Caso dos Beagles: infelizmente estamos distantes de poder abrir mão dos testes

ter, 22/10/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

A notícia da retirada dos cães da raça Beagle de um laboratório no Brasil por ativistas levanta mais uma vez a questão sobre o uso de animais para fins de pesquisa. Como biólogo e amante dos animais, entendo perfeitamente esse tipo de questionamento do público leigo. Como pesquisador clínico, buscando a cura para enfermidades humanas, não vejo outra saída, pelo menos por enquanto.

O fato é que animais são necessários para que a ciência avance. Não existem, hoje em dia, modelos alternativos de estudo que substituam completamente o uso de animais na pesquisa pré-clínica. A justificativa é simples, todo tratamento experimental deve ser testado antes em um animal para evitar complicações no ser humano. Estamos a anos-luz de criar modelos computacionais ou virtuais que simulem exatamente o comportamento de uma célula humana. Vou mais longe, se tivéssemos esse modelo atualmente, já teríamos curado todas as doenças humanas do mundo!

Se por um lado, hoje não temos nada que substitua os animais, de outro existe o reconhecimento pela comunidade científica que modelos animais não são necessariamente sempre úteis em pesquisa clínica. No caso de doenças neurológicas, a grande maioria das drogas testadas positivamente em animais, falharam quando aplicadas em seres humanos. Isso porque nosso cérebro é muito diferente do cérebro de um camundongo, por exemplo. Ao escolhermos outros animais como modelos, como cães ou macacos, nos aproximamos do humano, mas o custo é ainda muito alto e proibitivo.

Muitos laboratórios e indústrias farmacêuticas têm namorado a possibilidade de usar células derivadas de células-tronco pluripotentes a partir de pacientes. Fizemos isso para o estudo de autismo (uma condição humana impossível de recriar com modelos animais) e mostramos que o modelo pode ser mais predicativo do que roedores, por exemplo. O método foi patenteado e hoje em dia já temos a primeira indústria farmacêutica que usa neurônios humanos para triagem de novas drogas, reduzindo dramaticamente o número de cobaias. Outros grupos de pesquisa têm lançado mão da mesma estratégia para gerar células do fígado em testes toxicológicos, ou pele humana em testes de cosméticos. De forma semelhante, pode-se recriar órgãos artificiais em laboratório com a mesma finalidade. Mas mesmo assim, esses modelos não exibem a complexidade de um organismo vivo, onde sistemas diversos interagem de forma dinâmica (pense no sistema imune, por exemplo, que circula pelo organismo inteiro e responde de forma diferente dependendo do tecido).

Nos EUA, salvo ações extremistas, vejo a sociedade mais consciente de que o uso de cobaias em pesquisa é um mal necessário, justificado pela ética humana. A sociedade parece mais preparada e tem a opção de escolher produtos cosméticos que não foram testados em animais, por exemplo. Cosméticos à parte, só graças a esses testes existem remédios para males cardíacos, Aids, diabetes e a maior parte das doenças humanas. A discussão por aqui nos EUA hoje em dia está mais para qual modelo animal é mais adequado para qual pesquisa. Por exemplo, camundongos servem para estudos de certos cânceres, mas não para estudos neurológicos. Animais de grande porte, como porcos, simulam melhor lesões medulares em humanos. E por aí vai.

Além disso, existem comitês de ética que não apenas aprovam as pesquisas, mas as supervisionam. Segundo a ética humana, os animais selecionados para pesquisa têm que ser tratados com respeito e sentir o mínimo de dor. O número de animais tem que ser estatisticamente justificável e o desenho experimental julgado eficiente e conclusivo. Esses comitês, compostos por membros da sociedade e, portanto, com menos viés acadêmico, tem que pesar o custo benefício de toda proposta de uso de animais em experimentos científicos. A supervisão é frequente e, ao sinal de qualquer irregularidade ou maltrato aos animais, os cientistas são repreendidos e podem ser até expulsos dos institutos de pesquisa.

Maltrato a qualquer animal, seja de estimação, selvagem, ou cobaia é inaceitável. O uso ético de animais em pesquisa hoje em dia é pra mim algo inquestionável, principalmente se a sociedade busca curas para doenças humanas. O incentivo a melhores modelos que irão, aos poucos, substituindo os animais quando possível é a solução. Para isso acontecer é preciso mais investimento em ciência, estimulando-se a busca por métodos alternativos.

Foto: Bianca Celoto/TV TEM

Desafiando a morte com a morte

qui, 10/10/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Nada mais apropriado para o mês das bruxas do que uma historia sobre a morte. Mais ou menos nessa época do ano de 2004, a americana Jeanna Giese dava entrada no hospital de Wisconsin com uma série de sintomas muito esquisitos. Pra piorar, o quadro clínico estava deteriorando rapidamente. Jeanna foi analisada pelo Dr. Rodney Willoughby. Após ver a paciente, o médico só tinha uma preocupação: se o que Jeanna tinha eram sintomas de infecção com o vírus da Raiva, ele estava condenada a morte. O que acontece logo depois é algo que transita entre um milagre e uma impossibilidade médica.

