Dedinho do pé Neandertal revela acasalamento entre espécies humanas
O cenário parece algo semelhante ao filme “O Senhor dos Anéis”, com diversas espécies humanoides convivendo no mesmo mundo. Talvez esse seja um mundo semelhante ao que aconteceu há cerca de 50 mil anos atrás. Homo sapiens, Neandertais e mais dois grupos da espécie humana conviveram e provavelmente tiveram relações amorosas. Essa é a conclusão da análise de DNA extraído de um osso oriundo de um pododáctilo Neandertal numa caverna nas montanhas Altai da Sibéria.
O artelho (articulação pela qual o pé se prende à perna) fossilizado do Neandertal deu o que falar e foi tema de um estudo publicado nesta semana na revista científica “Nature”. Os cientistas compararam a sequência do genoma do fóssil com o genoma de outros 25 humanos modernos, além do genoma dos Denisovans, um grupo de humanos que também conviveu com os Neandertais.
De acordo com as análises, o material genético dos Neandertais contribui com cerca de 2% do genoma dos humanos modernos fora da África, e com 0.5% do genoma dos Denisovans. Já os Denisovans contribuem com 0.2% do DNA de pessoas com origem asiática ou americanos nativos. Mas a maior surpresa foi a descoberta de um quarto tipo de hominídeo, contribuindo com cerca de 6% do DNA dos Denisovans. Mas quem seriam esses seres? A identidade desse quarto grupo ainda é um mistério. Especula-se que esses possam ser descendentes do Homo erectus, mas isso precisa ser confirmado.
As análises de DNA de espécies humanas extintas têm contribuído muito para iluminar como o mundo deve ter sido para nossos antepassados. A Eurásia, durante as fases finais do Pleistoceno, parace que era um lugar interessante para um hominídeo. Diversos grupos de humanos, com grandes números de indivíduos bem distintos fisicamente, coabitavam a terra, encontrando-se eventualmente e fazendo sexo.
O ossinho foi achado na mesma caverna em que arqueologistas haviam descoberto evidências da presença dos Denisovans, grupo que mostrou-se distinto dos Neandertais e humanos modernos já em 2010. Nesse caso, o ossinho fossilizado era de uma mulher Neandertal. Pode-se inclusive saber que os pais dela eram parentes entre si, irmãos de uma mesma mãe, primos de segundo grau ou mesmo tio e sobrinha. O acasalamento entre as espécies aconteceu num período quando a população dos Neandertais já estava em declínio, na borda da extinção praticamente. Isso talvez justifique o cruzamento entre parentes próximos.
Pelo estudo, pode-se estimar também que o ancestral comum entre Neandertais e Denisovans separou-se da linhagem dos humanos atuais há cerca de 600 mil anos. Com base nas sequências dessas três espécies, pode-se concluir que a espécie humana moderna começou a sobressair em número há pelo menos um milhão de anos. E foi há apenas 30 mil anos que o humano moderno, o Homo sapiens, deve ter sido o único sobrevivente humano do mundo. O porquê e como isso aconteceu ninguém sabe. O fato é que as evidências de que esses grupos humanos se miscigenaram geneticamente estão cada vez mais fortes, aguçando a curiosidade dos cientistas.
O mapeamento genético de espécies humanas extintas vai nos ajudar a entender por que os humanos modernos são os únicos sobreviventes de diversas tribos que um dia andaram pela Terra. A diferença entre humanos e Neandertais é relativamente pequena, o que permitirá o catálogo das alterações genéticas que distinguem os humanos modernos das outras espécies. Acredito que em algumas dessas modificações genômicas estariam escondidos os segredos que tornaram possível a conquista do planeta pelos humanos modernos, através do domínio da cultura e tecnologia. Quem viver verá.