UMA “PROVOCAÇÃO” DE GABEIRA CONTRA UM TABU DA ESQUERDA : POR QUE É QUE NINGUÉM É CAPAZ DE PARTICIPAR DE UMA MANIFESTAÇÃO EM HOMENAGEM A UM POLICIAL MORTO EM SERVIÇO ?

seg, 28/09/09
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

O repórter-que-vos-fala gravou uma longa entrevista com o ex-guerrilheiro Fernando Gabeira. O regime foi de esforço concentrado: seis horas quase sem interrupção. O depoimento serviu como balanço da trajetória de uma geração que, entre erros monumentais e acertos indiscutíveis, tentou mudar o Brasil. Ponto. Parágrafo.

Um pequeno esclarecimento à praça: não tenho qualquer vinculação política ou partidária com Fernando Gabeira. Meu interesse na gravação do depoimento que terminou virando livro (“DOSSIÊ GABEIRA : O FILME QUE NUNCA FOI FEITO”) foi puramente jornalístico. Sou do Partido dos Perguntadores do Brasil. That´s all.

O blog já teve a chance de tratar de uma das revelações feitas por Fernando Gabeira na entrevista: a participação do ator Carlos Vareza na operação para disfarçar guerrilheiros que tinham sequestrado o embaixador.

A certa altura do depoimento publicado,na íntegra, no “DOSSIÊ GABEIRA”, o ex-guerrilheiro lança uma “provocação” : por que, até hoje, ninguém se mostra disposto a participar de uma manifestação a favor de um policial morto em serviço, por exemplo ?  Quem vai transformar em tema de denúncia a indiscutível opressão e o domínio territorial exercidos por criminosos contra populações das grandes cidades ? 

Editora Globo)

Fernando Gabeira : provocações no depoimento (Foto:Editora Globo)

Eis uma pergunta e uma resposta do longo depoimento:

GMN: Em Diário da Salvação do Mundo, você fez uma espécie de profissão de fé otimista: “Entre falar das misérias do presente e do potencial do futuro, talvez seja melhor optar por este último, localizar os pontos mais positivos do cotidiano, projetá-los para a frente, compreender que, por pior que seja a vida, o desejo de mudá-la significa a introdução de um elemento subjetivo novo, cuja simples existência é um dado de felicidade num vale de lágrimas”. Quais são os “pontos mais positivos do cotidiano” que Gabeira identifica no Brasil de hoje, quarenta anos anos depois de 68?

Fernando Gabeira: “O primeiro ponto é o aprofundamento da democracia que, hoje, no Brasil, é muito mais sólida do que no passado. É mais sólida do que em países vizinhos. Demos um grande passo,  como se estivéssemos coroando um caminho de duzentos anos em busca da democracia”.

“A justiça social sempre foi um grande desejo. O Brasil é um país que vive, ainda, com uma grande disparidade de rendas e de recursos. Mas é uma disparidade que nos últimos anos foi combatida – no governo de Fernando Henrique e, mais acentuadamente, no governo Lula”.

“A luta  sobre direitos humanos é permanente.  O trabalho de direitos humanos no Brasil quer proteger o indivíduo contra a violência do Estado, como, por exemplo, no caso da menina que foi deixada numa cela no Pará ao lado de presos comuns. Eis um caso típico de direitos humanos desrespeitados pelo Estado”.

“Ao longo desse período, no entanto,  formou-se um crime organizado que exerce domínio territorial sobre  parte das cidades e pratica uma grande opressão sobre os moradores. Não tivemos a capacidade de incluir esta questão na agenda dos direitos humanos !”               

“Vem daí a grande dúvida da sociedade sobre a nossa sinceridade: “Vocês só trabalham quando se trata de um indivíduo atingido pelo Estado ? Por que não trabalham quando se trata de um indivíduo atingido pelo crime organizado ?”  É uma lacuna que terá que ser respondida de alguma forma”.

O ex-guerrilheiro quer saber por que ainda hoje não há a “mínima possibilidade” de fazer campanha contra a prisão de intelectuais em Cuba, por exemplo

“Há resistência, por exemplo, na hora de aderir a uma manifestação pela morte de um policial que tenha perdido a vida em serviço. É algo que não existe hoje, ainda, no movimento de direitos humanos. Mas o movimento cresceria se pudesse se reaproximar da sociedade”.

“O que a sociedade diz é claro. É o que ela diz historicamente para a esquerda: “Direitos humanos existem dos dois lados!”. A esquerda é hábil em discutir direitos humanos quando se trata de um desrespeito cometido por um país capitalista, mas, quando se trata de um desrespeito em um país socialista, o silêncio baixa”.

