Estado marxista – abriu caminho para que,meses depois,os americanos jogassem outra cartada : e se o Brasil concordasse em participar da Guerra do Vietnam ?.

- Recebi um telegrama de Washington dizendo que a Guerra do Vietnam estava se tornando uma preocupação cada vez maior – diz Gordon. A Guerra tinha relação com a nossa moral – inclusive no plano internacional. Víamos o quadro como parte da guerra fria. O Brasil tinha mandado médicos para a Guerra da Coréia.Teve uma participação positiva.Agora,pedia-se algo parecido.

O segredo que o ex-embaixador guardou os termos do diálogo com o presidente brasileiro é compreensível : o episódio é a crônica de um fracasso. Gordon saiu do Palácio de mãos vazias. O ex-embaixador americano diz, hoje, que intimamente tinha dúvidas sobre a conveniência do pedido para que o Brasil se envolvesse no conflito no Vietnam :

- Eu tinha minhas reservas sobre se aquela atitude era a certa.A situação estava instável. Não me agradava a idéia de jogar gasolina na fogueira dos que diziam que o Brasil repetia “sim,senhor” aos pedidos dos Estados Unidos. Antes de ir para a audiência com Castelo Branco,cheguei a enviar um telegrama para Washington em que disse que,no caso brasileiro,não era uma decisão sábia fazer o pedido.Meu conselho não funcionou.O meu governo me mandou tentar.Eu fui. Apresentei o pedido a Castelo Branco o mais gentilmente possível….

Quando desembarcou no Palácio do Planalto,às vésperas do Natal de 1965,o embaixador tinha uma boa notícia a dar e um pedido incômodo a fazer ao presidente brasileiro.A boa notícia : o presidente Johnson autorizara a concessão de um empréstimo de 150 milhões de dólares ao Brasil.O pedido incômodo : diante da decisão de ampliar para 400 mil o número de soldados americanos mobilizados na “defesa do Vietnam do Sul” contra os comunistas do Vietnam do Norte,o governo Johnson queria saber se poderia contar com a ajuda do Brasil no esforço de guerra no sudeste asiático.

Depois de ouvir as explicações do embaixador americano,o presidente brasileiro avaliou a repercussão que o engajamento brasileiro no Vietnam teria no país :

- Castelo Branco me disse que, no caso do Vietnam, haveria uma resistência muito maior no Brasil. A participação não seria aceita rapidamente.Adiante, ele me disse :”Não sei como os meus companheiros de farda se sentirão,mas sei que haverá restrições no meio militar” .O que Castelo Branco fez foi me dizer “não” de uma forma gentil. Eu disse que a participação brasileira poderia até ser simbólica,porque o uso de tropas exigiria treinamento.Os combates eram travados em condições peculiares no Vietnam – com bombardeios aéreos e operações navais.
O ex-embaixador garante que “o que nós,os Estados Unidos,estávamos tentando era que o chamado mundo livre demonstrasse,o mais amplamente possível,que a operação era legítima”.

Gordon diz que os termos do diálogo com o presidente brasileiro foram preservados como “segredo de Estado”.Os Estados Unidos – obviamente- não tinham o menor interesse em divulgar um pedido que foi recusado pelo Brasil :

- Não queríamos divulgar o pedido,principalmente porque ele foi rejeitado – relata Gordon. Eu bem que tinha dito antes que seria melhor não fazer este pedido ao governo brasileiro. Mas fiz – de qualquer maneira. Previ que seria difícil. O pedido foi recusado. Quando mandei um novo relatório a Washington,não escrevi nada na linha do “eu não disse ? “. Mas Washington viu que a previsão que eu tinha feito estava certa.Os Estados Unidos desistiram.

A divulgação das circunstâncias em que se deu a recusa poderia provocar reações pouco simpáticas ao Brasil entre representantes da chamada “linha-dura” americana. Não se deve esquecer que,nas eleições de 1962,conforme cifras citadas pelo embaixador,a CIA tinha derramado no Brasil “cinco milhões de dólares” para ajudar a eleger deputados,senadores e governadores hostis a João Goulart.O próprio Lincoln Gordon se declara autor da idéia de mobilizar uma frota que se dirigiria ao Brasil para abastecer,com armas e petróleo,facções anti-Goulart,em caso de uma guerra civil. Por sugestão dos adidos militares da embaixada, um submarino seria despachado para o litoral de São Paulo, com armas que seriam entregues de mão beijada aos conspiradores que queriam ver Goulart no olho da rua. Não houve necessidade de deflagrar a operação.O submarino nem chegou a ser mobilizado.Quando os militares se instalaram no Poder, o socorro financeiro ao País não tardou a chegar. Os Estados Unidos tinham boas razões para se sentir credores de gestos de simpatia do novo regime.

Gordon se esforçou na época para evitar que o gesto de Castelo Branco recebesse uma indesejada publicidade,porque poderia criar embaraços políticos :

- Se o que aconteceu fosse divulgado, a “linha-dura” americana poderia dizer : “Meu Deus,estamos dando toda a ajuda ao Brasil.E eles não podem enviar nem ao menos médicos para o Vietnam ?!”.

“DINHEIRO DA CIA NA ELEIÇÃO BRASILEIRA FOI UM ERRO”

O ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil não se recusa a tocar em temas que,a cada vez que são discutidos,provocam controvérsias de todo tipo – como,por exemplo,o dinheiro que o governo americano derramou no Brasil para tentar influenciar o resultado das eleições brasileiras de 1962.

A CIA – afinal – deu ou não deu dinheiro a candidatos simpáticos aos Estados Unidos nas eleições de 1962 no Brasil ?

Gordon : “Demos.Definitivamente.Com o passar do tempo,considerei que este foi um erro de nossa parte.Nós estávamos,na época,influenciados pelo que tinha acontecido na Itália logo depois da guerra : historiadores acham que o apoio aos anti-comunistas italianos – inclusive com dinheiro e propaganda – foi o que tornou impossível a vitória eleitoral dos comunistas”.

Quanto a CIA gastou no Brasil ?

Gordon : “A minha estimativa é de que foram cinco milhões de dólares ( N: a preços de 2002,30 milhões de dólares – ou cerca de 100 milhões de reais). Mas não se produziram resultados importantes,porque o Congresso que foi eleito em 1962 não foi diferente do Congresso anterior. Miguel Arraes- por exemplo- se elegeu governador em Pernambuco,o que foi um fato mais importante do que qualquer mudança no Congresso”.

Quem recebeu a ajuda ?

Gordon : “Houve um grupo de candidatos – geralmente,à direita do centro,simpatizantes dos Estados Unidos”.

O senhor pode citar nomes ?

Gordon : “Não me lembro.Nunca vi a lista. Eu não estava envolvido no processo. Era uma ação da CIA. Um dos objetivos seria suprir literatura sobre a economia liberal,para contestar a enorme quantidade de literatura de esquerda.O governo cubano – e,possivelmente,o governo russo – estavam fornecendo dinheiro para publicação de material no Brasil”.

Qual foi a participação dos Estados Unidos na queda do presidente João Goulart ?

Gordon : “A participação ativa foi zero.Mas,especialmente depois do comício do presidente Goulart na Central do Brasil,houve vários contatos,inclusive entre o adido militar da embaixada,Vernon Walters e o marechal Castelo Branco,em que se demonstrou o interesse numa oposição”.

É verdade que o senhor disse ao presidente John Kennedy,ainda em 1962,que talvez fosse preciso “destituir” o presidente Goulart ?

Gordon : “Eu disse que existia,a longo prazo,a possibilidade de que os acontecimentos evoluíssem até o ponto em que esta alternativa deveria ser considerada. Numa reunião na Casa Branca,a 30 de julho de 1962,um assessor de Kennedy,Richard Goodwin,disse : “Talvez devêssemos pensar em golpe num futuro próximo”. Eu disse : “Não.É fora de questão”. Nem eu nem o presidente John Kennedy tomamos a sugestão de Goodwin a sério,naquele momento.
A melhor solução seria manter a Constituição : que Goulart fosse mantido na Presidência até as eleições presidenciais previstas para 1965.Minha preferência era esta – até Goulart fez o Comício da Central do Brasil,quando vi que Goulart não chegaria até 1965. O melhor seria que Goulart,pacificamente,sem ações militares,sem golpes janguistas ou golpes anti-janguistas,fosse até o fim do mandato”.

Como surgiu a idéia de mobilizar uma frota americana que seria deslocada para o Brasil em 64 ?

Gordon : “A minha idéia foi que,na eventualidade de uma tentativa de derrubar João Goulart,um grupo militar brasileiro poderia ser contestado por outro grupo militar. Eu imaginei que poderia haver uma divisão do país – com militares em lados opostos. Numa tal eventualidade,os Estados Unidos evidentemente teriam uma preferência pelo lado anti-esquerdista,pelo lado anti-João Goulart.Naquele momento,considerei,então,a possibilidade de que uma frota armada,com a bandeira americana visível no litoral brasileiro,teria um resultado desencorajador para o lado pró-Goulart e encorajador para o lado anti-Goulart”.

DOCUMENTO/ OSCAR NIEMEYER CONFESSA QUE COMEÇOU A SE PREOCUPAR COM A MORTE AOS 14 ANOS DE IDADE. PASSOU DE UM SÉCULO DE VIDA. CONCLUSÃO: NÃO VALE A PENA PERDER TEMPO COM A “CEIFADORA”

sex, 18/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Numa entrevista, longa, que gravei com Oscar Niemeyer, ele disse que, aos 14 anos, já pensava na morte.Viveu 104! É parte da história do país.

Disse que “ficava meio desesperado quando pensava que o sujeito vai desaparecer. O que a gente deve é procurar ser útil e dar as mãos”.

Eu me lembro especialmente de como Niemeyer descreveu, com um ardor sincero, duas cenas marcantes: numa madrugada em Brasília, JK o levou para fora do Palácio e exclamou:”Que beleza!”.

Iluminado, o Palácio parecia uma nave espacial branca pousada na solidão do Planalto Central do Brasil.

Em outro momento, num gesto que sempre parecia – e era – sincero, ele, em vez de descrever a grandiosidade de duas obras, espalhadas pelo mundo, preferiu falar do menino pobre que vendia biscoito numa calçada de Copacabana. Quando chegou ao escritório, abalado com a visão de uma criança miserável, mandou chamar o menino. Quis tirá-lo da rua. O menino terminou fugindo.

As crenças políticas de Niemeyer estavam defasadas. Não importa. O que importa é que ele criou beleza a vida inteira. O beleza intensa de algumas das criações de Niemeyer parecia o improvável sopro de Deus nas mãos de um agnóstico confesso.

Quando Niemeyer fez 100 anos,”importunei-o” de novo. Perguntei se ele poderia definir a vida em apenas uma palavra. E ele:”Solidariedade”.