Jeanna, então com 15 anos de idade, chega da escola com uma certa indisposição. O braço esquerdo apresenta uma certa tremedeira, algo que imagina tenha sido causado por um excesso de uso durante o treino de voleibol. Uma semana depois, a menina começa a apresentar visão dupla, enjoo e outros sintomas de febre, como dor de cabeça. Cada dia ela fica mais cansada e indisposta, não conseguindo mais articular sentenças durante uma conversa, os músculos começam a ficar rígidos. Os pais levam a menina ao neurologista local, que intrigado com a rapidez do quadro clínico, resolve internar Jeanna. É nesse momento que os pais dela lembram do episódio da filha com o morcego vampiro.

A mãe de Jeanna conta que, cerca de um mês antes, Jeanna fora mordida por um morcego desorientado ao tentar retirar o animal que havia ficado preso na igreja da comunidade. A mordida fora no dedo indicador da mão esquerda. O médico fica imediatamente pálido ao ouvir a história e transfere Jeanna para um outro hospital, para ser tratada por um infectologista, Dr. Rodney. Jeanna chega num estado completamente alterado, como se fosse uma zumbi, não respondendo a estímulos ao seu redor, alheia a tudo, com o corpo bem rígido, aos berros, babando e salivando constantemente. O quadro da garota piorava a cada hora e Rodney fecha o diagnóstico: a menina estaria com Raiva.

Para quem não sabe, Raiva é uma doença causada pela infecção com o vírus rábico, em geral através de um outro organismo infectado. Infelizmente não existe cura pra Raiva, a pessoa está condenada à morte. É a considerada a doença mais mortal do mundo, 100% fatal. Há registros da doença desde que existe escrita humana. Conhecemos a doença por milhares de anos e nunca descobrimos uma cura. Existem exemplos de tratamentos alternativos em diversas culturas, por exemplo, durante o império romano, se você fosse mordido por um morcego, poderia tentar comer o cérebro de um galo com mel misturado com carne de cachorro salgada. Se não funcionasse, a alternativa era esfregar o ânus de uma ave depilada sobre o local da ferida. Esse tipo de “cura”, na verdade deveriam ser apenas casos de indivíduos mordidos, mas cujo vírus não tenha conseguido infectar o humano.

O vírus da Raiva tem um ciclo diferente da maioria dos outros vírus. Ele não entra pela corrente sanguínea, mas penetra através da lesão (a ponta do dedo, por exemplo) e gruda a um nervo qualquer através de um receptor. Uma vez dentro, ele se multiplica e caminha através das conexões nervosas, escalando nervo a nervo, até chegar ao cérebro. Isso acontece na velocidade de um a dois centímetros por dia, ou seja, dois a três dias para completar o caminho de um dedo, mais alguns dias para atravessar o braço, e mais algumas semanas até atacar o cérebro. É somente nesse período, aonde o vírus percorre os nervos periféricos lentamente, que existe uma janela de oportunidade para se aplicar a vacina contra o vírus, estimulando o sistema nervoso a lutar contra a infecção. Uma vez que o vírus chega ao cérebro, a vacina é ineficaz. Ninguém sabe exatamente o que o vírus faz ao chegar no cérebro. Em alguns casos, induz paralisia dos membros e leva o indivíduo a coma. Mas o mais comum, nos casos clássicos de infecção, a pessoa tem espasmos incontroláveis junto com convulsões, babas, gritos e olhares profundos. São como se fossem zumbis, mortos vivos. Nesse estágio, não há o que fazer, tenta-se apenas dar uma morte mais humana ao paciente.

Sob a perspectiva do vírus, o que acontece é que ele domina o cérebro dos infectados, deixando a pessoa mais agressiva, aumentando as chances dela morder alguém e espalhar a infecção. As vitimas também ficam com aversão a água. Com muita sede, os pacientes tentam tomar líquidos, mas não conseguem, pois os músculos da garganta retraem ao ver a água. Essa é outra estratégia do vírus para aumentar sua concentração na saliva do infectado, criando uma verdadeira mordida da morte.

Quando Rodney disse a família que Jeanna tinha Raiva, já era um estágio muito avançado para a vacina. Porém, foi proposto um tratamento experimental baseado em uma hipótese controversa que não havia sido considerada anteriormente. Segundo essa ideia, o vírus da Raiva não destruiria fisicamente os neurônios, apenas os modificaria para que ficassem superestimulados, dificultando o funcionamento. Ou seja, o cérebro, per se, se manteria intacto. Essas observações são confirmadas em estudos post-mortem, que reportam ausência de danos no cérebro dos pacientes mortos por Raiva. Mais intrigante ainda, nesses pacientes, não existe evidencias do vírus no cérebro, sugerindo que o sistema imune consegue se livrar do vírus, porém tardiamente.

A visão de Rodney é simples: se pudéssemos conseguir mais tempo para que o sistema imune atue, o vírus seria eliminado do organismo, deixando o sistema nervoso intacto, dando uma chance de sobrevivência para Jeanna. Praticamente o procedimento seria o de induzir coma em Jeanna, mantendo um anestesista controlando suas funções vitais, e dando oportunidade ao sistema imune dela reagir. O risco do procedimento seria alto: ela poderia ficar com lesões permanentes no cérebro ou mesmo nunca mais voltar a andar, ficaria presa dentro do próprio corpo. Decidiu-se seguir em frente com o tratamento experimental, induzindo-a ao coma.

