Caso dos Beagles: infelizmente estamos distantes de poder abrir mão dos testes

ter, 22/10/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

A notícia da retirada dos cães da raça Beagle de um laboratório no Brasil por ativistas levanta mais uma vez a questão sobre o uso de animais para fins de pesquisa. Como biólogo e amante dos animais, entendo perfeitamente esse tipo de questionamento do público leigo. Como pesquisador clínico, buscando a cura para enfermidades humanas, não vejo outra saída, pelo menos por enquanto.

O fato é que animais são necessários para que a ciência avance. Não existem, hoje em dia, modelos alternativos de estudo que substituam completamente o uso de animais na pesquisa pré-clínica. A justificativa é simples, todo tratamento experimental deve ser testado antes em um animal para evitar complicações no ser humano. Estamos a anos-luz de criar modelos computacionais ou virtuais que simulem exatamente o comportamento de uma célula humana. Vou mais longe, se tivéssemos esse modelo atualmente, já teríamos curado todas as doenças humanas do mundo!

Se por um lado, hoje não temos nada que substitua os animais, de outro existe o reconhecimento pela comunidade científica que modelos animais não são necessariamente sempre úteis em pesquisa clínica. No caso de doenças neurológicas, a grande maioria das drogas testadas positivamente em animais, falharam quando aplicadas em seres humanos. Isso porque nosso cérebro é muito diferente do cérebro de um camundongo, por exemplo. Ao escolhermos outros animais como modelos, como cães ou macacos, nos aproximamos do humano, mas o custo é ainda muito alto e proibitivo.

Muitos laboratórios e indústrias farmacêuticas têm namorado a possibilidade de usar células derivadas de células-tronco pluripotentes a partir de pacientes. Fizemos isso para o estudo de autismo (uma condição humana impossível de recriar com modelos animais) e mostramos que o modelo pode ser mais predicativo do que roedores, por exemplo. O método foi patenteado e hoje em dia já temos a primeira indústria farmacêutica que usa neurônios humanos para triagem de novas drogas, reduzindo dramaticamente o número de cobaias. Outros grupos de pesquisa têm lançado mão da mesma estratégia para gerar células do fígado em testes toxicológicos, ou pele humana em testes de cosméticos. De forma semelhante, pode-se recriar órgãos artificiais em laboratório com a mesma finalidade. Mas mesmo assim, esses modelos não exibem a complexidade de um organismo vivo, onde sistemas diversos interagem de forma dinâmica (pense no sistema imune, por exemplo, que circula pelo organismo inteiro e responde de forma diferente dependendo do tecido).

Nos EUA, salvo ações extremistas, vejo a sociedade mais consciente de que o uso de cobaias em pesquisa é um mal necessário, justificado pela ética humana. A sociedade parece mais preparada e tem a opção de escolher produtos cosméticos que não foram testados em animais, por exemplo. Cosméticos à parte, só graças a esses testes existem remédios para males cardíacos, Aids, diabetes e a maior parte das doenças humanas. A discussão por aqui nos EUA hoje em dia está mais para qual modelo animal é mais adequado para qual pesquisa. Por exemplo, camundongos servem para estudos de certos cânceres, mas não para estudos neurológicos. Animais de grande porte, como porcos, simulam melhor lesões medulares em humanos. E por aí vai.

Além disso, existem comitês de ética que não apenas aprovam as pesquisas, mas as supervisionam. Segundo a ética humana, os animais selecionados para pesquisa têm que ser tratados com respeito e sentir o mínimo de dor. O número de animais tem que ser estatisticamente justificável e o desenho experimental julgado eficiente e conclusivo. Esses comitês, compostos por membros da sociedade e, portanto, com menos viés acadêmico, tem que pesar o custo benefício de toda proposta de uso de animais em experimentos científicos. A supervisão é frequente e, ao sinal de qualquer irregularidade ou maltrato aos animais, os cientistas são repreendidos e podem ser até expulsos dos institutos de pesquisa.

Maltrato a qualquer animal, seja de estimação, selvagem, ou cobaia é inaceitável. O uso ético de animais em pesquisa hoje em dia é pra mim algo inquestionável, principalmente se a sociedade busca curas para doenças humanas. O incentivo a melhores modelos que irão, aos poucos, substituindo os animais quando possível é a solução. Para isso acontecer é preciso mais investimento em ciência, estimulando-se a busca por métodos alternativos.