“Quando houve o caso da prisão de setenta e tantos intelectuais em Cuba, tentei fazer uma campanha aqui. A repercussão era mínima: não havia nenhuma possibilidade de criar um verdadeiro movimento de solidariedade àqueles intelectuais” .

——————

PS: Pausa para uma divagação jornalística. A trajetória acidentada de Fernando Gabeira desde os tempos da luta armada contra o regime militar é jornalisticamente interessante. Promessa: se um dia eu achar que uma história tão atribulada quanto a de um jornalista que resolveu participar da guerrilha contra o regime militar não é jornalisticamente interessante, prometo que terei a “clarividência” de guardar a viola, apagar a luz do meu palco mambembe e ir plantar pitanga em algum sítio da zona rural de Santa Maria da Boa Vista. Se todo jornalista burocrata fizesse ao planeta o imenso favor de abandonar imediatamente a profissão para ir plantar pitanga num sítio remoto, a imprensa seria dez,vinte, cem vezes mais interessante. Mas, não. Nossa imprensa é “previsível, empolada, chata – meu Deus, como é chata”, para repetir as palavras de São Paulo Francis. Faz parte do folclore jornalístico : desde o tempo dos dinossauros, as redações sempre estiveram povoadas de jornalisticidas, os imbatíveis assassinos do jornalismo, gente especializada em tornar cinzento, burocrático e entediante tudo o que poderia ser vívido, interessante e envolvente. Lástima, lástima, lástima. Fraude, fraude, fraude. Fim da divagação).

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11 Comentários para “UMA “PROVOCAÇÃO” DE GABEIRA CONTRA UM TABU DA ESQUERDA : POR QUE É QUE NINGUÉM É CAPAZ DE PARTICIPAR DE UMA MANIFESTAÇÃO EM HOMENAGEM A UM POLICIAL MORTO EM SERVIÇO ?”

  1. 1
    Dom Morais:

    Não confio no Gabeira…
    Ele só sabe criticar…
    Para quem falou mal e criticou a lei do abate…

  2. 2
    Dom Morais:

    Ao soldado morto…
    SALVE FEIO PENDÃO DA MATANÇA
    Autor (Dom Morais)

    Quando Moises orava, o mar vermelho se abria
    A mãe gentil de outrora, chora ao mar
    Suas lagrima roladas à violência
    São difíceis de enxugar

    Mais um gigante tombado
    Casca verde, seiva vermelha, sua vida…
    Os dedos da justiça esmagaram sua identificação
    Os direitos do erro o tornaram indefeso

    Quem dera pudesse ter defeso!
    Policial cai na rede, mas não é peixe
    Sob as normas da caça um velho ditado
    Tira?
    Ta liberado.

    -Porque permites oh Deus,
    aos humanistas uma nova religião?
    Suas bíblias sangram a hipocrisia rabiscada
    No topo do mastro um salve feio ao pendão da matança
    Aos nossos heróis a meio pau crucificada, morre a esperança

    Um triste toque, uma salva
    Nas mãos uma bandeira enrolada
    No peito um vazio que não se encerra
    Por um ato desumano cumprido
    Por mais uma sentença de um filho perdido.

  3. 3
    EDMILSON:

    LÚCIDO!!! É a palavra que me vem a cabeça diante da postura do Sr. Gabeira. Postura que como deveria ser, lucidamente defende a integridade do homem, de sua expressão, e não bandeiras caducas de esquerda, ou de direita que dividiram e segregaram o mundo. E ainda segregam quando temos genet do governo democrático do Brasil, fazendo vista grossa ou mesmo apoiando um tipo como o Chavez ou o golpe branco que o Zelaya queria dar no seu país. Não acho correta a atitude dos militares, mas está longe de sensata a postura deste Zelaya.

  4. 4
    Judithmaria:

    Olha, acho que o policial quando está na chuva é para se molhar, se é polícia sabe que isso pode acontecer assim que entra para essa atividade.

    Depois aqui no Brasil a maioria é corrupta e o cidadão comum não sente confiança na polícia. Sei de N casos de pessoas que foram achacadas por quem deveria dar segurança e proteção.

    Como é que o Gabeira quer que a sociedade se sinta mobilizada a homenagear um policial morto.Eu particularmente lamento quando um morre porque na verdade vivem enxugando gêlo (prendem e a justiça, solta).
    Para mim não tem nada de tabu de esquerda, isso de esquerda e direita já mudou muito.