Era intensamente solidário com os desassistidos, os despossuídos, os miseráveis. Não é pouco.

Em resumo: feitas as contas, lutou do lado certo.Bravo.

Eis a entrevista em que ele fala do menino descalço e da visão noturna do Palácio iluminado  na noite de Brasília. Dois homens contemplavam a cena: o presidente Juscelino e o próprio Niemeyer :

 

 1.

Se acreditasse em todos os elogios que colecionou ao longo da vida, o arquiteto Oscar  Niemeyer poderia pendurar uma placa na porta do escritório: “Silêncio! Gênio trabalhando”. Mas, não. “Doutor Oscar” devota uma olímpica indiferença às glórias terrenas. Já perdeu a conta de quantos monumentos, palácios e edifícios projetou no Brasil e no exterior. São pelo menos 150 em quinze países, sem contar o Brasil. Vem estudando astronomia com amigos, numa prova de que a curiosidade intelectual não depende de idade. A bibliografia de e sobre Oscar Niemeyer não para de ganhar acréscimos. Nesta entrevista, o homem que passou a vida se declarando ateu faz uma confissão: gostaria de acreditar em Deus. Em matéria de política, não se incomoda em ficar na contramão da história. O comunismo pode ter virado pó para quase todo mundo – menos, é claro, para Oscar Niemeyer.

Se o senhor fosse chamado a escrever um verbete sobre Oscar Niemeyer numa enciclopédia, qual seria a primeira frase?

Niemeyer : “Diria que é um ser humano como outro qualquer – que nasceu,viveu e morreu. Sou um homem comum – que trabalhou como todos os outros.Passou a vida debruçado sobre uma prancheta.Interessou-se pelos mais pobres. Amou os amigos e a família. Nada de especial. Não tenho nada de extraordinário. É ridículo esse negócio de se dar importância.

Consegui manter, a respeito dos homens, uma posição que me tranquiliza muito: vejo os homens como uma casa,em que você pode consertar as janelas,acertar o aprumo das paredes,pintar.Mas, se o projeto inicial foi ruim,fica prejudicado. Aceito as pessoas como elas são. Todo mundo tem um lado bom e um lado ruim. O homem nasce numa loteria:é bom,é ruim,é inteligente ou não. Se a gente aceita este fato como uma condição inevitável,a gente tem de ser mais paciente com as pessoas,aceitá-las como elas são”.

Gilberto Freyre disse numa entrevista que o senhor era um arquiteto genial, mas era muito ignorante, porque passou a vida repetindo chavões marxistas. Críticos assim incomodam o senhor?

Niemeyer: “Não. Eu li Casa Grande & Senzala e gostei. É um livro muito bem escrito. Gilberto Freyre era um grande escritor…”

 …Mas como é que o senhor recebia essas críticas?

Niemeyer: “Cada um pensa o quer. Nunca conversei com ele. Eu me lembro de ter me encontrado uma vez – corrida – em Pernambuco”.

O senhor transmite uma visão pessimista da vida – um certo enfado diante das coisas.Como é que se justifica tanto pessimismo num homem tão bem sucedido ?

Niemeyer : “Sou pessimista diante da idéia de que o homem ,quando nasce,já começa a morrer,como notou Jean Paul Sartre.Mas,na vida,caminhamos rindo e chorando o tempo todo : é preciso,então,aproveitar o lado bom da vida,usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são.Sempre digo : o importante é o homem sentir como é insignificante,é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto ,tenho me espantado como a inteligência do homem é fantástica ! Tenho conversado sobre astronomia.Como é imprevisível o que ele pode criar ! .

Numa dessas conversas que tenho tido com um amigo sobre o cosmo, ele me explicou que o homem é filho das estrelas. A matéria é a mesma! Então, é mais emocionante ser filho das estrelas do que ser filho da terra. Eu sempre dizia que a vida não teria sentido, o homem é filho da terra, como os outros bichos,os outros animais. Mas acho que o futuro será melhor.

Os mais inteligentes se queixam do mundo. O mundo tem prazeres e alegrias, mas a razão de a gente estar aqui é precária. Em todo caso,ninguém quer abandonar o espetáculo.

Entre os homens, a maioria é formada pelos que lutam, os que estão sofrendo, os que são humilhados. O drama do ser humano é ver o homem nascer e morrer. Ninguém quer nem pensar sobre este assunto. Os mais ricos estão se divertindo. Não querem pensar em nada : só querem usufruir as boas coisas da vida. Os outros nem têm nem tempo para conseguir viver um pouco”.

O senhor, que é um homem sem crença religiosa,em algum momento teve a tentação de acreditar em Deus ?

Niemeyer : “Venho de uma família católica – que veio de Maricá, eram fazendeiros. O meu avô foi do Supremo Tribunal. Tínhamos missa em casa,com a presença de vizinhos. Mas,quando saí para a vida,superei tudo isso.Vi que o mundo era injusto. Não acredito em nada. Acredito na natureza : tudo começou não se sabe quando nem como. Eu bem que gostaria de acreditar em Deus.Mas não. Sou pessimista diante da vida e do homem”.

O que o levou a não acreditar em Deus foi essa constatação de que o mundo era injusto?

Niemeyer : “O mundo é injusto,sem perspectiva. A indagação que a gente faz os pintores antigos já escreviam nos quadros : “De onde viemos ? O que somos ? Para onde vamos ?”. Quando eu era pequeno – tinha uns quatorze anos – já pensava na  morte. Ficava meio desesperado quando pensava que o sujeito vai desaparecer, já não vai pensar em nada. Mas a vida é assim : o que a gente deve é procurar ser útil e dar as mãos”.

O poeta Joaquim Cardoso vivia dizendo ao senhor que era importante visitar os observatórios para estudar o céu. É este o motivo que o levou a se interessar por astronomia?

Niemeyer : “ Tenho conversado,no meu escritório,com um cientista que vem falar sobre o cosmo. É um assunto que interessa a gente- principalmente quando a conversa se encaminha para a esperança e a invenção . A gente vê como tudo é possível ! O homem,que parece insignificante e tão pequenino quando visto do céu, na verdade é o único elemento de inteligência no universo. Tudo é possível, então ! A gente lembra de que há cinquenta anos não existia televisão. Agora , a gente já admite a transposição da matéria ou que o homem possa viajar entre as estrelas. Pode até habitar outros planetas. Um mundo novo vem surgindo. E é fantástico!”.

O senhor sempre disse que via o homem como um bicho “terreno, biológico,sem mistérios”. Depois dos noventa anos de idade, esta visão de mundo mudou de alguma maneira?

Oscar Niemeyer : “A visão do mundo,não . O pessimismo é coisa antiga – antiqüíssima – que, no entanto, não leva ao niilismo. Jean Paul Sartre era pessimista: dizia que toda existência é um fracasso. Mas ele gostava da vida. Apoiou todos os movimentos populares e progressistas de libertação. Dizia aos amigos que gostava de ter dinheiro no bolso para dar de esmola. Uma coisa – o pessimismo- não tem a ver com a outra – o niilismo. O que acho, sempre,é que o homem tem de viver dentro da verdade, saber que não é importante. A disseminação dessa crença levaria o homem a uma posição mais modesta. Porque o homem precisa saber que a vida é curta mesmo. Isso não quer dizer,no entanto, que a vida deva ser marcada pelo niilismo. Não ! O homem continua a sonhar, a pensar nas coisas boas – de braços dados uns com os outros”.

 Em que momento da vida o senhor adquiriu a certeza de que a arquitetura precisa ser bonita – e não apenas funcional ?

Niemeyer: “Tive pouca influência de Corbusier. Mas fui influenciado por ele no dia em que ele me disse : “Arquitetura é invenção”. Eu saí procurando esse caráter inventivo da arquitetura. Quando eu me lembro da Pampulha ou de Brasília,vejo que eu fazia as formas mais diferentes.Perguntaram a mim o que é que aquilo significava. Eu tinha de ficar dando explicações. É como digo : os mais pobres não usufruem. Mas,quando a arquitetura é bonita, os pobres podem parar e ter aquele momento de prazer ao ver algo diferente.

Quando a arquitetura é bem feita é fácil de compreender. A arquitetura é verdadeira quando é fácil. A minha arquitetura é assim: feita com a preocupação da beleza . Quer ser bonita, ser lógica e, principalmente,ser inventiva. Quem vai a Brasília pode gostar ou não do Palácio. Mas não pode dizer é que viu antes coisa parecida. Quem é que fez um Congresso com aquelas cúpulas? Quem é que fez as colunas do Palácio do Planalto? Aquilo é invenção, é arquitetura”.

O senhor se lembra quando foi a primeira vez em que Juscelino Kubitscheck falou ao senhor sobre o sonho de construir Brasília ?

Niemeyer : “Eu me dei com Juscelino desde o primeiro dia .O primeiro trabalho que fiz como arquiteto foi a Pampulha- a primeira obra que ele construiu. Pampulha, então, foi o início de Brasília : a mesma pressa, a mesma correria,os mesmos problemas econômicos para fazer a obra. Quando veio a idéia de Brasília, JK foi à minha casa, nas Canoas,no Rio. Descemos juntos para a cidade. Juscelino vinha dizendo : ” Oscar,vou fazer Brasília !.Vai ser a capital mais bonita do mundo!” .

Que comentário o então presidente Juscelino Kubitscheck fez ao senhor, ao ver Brasília tomando forma ?

Niemeyer: “Uma noite,quando estava sozinho no Palácio, Juscelino me chamou para conversar. Ficava divagando sobre as metas que iria cumprir. Já eram duas horas da manhã quando saímos. Juscelino nos acompanhou até o lado de fora do Palácio da Alvorada. Como era noite,o Palácio,branco,se destacava na escuridão. Juscelino,então,me pegou pelo braço e me disse : “Que beleza!”.

O trabalho era duro, dia e noite, mas ele nos entusiasmava com o liberdade que nos dava para que fizéssemos o que bem entendíamos.Era um momento de otimismo.Um dia, ele me telefonou : “Você tem problema de dinheiro.Eu queria que você fizesse,pela tabela do Instituto de Arquitetos,os projetos do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico”. Eu disse : “Não faço; sou funcionário”. Indiquei amigos que fizeram. Mas o convite de Juscelino mostra que ele se preocupava com a gente : estava querendo ser solidário. Tive a chance de lidar com pessoas que me compreendiam e me aceitavam.

Qual foi o último encontro entre os dois ?

Niemeyer: “Quando Juscelino estava em Paris,estive com ele. Eu ia ao apartamento em que ele vivia. Juscelino foi uma figura muito importante para a vida brasileira. A construção de Brasília foi um momento de otimismo e de esperança. Brasília foi aquele luta: a terra vazia, tudo por começar,sem estrada,sem conforto.Mas havia entusiasmo. Havia pressão de Juscelino e de Israel Pinheiro. A meta era : terminar de qualquer maneira. O prazo foi cumprido.