Foto: Bianca Celoto/TV TEM

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71 Comentários para “Caso dos Beagles: infelizmente estamos distantes de poder abrir mão dos testes”

Páginas: [4] 3 2 1 »

  1. 71
    Ana Paula:

    Eu como biologa e pesquisadora concordo plenamente. Muito bem escrito Alysson.

  2. 70
    BIA:

    FIQUEI HORRORIZADA QUANDO,1 PESSOA AFIRMOU QUE COSMÉTICOS (USAMOS MAS É SUPÉRFLUO)
    * NÃO SÓ PODEM COMO DEVEM SER TESTADOS EM COELHINHOS INOCENTES, POIS O METABOLISMO DELES É SUPER PARECIDO COM O NOSSO.

    AQUI, LEIO: RATOS E PORCOS TEM O METABOLISMO PARECIDO COM O NOSSO.

    ERREI OU O SR CITA COELHOS AQUI?
    ACHEI QUE ELA ESTAVA ERRADA.

  3. 69
    Lucas:

    As imagens da turba enfurecida invadindo o Instituto Royal pareceram ter saído direto de um conto de caça às bruxas medieval, só faltaram as tochas e os tridentes.

    Lamentável.

  4. 68
    Mônica:

    Fico preocupada com o nível dos comentários! Concordo com Dr. Muotri, aliás! muito obrigada por pesquisar os autistas. Mais ainda, parabéns pela coragem aqui exposta! Ah, continue surfando, cuide de sua mente e corpo para continuar bem sucedido e termos esperança para muitas doenças, sobretudo síndromes misteriosas, como autismo!
    Espero também que alguns que postaram aqui, com agressividade ferrenha, rezem para não terem enfermidade para si e seus familiares, pois vão precisar do ” produto” de alguma pesquisa cujo teste foi realizado em animais.
    Por fim, leiam Gênesis! Abs.

  5. 67
    Rosana Oliveira:

    Pra quem fala que os animais são totalmente diferentes dos humanos, aí vai: animais como rato ou porco possuem metabolismo semelhante ao ser humano, no âmbito da reação a medicamentos. Mais semelhantes que os macacos.
    Sendo assim, se um medicamento for impróprio pro porco ou rato, será impróprio pro ser humano. Muito raramente ocorre o contrário.
    Por que não usar computadores? Porque para que isso acontecesse, a ciência já deveria conhecer com a palma da mão e olhos fechados as várias reações adversas possíveis que um corpo poderia ter. Como sabemos, não estamos nesse estágio. A cada dia vemos pessoas relatando efeitos adversos para os médicos com o fim de catalogá-los.

    O uso de computador nada mais é do que uma simulação. Simular algo sem conhecer os resultados possíveis é amadorismo.
    Isso sem falar que muitos medicamentos veterinários usam animais como teste. Um animal foi usado pra salvar o animal do ativista.
    Além disso, há medicamentos utilizados tanto por animais quanto por humanos.
    Quando o assunto é experimento em animais com o fim de testar produtos fúteis como shampoo ou maquiagens, sou completamente contra, pois esses testes são tópicos e é completamente possível testar seus efeitos em tecidos cultivados em laboratório.
    No caso de medicamentos isso não é possível, pois são testados os sistemas.

  6. 66
    sandra:

    Tomei a iniciativa de recortar esta publicacao na Veja do Frederico que achei otima, bem explicativa e concordo com o Dr.Alysson, assim como o Frederico.