Sete dias em coma, eles retiram uma amostra do liquido espinhal e constatam que o sistema imune estaria reagindo. Passa-se mais uma semana e Jeanna vai acordando vagarosamente, porém não apresenta nenhum movimento corporal a não ser resposta da pupila. Após dois dias os reflexos começam a voltar lentamente e, em uma semana, ela está recuperada. Teve que reaprender uma série de movimentos básicos, como se voltasse a ser um bebê, procedimento que levou mais ou menos dois meses. Jeanna Giese torna-se a primeira pessoa a sobreviver a Raiva sem uso de vacina e entra para os livros de história médica!

Desde esse caso, o protocolo de Rodney foi tentado em outras situações similares no mundo todo. De trinta casos experimentais, (apenas) cinco sobreviveram. Em paralelo, pesquisadores do CDC americano descobriram que algumas pessoas de uma comunidade no Peru, que vivem em contato próximo com morcegos vampiros, possuem anticorpos endógenos que neutralizariam o vírus da Raiva. A única forma que esses indivíduos teriam anticorpos seria através do contato prévio com o vírus. Mas eles não tinham qualquer sintoma neurológico, como se fossem imunes à doença. Essa observação levantou questionamentos sobre a real eficácia do método de Rodney. Talvez existam indivíduos humanos que sejam imunologicamente especiais, naturalmente resistentes à Raiva. Poderia ser o caso de Jeanna e dos outros sobreviventes.

As criticas a Rodney foram fortes, alguns médicos chegaram até suspeitar que o protocolo experimental poderia inclusive piorar o quadro clínico e deveria ser descontinuado. Outros sugerem que o dinheiro gasto na implementação desse tipo de protocolo clínico deveria ser aplicado em vacinas, prevenindo populações menos favorecidas, ao invés de buscar a cura de poucos infectados. Rodney rebate a essas criticas dizendo que não se pode simplesmente abandonar os pacientes e que, se existe uma chance de cura, essa merece ser estudada. Cita exemplos em câncer e outras doenças antes consideradas letais. Tudo começou de forma experimental, sem muito embasamento científico, e hoje temos tratamentos e cura. O fato é que Rodney desafiou a Raiva, desafiou a morte, e hoje existem pacientes que sobrevivem a infecção. É pra refletir.

Crédito da imagem: Hudson Garcia

A ação humana e o cérebro dos morcegos

qui, 12/09/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

É fato que os humanos interferem na natureza e atuam como uma força evolucionária em outros animais. Exemplos disso estão em toda parte: o uso indiscriminado de antibióticos favorece o aparecimento de bactérias resistentes, a pesca descontrolada de peixes grandes altera a dinâmica dos pequenos, a poluição nas cidades altera as cores dos insetos, e por aí vai.

Mas um estudo recente, liderado pela pesquisadora Emilie Snell-Rood, da Universidade de Minnesota, nos EUA, mostrou que a interferência humana está influenciando outros animais de forma inesperada. Ao mudar o ambiente onde os animais vivem, podemos favorecer o surgimento de cérebros maiores, com uma melhor capacidade cognitiva.

As conclusões dessa pesquisa vieram através da quantificação de uma vasta coleção de esqueletos do museu da Universidade de Minnesota. A pesquisadora escolheu 10 espécies de animais para medir as dimensões da caixa craniana, estimando o volume cerebral dos animais adultos. Considerando duas espécies de roedores, os resultados mostraram que o cérebro de bichos que vivem nos subúrbios das cidades é cerca de 6% maior do que aqueles coletados em áreas rurais. Uma explicação é que, quando esses indivíduos migraram para a cidade, o cérebro deles ficou maior. O mesmo aconteceu com duas espécies de morcegos.

A hipótese apresentada pelo grupo é que o crescimento do cérebro aconteceu por causa de mudanças radicais no ambiente da Minnesota. A paisagem que, antigamente era de florestas e campos, agora abriga cidades e fazendas. Nesse novo contexto ambiental, indivíduos que foram capazes de aprender novas maneiras de sobreviver deixaram mais filhotes. A explicação é apoiada com base na literatura científica.

Diversos estudos anteriores já haviam relacionado o tamanho do cérebro com a capacidade de aprendizado, principalmente em roedores (modelo experimental favorito da neurociência). Semelhante aos mamíferos, experimentos recentes com peixes, que foram artificialmente selecionados para favorecer a reprodução entre aqueles com cérebro maior, geraram indivíduos que se deram melhor em testes de memória e aprendizado. Tudo indica que o aumento do volume do cérebro é um mecanismo conservado de seleção de indivíduos mais inteligentes.

Talvez esse tenha sido o mecanismo evolutivo nos morcegos e roedores de Minnesota. Após a redução das florestas e o corte das árvores, passou-se a exigir mais do cérebro desses animais, que agora tinham que sobreviver em um ambiente completamente diferente para encontrar comida e abrigo. Somente aqueles que se adaptaram a essas mudanças resistiram e deixaram descendentes. Talvez esses sejam justamente os indivíduos com maior cérebro. Obviamente, existem diversas explicações alternativas que precisariam ser consideradas.

De qualquer forma, o trabalho é interessante porque mostra o fenômeno do aumento de cérebro em populações de animais selvagens. Acredito que seria possível validar essas observações em laboratório, cruzando animais com cérebros grandes e pequenos, vindos de regiões rurais ou não, e medindo eventuais aumentos cognitivos com o passar das gerações. O estudo poderia ficar mais sofisticado ainda ao incluir um pouco de biologia molecular, buscando entender quais genes estão envolvidos nesse processo.

