Inovando na divulgação científica no Brasil

qui, 30/01/14
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Talvez a área mais quente e dinâmica da medicina atual seja a potencial aplicação das células-tronco na busca da cura de doenças humanas, hoje tidas como incuráveis.

Porém, o assunto é complexo, polêmico e a terminologia confusa. São diversos tipos de células-tronco, muitas vezes especificas para uma determinada aplicação. É comum ver a mídia e mesmo os profissionais de saúde se atrapalhando com o vocabulário. Além disso, existem protocolos envolvendo células-tronco que já foram provados cientificamente e estão presentes na clínica hoje em dia. Outros ainda estão em fase experimental e podem, ou não, ser utilizados no futuro. Como consequência desse momento ainda imaturo das células-tronco, clínicas clandestinas e gananciosas procuram oportunidades na esperança daqueles que estão fragilizados por alguma enfermidade ou doença incurável.

Existem muitos mitos e conceitos errados sobre células-tronco. Distinguir o que é realidade do que ainda requer aprovação científica é outro desafio dos que navegam pelo assunto. Muita informação na internet, ou em revistas cientificas especializadas, está escrito em outras línguas e existe pouco material traduzido.

Foi com o objetivo de facilitar a compreensão que eu e meus colegas decidimos escrever um livro em Português abordando as células-tronco. Desde o inicio, ficou claro que não queríamos apenas um livro texto, com jargões complicados e restritos a meios acadêmicos. Queríamos algo novo, uma fórmula diferente de divulgação cientifica, que pudesse ser lida e compreendida por crianças e adultos leigos, mas que contivesse informação atualizada, com mais novas aplicações das células-tronco, a ponto de surpreender médicos e outros profissionais da área de saúde.

O resultado é o livro “Simples Assim: Células-tronco”, editado pela Atheneu e com lançamento previsto para a próxima quinta-feira, às 19hs, dia 6 de fevereiro, na livraria da Vila Unidade Lorena em São Paulo.

O livro está dividido em duas partes, uma parte inicial fundamental e outra mais aplicada, com informações especificas sobre o uso de células-tronco na clínica em diversas situações. A parte aplicada foi escrita por profissionais do grupo médico do Hemocentro São Lucas e da CordCell, duas respeitadas instituições médicas de São Paulo, especializadas em aplicações clínicas de células-tronco, e lideradas pelo médico visionário e empreendedor Dr. Adelson Alves.

A parte básica foi escrita (ou melhor ditada num iPhone) em ares internacionais. Isso porque muito do texto foi produzido entre um voo e outro, durante viagens profissionais desse autor que vos escreve. Os transcritos foram editados pelo Rafael Garcia, repórter de ciências do jornal Folha de São Paulo, que contribuiu para retirar o “inglesismo” e trabalhar na acessibilidade da linguagem.

Outro fato curioso são as ilustrações feitas pelo cartunista Ziraldo, que aos 80 anos, inova em sua carreira e faz algo inédito: cartoons de divulgação científica!

O trabalho do Ziraldo e a qualidade dos desenhos são incríveis. Cheguei a conclusão que todo cientista deveria ter um cartunista de plantão. Mesmo quando o assunto é complicado e polêmico, como o uso de animais quiméricos em pesquisa científica, o Ziraldo surpreende. Veja o exemplo abaixo, retratando a evolução do conceito científico, desde a versão original até o produto final.

Outra inovação dessa iniciativa foi a busca de validação internacional. Por incrível que pareça, isso raramente acontece (talvez nunca mesmo) em publicações nacionais da área de ciências e saúde. O livro foi apresentado ao Dr. Larry Goldstein, diretor do programa de células-tronco da Universidade da Califórnia, um dos centros científicos mais fortes do mundo nessa área. O Dr. Goldstein tem forte atuação na divulgação científica americana e ficou impressionado com o trabalho. Além de ressaltar a importância e o momento oportuno da publicação, sugeriu a tradução imediata do livro para outras línguas, certo da sede de conhecimento sobre células-tronco que as pessoas do mundo todo tem.

As inovações não param por aí e não vou estragar a surpresa do leitor ao ler e descobrir novidades em cada página do livro. Acho que essa iniciativa representa um marco na divulgação científica no Brasil. Tomara que o formato contagie outros cientistas e se multiplique, traduzindo e digerindo a ciência de ponta mundial e levando o conhecimento a quem mais importa: a população brasileira.