    Frederico
    Eu quero ver quem vai ser o voluntário generoso que vai querer doar um tecido cerebral ou do coração! Acho válido o argumento de que o uso de animais em pesquisa não alcance um valor altamente significativo quando o assunto é danos a humanos. O problema é que a pesquisa com animais é o mais próximo de humanos que a gente possui no momento. Falar em utilizar computadores é um absurdo. Não adianta nada saber como um receptor funciona, sendo que existem bilhões de moléculas que podem atuar nele e outras bilhões de moléculas que podem ser influenciadas por determinada droga. O que atualmente se prega nos testes pré-clínicos são os testes primeiramente in vitro (que testam como CÉLULAS irão reagir a determinada droga/molécula). Depois segue-se para os animais para se testar como um ORGANISMO irá reagir a determinada droga/molécula. Querer utilizar um computador que testa como um RECEPTOR (que equivale a apenas uma ínfima parcela de UMA CÉLULA) é um tremendo retrocesso… Achar que uma droga atue em apenas um único receptor é simplificar demais a maquinaria do corpo humano. Eu concordo plenamente que devemos testar em humanos para encontrar o mais rápido possível a cura de doenças. O problema é que não possuímos material. Não existem tecidos humanos à disposição assim. Um exemplo sensacional que começa a tomar forma é com relação a tecidos de células pancreáticas através do consórcio nPOD (Network for Pancreatic Organ donors with Diabetes) que busca fornecer tecidos pancreáticos de pacientes com diabetes tipo 1 que falaceram, para a pesquisa. Caso esse consórcio aumente e atinja os outros tecidos do corpo (como coração, pulmão, etc) AÍ SIM eu acredito que o “começo do fim” da utilização de animais aconteça. Enfim, essa vontade de querer partir logo para pesquisas em humanos trouxe problemas seríssimos para a humanidade. Um exemplo que aconteceu aqui mesmo no Brasil foi a Talidomida. Mera opinião de um aluno de Iniciação Científica.

  7. 65
    SimoneTh Pereira:

    Sobre o post do
    Pedro:
    23 outubro, 2013 as 9:13 am
    Pergunto aos defensores dos animais: Se você tivesse um filho com uma doença gravíssima, com pouco tempo de vida e um cientista la das “cochichinas” descobrisse uma droga capas de cura-lo, mas essa tal droga teria seus efeitos colaterais desconhecidos, então o tal cientista pediria para testar a droga em seu cachorrinho de estimação antes de aplicar em seu filho, vocês concordariam?

    Não, meu caro, não deixaria NUNCA testarem no meu animal de estimação, afinal para nós, defensores e pais amorosos de animais de 4 patas isso não procede, assim como tb não para outro animal qualquer que poderia sofrer maus tratos com isto. Eu preferia me oferecer para o tal teste . Afinal o mesmo seria para curar uma doença humana e não de um animal irracional, concorda??

  8. 64
    Ricardo:

    O ser humano é cruel e pronto, não tem como fugir disso, nós de fato somos um problema para esse planeta.

    Eu como carne todos os dias, mas não é por causa disso que sou a favor de ferrar com os bichos, agora se eu tiver que matar pra comer eu não vejo problema algum, essa é a coisa mais natural que existe, mas seu matar por dinheiro ou por esporte devo pagar por esse erro.

    Teste em animais não é legal. Uma das empresas que mais faturam no mundo são as FARMACÊUTICAS, esses não param de inventar genéricos, doenças. Por mim vocês podem continuar com seus “avanços” pois somos capitalista, mas façam tetes em vocês mesmo ou porem como essa porr(*¨*¨%

  9. 63
    Vladimir V.Michailowsky Filho:

    Para que um medicamento seja liberado para consumo dos seres vivos, devem ser certificados seus efeitos. Cura ou não cura o mal? Cura! Libera! Tem sequelas graves? Tem! Tem medicamento contra as sequelas? Tem! Libera! Mas para isso tem-se um grande caminho. Primeiro as cobaias até se chegar às cobaias humanas (grandes laboratórios contratam pessoas que teêm o mal para servirem de cobais). Depois volta-se à pergunta: Cura? Cura! Produza e venda!

  10. 62
    Rodinei Junior:

    Desde quando comer carne é algo desprezível?
    Desprezível é ser ignorante o suficiente para abrir a boca para falar abobrinha, sendo que não sabe que proteína é um elemento fundamental para nossa constituição física/saúde.. com isso, precisamos de(por exemplo) 200 g de frango(se eu não me engano tem umas 30-50 g de proteina pura).. ou 2 kilos de verdura(pra conseguir menos proteina que isso)…

    Quem é o ignorante agora?
    Além de que nosso corpo absorve/metaboliza melhor proteínas de animais…

    Tecnologia? Desde quando tecnologia é apenas um termo usado para fins farmaceuticos?
    Temos muita tecnologia e pesquisas sérias dentro das universidades, a culpa de não saber disto é sua :D

    Diga-se de passagem, sou totalmente contra testes em animais.
    O mais legal é ler :” . A justificativa é simples, todo tratamento experimental deve ser testado antes em um animal para evitar complicações no ser humano. “… pois bem, então complicações no animal pode né? Ridículo auhauhauh…

    Isso dai é feito em animais porquê fazem 40000 formulas por dia e precisam testar com mais rapidez possível pra poder vender nas farmácias/lojas de cosméticos e encher seus bolsos de grana…Se fosse teste em humanos, seriam 10000 vezes mais cuidadosos.

