Possível prevenção do autismo no pré-natal?
O espectro autista afeta cerca de 1% da população mundial e é caracterizado por dificuldades na fala, relações sociais e comportamentos estereotipados, comprometendo a qualidade de vida e independência dos pacientes.
Formas sindrômicas de autismo, como a síndrome de Rett ou a síndrome do X-frágil são, em geral, mais severas clinicamente. Porém, estes tipos de autismo resultam em modelos genéticos mais simples que têm facilitado o entendimento do autismo, pois os diversos tipos de autismo possuem um denominador comum. Modelos animais da síndrome do X-frágil recapitulam alguns comportamentos autistas nos camundongos. Da mesma forma, sabe-se que certas drogas, quando administradas em roedores, também induzem comportamentos autistas nesses animais. É o caso do anti-convulsivo valproato de sódio que, quando administrado em ratas grávidas, geram prole com sintomas do autismo. Esses modelos animais, apesar de não refletirem completamente a condição humana, são ferramentas experimentais excelentes, permitindo testar hipóteses que são moralmente inaceitáveis em seres humanos.
Recentemente, foram publicados na revista cientifica “Science” resultados que mostram ser possível prevenir o autismo nesses dois modelos experimentais: em animais previamente tratados com valproato de sódio e em camundongos geneticamente manipulados para representar a síndrome do X-frágil (Tyzio et al, 2014). Nesse trabalho, os pesquisadores trataram as fêmeas grávidas com a droga bumetanida, um tipo de diurético também usado para hipertensão arterial, um dia antes de parir. Filhotes nascidos das mães tratadas não apresentaram distúrbios comportamentais semelhantes ao autismo. Literalmente, conseguiram prevenir o aparecimento desses sintomas ainda na gravidez, sugerindo que o autismo possa ser tratado ainda no útero.
Esses dados parecem dar suporte a um ensaio clínico europeu feito com a bumetanida em 60 crianças autistas de alto-funcionamento, também conhecido como Aspergers, sugerindo uma melhora no quadro clínico (Lemonnier et al, 2012). Essa droga mimetiza os efeitos da oxitocina, um hormônio liberado durante a gravidez que protege o feto, além de facilitar a relação afetiva da mãe com o futuro bebê. Nos roedores, a bumetanida foi responsável por diminuir a alta excitação em certas regiões do cérebro, algo também observado em pacientes autistas, ela agiu como um freio eletroquímico, atuando a comunicação neuronal.
Apesar de animadores, os resultados tem pouca aplicabilidade em humanos. Além de não sabermos se o processo também acontece em humanos, também não temos como diagnosticar o autismo esporádico, a grande maioria dos casos, em fetos para um eventual tratamento durante a gravidez. De qualquer forma, o estudo chama a atenção para esse momento do parto, quando acontecem diversas alterações neuroquímicas no cérebro do feto, importante para o desenvolvimento normal do indivíduo.
Esse estudo, junto com outros semelhantes, soma-se às evidências de que o autismo é tratável, e possivelmente curável. Esse tipo de notícia é que reforça a esperança daqueles que lutam para tornar melhorar a qualidade de vida dos autistas e seus familiares.