Homens podem ser culpados pela menopausa

qui, 29/08/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Atenção, feministas: aqui vai mais uma para culpar os homens: a menopausa. Bom, pelo menos de acordo com uma nova teoria científica que diz que a menopausa surgiu como resposta ao curioso hábito masculino de buscar parceiras jovens. A teoria foi publicada na revista “Plos Computational Biology”, por um grupo canadense, e promete discussões acaloradas.

Segundo os autores, a consequência óbvia dessa famigerada tendência masculina de correr atrás das novinhas é que a menopausa teria surgido como resultado de uma série de mutações degenerativas aleatórias, que se acumularam no genoma feminino. O fato de essas mutações se perpetuarem durante a evolução teria acontecido porque as mulheres se reproduzem antes de essas alterações genéticas surtirem efeito no indivíduo.

A nova teoria assume que a reprodução humana não é aleatória em relação à idade, ou seja, segundo o modelo, os homens preferem sempre copular com mulheres mais jovens. Se a reprodução ocorrer com mulheres mais jovens, mutações deletérias que afetam a capacidade reprodutiva feminina em idades mais avançadas irão acumular, escapando da seleção natural.

A menopausa sempre foi um mistério biológico intrigante. A maioria dos animais não tem menopausa (baleias assassinas têm!), nem mesmo nossos primos evolutivos, os chimpanzés, que conseguem se reproduzir mesmo em idades avançadas. Durante a menopausa, a mulher não tem mais menstruação e se torna infértil. Afinal, por que a evolução teria selecionado esse fenômeno fisiológico se isso justamente reduz as chances de reprodução de uma pessoa?

Alguns biólogos haviam proposto anteriormente a “teoria da avó”, sugerindo que a menopausa seria uma forma da mulher deixar de se preocupar com sua própria reprodução e auxiliar na criação dos netos, de certa forma ajudando na manutenção evolutiva de seu genoma. Porém, netos carregam apenas um quarto dos genes das avós, contra metade dos genes que estão presentes nos filhos.

Para fazer sentido, então, a menopausa teria que aumentar significativamente a sobrevivência dos netos. Trabalhos anteriores sugerem que a presença de avós maternas realmente aumentam a sobrevivência dos netos, mas é muito difícil excluir a contribuição da sociedade nesses estudos, deixando-os assim inconclusivos.

Por milhares de anos, os homens modernos têm preferido, em média, procriar com mulheres mais jovens, garantindo a sobrevivência de seus genes. O grupo canadense criou um modelo computacional para simular essa preferência masculina. O modelo mostra que, inicialmente, tanto homens quanto mulheres se reproduzem até o final da vida. Porém, com o passar das gerações, a preferência dos homens por mulheres mais jovens reduz as chances de mulheres mais velhas terem filhos, como esperado.

Ao incluir no modelo mutações aleatórias, algumas que podem ser deletérias para a reprodução em idade avançada, o simulador revelou que essas alterações não eram mantidas nos homens ao longo do tempo. Homens que paravam de se reproduzir em idades mais avançadas acabavam deixando menos filhos, diminuindo seu impacto genético na população. Isso não aconteceu com as mulheres mais velhas, pois essas já não eram mais escolhidas como parceiras sexuais.

Pelos cálculos desse modelo, o acúmulo de mutações ao longo de 50 mil a 100 mil anos poderia ter levado ao surgimento da menopausa, da mesma forma que outras mutações levaram ao surgimento de cabelos brancos ou rugas durante o envelhecimento de homens e mulheres. Interessante notar que, ao esticar a idade reprodutiva das mulheres (algo que vem acontecendo atualmente), elas poderiam ganhar uma vantagem evolutiva e a menopausa, em teoria, poderia deixar de existir.

Em contrapartida a esse modelo, vale lembrar que o tipo atual de preferência masculina pode ter sido selecionado justamente como consequência da menopausa, uma alternativa a ser considerada. Com o aumento da expectativa de vida dos humanos modernos, as mulheres passaram a ter muitos anos saudáveis antes do período fértil. Como resultado, os homens passaram a preferir mulheres mais jovens, já que as mais velhas perderam a capacidade de ter filhos.

Um elo entre a super-higiene moderna e o autismo?

sex, 09/08/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O espectro autista, como o próprio nome sugere, é muito heterogêneo. Possivelmente múltiplos subtipos e etiologias existem, o que torna difícil seu estudo. A alta prevalência do autismo na sociedade (1 a cada 88 pessoas, segundo estudos dos EUA), tem estimulado a pesquisa científica para entender as causas do autismo e como combatê-lo. Alguns estudos haviam previamente implicado o sistema imunológico materno com o quadro clinico de algumas formas de autismo.

Decididos a investigar essa relação mais a fundo, um grupo do centro de excelência de estudos para o autismo da Universidade da Califórnia, conhecido como Instituto M.I.N.D., detectou a presença de anticorpos maternos tipo IgG com reatividade a duas proteínas do cérebro fetal em 12% das mães de crianças autistas. Como muitos outros estudos em autismo, a amostra inicial fora pequena, deixando dúvidas se realmente existiria algo assim. Além disso, a identidade dessas proteínas fetais ainda é um mistério. Afinal, com o que realmente os anticorpos maternos estavam interagindo no cérebro do feto e qual seria seu mecanismo de ação?