Vitaminas e a ilusão da saúde

qui, 16/01/14
por Alysson Muotri |
categoria Espiral


Hoje em dia as vitaminas estão em todo lugar, na farmácia, supermercados, academias e etc. É fácil de comprar e traz uma sensação de bem-estar, de estar de bem com a vida. O fato é que somos fortemente manipulados pela mídia, financiada pela indústria farmacêutica, que transmite a imagem de que multivitamínicos fazem bem para a saúde. Mas será realmente verdade?

No final do ano passado, três estudos foram publicados na revista cientifica Annals of Internal Medicine, mostrando que não existe beneficio algum para uma pessoa saudável em tomar vitaminas ou minerais extras, seja prevenindo a ocorrência ou retardando o progresso de doenças crônicas. Pelo contrário, o efeito seria maléfico, principalmente para o seu bolso.

O primeiro estudo fez uma revisão sistemática de ensaios clínicos para medir a eficácia de suplementos multivitamínicos na prevenção do surgimento de doenças crônicas em adultos sem deficiências nutricionais. Foram 3 ensaios clínicos com multivitamínicos e outros 24 experimentos com vitaminas isoladas ou em duplas, utilizando mais de 400 mil participantes analisados de forma aleatória. Não foi encontrada qualquer evidência de efeito benéfico dos suplementos em qualquer tipo de mortalidade, doenças cardiovasculares ou câncer.

O segundo estudo avaliou o efeito de uma cápsula de multivitamínico diária como forma de prevenir o declínio cognitivo em 5.947 homens com 65 ou mais anos de idade, sem deficiências nutricionais. O estudo foi mantido por 12 anos. O efeito de multivitaminas foi comparável ao placebo em testes de cognição e memória verbal. A conclusão é simples, a adição de vitaminas em homens bem nutridos não traz vantagem alguma para perda cognitiva. O efeito foi semelhante ao encontrado em um outro trabalho recente, que avaliou o efeito isolado de vitaminas B, E, C e ômega-3 em pessoas com demência moderada. Nenhum suplemento melhorou a função cognitiva dos sujeitos da pesquisa.

O terceiro estudo teve como objetivo monitorar efeitos benéficos em potencial de 28 vitaminas em altas doses, em 1.708 homens e mulheres com histórico de enfarte do miocárdio. Depois de acompanhar os pacientes por cerca de 5 anos, os autores não encontraram efeito algum das vitaminas contra ataques recorrentes.

Esses estudos ecoam dados que vêm sendo registrados na literatura científica, sugerindo que vitaminas e suplementos minerais não têm efeitos benéficos quaisquer na prevenção de doenças crônicas. Alguns até sugerem um efeito contrário. Vale a pena mencionar outros trabalhos envolvendo dezenas de milhares de pessoas que foram acompanhadas aleatoriamente em ensaios clínicos ao consumir B-caroteno, vitamina E e altas doses de vitamina A, sugerindo um aumento na mortalidade nesses grupos.

Apesar do volume de dados científicos mostrando claramente que o uso de minerais e multivitamínicos não oferecem beneficio e até podem fazer mal, o consumo desse tipo de suplemento aumentou nos EUA, de 30% entre 1988 e 1994 para 39% entre 2003 e 2006, principalmente entre adultos bem-nutridos.

O aumento no consumo reflete um crescimento nas vendas. A indústria de suplementos continua se expandindo nos EUA, atingindo US$ 28 bilhões em vendas em 2010. Vendas essas que, muitas vezes, são consequências de medicinas alternativas ou pseudocientíficas, como a ortomolecular. Números semelhantes são registados no Reino Unido e diversos países europeus.

O acúmulo de evidências cientificas seria suficiente para sugerir que as pessoas evitem consumir esses suplementos uma vez que o uso não se justifica, na prevenção e tratamento de doenças crônicas ou déficit cognitivo. Vale lembrar que estamos falando de indivíduos saudáveis e o mesmo não se aplica em casos de má nutrição, deficiências metabólicas genéticas ou mesmo gravidez, onde o uso de complementos alimentares é indiscutível e altamente recomendável.

*Crédito: WBU / SCIENCE PHOTO LIBRARY

A ciência bossa-nova

sex, 03/01/14
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Dessa vez, minhas reflexões sobre o ano novo pairaram sobre a ciência atual como forma de gerar conhecimento para o bem da humanidade. Fiz o seguinte exercício filosófico: se pudesse reconstruir como a ciência é feita hoje em dia, quais seriam as modificações mais importantes que incorporaria? Como seria essa “ciência bossa-nova”?

