Tecnologia vai adquirir consciência e vontade própria no futuro

qui, 26/09/13
por Alysson Muotri |
categoria Coluna

Uma colher só é uma colher durante uma refeição. Após a sopa, a colher deixada de lado deixa de ser uma colher. A colher perde imediatamente sua vontade de servir ao que foi programada para ser. O texto filosófico de hoje é sobre a vontade da tecnologia. Afinal, seria a tecnologia autônoma?

Quando pensamos em tecnologia, logo imaginamos nossos aparelhos eletrônicos, celulares e outros apetrechos da atualidade que vamos inserindo em nossas vidas. Logicamente, esses objetos individualmente não querem nada, não buscam nada, são inanimados e inconscientes. Mas ao considerarmos tecnologia como uma rede dinâmica, talvez exista algo a mais que ainda não fora percebido completamente pela maioria dos usuários. Vou usar o iPhone como um exemplo. Para que o iPhone funcione, é preciso internet, aplicativos, energia, músicas, um humano operador etc e uma série de outras tecnologias interligadas. O iPhone sozinho é como uma colher. Mas, quando interligado com um ser humano e todas outras tecnologias que o nutrem, torna-se uma entidade altamente complexa. Esse organismo complexo, assim como nós, pode estar buscando certa autonomia.

Essa autonomia seria diferente de um livre arbítrio e mais próxima de um processo de evolução biológica. O que sugiro é que as coisas ao nosso redor, quando conectadas entre si, tendem a algo inevitável. Da mesma forma como uma planta quer luz e se curva para onde há mais luminosidade, a tecnologia também se direciona. Não é algo consciente ou intencional, ainda…

Para entender esse argumento, vale lembrar da onde é que vem a tecnologia. As ideias inovadoras não surgem espontaneamente, mas são incubadas por um período longo de tempo, misturadas com conceitos de outras pessoas, até emergir como uma ideia original. Portanto, as ideias não simplesmente brotam em nossa mente, mas evoluem e florescem antes de se revelar de forma consciente, causando a falsa impressão que esses são momentos únicos e iluminados. Quando estudamos o origem das grandes ideias da humanidade, fica claro que esses momentos de eureca não são eventos isolados, mas acontecem múltiplas vezes num período curto de tempo. Veja o caso do telefone, a patente de Alexandre Graham Bell foi submetida com aproximadamente três horas de diferença para um segundo inventor, que concebeu o telefone de forma completamente independente. Outro caso curioso, o bulbo de luz, creditado a Thomas Edson, foi submetido ao escritório de patentes junto com 23 outras aplicações. O consciente coletivo humano está programado para inovar sempre, criando avanços tecnológicos. Somos portanto, não somente responsáveis pela tecnologia, mas parte dela.

As inovações surgem quando temos basicamente duas coisas: primeiro, todas as tecnologias precedentes necessárias para que algo novo tenha que existir e, segundo, que essas tecnologias anteriores estejam acessíveis a diversas pessoas. Para que um telefone funcione, é preciso uma série de outras peças, circuitos e tecnologias que suportem sua invenção. Ter uma ideia inovadora muito cedo é tão ruim e inútil quanto ter uma grande ideia muito mais tarde, depois que algo já foi inventado. Quando as partes existem, a inovação é iminente e imprescindível. Digo mais, quando o ambiente é propicio, a inovação é inevitável.

Quando pensamos nisso, concluímos que a história da tecnologia se assemelha a história evolutiva dos seres vivos. A invenção da colher não resistiu à sopa. Os olhos, à transmissão da luz. Olhos surgiram de forma independente em diversos organismos, todos de certa forma semelhantes pois estavam restritos às leis físicas que regem a transmissão da luz.