Durante a gravidez, as mulheres normalmente passam seus anticorpos para o feto, permitindo que esses nasçam com anticorpos que os defendam de eventuais infecções até que o próprio sistema imune da criança esteja maduro. É uma mordomia evolutiva adquirida milhares de anos atrás por nossos antepassados. A teoria por trás da descoberta do grupo M.I.N.D. é que esses anticorpos IgG maternos específicos do autismo também cruzem a placenta durante a gravidez e afetem o desenvolvimento do cérebro de forma indireta e não intencional. Um tiro pela culatra dessa vantagem evolutiva.

Em maio deste ano, o mesmo grupo de pesquisa validou os achados iniciais, replicando o estudo num grupo maior de mães de autistas. Além disso, observaram que os autistas nascidos das mães com altos níveis desses anticorpos tinham a tendência a ter a circunferência da cabeça bem maior do que crianças típicas (controles) da mesma faixa etária. Vale lembrar que o cérebro maior é uma característica clínica de 20 a 30% das crianças autistas.

Agora em julho, o grupo publicou mais um artigo, dessa vez com testes funcionais em macacos. Os anticorpos IgG maternos foram purificados de mães com crianças autistas e mães de crianças típicas e administrados em dois grupos independentes com oito macacos fêmeas cada, durante o primeiro e segundo trimestre de gravidez. Um terceiro grupo não recebeu anticorpo algum. O cérebro e o comportamento da prole foi analisada por dois anos após o nascimento. Diferenças no comportamento dos macacos que nasceram de fêmeas inoculadas com anticorpos de mães de autistas apareceram desde cedo. Esses animais mostravam comportamento social inapropriado quando comparado com os outros dois grupos controle (parâmetros analisados incluíram contato/proximidade com a mãe e contato com indivíduos estranhos).

Além disso, animais juvenis mostraram movimentos estereotipados e superatividade. A ressonância magnética revelou que os indivíduos do sexo masculino nascidos do grupo afetado, tinham um cérebro significativamente maior comparado com os controles. A diferença maior parece estar relacionada com a massa branca, com diferenças mais pronunciadas no córtex frontal (região relacionada ao comportamento social em primatas). Vale lembrar que estudos anteriores, usando a mesma estratégia cientifica mas em camundongos, também revelou que os anticorpos derivados desses 12% de mães com crianças autistas causaram alterações comportamentais.

A ideia de que uma parte, ou um subtipo, do autismo seja causado por uma reação inflamatória que comece no útero materno é antiga. Tornou-se especialmente atraente com a observação de que nos últimos 60 anos, a frequência de doenças imunológicas tem aumentado consideravelmente. Correlações de autismo com outras condições inflamatórias durante a gravidez, como doenças autoimunes, alergias, asma ou artrite, são comuns mas difíceis de se comprovar causalidade. Talvez isso faça sentido sob uma perspectiva evolucionária – é a teoria da super-higiene moderna. Populações humanas vivendo em condições semelhante a de nosso ancestrais (cheias de micróbios e parasitas) não apresentam problemas imunológicos tão frequentes. Dados ainda incertos sugere que o mesmo aconteceria com autismo. Porém existem poucos estudos epidemiológicos em populações rurais, por exemplo.

Conforme essas teorias são comprovadas ou rejeitadas pela ciência, iremos aprender o porquê essa população de mães de autistas estariam desenvolvendo anticorpos contra proteínas fetais. Além disso, identificar os alvos desses anticorpos pode levar anos de estudo. O grupo M.I.N.D. tem publicado sobre isso. Dos 8 alvos já identificados, apenas uma das proteínas fora previamente relacionada com o desenvolvimento de neurônios no cérebro humano. Outro antígeno, conhecido como LDH já foi associado ao metabolismo celular mas nunca ao desenvolvimento neural. Por outro lado, sabemos que o LDH aumenta quando exposto a toxinas, como solventes industriais, por exemplo. Isso sugeriria um fator ambiental envolvido nesse complexo mecanismo.

Tudo isso ainda é muito recente e requer mais estudos, inclusive da interação entre esses fatores e não apenas seu impacto individual. Infelizmente a ciência caminha a passos lentos. O autismo tem influenciado como a ciência é feita nos EUA. A imagem do cientista trabalhando sozinho numa única teoria provavelmente não vai funcionar para o autismo. É preciso colaboração de disciplinas diferentes e uma nova perspectiva cientifica. A contrapartida é justamente a criação de centros de excelência para estudos do autismo, como o que existe no instituto M.I.N.D. Só a Califórnia tem 3 desses centros, o que indica o quão sério esse estado americano considera o problema, estimulados por uma conta de US$ 137 bilhões aos cofres públicos americanos todo ano.

Crédito da foto: Reprodução/TV Tem

Silenciando a síndrome de Down

qui, 18/07/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Num feito incrível, cientistas conseguiram inserir uma cópia de um único gene em um dos cromossomos 21 de pacientes com a síndrome de Down, silenciando o cromossomo extra. O estudo publicado recentemente na revista “Nature” abre novas perspectivas de intervenção terapêutica.