Cheguei a conclusão de que se realmente tivesse essa oportunidade, mudaria muita coisa. O método cientifico tem sido eficaz, é verdade, mas lento. Descobrimos o principio fundamental da genética, evolução, biologia molécula, etc. Com isso, fomos capazes de curar diversas doenças, prever processos biológicos complicados entre outras coisas. Porém, ainda sinto que estamos bem pra atrás em diversas áreas, como por exemplo no entendimento do cérebro. A ciência tem sido lenta por diversas razões, incluindo interesses financeiros, egocentristas e falta de visão cooperativista. Então, penso que a ciência poderia ser ainda mais eficiente se fosse otimizada seguindo algumas dessas idéias que listo abaixo.

Começaria por fazer a ciência um patrimônio da humanidade. Seria a real ciência sem fronteiras, aonde não haveria conhecimento restrito por barreiras territoriais. O fim da ciência “nacional” seria acompanhado por um esforço mundial, aonde grupos de cientistas trabalhando numa mesma área usariam de ferramentais virtuais para dividir resultados antes de serem publicados. Obviamente que esse tipo de parceria iria gerar questionamentos sobre os direitos autorais ou mesmo royalties gerados por produtos oriundos dessa pesquisa. Não quero causar a impressão que sou a favor de uma ciência comunista, não é isso. Argumento que da mesma forma que hoje já existem consórcios mundiais que conseguem resolver a questão financeira, as consequências da ciência mundial seriam voltadas para o bem da humanidade, portanto o produto final seria igualmente dividido entre os grupos participantes.

A forma de publicar também deveria ser seriamente alterada. Na minha visão “bossa-nova” existiriam apenas três jornais, de livre acesso, funcionando como uma dinâmica forma de blog. A submissão dos trabalhos é uma só, direta. Manteria a revisão por pares, mas abriria o processo para deixá-lo mais transparente. Além disso, incluiria comentários da comunidade em geral. A diferença entre publicar no jornal X em relação ao jornal Y seria apenas de caráter classificatório: trabalhos que descrevem um novo fenômeno (exploratórios), aqueles que propõe uma nova teoria baseando-se em alguns dados e trabalhos que provem uma hipótese (mecanisticos). A própria comunidade cientifica se encarregaria de julgar qual a classificação dos trabalhos através de votos online. Essa classificação ajudaria os outros cientistas (que não são necessariamente daquela área), a julgar como os resultados publicados permitiram a avançar o conhecimento.

Acabaria de vez com a estabilidade do pesquisador em universidades ou institutos de pesquisa públicos, fazendo com que o processo seja o mais meritocrático possível. Além disso, dividiria os pesquisadores em categorias como administrador, executor e teórico. Todos teriam o mesmo treinamento, mas escolheriam a carreira a seguir basendo-se naquilo que gostam mais de fazer. Hoje em dia, a maioria dos pesquisadores fazem tudo junto, não necessariamente da melhor forma possível. A última categoria seria a de professor, encarregados de passar o conhecimento e não necessariamente gerá-lo. Sei que todo tipo de classificação é, de certa forma lúdico, e portanto não imagino que essas classes sejam rígidas, mas flexíveis, mutáveis. Poderíamos até dispor de um serviço rotacional.

Outra parte que eu alteraria seria o financiamento para pesquisas. Acho que todo pesquisador que começa deveria receber um “startup” rico o suficiente para deixá-lo independente por um certo período. Depois disso, o volume de financiamento para determinado grupo ou pesquisador seria modulado em relação a produtividade. Já sei, alguém vai dizer que produção é difícil de se julgar. Concordo que seja difícil, mas não podemos esquecer que conhecemos apenas no esquema atual. Ao eliminarmos a perfumaria dos jornais (impacto, nome, grupo editorial, etc) conseguiríamos ter uma visão mais clara da contribuição do pesquisador, pois estaríamos julgando qualidade do conhecimento gerado.

Enfim, é impossível criar um modelo de ciência novo o suficiente que deixe de lado todos os problemas anteriores. Também é impossível criar o modelo ideal. Mas o exercício de imaginar um mundo cientifico mais eficiente, pode incitar discussões  interessantes entre gerações de cientistas que tem o poder de fazer alterações significativas no sistema.



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