Brasília foi um momento estranho: vivíamos junto aos operários, freqüentávamos as mesmas coisas,as mesmas boates,com a mesma roupa. Aquilo dava uma idéia de que o mundo estava evoluindo,o tempo estava melhorando, iria desaparecer aquele barreira de classes.Mas era um sonho.Depois,vieram os políticos,vieram os homens do dinheiro.Tudo recomeçou : essa injustiça imensa,tão difícil de reparar”.

O medo que o sente de viajar de avião é famoso. A que grande encontro o senhor faltou por ter medo de viajar de avião?

Niemeyer : “Tinha combinado com Assis Chateaubriand de me encontrar com ele em Pernambuco . Chateaubriand foi na frente,eu iria depois.Mas ele foi -e eu não. Quando ele se encontrou comigo,dias depois,disse : ” Você agiu como um verdadeiro comunista!” . Mas ele gostava de mim; nos dávamos bem.

O medo de viajar de avião me atrapalhou muito. Um dia,eu estava em Brasília quando Juscelino me telefonou para que eu viesse com ele de avião para o Rio de Janeiro.Não vim. Viajei de automóvel. Houve,então,um acidente com o carro em que eu viajava. Passei quinze dias no hospital. O medo de avião não vem de nenhum raciocínio. É coisa minha mesmo. Não viajo quando não quero. Mas, muitas vezes, invento essa história de medo de avião porque não quero viajar”.

O senhor disse que tinha um certo “sentimento de culpa” por ter tanto medo de avião .É verdade ?

Niemeyer : …”Mas eu não gosto desse negócio de altura ! Tantas vezes voltei do caminho….Deixei de viajar.Uma vez,eu estava na Argélia.Quando chegou a hora de o avião sair – eu já tinha posto aquele balinha na boca – , eu disse : “Não vou !” . Peguei o meu colega e saí. Isso criou uma dificuldade, porque a mala já estava no avião. Mas viajei muito. Já embarquei três vezes num Concorde! É um sistema pra prático – que a gente tem de aceitar”.

O senhor uma vez escreveu:  “minha posição diante do mundo é de invariável revolta” .Onde é que nasceu esse sentimento ?

Niemeyer: “Veio da miséria que nos cerca. Ninguém resolve. É uma luta de milhares de anos : a gente vê os mais ricos usufruindo tudo. Quando faço um projeto de um prédio público – por exemplo- procuro fazer algo bonito. Primeiro,porque esse é o caminho da arquitetura. Eu sei que os mais pobres não vão usufruir nada desse edifício, mas sei que, se o edifício for bonito, os pobres vão parar e ter um momento de espanto e alegria ao ver uma coisa diferente”.

O senhor – que gosta de futebol – participou do concurso para escolha do projeto para a construção do estádio do Maracanã. Como seria o Maracanã de Oscar Niemeyer?

Niemeyer: “O meu estádio seria pior. Naquele tempo,a idéia que tínhamos de arquitetura em relação a estádio de futebol era fazer uma única arquibancada do lado em que o sol não batesse na cara do espectador. Depois,ao começar a frequentar estádios,vi como era importante existir arquibancada também do outro lado. O sujeito vê o campo , vê o jogo,mas precisa ver também a alegria do estádio ! Então,um estádio circular,como o Maracanã,é a solução melhor. Passaram-se alguns anos, eu estava na casa de Maria Martins, em Petrópolis, quando chegou Getúlio Vargas,a quem eu nunca tinha encontrado. Getúlio olhou para mim e disse : ” Se eu tivesse ficado no governo,teria feito o seu estádio” .Tive vontade de dizer: “Era ruim. O outro projeto era melhor!” .

O senhor, como noventa e nove por cento dos brasileiros, pensou em ser jogador de futebol. O senhor tentou a sério?

Niemeyer: “Jogava bem no colégio. Eu me lembro de que um grande goleiro do Flamengo,o Amado,foi do meu tempo de colégio. Uma vez, ele veio me procurar para treinar no Flamengo. Joguei numa preliminar: Flamengo x Fluminense. Fiquei espantado com o estádio cheio de gente – por causa do jogo seguinte. Eu só pensava em futebol nos meus tempos de colégio. Joguei pelo Fluminense – como atacante. Gostava de driblar”.

Diz a lenda que o senhor já teve nas mãos um pedaço da lua, trazido por um astronauta americano. É verdade?

Niemeyer: “Quando eu estava em Paris, andava sempre com um grupo do qual fazia parte Ubirajara Brito,um cientista,um físico muito inteligente que tinha sido incumbido de estudar a lua,no laboratório em que trabalhava. Ubirajara Brito nos mostrou pedrinhas brancas da lua. O engraçado é que era uma pedrinha como outra qualquer. Tive vontade de ficar com uma daquelas pedrinhas…”.

É verdade que o senhor projetou uma casa para o seu motorista numa favela no Rio ?

Niemeyer: O meu motorista mora na favela da Rocinha, em São Conrado. É um amigo: trabalha comigo há quarenta anos.Fiz uma casa para ele lá,porque me dá prazer ser útil. A gente se sente mais tranqüila quando colabora. O fato de comprar um apartamento para Luís Carlos Prestes também me agradou (N:Niemeyer deu de presente um apartamento ao líder comunista,na rua das Acácias,na Gávea,zona sul do Rio).

Depois da queda do Muro de Berlim, o senhor continua comunista. Mas o chamado “socialismo real”,feito à base se partido único e economia centralizada,ruiu. O senhor não teme ser considerado um dinossauro?

Niemeyer: “Não.Nunca passou por minha cabeça a idéia de que o que houve na União Soviética tenha sido uma coisa definitiva. Aquilo foi um acidente de percurso muito natural. Foram setenta anos de luta e glória. Os soviéticos viajaram para o espaço. Marx inventou uma história fantástica. Criou uma esperança nos homens. Por que pensar que tudo acabou? Quem leu os clássicos soviéticos sabe que eles são patriotas demais para aceitar essa humilhação”.

Quando deixou o Brasil durante um período do regime militar, o senhor disse: “Resolvi viajar para o exterior com as minhas mágoas e a minha arquitetura”. A arquitetura de Oscar Niemeyer todo mundo conhece. Quais eram as mágoas?

Niemeyer: “O clima no tempo do governo Médici ficou ruim. Tive de ir para fora. Os que queriam me paralisar me deram a oportunidade de mostrar no exterior a minha arquitetura. Era o que eu precisava. Mas o exílio – até quando é voluntário – é muito duro.Você tem de aproveitar os momentos de calma para se divertir; a vida exige. Mas há momentos de pessimismo e de saudade. Você fica comovido com uma palavra, com uma coisa qualquer que lembre o Brasil, lembre a família, lembre o que estava acontecendo aqui: aquela miséria imensa, aquela perseguição. A gente se sentia infeliz, queria voltar. Mas a vida é assim.

Quando cheguei ao Brasil, fui direto ao quartel. Perguntaram numa sala fechada: “Doutor Niemeyer,o que é que vocês querem ?” . Eu disse: “Queremos mudar a sociedade” .O policial que me perguntava disse ao crioulinho que batia a máquina :”Escreve aí : ”Mudar a sociedade!” Neste momento, ele olhou para trás e disse : “Vai ser difícil…..”. Eu até achei graça. O que a gente queria era mudar a profissão daquele homem – por exemplo – ,para que ele tivesse um ofício melhor. A ignorância é que contribui para a manutenção do clima de injustiça – que não se modifica”.

O senhor sempre combateu os conservadores. Qual foi o brasileiro mais reacionário que o senhor já conheceu?

Niemeyer: “São tantos….Mas nunca me indispus por questões de divergência política. Tive amigos integralistas. Achava que eles estavam equivocados. Com certeza, eles pensavam a mesma coisa de mim . Mas podíamos conviver perfeitamente. O importante é que haja liberdade para que cada um pense o que quiser. A gente luta pelas coisas em que acredita, mas o tempo muda as coisas. Nasci protestando. Vou protestar a vida inteira”.

O senhor uma vez chorou ao ouvir uma música de Ataulfo Alves. A música faz o senhor chorar ainda hoje?

Niemeyer: “A música me trazia lembranças de casa, lembranças de amigos. Além de tudo, é bom chorar: às vezes, é preciso”.

O que é, então, que faz o senhor chorar?

Niemeyer: “Qualquer sentimento de pesar ou de saudade; um amigo que desaparece. Uma vez,eu estava subindo para o escritório quando um garoto,pobrezinho,veio vender uns biscoitos. Dei um dinheiro para ele. Peguei o elevador. Quando cheguei aqui em cima , a miséria daquele garoto parecia que era a miséria do mundo. Fiquei tão perturbado que mandei chamar o garoto. Aqui, combinamos que ele sairia da rua para estudar. A cozinheira logo achou que ele poderia ficar com ela por uns dias. O menino ficou uma semana, mas, depois, fugiu outra vez.Coisas assim é que deveriam incomodar todo mundo.
Sempre digo: para ser feliz, o sujeito tem de ter saúde e dinheiro, mas tem de ser burríssimo, porque pode viver como um bicho. Mas, desde que olhe em volta e veja que existe tanta gente sofrendo, a vida fica mais amarga”.

É verdade que existe uma fita em que o senhor toca com Tom Jobim ?

Niemeyer: “Sempre gostei desse negócio de música. É um momento de descanso. Eu sabia tocar umas coisas de violão,mas já esqueci muito. Uma vez, na brincadeira, a gente viu se eu o acompanhava.  Tom Jobim era fantástico,assim como Chico Buarque, Vinícius de Morais…”

 Diante de suas obras, Darcy Ribeiro disse que o senhor é o único brasileiro que será lembrado daqui a quinhentos anos.O senhor concorda ?

Niemeyer: “Darcy Ribeiro era amigo. E os amigos dizem tudo. Darcy Ribeiro era um companheiro bom : vivo,inteligente,seguro. Quando veio o golpe militar, ficou firme no Palácio, na tentativa de resistir. A vida às vezes faz a gente ficar mais otimista: é quando gente boa se revela cheia de qualidades”.

O senhor conseguiria definir o Brasil numa só palavra?

Niemeyer: “Esperança. Porque é o que a gente tem de ter”.