A síndrome de Down é causada por uma cópia extra do cromossomo 21, por isso é também conhecida como trissomia do 21. Todas nossas células possuem duas cópias de cada cromossomo, uma vinda da mãe e outra vinda do pai. A exceção acontece com os cromossomos sexuais masculinos, no caso, um X e um Y. A forma que a evolução encontrou para que as mulheres não tenham uma overdose do cromossomo X, foi a de silenciar um dos cromossomos de forma aleatória. Por isso, no caso feminino, as células do corpo são um mosaico em relação à atividade do cromossomo X. Algumas células da mulher mantêm ativo o cromossomo X paterno enquanto que outras células ativam o cromossomo X materno.

O mecanismo molecular de silenciamento do cromossomo X ainda é obscuro, mas sabe-se que um gene, localizado no próprio X, é importante nesse processo. O gene conhecido como Xist (do inglês X-inactivation gene), produz moléculas de RNA capazes de interagir com um dos cromossomos X, e silenciá-lo. O grupo liderado pela pesquisadora Jeanne Lawerence, da Universidade de Massachusetts, nos EUA, se aproveitou desse mecanismo para silenciar a cópia extra do cromossomo 21 em células de pacientes com a síndrome de Down.

O grupo inseriu uma cópia do gene Xist em um dos três cromossomos 21 usando técnicas de engenharia genética. Além disso, foi incluído um interruptor molecular, capaz de ligar ou desligar o gene através de uma exposição química. Ao ligar o gene, o grupo percebeu que o Xist era capaz de silenciar o cromossomo hospedeiro. A hipótese era que esse silenciamento do 21 extra, aliviasse os sintomas da síndrome de Down.

Para isso, o grupo usou células-tronco pluripotentes, induzidas a partir da reprogramação células da pele de pacientes com Down. Essas células, conhecidas como células iPS, são semelhantes a células-tronco embrionárias e possuem a capacidade de se especializar em diferentes tipos celulares, servindo como um modelo de desenvolvimento humano.

O grupo então induziu as células iPS a se diferenciarem em estágios inicias do sistema nervoso. As células progenitoras neurais derivadas dos pacientes com Down apresentaram um crescimento vagaroso quando comparado com células iPS derivadas de indivíduos não-afetados. Porém, ao desligar a cópia extra do cromossomo 21, as células progenitoras neurais passaram a se comportar de forma semelhante ao grupo controle. O grupo busca agora estudar como o silenciamento da cópia extra do cromossomo 21 irá afetar outras células especializadas a partir desse estágio embrionário.

Vale a pena lembrar que esse tipo de estratégia já foi usada no passado, mas a tecnologia não permitia o controle do silenciamento. A técnica atual também não é perfeita, ainda falta saber se o Xist estaria realmente silenciando todos os genes que residem no cromossomo 21. É possível que alguns genes escapem desse silenciamento. De qualquer forma, a descoberta mereceu estar publicada na Nature. Nos EUA, em 1 a cada 300 nascimentos, observa-se uma trissomia cromossômica. Em metade desses casos, a trissomia é justamente com o cromossomo 21, o que causa a síndrome de Down.

Pacientes com Down apresentam uma serie de problemas e debilidades fisiológicas que os impedem de ter uma vida normal. Descobrir os fundamentos básicos de como o cromossomo 21 extra interfere na atividade dos diversos tipos celulares do corpo humano deve abrir novas oportunidades para tratamentos e melhoria da qualidade de vida desses pacientes.

Crédito da foto: Kirill Kudryavtsev / AFP

Porque os chimpanzés não jogam beisebol, mas jogam cocô

qui, 04/07/13
por Alysson Muotri |
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Quem frequenta zoológico já deve ter visto a cena. Chimpanzés irritados costumam atirar fezes no público. Para alegria das crianças e frustração dos primatas, cocôs arremessados raramente acertam o alvo.

Curioso notar que estudos feitos na Universidade de Emory, liderados pelo pesquisador Bill Hopkins, conseguiu correlacionar o tamanho e complexidade neuronal do córtex motor central com os animais que têm esse comportamento.

Essa região do cérebro em humanos está relacionada ao desenvolvimento da fala. Além disso, os que tinham melhor pontaria eram justamente os melhores comunicadores do grupo. Essa observação sugere que a capacidade de arremessar objetos possa ter sido precursora da fala nos humanos modernos.

Essa semana, um trabalho publicado na revista científica “Nature”, liderado pelo cientista evolucionário Neil Roach, revisitou o tema com uma outra perspectiva. Ao observar os movimentos de chimpanzés e humanos arremessando objetos em câmera lenta, os pesquisadores concluíram que a disposição anatômica do ombro humano é a chave para arremessos mais precisos e longos.

Essa vantagem adaptativa permitiu que nossos ancestrais usassem os braços para caçar presas maiores e manter outros animais afastados. Também permitiu que os grupos ancestrais ampliassem a dieta, tornando-se parte carnívoros e facilitando o desenvolvimento de outros aspectos cruciais para a evolução humana, como nosso cérebro e capacidade de comunicação.

Usando jogadores de beisebol como cobaias no laboratório, o grupo de Neil filmava os arremessos em diversas condições experimentais, isolando determinados movimentos, um por vez. A ideia era restringir algumas articulações do ombro dos atletas, simulando um retorno do relógio evolucionário.

Concluíram que as condições otimizadas para arremessos precisos estão associadas com ombros largos, cintura longa e flexível e habilidade de rotação da parte superior do braço durante o lançamento. Também concluíram que os tendões e ligamentos nos ombros dos humanos modernos estocam mais energia enquanto são esticados, permitindo uma explosão de energia no arremesso.

