O que está sendo feito para apressar a descoberta da cura
A sensação de que é preciso fazer algo é comum em familiares próximos, indivíduos afetados por alguma doença ou condição incurável. Por experiência própria, recebo centenas de mensagens toda semana de pais de autistas brasileiros perguntando o que é possível fazer para acelerar o processo de descoberta e chegar logo a tratamentos clínicos. O sentimento não é restrito ao Brasil e acontece com familiares em outras partes do mundo também.
Minha intenção com essa coluna é discutir formas que podem acelerar todo o processo, mostrando algumas das iniciativas que acontecem fora do Brasil. Nos EUA, a consciência de que curas para doenças complexas serão fruto de uma colaboração multidisciplinar começa a tomar impulso. Encontros como o P4C (Partners for Cure), acontecem cada vez com mais frequência. Nesses encontros, uma mistura de cientistas, grupos de familiares, investidores, médicos e profissionais da indústria farmacêutica exploram o “quem” e “quando” os tratamentos vão surgir.
Ao perguntarmos “quem” serão os responsáveis pelas curas, esbarramos nos modelos tradicionais de pesquisa científica. Poucos sabem que, apesar de muitos cientistas se dedicarem a buscar curas para diversas doenças, a moeda científica são trabalhos publicados em revistas. Pouco importa academicamente se os dados gerados serão realmente utilizados clinicamente. Além disso, cientistas também se preocupam com financiamento e gerenciamento do laboratório, algo que frequentemente desvia o foco da cura. Portanto, o modelo atual de ciência é desconectado com a urgência dos pacientes. Um exemplo claro é o tempo de publicação de um trabalho cientifico (meses ou anos depois de que a descoberta foi feita). Publicações mais rápidas poderiam disseminar novos conhecimentos mais efetivamente.
Iniciativas que surgem desses encontros são modelos experimentais que já estão sendo desenvolvidos por associações de pacientes. Uma conclusão comum é que a união de organizações sem fins lucrativos com a indústria, governo e laboratórios acadêmicos tem sido uma atraente opção positiva para todas as partes envolvidas. Algumas dessas iniciativas podem ser exemplificadas pela fundação Michael J. Fox de combate ao Mal de Parkinson. Nesse caso, o grupo desenvolveu um aplicativo de celular que detecta alterações no padrão de voz de pacientes e a relaciona com o progresso clínico da doença. De forma semelhante, um grupo de ELA (esclerose lateral amiotrófica) conseguiu reunir dados clínicos de 8.600 pacientes identificados a partir de 18 ensaios clínicos. Esses dados estão sendo estudados por cientistas de mais de 30 países diferentes. Um modelo inédito também está em andamento numa iniciativa de combate ao câncer. Uma nova empresa, Curious, organiza pesquisas cientificas mediada por grupos de pacientes através de plataformas de acesso aberto.
Fora da esfera cientifica, familiares e pacientes podem contribuir de outras formas. A doação filantrópica a laboratórios acadêmicos é algo comum nos EUA. Ao contribuir financeiramente para um laboratório, associações de pacientes ajudam o cientista a focar na cura. Essa ajuda não precisa vir necessariamente de associações de familiares ou ONGs. A doação individual é frequentemente esquecida como uma opção viável, principalmente no Brasil, aonde a cultura da doação filantrópica praticamente não existe. Falo com experiência no exterior, apesar de meu laboratório já ter recebido doações nos EUA, Europa e Ásia, nunca houve uma única contribuição vinda do Brasil. Por menor que seja, todo apoio recebido acaba somando para acelerar a desejada cura. Esse tipo de crowdfunding tem crescido em outras esferas da sociedade, muitas vezes com projetos bem menos impactantes do que o tratamento de uma doença humana.
Outra forma de contribuição são formas de conscientização social. Nisso, os americanos dão show de criatividade. Vista algo da cor rosa e lute pelo câncer de mama. Deixe o bigode crescer e converse sobre o câncer de próstata. Na minha área, autismo, grupos de pais estão revolucionando esse conceito através de parcerias com a iniciativa privada. Uma vez por mês, a famosa rede de cinemas americana AMC recebe os autistas e familiares para pré-estreias. Todos no cinema são informados previamente do evento. As luzes na sala são controladas para que o ambiente não fique completamente escuro, e o som moderado. Além disso, os autistas podem se levantar, correr, dançar e se expressar da forma que quiserem. Atitudes semelhantes acontecem em academias de ginástica, piscinas, bufês infantil, cafés, cabeleireiros, dentistas, com baby-sitters, etc. Além de prestar um serviço comunitário para os familiares, essas iniciativas localizadas ajudam na divulgação e conscientização do autismo. Aos poucos, o autismo vai sendo divulgado em comunidades pequenas, que vão amplificando o conhecimento.
Finalmente, existe a opção de lobby político. Pode-se ressaltar a importância e o impacto de um tratamento para os cofres públicos, por exemplo. Nos EUA, esse lobby acontece bi-lateralmente, ou seja, tanto políticos que procuram mais conhecimento, como grupos de pais que se reúnem com políticos cobrando serviços. Quando sugiro isso a grupos brasileiros, o desânimo é aparente. A sensação de impotência e incompetência política em nosso país é muito grande. Parece ser mais fácil conseguir uma audiência com o presidente dos EUA do que com um vereador brasileiro. Mas não podemos esquecer que a tendência é melhorar. Os recentes avanços políticos no Brasil são uma indicação de novos ares.
Foto: Cure It Foundation