—————–

A entrevista com Oscar Niemeyer foi publicada no livro “As Grandes Entrevistas do Milênio”( Editora Globo )

COLLOR DIZ QUE, QUANDO ESTAVA NA PRESIDÊNCIA, RECEBEU PROPOSTAS DE “POLÍTICOS” PARA FECHAR O CONGRESSO NACIONAL E CONFIRMA: PARTE DAS SOBRAS MILIONÁRIAS DA CAMPANHA PRESIDENCIAL FOI USADA PARA FINANCIAR CANDIDATOS EM 1990

sáb, 12/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

O locutor-que-vos fala passou os últimos dias mergulhado na Operação Collor. Primeiro, viajei a Brasília para gravar uma entrevista exclusiva com o ex-presidente. Depois, mergulhei numa ilha de edição para preparar o DOSSIÊ  GLOBONEWS – que será reprisado neste domingo às cinco da tarde e na segunda-feira, às sete da noite. Ao todo, foram vinte e quatro horas de edição. Ao contrário do que almas ingênuas possam supor, fazer TV dá um trabalho desgraçado.Ponto.Parágrafo.

O ex-presidente faz revelações na entrevista. Diz, por exemplo, que recebeu propostas para fechar o Congresso Nacional e divulgar dossiês secretos sobre adversários – dois gestos extremos para tentar escapar do impeachment.

Descreve como surgiu a ideia de bloquear parte dos saldos das contas correntes e das contas poupança de milhões de brasileiros,uma medida de impacto fortíssimo logo no primeiro dia de governo: tudo surgiu quando Collor, ainda não empossado, presenciou uma troca de idéias entre dois economistas sobre qual seria a maneira mais rápida de estancar a inflação. Os economistas eram Mário Henrique Simonsen e André Lara Resende.

Adiante, diz, com todas as letras, que parte das sobras da campanha presidencial de 1989 foi usada para financiar a campanha de candidatos que apoiavam o governo nas eleições de 1990.

O Fernando Collor de 2009 – um senador de sessenta anos de idade – faz críticas ao Fernando Collor de 1989, um presidente eleito com quarenta anos: diz que simplesmente não se deu conta de que, num regime como o brasileiro, “um presidencialismo de coalização”, é impossível governar sem o Congresso Nacional. Collor tratou mal deputados e senadores. Resultado: quando estourou a crise que terminou lhe custando o mandato, os parlamentares lhe deram o troco. Funciona assim.

O ex-presidente confirma:  já terminou de escrever mas não pretende publicar agora o livro-bomba que,segundo ele, provocará “impacto” na política brasileira. O livro “Crônica de um Golpe” traz a versão de Collor sobre a crise política que terminou no impeachment.

Num site hospedado fora do Brasil, Collor publicou  um pequeno trecho do livro. Lá, ele diz, por exemplo, que o então deputado Ulysses Guimarães, um dos comandantes do PMDB, de início ofereceu-lhe apoio, porque não via o impeachment como uma saída para a crise. Mas, logo depois, teria mudado de posição, porque foi informado de que,com o afastamento de Collor, o vice,Itamar Franco também deixaria o poder. A Presidência da República seria, então, ocupada por um nome eleito pela Câmara dos Deputados para cumprir o restante do mandato. De acordo com a versão de Collor, Ulysses teria, enxergado,aí, a chance de se tornar presidente. Passou,então, a apoiar o impeachment. Menos de quinze dias depois do afastamento de Collor, Ulysses morreria num acidentede helicóptero, numa viagem entre Angra dos Reis e São Paulo. O corpo sumiu no mar. Jamais foi encontrado.

Um trecho do livro inédito de Fernando Collor:

 ”0 vice-presidente (Itamar Franco), que retirei do ostracismo na política mineira, organizou um governo a que chamou cinicamente de ” republica dos senadores” -recompensando com cargos e sinecuras exatamente aquele que me julgariam mais tarde”.

“Causou-me especial emoção a solidariedade que recebi do deputado Ulysses Guimarães, naquele período duro de expectativa. Dr. Ulysses me visitou e me privilegiou com conselhos muito utéis, para enfrentar os dissabores que já não eram poucos e que se agravariam dali em diante. Todo o tempo assegurou-me o seu apoio – e o daqueles que o seguiram – afirmando que votaria contra o impeachment.

Como demonstração de seu afeto, presenteou-me com um dos seus livros , no qual apôs solidária dedicatória. 0 seu comportamento mudaria quando se iniciaram as articulações para garantir a tomada do poder, através de um golpe de mão. Prometeram-lhe que o vice-presidente renunciaria logo após a minha condenação pelo Senado e, assim, ocorrendo a vacância do cargo, ele,Dr. Ulysses, finalmente cumpriria o sonho de exercer a Presidência da República eleito pelo Congresso, para cumprir o restante do meu mandato. Seu trágico desaparecimento jogou uma pá-de-cal na operação”.

Um trecho da gravação feita no Senado para o DOSSIÊ GLOBONEWS – a única entrevista que o ex-presidente deu para a TV a propósito dos vinte anos da histórica eleição de 1989: 

DUAS PROPOSTAS NO PALÁCIO DO PLANALTO:  FECHAR O CONGRESSO NACIONAL E DIVULGAR DOSSIÊS SECRETOS DE ADVERSÁRIOS DO GOVERNO

GMN: Qual a proposta mais surpreendente que o senhor recebeu quando estava no Palácio do Planalto ?

FERNANDO COLLOR: “Recebi de várias fontes – de origens as mais diversas – as sugestões mais esdrúxulas. Dentro deste rosário de sugestões, a mais “singela”  seria a do fechamento do Congresso. Diziam-me: “Fecha o Congresso!”- como quem diz “fecha esta porta”.Eu dizia: “Mas vocês se esquecem de que sou o primeiro presidente eleito pelo voto popular depois de quase trinta anos de submissão a um regime autoritário.Não posso trair as minhas convicções, não posso fazer isso”.

 GMN: O senhor pode revelar de quem partiu a sugestão de que o senhor fechasse o Congresso?

 COLLOR: “Não.Não posso – até porque não foi somente de uma pessoa”.

Eram políticos?

COLLOR: “Eram políticos,políticos…E outras propostas as mais descabidas e esdrúxulas. É aquela questão das “ideias”. Todo mundo chegava com uma ideia achando que era uma inovação. E eu as repelia a todas, sem me permitir acalentar, por um segundo que fosse, tal procedimento”.

 GMN: Em algum momento, o senhor, que foi eleito com voto popular, teve a tentação de fechar o Congresso para escapar daquele processo?

 COLLOR: “Não.Eu jogo duro. Sou um jogador que joga pesado, duro,vigoroso,mas com as cartas na mesa e obedecendo as regras do jogo, incapaz de fazer uma coisa dessa natureza, como fui incapaz de também cair na tentação de outras sugestões que me chegavam,como a de deixar publicar dossiês do Serviço Nacional de Informações (SNI), extinto por mim num dos atos que assinei no primeiro dia de governo. Os dossiês estavam ali, à disposição, para que os soltássemos. Não permiti que nenhum desses dossiês fosse colocado seja para imprensa, seja para quem quer que fosse”.

 GMN: Quem sugeriu a divulgação de dossiês do SNI para constranger seus adversários obviamente foi um dos seus aliados. Eram parlamentares, era algum ministro?

 COLLOR: “Ex-parlamentares que não haviam sido reeleitos em 1990. Como alguns tinham vários mandatos já cumpridos, talvez por isso conhecessem essas estranhas daquele serviço tenebroso que era executado pelo SNI”.

GMN:Os dossiês comprometiam adversários do senhor ?

COLLOR: “É. Falei: “Deixem-me ver o que é isso. Mandem trazer os dossiês”. Já que as pessoas me falavam, mandei trazer alguns. Tive a certeza de que havia tomado a decisão correta quando extingui o SNI. Meu Deus do céu: de segurança do Estado e de informação estratégica para o presidente, os dossiês não tinham nada. Eram só fofocas e futricas”.

 GMN:A eventual divulgação desses dossiês poderia servir para desmoralizar seus adversários ?

COLLOR: “É. Sem dúvida, sem dúvida, no mínimo os constrangeria”.

GMN:O senhor já disse que não cogitou da possibilidade de fechar o Congresso para escapar do processo de impeachment. Mas o senhor admite que esta medida poderia eventualmente ter um respaldo popular já que o senhor tinha sido eleito pelo voto do povo?

COLLOR: “A questão do respaldo popular é difícil de a gente poder peremptoriamente afirmar, porque a gente sabe o sentimento da população varia de acordo com as circunstâncias. Não podemos esquecer que a mesma mão que aplaude é a que apedreja.O que eu entendia e respondia a essa interlocução dizendo: “Entendo que o que você pretende dizer,no fundo,é que você não concorda com a ação dos representantes que estão lá no Congresso –e não em relação à instituição Poder Legislativo”.

 O DIA EM QUE AOS BRASILEIROS NÃO ATENDERAM AO PEDIDO DO PRESIDENTE E NÃO FORAM ÀS RUAS VESTINDO VERDE E AMARELO: “PERCEBI QUE HAVIA PERDIDO A PRESIDÊNCIA”

 GMN: Quando enfrentava uma onda de denúncias, o senhor fez um discurso veemente em que pediu à população que se vestisse de verde e amarelo.Mas os manifestantes se vestiram de preto.Ali,o senhor sentiu que perdeu a capacidade de mobilizar apoio?

COLLOR: “Sem dúvida.Aquele foi o momento em que percebi que eu havia perdido a Presidência.Era uma solenidade bonita, um momento em que eu estava assinando atos que beneficiavam os taxistas. Havia muitos taxistas na ala oeste do Palácio do Planalto, exatamente aquela que fica mais próxima do Congresso.Estava apinhada de gente.O presidente do Banco do Brasil,o da Caixa, o ministro da Economia, muitos com uma fita verde e amarela na mão. Eu disse ao locutor que conduzia os trabalhos: “Eu não falarei.Falam os que estavam programados,como o representante do grupo de taxistas, o presidente da Caixa. Encerrada a solenidade, me dirigi para o elevador, quando então o pessoal começou a gritar; “Fala, Collor!Fala!Fala!”. Veio,então, o presidente da Caixa Econômica: “Presidente, não deixe de falar para este pessoal….Todos querem ouvir uma palavra sua”. Voltei. “Que saiam no próximo domingo de casa, com alguma peça de roupa numa das cores da nossa bandeira. Que exponham nas suas janelas toalhas, panos, o que tiver nas cores da nossa bandeira, porque assim,no próximo domingo, estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria”.

 GMN:O senhor se arrepende de ter feito aquela convocação ?

 COLLOR: “Eu me arrependo. Aquilo foi uma atitude temerária. É o que se chama de cutucar a onça com a vara curta.Ali,talvez por eu estar sob uma pressão muito grande,eu quisesse,no fundo, saber logo qual seria o desfecho de tudo aquilo. Porque foi um processo de tortura. Então, eu disse: “Com isso, ou a gente vai se afirmar nas ruas ou então se a gente se sentir abandonado nesse processo, eu já sei que não tenho mais forças para pode lutar. E ai, quando no domingo as informações começaram a chegar de que as pessoas estavam se vestindo de preto ao invés de verde e amarelo, eu disse: “A Presidente está perdida”. Dentro de mim, caiu exatamente esta compreensão de que,ali, o jogo estava perdido”.