Os chimpanzés não possuem a maioria dessas adaptações anatômicas e fisiológicas. A combinação das alterações que aconteceram entre o chimpanzé e os humanos modernos foram refinadas ao longo da evolução, começando cerca de dois milhões de anos atrás. A habilidade de usar uma lança para caça de grandes animais surgiu cerca de 500 mil anos atrás, possivelmente quando nossos ancestrais aprenderam a usar pedras lascadas na ponta das armas.

Hoje em dia, ao usar nossos braços e ombros em esportes, estamos utilizando essas mesmas vantagens evolutivas. Curioso da nossa espécie é que frequentemente preferimos usar os braços para atacar uns aos outros, ao invés do sofisticado cérebro, que teria evoluído justamente para reduzir a necessidade de confronto físico.

Video da pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=Jq6dCFCMGq4&feature=player_embedded

O Brasil descobriu o poder das redes sociais

sex, 21/06/13
por Alysson Muotri |
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Comparo as manifestações recentes com o surgimento da consciência pelas redes nervosas. Durante o desenvolvimento, bilhões de neurônios no cérebro do bebê possuem pequenas atividades elétricas que contribuem para decisões básicas do corpo humano. Muitas dessas decisões acontecem de forma inconsciente, como respirar, por exemplo. Conforme o bebê cresce e seu cérebro amadurece, passa a se interessar pelo mundo ao seu redor, focando em ações ou objetos de interesse.

Ao direcionar a atenção para algo específico, os impulsos individuais de cada neurônio sincronizam para executar determinada atividade, a busca por um brinquedo atrás do sofá. O estimulo de reinforçamento compensatório positivo (o sorriso do pai), contribui para que a ação deixe de ser inconsciente e torne-se agora voluntária, estabelecendo o que pode ser chamado de principio da consciência humana.

Acredito que o estopim das manifestações pelo Brasil fora gerado através de um outro tipo de sincronia, oriundo das redes socais pela internet. O brasileiro cresceu e finalmente percebeu que pode usar as redes sociais como ferramenta politica. Hoje é relativamente fácil e rápido reunir milhares de pessoas em um local planejado para lutar por um objetivo comum, no caso a insatisfação politica (bom, pelo menos na minha perspectiva…).

Ainda sem saber direito aonde é que essa manifestação vai terminar, consigo prever que o povo brasileiro possa também usar dessa consciência para outros fins. Na ciência especificamente, as redes sociais tem sido usadas como “crowdfunding”, para gerar suporte financeiro a determinado projeto ou mesmo para engajar o público na geração de dados científicos. Projetos populares incluem o uso de uma pequena parcela da memória de computadores pessoais na busca de vida extraterrestre pela NASA e jogos online cujos participantes auxiliam na modelagem tridimensional de proteínas de interesse humano.

No Brasil, acho que o melhor uso dessa nova consciência coletiva estaria na luta por melhorias na educação, pesquisa e saúde –menosprezadas por muito tempo. Deveríamos lutar por investimentos nessas áreas equivalentes aos investimentos feitos na Copa ou Olimpíadas, com formação de mais profissionais e com melhores salários, hospitais e laboratórios padrão FIFA, centros de pesquisa em prédios reformados com tecnológicas de ultima geração e todas as exigências e rigor que o povo brasileiro merece. Ao contrário da Copa ou Olimpíadas, esse investimento teria um retorno muito maior e por um período mais longo, gerando patentes e futuros investimentos. Além disso, aumentaria a autoestima e visibilidade de nosso pais. Quer maior patriotismo do que investir no próprio brasileiro? O brasileiro agora sabe que pode guiar o grau de investimento e prioridades dada pelo governo, sem precisar acatar e baixar a cabeça com decisões políticas com baixo interesse social.

Cupido online

qua, 12/06/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Para quem é da minha geração, é difícil esquecer da pergunta sarcástica do Silvio Santos ao casal que acabara de se conhecer: “Afinal, é namoro ou amizade?”. A proposta do saudoso programa era namoro na TV e tinha a reunião, mais ou menos casual, de rapazes e moças para um rápido flerte e quem sabe um algo mais. Nada mais engraçado do que ver o Silvio se deliciar com pescaria dos candidatos e candidatas.

Hoje a mídia é diferente. Milhões de pessoas encontraram sua alma gêmea pela internet. Mas será que realmente funciona tão bem quanto os métodos mais tradicionais, seja no baile, no bar ou através de amigos em comum? Aparentemente sim. Uma pesquisa com quase vinte mil americanos revelou que os casamentos que aconteceram após o casal se conhecer online são tão satisfatórios e estáveis quanto aqueles dos que se conheceram no mundo real.

A verdade é que quando essa história de namoro online surgiu, a ideia toda soava cafona e perigosa para a maioria das pessoas. Mas após um crescimento exponencial na última década, impulsionado principalmente por sites de namoro como “Match” or “OkCupid”, a experiência pegou. Interessante notar que essas empresas acabam acumulando muitos dados, de usuários cadastrados, permitindo uma análise do comportamento romântico humano no mundo virtual. Escrevi sobre isso no passado, numa observação do porquê mulheres tidas como “ligeiramente feias” aparentemente se saem melhor do que as “beldades universais” nesse mundo virtual.