  5. 5
    João Leite:

    Quem sai na chuva é para se molhar. O soldado que morreu em combate não precisa de homenagem. E o guerrilheiro? O guerrilheiro que morreu, morreu por que estava em uma luta. Não é a mesma coisa?. Se o soldado não merece homenagem o guerrilheiro tambem não. por que o guerrilheiro tem que ser indenizado e o soldado não? Todos aqueles que participaram da guerrilha hoje estão ao lado dos que provocaram a revolução de sessenta e quatro?
    João Leite

  6. 6
    Giba:

    Lúcidas e pertinentes as ponderações do Gabeira. Já é hora mesmo de alguém lançar a discussão acerca desses grupos organizados que hoje estão loteando as grandes cidades, especialmente Rio e São Paulo, com a criação de verdadeiros estados paralelos. Certamente para extirpar esse mal que nos assola de forma tão nefasta, terá que haver um duro embate, que certamente acarretará na perda de muitas vidas. Mas penso que demos que nos posicionar acerca do tipo de sociedade que queremos.
    Quanto as colocações ai da “Judithmaria”, julgo oportuno lembrar que nem todos os policiais são corruptos e desonestos. Mesmo mal remunerados e aparelhados, a maioria faz como os demais trabalhadores do pais: “vai à luta dignamente”, infelizmente só é noticiado (com raras exceções), os desvios cometidos por uma minoria.

  7. 7
    judithmaria:

    “Giba,” obrigada pela sua referência ao meu comentário.Gostaria de acrescentar que eu não disse que todos são corruptos, eu disse que é a maioria.(óbvio que salvam-se alguns)
    Sei que são mal remunerados e aparelhados, mas nem todos vão à luta tão dignamente assim não, infelizmente sinto discordar de você.
    Agora, quanto ao noticiário, eu concordo.

    O Gabeira acha que o fato de não se homenagear policiais mortos é um comportamento da esquerda, provalvelmente é consequência de algum trauma dos anos de chumbo. Aliás, ele conheceu bem de perto.

  8. 8
    Giba:

    Olá, “Judithmaria”,
    Obrigado pela delicadeza como recebeu (e entendeu) meu comentário, é sempre gratificante o exercício da civilidade.
    Entendo seu ponto de vista acerca dos policiais, penso que é uma contemplação compartilhada pela maioria dos brasileiros, e entendo que com certa razão.
    Na verdade essa concepção de truculência e de defesa do Estado, ao invés de defesa do cidadão que caracteriza a imagem de nossas polícias, remonta ao Estado Novo, situação que agravou-se com o golpe militar e a ditadura a partir de 64, quando as polícias foram largamente utilizadas como instrumentos de repressão.
    Entretanto essa concepção de polícia está mudando paulatinamente. Hoje a maioria das polícias já exige formação superior para acesso aos seus quadros, o que não é determinante para uma polícia melhor, mas já é um grande avanço, isso já se reflete em algumas polícias, como a Federal e a Civil de Brasília, que já são bons exemplos de eficiência, com baixo nível de desvios de conduta.
    O Gabeira conhece realmente muito bem aquele período, e é salutar que ele próprio já comece, também, a enxergar o policial por outra perspectiva, ainda que após a morte.

  9. 9
    Judithmaria:

    Giba, gostei da sua análise e entendi essa questão por um novo ângulo.
    Realmente a conversa civilizada faz bem para todos.
    Torço para que a nossa polícia fique cada vez mais ao lado do cidadão

  10. 10
    Chesterton:

    Esse dá uma no cravo e outra na ferradura, de acordo com os ciclos lunares.

  11. 11
    Antônio C.:

    A esquerda não desrespeita a polícia por causa de picuinhas pessoais que seus militantes tiveram com representantes do Estado. Francamente, pensar que milhares de homens públicos tenham atitudes idênticas baseados numa birra infantil de décadas passadas é exigir demais de uma pessoa inteligente.

    A esquerda toda tem desdém completo por policiais sendo os integrantes que respeitam os quadros da lei aberrantes exceções.

    Na sua sanha anti-polícia e pró-crime, a esquerda aglomerou uma infinidade de pensamentos e idéias que quando não são flagrantemente mentirosas tratam de perverter ideais honestos.

    Toda uma construção mentirosa e baixa é feita para inverter os papéis de vítima e criminoso. As esquerdas repetem à exaustão que o crime é uma consequência inescapável da desigualdade, e por esta justificada. Assim o crime justificado não é crime e o verdadeiro causador da miséria (e do crime) é o sistema explorador. E a polícia faz parte desse sistema, agindo na repressão dos pobres explorados que não tem outra saída senão o crime.

    É evidente que no topo desta montanha de asneiras não há coitadinhos chorosos remoendo o passado, mas sim desinformantes maldosos que não tem nenhum interesse no combate da criminalidade.



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