GMN:A idéia de convocar a população para que todos fossem às ruas de verde e amarelo partiu inteiramente do senhor? Nenhum assessor sugeriu?

 COLLOR:“Aquilo foi de inopinado,naquele momento,naquele instante”.

GMN:O senhor diria que este foi o grande erro político na condução daquele processo, naquele momento ?

 COLLOR:“Sem dúvida, sem dúvida. Isso foi um erro tático seriíssimo”.

 GMN:O senhor tinha a ilusão de que contaria com o apoio popular naquele momento?

 COLLOR:“Tinha”

 GMN:O que é que levava o senhor a acreditar ?

 COLLOR:“O que me levava a acreditar era que a vinculação minha com o povo era muito forte.Mas, naquele momento, se ele não estava contra mim, impregnado pela torrente que o noticiário fazia desaguar pelas manhãs, tardes e noites, eu imaginava que pelo menos o povo estivesse neutro,na dúvida.”Eu estou em dúvida”. E, estando em dúvida,não tomaria uma posição”.

 O EX-PRESIDENTE CONFIRMA:  PARTE DAS “SOBRAS” DA CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 89 FOI USADA PARA FINANCIAR CANDIDATOS NAS ELEIÇÕES DE 1990  

 GMN:Um dos coordenadores da campanha do senhor à presidência disse que ouviu de viva voz do tesoureiro da campanha, PC Farias, que as sobras de campanha seriam em torno de 52 milhões de dólares.Onde foi parar tanto dinheiro?

COLLOR: “As chamada sobras de campanha foram objeto do escrutínio do Ministério Público, Polícia Federal e do próprio Supremo Tribunal Federal. Tudo isso consta dos processos que foram movidos contra mim e dos quais fui abosolvido”.

GMN:Mas todos sabem que nas campanhas eleitorais brasileiras,em geral, há uma contabilidade paralela, o chamado Caixa Dois, que não passa, obviamente,pelo controle da Justiça Eleitoral. A pergunta é: que informação concreta o tesoureiro PC Farias deu ao senhor sobre as sobras de campanha?

COLLOR:“Naquele momento da eleição,a legislação não previa,como hoje prevê, esta série de medidas e de pontos que devem ser observados quanto às contribuições oferecidas à campanha de um determinado candidato, até porque não havia campanha presidencial.Não houve a preocupação de se estabelecer critérios objetivos e plausíveis para que esta contabilidade fosse feita. Então, o que aconteceu é que os recursos iam chegando. Só me dava conta de que os recursos chegados eram suficientes ou não em função da disponibilidade que eu tinha do avião que eu tinha do avião para me deslocar e dos carros de som para falar.Quando eu chegava ao hangar para viajar – e aconteceu algumas vezes, no primeiro turno – ,o gerente vinha e me dizia: “Ah, não pode, porque vocês estão devendo aqui não sei quanto”.  Eu sentia que os recursos da campanha não estavam chegando na medida das necessidades. Já no segundo turno foi uma loucura total”.

GMN:O senhor não tem  ideia de quanto sobrou?

COLLOR:“….Esses valores: em torno de cinqüenta e poucos milhões”.

 GMN:O senhor tem ideia do que aconteceu com esse dinheiro?

 COLLOR:“Não. Não tenho ideia”.

GMN:Uma das versões é de que este dinheiro teria sido enviado para fora do Brasil e administrado por PC Farias. O que é que o senhor diz dessa versão?

COLLOR:“Não sei. Não saberia dizer. Somente ele próprio. O que sei é que parte desses recursos foi aplicada nas eleições de 1990. Houve eleições para governadores, deputados, senadores. Parte desses recursos serviram para ajudar os candidatos que apoiavam o governo na eleição que ocorreu em novembro de 1990”.

 O LIVRO INÉDITO VAI PROVOCAR IMPACTO?   “AH,SIM. E QUE IMPACTO….”

 GMN: Por que é que o senhor continua guardando no fundo das gaveta o livro que escreveu sobre aquele período ? Quem são os alvos desse livro?

COLLOR:“Quando levei ao ministro Thales Ramalho alguns capítulos para que ele folheasse e dessa uma opinião,ele  depois de uma leitura, tirou os óculos meneando a cabeça e disse: “Presidente, isso não pode ser publicado!”. As pessoas todas estão aí,vivas, têm seus parentes, têm isso, têm aquilo. Para que criar uma situação tão desagregadora como essa? O que passou passou ”.

Verifiquei que ele tinha razão. Em alguns momentos, depois disso, eu colocava o disquete no computador: por curiosidade, ia lendo. Numa primeira vez,comecei a fazer correções, sempre atenuando.Mas me lembrei do que ele também falou nessa conversa.Disse-me: “O que acho importante é que o senhor coloque isso e escreva para que não se vá a emoção do momento – que tem de ficar registrada para que os pósteros possam entender a emoção que o dominava logo após o seu afastamento e entendam dentro dessa ótica”. Eu, então, disse: não, não vou mais reler. Vou deixar como está, para atender ao aconselhamento do ministro Thales Ramalho”.

 GMN:Quando,afinal,o senhor vai publicar esse relato?

COLLOR:“Não tenho a menor ideia”.

GMN: Mas o senhor tem certeza de que vai criar um impacto na política brasileira ?

 COLLOR:” Ah,sim. E que impacto…..”

 OS BASTIDORES DO BLOQUEIO DAS CONTAS CORRENTES E DA POUPANÇA NO “PLANO COLLOR”:  ASSIM SURGIU A IDÉIA

 GMN:Durante a campanha,o senhor dizia que o candidato do PT é que iria tomar medidas drásticas. Iria mexer na poupança. Mas o senhor é que terminou mexendo. O senhor estava mentindo para conquistar votos?

 COLLOR: “Não! Não estava mentindo. As primeiras reuniões que fazíamos com a equipe econômica,o principal algo, até porque eu havia colocado isso muito insistentemente durante a campanha, era que nós só teríamos uma única chance de debelar a inflação.Nós iríamos debelá-la num ipon – um golpe de lutas marciais em que a luta termina pela perfeição do golpe dado. Nessa luta contra a inflação, eu dizia: “Vamos dar um ipon na inflação, vamos acabar com ela”. Isso gerou um compromisso muito forte, já que era algo que atormentava o cotidiano da população brasileira de forma muito presente, muito acintosa. Íamos por um caminho para ver como isso poderia acontecer de forma rápida, enveredávamos por outro. Mas nesse vai-e-vem não encontrávamos nenhuma medida plausível para que ficasse claro que com esse tal do ipon, uma medida econômica que fosse rápida, pudesse ser estancado o processo inflacionário. Comecei,então, a ouvir economistas e pessoas do mercado para saber deles a opinião que tinham sobre as alternativas dispostas para que estancássemos este processo. Um desses encontros me marcou bastante porque dele participaram o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, o economista André Lara Resende e, naquela época, o homem de mercado Daniel Dantas. Convidei o professor Simonsen e ele se fez acompanhar desses outros dois brasileiros. Em nossa conversa, perguntei: Como é que o senhor acha, ministro, que o governo nosso pode debelar a inflação rapidamente?”. E ele ficava conjecturando, pensando em  voz alta, intercalado por comentários ora de André, ora de Daniel.Todos chegavam a uma mesma conclusão: quando terminavam de engendrar um raciocínio, diziam :”Mas isso, com liquidez de que o mercado hoje dispõe, é impossível. Não dá, não dá”.  André é que chegou e disse:”Mas ministro, há uma saída:  estancar essa liquidez”. Usava uma palavra mais suave para aquilo que acabou sendo feito pelo meu governo.Vira-se André e diz: “Ministro, isso pode ser politicamente difícil de fazer ou impossível de fazer, mas tecnicamente não é a saída? “.  O ministro disse:”Tecnicamente é a saída, mas não vamos nem adentrar mais nesse assunto, porque politicamente isso é inviável “.

Aquilo me marcou: o  ministro dizendo que tecnicamente era a saída, mas politicamente era inviável. Porque dificilmente um governo poderia implementar aquilo sem que houvesse uma comoção nacional – e com desdobramentos até imprevisíveis. Começou a se formar dentro de mim a idéia de que teríamos de fazer, junto com o congelamento de preços, uma enxugada nessa liquidez.Nunca nos passou pela cabeça atingirmos a poupança.Nos passou pela cabeça,num primeiro momento, nós irmos em cima dos chamados “títulos ao portador”. Mas o mercado é muito esperto.Começou a haver um movimento de capitais saindo dessas aplicações de títulos ao portador e indo em direção à conta corrente e à poupança. Não houve outra maneira que não o de generalizar o chamado “bloqueio dos ativos” , algo que aconteceu pela primeira na história econômica mundial”.

 GMN:Se o candidato Luís Inácio Lula da Silva tivesse vencido a eleição de 89 e tivesse bloqueado e a poupança e as contas correntes,o que é que teria acontecido com ele? O senhor acha que ele se sustentaria no poder?

COLLOR:“Vou me valer de um depoimento dado pelo hoje senador Aloísio Mercadante – que procurou a então ministra e disse: “Zélia, esse era o programa dos nosso sonhos. Só que tínhamos uma certeza: se Lula tivesse sido eleito e ele implementasse estas medidas, nós não teríamos condições de manter o governo. O governo cairia””.

GMN:Para ser bem direto: bloquear as contas correntes de milhões de brasileiros foi uma loucura ?

COLLOR: “Aquele foi um gesto que eu diria tecnicamente amparado – tomando  o depoimento não somente do ministro Mário Henrique Simonsen mas também dos próprios integrantes da equipe econômica que se formava -, mas um ato de um voluntarismo muito grande e de coragem,sobretudo”.

 GMN: A decisão, em última instância, foi do senhor?

COLLOR:”Sem dúvida, a decisão,em última instância,foi minha”.

 AS DENÚNCIAS DO IRMÃO : “DETERMINANTES” PARA O IMPEACHMENT

 GMN:Pedro Collor, o irmão que fez denúncias contra o senhor, escreveu que o senhor na presidência foi derrotado por sua própria megalomania. O senhor foi um megalomaníaco na Presidência?

 COLLOR:”Não. Não. Talvez o termo esteja seguramente mal colocado. Carrego comigo aquela questão de perfeição, organização, ordem, disciplina. Pode ter achado serem atitudes megalômanas,mas não”

GMN:O senhor é “predestinado,inteligente, carismático,comunicativo, demagogo,irresponsável,ambicioso, vingativo e ganancioso”, segundo palavras textuais de Pedro Collor, publicadas em livro. Se não fossem as denúncias de Pedro Collor, o senhor acha que teria concluído o mandato?