A pesquisa mais recente, liderada pelo psicólogo John Cacioppo, consultor do site de namoro “eHarmony”, foi realizada com pessoas que se conheceram e casaram entre os anos de 2005 e 2012. No questionário, perguntas foram propostas para avaliar o grau de satisfação com o parceiro e estabilidade da relação. O estudo foi controlado para fatores como o tempo que a pessoa gasta na internet ou visitando sites de relacionamento. Com um óbvio conflito de interesse, Cacioppo requisitou a ajuda de dois estatísticos que não tinham conexão alguma empresas de namoro online. Além disso, Cacioppo conseguiu um acordo da “eHarmony” de que o estudo seria publicado independente dos resultados. A empresa aceitou.

O estudo confirma a atual impressão de que o namoro online é um dos tipos mais comuns hoje em dia. Metade da população entrevistada conheceu seu atual esposo(a) através de sites de relacionamento. A outra metade conheceu o parceiro em chats, blogs, games e outras ferramentas do mundo virtual. Mais do que isso, a pesquisa mostra que esses relacionamentos são duradouros. Na verdade, são significativamente mais duradouros e estáveis do que aqueles que se conheceram no mundo real. Uma diferença pequena, mas real. O estudo foi publicado na revista da Academia Americana de Ciências (PNAS) na semana passada.

O trabalho tem bons controles, mas não é perfeito. Os autores não controlaram, por exemplo, para o estado mental, o uso de álcool, histórico de violência doméstica, motivação para se casar ou tipo de personalidade dos participantes. Esses fatores são variáveis já conhecidas por interferir na estabilidade do casamento. É possível, caso essas variáveis sejam levadas em conta, que o estudo revele justamente o oposto. Difícil saber. A única certeza é que os relacionamentos online não vão deixar de existir tão cedo. E se não clicar da primeira vez, é sempre mais fácil pensar na repescagem online.

Crédito imagem: Reprodução/RPC TV

Avanço histórico, uso restrito

qui, 16/05/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Foi anunciado nesta quarta-feira (15) um avanço científico histórico. Células pluripotentes, capazes de se especializar em todos os tecidos do corpo humano, foram clonadas de um ser humano a partir da transferência nuclear de uma célula da pele do corpo de um indivíduo já formado para óvulos não-fertilizados de doadoras, gerando um zigoto em laboratório. Depois de alguns dias, esse zigoto se dividiu e as células foram extraídas e colocadas em condições especificas que permitiram sua multiplicação. A técnica é a mesma usada para a clonagem da ovelha Dolly, em 1996. O feito aconteceu na Universidade de Ciência e Saúde de Oregon, nos EUA, liderada por Shoukhrat Mitalipov, respeitado pesquisador na área de reprodução que já havia clonado um macaco no passado.

O uso médico dessa nova tecnologia me parece restrito. O trabalho de Mitalipov, publicado na famosa revista cientifica “Cell”, talvez não traga nenhum benefício clínico imediato. O significado é mais histórico e o mérito, técnico. Digo isso porque diversos laboratórios tentaram o feito anteriormente, mas ninguém havia conseguido. Conseguir com que o óvulo recipiente do novo núcleo se divida parecia ser algo impraticável em humanos. O truque de Mitalipov foi testar diversas condições em experimentos com macacos, cujos óvulos para pesquisa são muito mais fáceis de conseguir.

Dentre as diversas condições usadas, o grupo descobriu que a adição de cafeína aumenta as chances de sobrevivência das células após a transferência nuclear. Para a surpresa de todos, a eficiência aumentou consideravelmente. Segundo o trabalho, basta seguir as instruções corretamente e dispor de alguns óvulos não-fecundados, doados por alguma mulher que tope se submeter a uma sessão hormonal para induzir ovulação. No trabalho da “Cell”, as doadoras foram pagas para participar da pesquisa. A recompensa financeira por esse tipo de serviço não é consenso entre os cientistas – é proibida no Brasil, inclusive. Além disso, o uso de células germinativas humanas tem implicações éticas, mesmo sendo um material não-fecundado. Talvez por isso, essa tecnologia não seja empregada prontamente em laboratórios acadêmicos de células-tronco. É preciso se associar a clínicas de fertilização in vitro para conseguir material fresco, outro quesito essencial no método de Mitalipov.

Uma forma bem menos controversa de se conseguir células-tronco pluripotentes de humanos foi descrita em 2007 e deu o prêmio Nobel ao pesquisador japonês Shinya Yamanaka ano passado. A tecnologia de Yamanaka é tão poderosa que se tornou um dos campos mais quentes da biologia atual, com implicações enormes para a modelagem de doenças, busca de novas drogas e medicina regenerativa.

Mas será que daria para realmente clonar um ser humano com essa tecnologia? A resposta é sim, da mesma forma que foi feito com a Dolly. Caso o zigoto gerado não fosse destruído para gerar células embrionárias, mas sim transplantado em um útero preparado para uma gravidez, há chances de se desenvolver e gerar um feto. O que aprendemos com outros animais é que esses clones apresentam diversos problemas de saúde e vidas mais curtas do que o normal. Portanto, é possível, mas é injustificável fazer isso com humanos.

Esse post seria publicado em 28/5 e foi antecipado excepcionalmente para comentar o impacto científico da pesquisa da equipe de Shoukhrat Mitalipov.



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