A história da tecnologia é extremamente semelhante a história da vida. A tecnologia poderia até ser considerada o sétimo reino. A tecnologia está parasitando os humanos para se autodefinir e aumentar sua complexidade. Dessa forma, humanos não poderiam predizer ou impedir os avanços tecnológicos, estaríamos à mercê da “vontade” dessa inteligência artificial. Por exemplo, hoje em dia seria praticamente impossível acabar com a internet. E se caso isso aconteça, as consequências imprevisíveis e catastróficas poderiam, inclusive, eliminar de vez os humanos do planeta. É, portanto, suicídio impedir a inovação.

Contemplando esse cenário, concluo que as coisas que inventamos são uma extensão dos mesmos processos evolutivos que nos tornaram humanos. Portanto, é plausível imaginar que em algum momento da história, a tecnologia irá adquirir consciência e vontade própria, conceito imortalizado por Kubrick, com HAL 9000, em “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Quando isso acontecer precisaremos nos adaptar a essa nova realidade.

A ação humana e o cérebro dos morcegos

qui, 12/09/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

É fato que os humanos interferem na natureza e atuam como uma força evolucionária em outros animais. Exemplos disso estão em toda parte: o uso indiscriminado de antibióticos favorece o aparecimento de bactérias resistentes, a pesca descontrolada de peixes grandes altera a dinâmica dos pequenos, a poluição nas cidades altera as cores dos insetos, e por aí vai.

Mas um estudo recente, liderado pela pesquisadora Emilie Snell-Rood, da Universidade de Minnesota, nos EUA, mostrou que a interferência humana está influenciando outros animais de forma inesperada. Ao mudar o ambiente onde os animais vivem, podemos favorecer o surgimento de cérebros maiores, com uma melhor capacidade cognitiva.

As conclusões dessa pesquisa vieram através da quantificação de uma vasta coleção de esqueletos do museu da Universidade de Minnesota. A pesquisadora escolheu 10 espécies de animais para medir as dimensões da caixa craniana, estimando o volume cerebral dos animais adultos. Considerando duas espécies de roedores, os resultados mostraram que o cérebro de bichos que vivem nos subúrbios das cidades é cerca de 6% maior do que aqueles coletados em áreas rurais. Uma explicação é que, quando esses indivíduos migraram para a cidade, o cérebro deles ficou maior. O mesmo aconteceu com duas espécies de morcegos.

A hipótese apresentada pelo grupo é que o crescimento do cérebro aconteceu por causa de mudanças radicais no ambiente da Minnesota. A paisagem que, antigamente era de florestas e campos, agora abriga cidades e fazendas. Nesse novo contexto ambiental, indivíduos que foram capazes de aprender novas maneiras de sobreviver deixaram mais filhotes. A explicação é apoiada com base na literatura científica.

Diversos estudos anteriores já haviam relacionado o tamanho do cérebro com a capacidade de aprendizado, principalmente em roedores (modelo experimental favorito da neurociência). Semelhante aos mamíferos, experimentos recentes com peixes, que foram artificialmente selecionados para favorecer a reprodução entre aqueles com cérebro maior, geraram indivíduos que se deram melhor em testes de memória e aprendizado. Tudo indica que o aumento do volume do cérebro é um mecanismo conservado de seleção de indivíduos mais inteligentes.

Talvez esse tenha sido o mecanismo evolutivo nos morcegos e roedores de Minnesota. Após a redução das florestas e o corte das árvores, passou-se a exigir mais do cérebro desses animais, que agora tinham que sobreviver em um ambiente completamente diferente para encontrar comida e abrigo. Somente aqueles que se adaptaram a essas mudanças resistiram e deixaram descendentes. Talvez esses sejam justamente os indivíduos com maior cérebro. Obviamente, existem diversas explicações alternativas que precisariam ser consideradas.

De qualquer forma, o trabalho é interessante porque mostra o fenômeno do aumento de cérebro em populações de animais selvagens. Acredito que seria possível validar essas observações em laboratório, cruzando animais com cérebros grandes e pequenos, vindos de regiões rurais ou não, e medindo eventuais aumentos cognitivos com o passar das gerações. O estudo poderia ficar mais sofisticado ainda ao incluir um pouco de biologia molecular, buscando entender quais genes estão envolvidos nesse processo.



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