Dedinho do pé Neandertal revela acasalamento entre espécies humanas

qui, 19/12/13
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categoria Espiral

O cenário parece algo semelhante ao filme “O Senhor dos Anéis”, com diversas espécies humanoides convivendo no mesmo mundo. Talvez esse seja um mundo semelhante ao que aconteceu há cerca de 50 mil anos atrás. Homo sapiens, Neandertais e mais dois grupos da espécie humana conviveram e provavelmente tiveram relações amorosas. Essa é a conclusão da análise de DNA extraído de um osso oriundo de um pododáctilo Neandertal numa caverna nas montanhas Altai da Sibéria.

O artelho (articulação pela qual o pé se prende à perna) fossilizado do Neandertal deu o que falar e foi tema de um estudo publicado nesta semana na revista científica “Nature”. Os cientistas compararam a sequência do genoma do fóssil com o genoma de outros 25 humanos modernos, além do genoma dos Denisovans, um grupo de humanos que também conviveu com os Neandertais.

De acordo com as análises, o material genético dos Neandertais contribui com cerca de 2% do genoma dos humanos modernos fora da África, e com 0.5% do genoma dos Denisovans. Já os Denisovans contribuem com 0.2% do DNA de pessoas com origem asiática ou americanos nativos. Mas a maior surpresa foi a descoberta de um quarto tipo de hominídeo, contribuindo com cerca de 6% do DNA dos Denisovans. Mas quem seriam esses seres? A identidade desse quarto grupo ainda é um mistério. Especula-se que esses possam ser descendentes do Homo erectus, mas isso precisa ser confirmado.

As análises de DNA de espécies humanas extintas têm contribuído muito para iluminar como o mundo deve ter sido para nossos antepassados. A Eurásia, durante as fases finais do Pleistoceno, parace que era um lugar interessante para um hominídeo. Diversos grupos de humanos, com grandes números de indivíduos bem distintos fisicamente, coabitavam a terra, encontrando-se eventualmente e fazendo sexo.

O ossinho foi achado na mesma caverna em que arqueologistas haviam descoberto evidências da presença dos Denisovans, grupo que mostrou-se distinto dos Neandertais e humanos modernos já em 2010. Nesse caso, o ossinho fossilizado era de uma mulher Neandertal. Pode-se inclusive saber que os pais dela eram parentes entre si, irmãos de uma mesma mãe, primos de segundo grau ou mesmo tio e sobrinha. O acasalamento entre as espécies aconteceu num período quando a população dos Neandertais já estava em declínio, na borda da extinção praticamente. Isso talvez justifique o cruzamento entre parentes próximos.

Pelo estudo, pode-se estimar também que o ancestral comum entre Neandertais e Denisovans separou-se da linhagem dos humanos atuais há cerca de 600 mil anos. Com base nas sequências dessas três espécies, pode-se concluir que a espécie humana moderna começou a sobressair em número há pelo menos um milhão de anos. E foi há apenas 30 mil anos que o humano moderno, o Homo sapiens, deve ter sido o único sobrevivente humano do mundo. O porquê e como isso aconteceu ninguém sabe. O fato é que as evidências de que esses grupos humanos se miscigenaram geneticamente estão cada vez mais fortes, aguçando a curiosidade dos cientistas.

O mapeamento genético de espécies humanas extintas vai nos ajudar a entender por que os humanos modernos são os únicos sobreviventes de diversas tribos que um dia andaram pela Terra. A diferença entre humanos e Neandertais é relativamente pequena, o que permitirá o catálogo das alterações genéticas que distinguem os humanos modernos das outras espécies. Acredito que em algumas dessas modificações genômicas estariam escondidos os segredos que tornaram possível a conquista do planeta pelos humanos modernos, através do domínio da cultura e tecnologia. Quem viver verá.

Um cérebro, múltiplos genomas

qua, 04/12/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Trabalhos recentes têm confirmado o que se promete ser uma revolução na forma como conectamos genética e neurociência. Em 2005, meus colegas e eu publicamos um artigo sugerindo que, através de observações indiretas, o cérebro humano seria um mosaico genético, em que cada neurônio individual estaria modificado geneticamente pela atividade de genes saltadores. Apesar de polêmica que causou naquele momento, essa teoria fez sentido ao contemplarmos o conhecimento da época em doenças hereditárias e altamente complexas.

Em 2007, a área da genética sofreu outro abalo com a descoberta que mutações somáticas estavam associadas ao autismo. Hoje sabemos que essas alterações espontâneas no DNA afetam também outras doenças, como esquizofrenia ou síndrome bipolar. Essas mutações são chamadas de “somáticas” porque ocorrem em regiões especificas do cérebro adulto. Durante muito tempo, cientistas estudaram o papel dessas mutações em câncer, mas neurocientistas e psiquiatras nunca se interessaram muito no assunto porque neurônios são células que não se dividem. No estudo de doenças neurológicas, o material genético para estudo acaba vindo de tecidos periféricos, como pele e sangue, pois nunca se imaginou que o DNA do cérebro de um indivíduo pudesse conter genomas múltiplos.

No ano passado, um trabalho de Harvard publicado na revista “Cell” mostrou evidências físicas da presença de genes saltadores no cérebro humano. O grupo conseguiu identificar pegadas de alterações genéticas através do sequenciamento de neurônios individualizados, a prova final de que o fenômeno realmente acontece no cérebro humano. Mês passado, dois grupos da Califórnia deram mais um passo nesse sentido. No primeiro trabalho, publicado na revista ”Science” por um grupo do instituto Salk, sequenciou-se neurônios do córtex humano revelando que cerca da metade deles apresentavam alterações genéticas únicas. Essas alterações não eram sutis, mas dramáticas, com perdas de milhares de bases, pedaços gigantes de cromossomos estavam faltando em algumas células. Em outra publicação independente, um grupo de engenheiros da Universidade da Califórnia em San Diego desenvolveu uma nova plataforma para sequenciamento de células individualizadas. Ao aplicar a nova metodologia também no cérebro humano, detectou-se ganhos de pedaços enormes de cromossomos em neurônios distintos. O trabalho, publicado na “Nature Biotechnology”, confirma o que já suspeitávamos: em nosso cérebro reside uma variação genética intrínseca e enorme.

Mas se os neurônios são células que não se dividem, de onde surgem essas alterações? Muitas dessas mutações somáticas podem ter sido causadas justamente pela atividade de genes saltadores durante o desenvolvimento embrionário, quando as células progenitoras que darão origem ao cérebro estão proliferando loucamente. No feto, as progenitoras neurais são as células que se dividem mais rapidamente no corpo. Estima-se cerca de 100 mil divisões por minuto durante as semanas 10 e 24 da gestação, quando o cérebro chega a produzir 10 bilhões de células. De certa forma, não deveria ser surpresa alguma constatar que o cérebro é um tecido que acumula alterações genéticas. Surpresa seria a de não encontrar nenhuma alteração.

Seriam essas modificações, frequentemente em um único neurônio, relevantes para o indivíduo? Estariam elas ligadas a transtornos do desenvolvimento? Ainda não sabemos interpretar essa variação genética no cérebro, mas o estudo desse mecanismo no câncer, por exemplo, levou ao desenvolvimento de uma série de medicamentos. É plausível então imaginar que, no cérebro, mutações podem ser a causa de doenças neurológicas ou mesmo de habilidades excepcionais em alguns indivíduos. Sob a ótica evolucionária, alterações no DNA seriam o motor evolutivo para um cérebro mais sofisticado. O custo disso seria a enorme diversidade cognitiva das populações humanas.

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