 COLLOR:“Não sei.Não saberia dizer…”

 GMN:Como é que o senhor avalia o impacto daquelas denúncias no fim do governo Collor?

 COLLOR:“Tiveram um impacto muito forte, sem dúvida. Aquilo foi determinante para que eu sofresse o impeachment e fosse afastado do cargo para o qual fui eleito por trinta e cinco milhões de eleitores”.

O MOMENTO DA VOTAÇÃO DO IMPEACHMENT: ENQUANTO O PAÍS ACOMPANHAVA A VOTAÇÃO, COLLOR FICAVA SOZINHO NO GABINETE PRESIDENCIAL

GMN:Por que, ao contrário do que se esperava, o senhor decidiu ficar sozinho no momento em que a Câmara dos Deputados votava o pedido de impeachment?

 COLLOR: “Naquele momento, eu estava absolutamente só. Eu me lembro de que fiquei no meu gabinete sozinho, à noite já, somente com a luz em cima da minha mesa acesa.  Vez por outra, um rumor ecoava da Câmara dos Deputados, onde se votava o meu afastamento. E eu ali, só,naquele silêncio, esperando.Por fim, ouvi um pipocar de gritos e vivas e de manifestações de regozijo e alegria. Em seguida, carros passando defronte ao Palácio do Planalto e buzinando, como se fosse uma festa, um grande acontecimento”.

 GMN:O senhor pode revelar o que é que passava pela cabeça do senhor quando saía do Palácio do Planalto pela última vez ?

 COLLOR (depois de um suspiro profundo):“É um turbilhão de coisas, um turbilhão de vontades,planos,ações,reações-  um momento muito tumultuado, muito confuso”.

 GMN:Por que é que o senhor decidiu que a solenidade (em que foi notificado oficialmente sobre a abertura do processo de impeachment)  fosse transmitida pela  TV e aberta a todo mundo?

 COLLOR: “Porque eu queria que todo mundo presenciasse uma pantomima.Isso foi uma farsa,um jogo de farsantes,um jogo subalterno, sujo,inóspito,sempre. Que fique registrado por aqueles que escrevem a História. Porque eu faço a História, vocês escrevem a História. Que fique registrada a grande farsa em que se transformou esse afastamento, comemorado em cantos e loas como uma demonstração da vitalidade da nossa democracia,quando,ao contrário,a fragilidade nossa democracia. Demonstrou o quão frágeis são as nossas instituições.E como é importante ter uma grande e ampla reforma política: atores que votaram e me levaram para fora da presidência da República não poderiam nem teriam condições morais, éticas e de caráter de participarem daquela votação. Basta ver a fisionomia e os ditos que cada um pronunciava para as câmeras de televisão, para se ter notícia da grande patomima em que se transformou este processo de impeachment”.

GMN:Com sessenta anos de idade, qual é a grande crítica que o senhor faz ao Fernando Collor de quarenta anos, o mais jovem presidente da República eleito no Brasil?

 COLLOR:“A grande crítica que faço é à pouca capacidade que tive de perceber que ninguém governo sem uma base parlamentar sólida. Dentro desse presidencialismo de coalizão em que estamos inseridos – um  sistema político inteiramente ultrapassado e defasado, daí eu defender com ênfase o sistema parlamentarista –  ninguém pode pode governar sem o Congresso. Disso não me dei conta o suficiente, embora alertado por companheiros e amigos como Luís Eduardo Magalhães, Ricardo Fiúza, Humberto Souto,o senador Ney Maranhão, uma plêiade de deputados e senadores que sempre me alertavam para a necessidade de compor esta maioria parlamentar.Isso,sem dúvida nenhuma,foi o ponto principal,o ponto nevrálgico: ao não dar a devida atenção, fez com que eu incorresse no grande erro que cometi no meu governo”.

GMN:O senhor entrou para a história política do Brasil por dois grandes motivos: primeiro, por ter sido o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do regime militar. Segundo, por ter sido o primeiro a ser afastado num processo de impeachment.O senhor hoje tem a sensação de ter jogado fora uma grande oportunidade histórica?

COLLOR:“Ah, sem dúvida que sim. O presidente mais jovem das Américas e também o presidente mais jovem da história do Brasil.Sem dúvida,foi uma pena que tivessem acontecido aqueles eventos que culminaram com o meu impeachment. Lamento profundamente. Impechment que ocorreu em função da pouca maturidade que eu tinha”.

GMN:O senhor disse que chegou a pensar em suicídio nos meses seguintes ao impeachment e até gravou uma fita com uma mensagem que seria deixada para a família.O senhor guardou esta fita?

 COLLOR: “Está guardada”.

 GMN: Chegou a ouvi-la depois?

 COLLOR: “Não”

GMN:O senhor tem lembrança do que passou pela cabeça do senhor no exato momento em que assinou a renúncia à Presidência da República?

COLLOR: “O ato da renúncia foi assinado na Casa da Dinda, na madrugada do dia em que o Senado iria iniciar o meu julgamento político. Isso foi logo em seguida a um jantar, em que reuni os senadores e alguns deputados que estavam nos apoiando e nos sustentando até então, para combinarmos o que poderia acontecer no dia seguinte.Quando terminou o jantar – e teríamos número para evitar o impeachment – , não sei por que, mas alguma coisa bateu na cabeça. Pensei: “esse pessoal vai trair”. Já tinha ocorrido na Câmara, por que não no Senado? Eu aí disse: não. Eu vou renunciar para tentar evitar a suspensão dos meus direitos políticos”.

O FILHO DE UM CARRASCO NAZISTA:”NÃO POSSO VIVER EM PAZ COM A LEMBRANÇA DO MEU PAI. NÃO QUERO (..) NUNCA PUDE ENTENDER COMO É QUE OS ALEMÃES PUDERAM FAZER AQUILO.MAS FIZERAM”

dom, 06/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

Segunda e última parte da entrevista com um dos personagens mais fascinantes que tive a chance de entrevistar:  filho de um dos maiores carrascos nazistas (ver post anterior), Niklas Frank vive em guerra contra a lembrança do pai, Hans Frank, o “açougueiro da Polônia”, responsável pelo extermínio de milhões de seres humanos:

Niklas Frank: lembrança do pai é um fardo pesado (Foto:GMN)

Niklas Frank: lembrança do pai é um fardo pesado (Foto:GMN)

É verdade que o senhor, como criança, se divertiu num campo de concentração sem ter noção de onde estava?
  
“É verdade. Fui com meu irmão, em companhia de nossa babá, para um pequeno campo, ligado a um grande campo de concentração. O oficial que estava no comando do campo obrigava uma pobre criatura, um homem magro, a montar num burrico. Em segundos, o homem caía de cima do animal. Eu ficava rindo o tempo todo! Porque, para uma criança como eu, era engraçado ver adultos jogados de cima de um burrico. Eu tinha quatro, cinco anos de idade.
        
Depois, ganhávamos chocolate para comer. O dia era maravilhoso. Somente depois é que descobri que aquilo era uma crueldade. Os adultos que o comandante  tinha obrigado a subir no animal estavam quase mortos de fome. Eram judeus. Aquilo era um tipo de humor alemão”.

   
A lembrança destas cenas é o pior problema de consciência que o senhor tem ?

“A cena dos judeus no burrico é uma das muitas imagens que guardo em  minha mente. Eu não diria que é a pior. A maioria das lembranças vem das imagens que vi em livros e jornais. A pior de todas é a imagem dos corpos amontoados. Nunca pude entender – nem  hoje,  que tenho sessenta e tantos anos de idade – como é que os alemães puderam fazer aquilo. Mas fizeram”.
                              
Hans Frank foi responsável pela morte de quantas pessoas?  É possível calcular?

“Não existe um número específico. Não dá para contar. Meu pai foi responsável pelo holocausto na Polônia, nos assim chamados campos de extermínio, onde matavam poloneses e judeus. Os campos de Sobibor e  Treblinka estavam na área administrada por ele. O meu pai, portanto, era a maior autoridade ali. Era responsável pela morte de cada judeu, cada polonês, cada um de todos os outros judeus que foram deportados de outros países da Europa para os campos de concentração na Polônia”

“Meu pai sempre quis matar os judeus. Minha resposta é sim :  meu pai foi inteiramente responsável pelo campo de concentração de Auschwitz” 
  

É justo dizer que Hans Frank foi responsável pelos horrores de Auschwitz?
 
“Com certeza. Desde antes do início do III Reich,  meu pai já fazia discursos terríveis contra os judeus. É algo que ele levou até o fim. Meu pai sempre quis matar os judeus. Minha resposta, então, é sim :  meu pai foi inteiramente responsável pelo campo de concentração de Auschwitz”. 

Niklas Frank: o carrasco seria enforcado no Tribunal de Nuremberg

Hans Frank: o carrasco seria enforcado no Tribunal de Nuremberg

     
O filho de outro criminoso de guerra disse que o senhor era “um demônio” porque denunciou o próprio pai. Como é que o senhor recebe uma crítica dessa?

“Para dizer a verdade, eu não esperava tal reação. Fiquei surpreso quando filhos de outros criminosos nazistas, como Hess, Shirach e Goering, se recusaram a ter qualquer contato comigo. Emissoras de TV tentaram nos reunir numa mesa-redonda, mas todos se recusaram a aparecer ao meu lado.

O que aconteceu é que destruí uma maneira de lidar com pais criminosos. Devo dizer que fiquei feliz por ter agido assim. Mas não sou o demônio. O que fiz foi, apenas , dizer a verdade. O fato de ser  filho de quem sou não me levou a perdoá-los.

O que eu tinha de fazer era decidir: eu deveria defender o meu pai apenas  porque ele me aciriciava na cabeça quando eu era criança ou eu deveria, pelo contrário,  levar em conta a montanha de corpos que ele deixou atrás de si?  A escolha foi fácil”.

Quando é que o senhor viu o pai pela última vez  ? Qual é a lembrança que o senhor guarda desse dia?
       
“Guardo a lembrança da minha última visita à prisão de Nuremberg. Eu estava sentado o colo de minha mãe. Havia uma parede de vidro. O meu pai estava do outro lado do vidro, junto com soldados de capacetes brancos. Nunca me esquecerei deste detalhe.

“Eu sabia que o meu pai seria enforcado dentro de duas ou três semanas. Mas ele me disse que nós iríamos em breve comemorar o Natal, em nossa casa. Sempre perguntei a mim mesmo : “Por que ele estava mentindo para mim?” “

 Ali,o  meu pai mentiu para mim. Eu sabia que ele seria enforcado dentro de duas ou três semanas. Mas ele me disse que nós iríamos em breve comemorar o Natal, em nossa casa. Sempre perguntei a mim mesmo : “Por que ele estava mentindo para mim?”. Afinal, ele sabia que iria morrer em breve. Eu também sabia. E tinha sete anos de idade.
 