  11. 61
    Pedro:

    Pergunto aos defensores dos animais: Se você tivesse um filho com uma doença gravíssima, com pouco tempo de vida e um cientista la das “cochichinas” descobrisse uma droga capas de cura-lo, mas essa tal droga teria seus efeitos colaterais desconhecidos, então o tal cientista pediria para testar a droga em seu cachorrinho de estimação antes de aplicar em seu filho, vocês concordariam?

  12. 60
    Derso:

    Avisa esse idiota que desde 1959 foi descoberto que testes em animais não são eficaz …cara esses cientistas se acham inteligente mais eu que só tenho 1 faculdade de ADM ainda sei disso …pelo amor são mais q burros

  13. 59
    ANDREAAG:

    Eu tive câncer e graças a algum câonzinho ou outro animal estou viva para cuidar de meus filhos de 5 e 6 anos.
    OBRIGADA BICHINHOS!

  14. 58
    Sa Ci:

    É crueldade com os Beagles mas com as vacas não? Hipocrisia a grande maioria dos “ativistas” devem ter comemorado o sucesso com um belo bife no prato.

  15. 57
    Virginia:

    Levante a mão quem nunca tomou um remédio para dor, um antibiótico, um anti-inflamatório!
    Eu não sei como funciona no Brasil, mas na Europa as cobaias são tratadas extremamente bem. O animal que vai ser alvo de teste não pode estar estressado porque isso pode influenciar nos resultados. Sou apaixonada por animais, mas infelizmente não há outra forma de teste seguro, por enquanto. AAAAA mais uma coisa, os ativistas retiraram os cachorrinhos e coelhinhos, e os ratos? Eles não gostam de ratos?

  16. 56
    Warley:

    Concordo totalmente com o autor do texto. Pegue um desses ativistas e introduza na família dele alguma doença sem cura. Vamos ver se ele não vai até o fim para procurar uma cura. Aí sim testaremos os valores de cada um…

  17. 55
    dione:

    Se para a cura das minhas doenças requer tanto sofrimento de um ser-vivo, prefiro morrer doente, mas de consciência limpa.

  18. 54
    Cassio Barbosa:

    Colocando os pingos nos is.

  19. 53
    André Guedes:

    Antes de mais nada, sou fã do seu blog, que acompanho assiduamente.

    Mas não poderia deixar de questioná-lo a respeito da postagem de hoje… O que pode ser considerado ético?

    Proponho um experimento mental extremamente simples: suponha que uma nave alienígena de Aplha Centauri amerisse na Terra e comece a capturar livremente seres humanos – tecnológica, cultural e mentalmente inferiores – para experimentos científicos cruéis em prol da saúde dos Aplha Centaurianos. Milhares de vidas alienígenas serão salvas em função do sacrifício de outros milhares (ou talvez milhões) de seres humanos.

    Os Alpha Centaurianos estão sendo moralmente assertivos? Como seres humanos, deveríamos nos resignar a essa condição de inferiores dominados, ou aguardaríamos esperançosamente que algum grupo ativista de Alpha Centaurianos invadisse os laboratórios para nos livrar dos maus tratos e da dissecção in vivo?

    Entendo que as medicações e a própria medicina em si só puderam evoluir graças a experimentos com animais. Mas nem todo progresso humano pode ser considerado moralmente ou eticamente aprovável – vide a conquista da América pelos europeus, o desmatamento em prol da construção de grandes centros urbanos, etc. É uma questão difícil, admito, mas você há de concordar comigo que o sentido de justiça e ética muda completamente quando somos nós os alvos.

    Abraços, e parabéns pelo blog.

  20. 52
    Magal:

    Nota 10! Quem é contra os testes que não tome mais vacinas, remédios, etc. Bando de hipócritas!

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