Terminada a visita, nós saímos daquela sala pequena . Eu estava muito decepcionado, Porque o meu pai não deveria ter agido daquele jeito. Deveria ter dito: “Nicklas, você tem sete anos de idade. Vou morrer. Fiz coisas terríveis durante toda a minha vida. Eu me arrependo muito. Por favor, não faça o que fiz. Tente levar uma vida honrada. Não a vida de um criminoso como eu”.

Assim, eu poderia ter amado meu pai por estas últimas palavras. Mas ele apenas me disse: “Nicki! Vamos festejar o Natal. Vamos nos divertir bastante juntos!”.
  
Não faz sentido. Aquela foi a última mentira do meu pai. Depois de ter mentido durante a vida inteira, ele, por último, mentiu para o filho”.
   

O senhor confirma que um de seus irmãos nunca teve filhos porque gostaria que o sobrenome Frank desaparecesse do mundo?

“O meu irmão disse algo assim uma vez. Mas não faz sentido. Porque o sobrenome Frank, em alemão, é comum. É como Muller ou Becker. O fato de não querer dar o nome a um filho não quer dizer nada. Nunca fizeram algo contra mim. Quando eu dizia que meu nome era Nicklas Frank, ninguém sabia de quem se tratava.  Mas eu sei que, se eu dissesse que meu sobrenome era Goering ou Himmler, teria passado por maus momentos na Alemanha logo depois da guerra. Porque eu soube da filha de Himmler e da filha de Goering que elas eram imediatamente rechaçadas quanto tentavam algum trabalho. Diziam a elas:  “Vocês são filhas desses ? Não podemos fazer nada. Eu sinto muito,mas vocês têm de ir embora”.
                                    
Hans Frank, condenado número sete no Tribunal de Nuremberg. O que é este nome significa para o senhor, hoje? O senhor finalmente conseguiu ajustar contas com o  passado?

“Nunca vou viver em paz com o meu pai. Porque não posso, jamais, perdoar o que ele fez. Não é apenas o meu pai:  como ele, tantos outros alemães cometeram crimes indescritíveis. Todas estas imagens estão vivas em minha mente. São crimes horríveis. Não perdoamos. Não posso viver em paz com a lembrança do meu pai. Não quero. Porque encontrar a paz é encontrar uma maneira de perdoá-lo. E não posso perdoá-lo”.
                                               

Mas o senhor vive em paz com a consciência?

 ”Não tenho problemas de consciência. Por acaso, não sou brasileiro. Sou alemão. Carrego, portanto, responsabilidade pelo que os alemães fizeram, embora, pessoalmente, não seja culpado. Eu era jovem demais na guerra. Mas estou dentro da história deste povo.    

“Não posso perdoar o que os alemães fizeram – não falo apenas dos nazistas, mas dos alemães – naqueles anos entre 1933 e 1945. Não posso encontrar paz com a Alemanha. Mas amo o país”

“Não posso, então, perdoar o que os alemães fizeram – não falo apenas dos nazistas, mas dos alemães – naqueles anos entre 1933 e 1945. Não posso encontrar paz com a Alemanha. Mas amo o país. Amo a história alemã até 1933:  nós éramos um país criminoso, imperialista e normal, como tantos outros. Tínhamos maravilhosos imperadores, poetas. Tínhamos uma gente, um país, um campo maravilhoso. Mas aí aqueles inacreditáveis doze anos começaram,  para arruinar tudo”.
      
Hans Frank se encontrou com um padre, na noite em que foi enforcado. O senhor depois procurou este padre. Qual é a importância desse encontro ?

“Para mim, foi importante encontrar o padre que tinha acompanhado o meu pai até a forca. Um ano antes do enforcamento, este padre já tinha batizado o meu pai na prisão. Isso quer dizer que o meu pai se tornara católico. Mas não acredito que ele fosse realmente religioso .

Penso que o meu pai esperava que, assim, poderia ter a chance de sobreviver se conseguisse, por exemplo, obter um perdão concedido pelo Papa em Roma. Meu pai contava com este recurso.  O papa Pio XII ensaiou fazer. Mas o gesto foi imediatamente rechaçado pela delegação polonesa -  que ficaria horrorizada se o Açougueiro da Polônia, como meu pai era chamado, pudesse sobreviver graças a um ato de perdão concedido pelo Papa e encaminhado a um tribunal internacional.

Como jornalista, eu tinha curiosidade sobre as outras pessoas, mas ,especialmente, por gente que tivesse se encontrado com o meu pai. De qualquer maneira, o padre com quem me encontrei não era um homem muito educado. Chegava a ser um pouco estúpido”.
 
É verdade que o senhor perguntou ao padre sobre o som produzido pelo enforcamento ?

“Perguntei ao padre como o meu pai estava se sentindo na prisão,  como ele lidou com as acusações e com a condenação à morte e como se comportou na última noite antes de ser enforcado.

O padre me contou duas coisas significativas. Disse-me: “O seu pai tinha medo de sua mãe até na prisão de Nuremberg”. A outra : “A coisa mais terrível que aconteceu com ele no momento do enforcamento foi o barulho produzido pelo pescoço no momento em que foi quebrado. Dava para ouvir em todo o ambiente”.

Devo dizer que este foi o único relato que me fez chorar, porque tratava de uma cena horrível. Mas o padre me descreveu a cena com um sorriso, como se fosse uma piada. Aquilo foi horrível, mas também surpreendente: como o meu pai tinha sido batizado, tiveram de abrir um buraco no capuz que lhe cobria o rosto na hora do enforcamento. Somente assim, o padre poderia fazer o sinal da cruz na testa do meu pai na hora da extrema-unção. Loucura.

De uma maneira estranha, foi emocionante ouvir o pade falar sobre o ruído provocado pelo enforcamento do meu pai. Comecei a chorar. Talvez tenha sido o momento em que mais tive a sensação do que é ser levado à forca e cair no cadafalso, para o fim da vida. 

 
“O meu pai foi o único dos condenados a entrar no local de execução, em Nuremberg, com um sorriso nos lábios. Eis aí um pequeno gesto que merece respeito. Devo dizer que achei esta atitude corajosa”

Mas não tive piedade por meu pai, porque ele merecia este tipo de morte. Como ele tinha feito com que milhões de pessoas sentissem algo parecido, ele deveria experimentar algo assim na pele. E experimentou.

O meu pai foi o único dos condenados a entrar no local de execução, em Nuremberg, com um sorriso nos lábios. Eis aí um pequeno gesto que merece respeito. Devo dizer que achei esta atitude corajosa.

Era o meu pai”.

O que é que levou o senhor a denunciar o próprio pai? O senhor foi movido por razões históricas ou pessoais?

“Em primeiro  lugar, foram razões pessoais. Sou, por acaso, filho deste homem. Mas o que quero é dar um exemplo de como lidar, como alemão, com os pais e avós. Porque sempre se faz silêncio sobre o que realmente aconteceu no III Reich.

A motivação, portanto, foi pessoal: eu queria encarar o que meu pai e minha mãe realmente fizeram, porque, assim, poderia dar um exemplo sobre como lidar com este problema. Talvez a decisão que tomei tenha sido errada. Porque, depois da publicação do primeiro livro, alemães ficaram incomodados com o tipo de linguagem que usei e com as  maldições que lancei  que contra o meu pai . Não acho, então, que tenha sido bem sucedido ao agir assim”.

Com que frequência o senhor pensa no pai, hoje?

“Todo dia. Todo dia penso no meu pai e na minha mãe. Sim. Mas nunca dei a eles a permissão de conduzir minha vida. Vivi minha própria vida. Mas estas lembranças ainda me acompanham todo o tempo. Ainda os amaldiçôo. Não entendo o que eles fizeram”.

——–

Niklas Frank mostra ao repórter imagens do pai: um "pecado alemão"(Foto:Paulo Pimentel)

Niklas Frank mostra ao repórter imagens do pai: um "pecado alemão"(Foto:Paulo Pimentel)

A entrevista com o filho do carrasco nazista foi publicada, na íntegra, no livro “DOSSIÊ HISTÓRIA” (Editora Globo)

O FILHO DESCOBRE QUE O PAI FOI UM DOS PIORES CARRASCOS NAZISTAS. RESULTADO: DECLARA GUERRA SEM TRÉGUAS CONTRA ELE ( PARTE 1)

qui, 03/12/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

O DOSSIÊ GERAL publicou, esta semana, uma entrevista com o pai que escreveu um livro comovente sobre os dois filhos deficientes (ver post anterior).

Tive a chance de gravar uma longa entrevista, numa cidadezinha do interior da Alemanha, com um personagem que vivia uma situação radicalmente oposta  :  um filho que vivia em guerra contra a lembrança do pai -  um carrasco nazista.

Eis o que ficou do encontro com um dos personagens mais marcantes que já encontrei:

 A casa fica no meio do nada, num povoado minúsculo, chamado Eklak, a duas horas de Hamburgo. É um paraíso, para quem quer se esconder do mundo. Ou um tormento, para quem tenta mas não consegue escapar de uma obsessão: em qualquer lugar em que esteja, Niklas Frank estará sempre em guerra contra a memória do pai. A simples menção do nome de Hans Frank provoca sobressaltos em Niklas Frank.

A obsessão do filho pelo pai renderia tomos e tomos de teses psicanalíticas. Seis décadas depois do fim da segunda grande guerra, Niklas Frank, o filho, não se cansa de cumprir o papel de cruzado solitário de uma causa que o mobiliza dia após dia, semana após semana, ano após ano: tudo o que ele quer na vida é manchar, destruir, maldizer, destroçar, espezinhar a memória do pai.

Que herança insuportável será esta- que alimenta a hostilidade do filho para com o pai? Nicklas não consegue conviver com a idéia de que traz, no DNA, a herança de um carrasco. É filho de Hans Frank,o “Açougueiro da Polônia”. O pai entrou para a história pela porta da infâmia: ministro da Justiça de Adolf Hitler, terminou indicado pelo chefe para o posto de governador-geral da Polônia ocupada, cenário das maiores atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial.

O filho do carrasco nazista: em guerra contra a lembrança do pai (Foto: GMN)

O filho do carrasco nazista: em guerra contra a lembrança do pai (Foto: GMN)

 O “açougueiro” era um homem culto. Gostava de ópera. Cumpria as funções de  advogado do partido nazista. Ao desembarcar na Polônia, instalou-se  com a família num castelo, em Cracóvia. De lá, reinava, soberano, rodeado de serviçais, enquanto milhões de prisioneiros marchavam para as câmaras de gás dos campos de concentração ou penavam em trabalhos forçados. Advogado pessoal de Hitler, tinha poderes absolutos como interventor. O território governado pelo Açougueiro abrigava campos de extermínio, como Treblinka, Sobibór e Auschwitz.

O sentimento que o filho devota ao Pai é incômodo. Provoca estranheza. Causa pena. Desperta compaixão. Mas é irremovível: Niklas Frank não perdoa, sob hipótese alguma, as atrocidades que o Pai comandou  

Em seus diários, falava sem meias palavras sobre a necessidade de exterminar o que ele considerava as “forças demoníacas” :

 “Pertenço, até a última fibra do meu ser, ao Fuhrer e à gloriosa missão que ele comanda. Daqui a mil anos, a Alemanha ainda proclamará o mesmo. Servir à Alemanha à servir a Deus.Se Cristo reaparecesse na terra, seria como um alemão. Somos, na verdade, a arma de Deus para a destruição dos poderes demoníacos da terra. Nós guerreamos, em nome de Deus, contra os judeus e o bolchevismo.Que Deus nos proteja!”.

Hans Frank(de preto), ao lado de Adolf Hitler: o "Açougueiro da Polônia"

Hans Frank(de preto), ao lado de Adolf Hitler: o "Açougueiro da Polônia"

Isolado do mundo neste povoado do interior da Alemanha, o filho que tem horror ao Pai sorve uma caneca de café como quem bebe água. Quando a caneca fica vazia, ele interrompe por instantes a entrevista e vai à cozinha, para coletar uma nova dose de cafeína. Os olhos estão fixos numa foto em que o Pai, destinatário da ira acumulada no peito durante décadas, aparece sorridente ao lado de Adolf Hitler. O sentimento que o filho devota ao Pai é incômodo. Provoca estranheza. Causa pena. Desperta compaixão. Mas é irremovível: Niklas Frank não perdoa, sob hipótese alguma, as atrocidades que o Pai comandou.  
 
Num texto que causou polêmica porque desagradou parte da opinião pública alemã, Niklas Frank escreveu:

“Vem, pai, deixe-me despedaçar o orgulho de tua vida!”.

 Julgado e condenado a morrer na forca no Tribunal de Nuremberg, Hans Frank foi executado no dia 16 de outubro de 1946, aos quarenta e seis anos de idade. Deixou cinco filhos. Tentou se matar duas vezes na prisão, porque sentiu que não sairia dali com vida. As duas tentativas de suicídio fracassaram.

A acusação que pesava contra Hans Frank : co-autor de crimes contra a humanidade. Suas últimas palavras: “Jesus, tenha piedade!”.
.
Dos cinco filhos do Açougueiro da Polônia, Niklas foi o único que se dedicou à tarefa de denegrir por todos os meios a imagem do pai. Diz que o pai não merece piedade. Porque o mundo não pode, diz ele, se esquecer dos crimes cometidos por gente como Hans Frank.

Nascido seis meses antes do início da guerra, Niklas Frank guarda traumas que, para ele, são incuráveis. O rosto de Niklas Frank assume um ar grave quando ele descreve cenas que, na infância, lhe pareciam inofensivas mas, depois, assumiram um tom tétrico: não se esquece de quando foi levado a um campo de prisioneiros para se divertir com a visão de homens esquálidos que, sob a ordens de guardas,  eram obrigados a montar em burros apenas para serem, em seguida, derrubados no chão. Anos depois, já adulto, é que entendeu o horror do que testemunhara.

Os sobressaltos se acumularam. Descobriu que o pai, um carrasco nazista, teve um caso homossexual quando jovem. A mãe colecionava amantes. Serviçais do castelo na Polônia descreveram cenas escatológicas

Niklas Frank estudou história, sociologia e literatura alemã, mas fez carreira como jornalista da revista Stern. A dedicação ao jornalismo explica a obsessão com que revirou cada detalhe da vida do pai e da mãe.

Os sobressaltos se acumularam. Descobriu que o pai, um carrasco, teve um caso homossexual quando jovem. A mãe colecionava amantes. Serviçais do castelo na Polônia descreveram cenas escatológicas: uma vez, já cansado de grosserias, um maitre urinou dentro da terrina que seria levada à mesa em que os Frank entretinham convidados. Os comensais degustaram a sopa, sem suspeitar da sujeira.                           
 
 Aposentado, Niklas Frank recolheu-se ao povoado no interior da Alemanha. Vive com a mulher. A filha única já saiu de casa.   
De vez em quando, entre uma e outra resposta que pronuncia com ar grave, ele brinca comigo e com o cinegrafista Paulo Pimentel, como se quisesse desanuviar a gravidade das cenas que descreve. Quando digo que vou gravar as perguntas em português, ele recomenda:

- Fale o português clássico – não aquele português cheio de gírias que você usa lá onde você mora!

Permite-se um comentário sobre a pífia atuação da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2006. Diz que os brasileiros não jogaram nada.

A pregação de Frank destoa do coro dos que dizem que o nazismo é uma página virada na história alemã. O alemão Frank diz que a Alemanha não vai se desvencilhar desse fardo. A mancha, diz ele, é irremovível.

 Quando confrontado com os crimes que cometeu, o pai de Niklas Frank declarou ao Tribunal de Nuremberg :

- Mil anos se passarão antes que a culpa da Alemanha desapareça.

 O Reich – que duraria mil anos – se tornou um fardo de mil anos. Neste ponto, pai e filho concordam.

 “Depois de toda guerra/ alguém tem de fazer a faxina/As coisas não vão se ajeitar sozinhas/ Alguém tem de tirar o entulho das ruas/para que as carroças possam passar com os corpos/Alguém tem que abrir caminho pelo lamaçal e as cinzas/as molas dos sofás/ os cacos de vidro/os trapos ensangüentados(…)/Não é fotogênico e leva anos/ Todas as câmeras já foram para outra guerra” – é o que reza o poema “O Fim e o Início”,escrito pela polonesa Wislawa Szymborska e divulgado no Brasil pela revista Piauí.

Aos olhos de Niklas Frank, o desfile das carroças nunca acabou.Não vai acabar nunca. Porque elas estão levando as centenas de milhares, os milhões de corpos dos prisioneiros que perderam a vida sob as ordens de Açougueiro da Polônia.


Niklas Frank poderia ser personagem deste poema. É alguém que, solitariamente, se dá ao trabalho de fazer a faxina moral da família Frank, para que as carroças possam passar com os corpos. Aos olhos de Niklas Frank, o desfile das carroças nunca acabou. Não vai acabar nunca. Porque elas estão levando as centenas de milhares, os milhões de corpos dos prisioneiros que perderam a vida sob as ordens de Açougueiro da Polônia.
                   
A  gravação completa do nosso encontro com o filho do Açougueiro da Polônia, numa manhã gelada de Eklak, sob um céu de chumbo que prenunciava tempestade e nevasca:

Qual foi a primeira reação que o senhor teve quando descobriu que tinha um pai que era um notório criminoso de guerra?

“Eu era criança no momento em que os jornais voltaram ser  publicados de uma maneira democrática, logo depois da guerra.  Vi fotos de montanhas de corpos. As legendas das fotos sempre traziam a palavra “Polônia”. Como criança, eu sempre soube que a Polônia era nossa!  Em me perguntava: o que será que a Polônia tinha a ver com aquela montanha de corpos?  Tive,ali, o primeiro choque. Devo dizer que este choque me acompanha por toda a minha a vida, até hoje:  ali, descobri que eu era membro de uma família criminosa.

Três das minhas irmãs caminharam em outra direção: recusaram-se a reconhecer o que este tipo de foto mostrava. Diziam que aquilo era propaganda dos russos e das forças aliadas, os vitoriosos da guerra . Fui em outra direção . Doeu, com certreza. Tive o primeiro choque ao ver as fotos nos jornais. Eram corpos de crianças que tinham a minha idade!

Enquanto eu estava brincando e levando uma vida maravilhosa em Cracóvia, os nazistas estavam jogando crianças contra a parede , para matá-las, ou mandando-as para as câmaras de gás dos campos de concentração, a apenas trinta quilômetros dali. Tive um choque”.
      
Hans Frank foi condenado e executado no Tribunal de Nuremberg. Ao denunciá-lo novamente, o senhor não acha que deu a ele uma segunda setença de morte?

“Com certeza. Eu sentenciei de novo o meu pai à morte. Tentei encontrar algo de positivo sobre a vida do meu pai, mas não consegui. Porque ele era um mentiroso. Tinha um caráter truculento. Era um grande, um grande covarde.

Não encontrei nada que fizesse com que ele merecesse uma pena menor, como a prisão perpétua. Eu teria de condená-lo de novo à morte, por enforcamento. É uma pena, mas, para mim, esta é a maneira correta de agir. Tentei  encontrar, na vida do meu pai, algo que ele pudesse ter feito contra Hitler ou para salvar vidas. Mas ele nunca fez algo assim. Tudo o que ele queria era ser amado por Hitler. Era a única coisa que importava para o meu pai. A única coisa!

O que ele sentia por Hitler era um amor profundo. Eu diria que era um relação quase homossexual. Descobri que meu pai teve uma experiência homossexual quando jovem, com dois professores. A ideologia do nazismo era totalmente contra a homosexualidade.  Então, ele tinha de lutar para que ninguém descobrisse.

 O meu pai era um homem tão bem educado e, ao mesmo tempo,  tão estúpido”….
 
 O senhor acha que o trauma deixado pelo regime nazista um dia vai ser superado, na Alemanha?

 ”Não acredito que exista trauma. Os alemães, especialmente gente comum, tentaram bastante que todo mundo se esquecesse do que tinha acontecido no III Reich :  todas as coisas ruins que ocorreram durante aqueles doze estranhos anos. Mas tivemos a sorte de termos sido forçados a lembrar do que aconteceu. Todos irão se lembrar sempre daqueles doze anos sangrentos.

 Só espero que ninguém se esqueça daqueles anos, tanto aqui na Alemanha como fora. Todo mundo na Alemanha quer comparar os crimes de guerra alemães com outros crimes, como, por exemplo, o bombardeio de Dresden ou o que aconteceu  no Vietnam ou na Coréia ou em Hiroshima.

Todos, no mundo todo, sabem que aquele foi o único período da história universal em que um povo altamente industrializado promoveu o extermínio em massa de gente inocente, em escala industrial. Não se pode comparar com nada.

 Ao fazer estas comparações, os alemães querem diminuir os seus próprios crimes. Graças a Deus, não conseguiram. Porque todos, no mundo todo, sabem que aquele foi o único período da história universal em que um povo altamente industrializado promoveu o extermínio em massa de gente inocente, em escala industrial. Não se pode comparar com nada. O Holocausto foi um comportamento alemão, um crime alemão”.

A SEGUIR: A LEMBRANÇA DA INFÂNCIA : O FILHO DO CARRASCO NAZISTA SE DIVERTE NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO, SEM TER IDÉIA DO QUE ACONTECIA LÁ



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade