Um elo entre a super-higiene moderna e o autismo?

sex, 09/08/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O espectro autista, como o próprio nome sugere, é muito heterogêneo. Possivelmente múltiplos subtipos e etiologias existem, o que torna difícil seu estudo. A alta prevalência do autismo na sociedade (1 a cada 88 pessoas, segundo estudos dos EUA), tem estimulado a pesquisa científica para entender as causas do autismo e como combatê-lo. Alguns estudos haviam previamente implicado o sistema imunológico materno com o quadro clinico de algumas formas de autismo.

Decididos a investigar essa relação mais a fundo, um grupo do centro de excelência de estudos para o autismo da Universidade da Califórnia, conhecido como Instituto M.I.N.D., detectou a presença de anticorpos maternos tipo IgG com reatividade a duas proteínas do cérebro fetal em 12% das mães de crianças autistas. Como muitos outros estudos em autismo, a amostra inicial fora pequena, deixando dúvidas se realmente existiria algo assim. Além disso, a identidade dessas proteínas fetais ainda é um mistério. Afinal, com o que realmente os anticorpos maternos estavam interagindo no cérebro do feto e qual seria seu mecanismo de ação?

Durante a gravidez, as mulheres normalmente passam seus anticorpos para o feto, permitindo que esses nasçam com anticorpos que os defendam de eventuais infecções até que o próprio sistema imune da criança esteja maduro. É uma mordomia evolutiva adquirida milhares de anos atrás por nossos antepassados. A teoria por trás da descoberta do grupo M.I.N.D. é que esses anticorpos IgG maternos específicos do autismo também cruzem a placenta durante a gravidez e afetem o desenvolvimento do cérebro de forma indireta e não intencional. Um tiro pela culatra dessa vantagem evolutiva.

Em maio deste ano, o mesmo grupo de pesquisa validou os achados iniciais, replicando o estudo num grupo maior de mães de autistas. Além disso, observaram que os autistas nascidos das mães com altos níveis desses anticorpos tinham a tendência a ter a circunferência da cabeça bem maior do que crianças típicas (controles) da mesma faixa etária. Vale lembrar que o cérebro maior é uma característica clínica de 20 a 30% das crianças autistas.

Agora em julho, o grupo publicou mais um artigo, dessa vez com testes funcionais em macacos. Os anticorpos IgG maternos foram purificados de mães com crianças autistas e mães de crianças típicas e administrados em dois grupos independentes com oito macacos fêmeas cada, durante o primeiro e segundo trimestre de gravidez. Um terceiro grupo não recebeu anticorpo algum. O cérebro e o comportamento da prole foi analisada por dois anos após o nascimento. Diferenças no comportamento dos macacos que nasceram de fêmeas inoculadas com anticorpos de mães de autistas apareceram desde cedo. Esses animais mostravam comportamento social inapropriado quando comparado com os outros dois grupos controle (parâmetros analisados incluíram contato/proximidade com a mãe e contato com indivíduos estranhos).

Além disso, animais juvenis mostraram movimentos estereotipados e superatividade. A ressonância magnética revelou que os indivíduos do sexo masculino nascidos do grupo afetado, tinham um cérebro significativamente maior comparado com os controles. A diferença maior parece estar relacionada com a massa branca, com diferenças mais pronunciadas no córtex frontal (região relacionada ao comportamento social em primatas). Vale lembrar que estudos anteriores, usando a mesma estratégia cientifica mas em camundongos, também revelou que os anticorpos derivados desses 12% de mães com crianças autistas causaram alterações comportamentais.

A ideia de que uma parte, ou um subtipo, do autismo seja causado por uma reação inflamatória que comece no útero materno é antiga. Tornou-se especialmente atraente com a observação de que nos últimos 60 anos, a frequência de doenças imunológicas tem aumentado consideravelmente. Correlações de autismo com outras condições inflamatórias durante a gravidez, como doenças autoimunes, alergias, asma ou artrite, são comuns mas difíceis de se comprovar causalidade. Talvez isso faça sentido sob uma perspectiva evolucionária – é a teoria da super-higiene moderna. Populações humanas vivendo em condições semelhante a de nosso ancestrais (cheias de micróbios e parasitas) não apresentam problemas imunológicos tão frequentes. Dados ainda incertos sugere que o mesmo aconteceria com autismo. Porém existem poucos estudos epidemiológicos em populações rurais, por exemplo.

Conforme essas teorias são comprovadas ou rejeitadas pela ciência, iremos aprender o porquê essa população de mães de autistas estariam desenvolvendo anticorpos contra proteínas fetais. Além disso, identificar os alvos desses anticorpos pode levar anos de estudo. O grupo M.I.N.D. tem publicado sobre isso. Dos 8 alvos já identificados, apenas uma das proteínas fora previamente relacionada com o desenvolvimento de neurônios no cérebro humano. Outro antígeno, conhecido como LDH já foi associado ao metabolismo celular mas nunca ao desenvolvimento neural. Por outro lado, sabemos que o LDH aumenta quando exposto a toxinas, como solventes industriais, por exemplo. Isso sugeriria um fator ambiental envolvido nesse complexo mecanismo.

Tudo isso ainda é muito recente e requer mais estudos, inclusive da interação entre esses fatores e não apenas seu impacto individual. Infelizmente a ciência caminha a passos lentos. O autismo tem influenciado como a ciência é feita nos EUA. A imagem do cientista trabalhando sozinho numa única teoria provavelmente não vai funcionar para o autismo. É preciso colaboração de disciplinas diferentes e uma nova perspectiva cientifica. A contrapartida é justamente a criação de centros de excelência para estudos do autismo, como o que existe no instituto M.I.N.D. Só a Califórnia tem 3 desses centros, o que indica o quão sério esse estado americano considera o problema, estimulados por uma conta de US$ 137 bilhões aos cofres públicos americanos todo ano.

Crédito da foto: Reprodução/TV Tem

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7 Comentários para “Um elo entre a super-higiene moderna e o autismo?”

  1. 1
    [email protected]:

    Lembro que gravida de Valerinho (meu filho autista hj com 26 anos) sofri de uma alergia severa, e a medica me receitou
    tomar polaramine, não sei se vai adiantar , mais passo essa informação.

  2. 2
    valeria:

    Pais de autistas, estamos acompanhando os estudos destes cientistas maravilhosos.
    O Brasil precisa urgentemente de centros de estudos sobre o autistmo, escolas para integracao dos autistas, centros de saude especificas para autistas , enfim ainda estamos engatinhando a este respeito.
    O Brasil precisa olhar para nossos autistas.
    Obrigada Dr.Alysson pelos seus estudos a respeito do autismo .Nos pais de autistas te agradecemos muito!

  3. 3
    Paulo Italo:

    Professor Alysson,
    minha filha irá nascer daqui 2 meses. Gostaria de saber se é possível doar o cordão umbilical para pesquisas com células tronco.

    Grato.

  4. 4
    Silvana:

    Dr, Alysson Muotri eu tenho problemas respiratórios, mas na gravidez do meu filho(autista de 7 anos) não tive nada. Não uso alcool, não fumo, tomei todas as vitaminas e o acido folico, aliás fiz tudo certinho e mesmo assim meu filho é autista. Na gravidez da minha filha quase morri, tive bronquite/ quase pneumonia tomei corticoide, não tomei vitaminas pq não tinha dinheiro para comprar, o médico não passou o acido folico no começo da gravidez e ela não tem autismo. Então eu nunca vou saber o motivo… Espero q vcs descubram e ajudem meu filho pelo ao menos a ter uma vida 50% normal. Que Deus ilumine vc e que trilhe seu caminho para ajudar nossos anjos. Fique com Deus.

  5. 5
    SHANDRA OLIVEIRA:

    Acredito também nessa biodiversidade que constituem a incógnita do AUTISMO.Parabenizo aos profissionais e Governo pelo interesse e incentivo acreditando que no final tudo dará certo.

  6. 6
    SHANDRA OLIVEIRA:

    SE ESSE FOR UM FATOR PREDISPONENTE PROVADO CIENTIFICAMENTE,O ÍNDICE DE 88:1 AUTISTA À NIVEL DE BRASIL SERIA AINDA BEM MENOR JÁ QUE O TEXTO REFERE-SE AOS EUA,PAÍS ESSE QUE SABEMOS TER O PARTO NORMAL COMO PRIORIDADE,AO CONTRÁRIO DAQUI ONDE PREVALECE AS CESARIANAS ELETIVAS,OU SEJA,PRÉ-AGENDADAS,COMO O CASO DO MEU FILHO CAIO HENRIQUE,CUJA DPP (DATA PROVÁVEL DO PARTO) ERA PARA O DIA 12/10/08 E A MÉDICA “AGENDOU” O SEU NASCIMENTO PARA O DIA 07/10/08,OU SEJA,1 SEMANA DE ANTECEDÊNCIA.ISSO PORQUE SOU ENFERMEIRA GRADUADA E PÓS-GRADUADA.CONCORDEI DEVIDO A RECENTE MUDANÇA DE CIDADE E ESTADO (ES PARA SP) E MÉDICO OBSTETRA JÁ NO AUGE DO SEXTO MÊS GESTACIONAL O QUE GEROU-ME MUITA INSEGURANÇA E RECEIO DA INDISPONIBILIDADE DA MESMA CASO EU DEIXASSE EVOLUIR PARA O NORMAL,COMO FIZ NA MINHA PRIMEIRA GESTAÇÃO,ONDE ROMPEU-SE A BOLSA MAS NÃO TIVE CONTRAÇÕES O QUE LEVOU AO SOFRIMENTO FETAL MAS O IRMÃO DO CAIO,JOÃO VICTOR,NASCEU SUPER BEM.INTERESSANTE QUE,CAIO HENRIQUE,AO NASCER,SEGUNDO MEU MARIDO QUE O ACOMPANHOU AO BERÇÁRIO,O NEONATOLOGISTA MENCIONOU QUE O BEBÊ ERA “NOVINHO” E QUESTIONOU A BERÇARISTA SOBRE AS SEMANAS DE GESTAÇÃO QUE ELE TINHA.JÁ POSTEI PESQUISA AQUI FALANDO SOBRE A RELAÇÃO DO ÍNDICE DE APGAR COM O AUTISMO,OU SEJA,ESSE ÍNDICE DEMONSTRA O GRAU DE DESENVOLVIMENTO DO RN.ELE VIU ALGO NESSE ÍNDICE QUE JULGAVA QUE CAIO,O RN,ERA “IMATURO”.OUTRO FATOR,CAIO TEVE HIPOGLICEMIA E DEMOROU A VIM PARA O QUARTO O QUE ME DEIXOU ATORDOADA.FEZ DEXTRO NAS PRIMEIRAS 24 HORAS.MAS AMAMENTOU-SE SUGANDO CORRETAMENTE.LOGO,MINHA OBSTETRA MENCIONOU QUE A PAREDE DO MEU ÚTERO ESTAVA EXTREMAMENTE FINA E QUE PARA ENGRAVIDAR NOVAMENTE EU TERIA QUE ESPERAR NO MÍNIMO 5 ANOS.MAS,7 MESES APÓS O PARTO DO CAIO HENRIQUE DESCOBRI-ME GRÁVIDA DE LARISSA.UMA GESTAÇÃO NORMAL,A TERMO,ONDE TIVE DILATAÇÃO SEM CONTRAÇÃO E BOLSA ROTA (ROMPIDA),MAS O PARTO NORMAL FOI CONTRA-INDICADO DEVIDO AO ESTADO ANTERIOR DO MEU ÚTERO ONDE A OBSTETRA DIZIA SER MUITO ARRISCADO E COM POSSIBILIDADE DE MORTE MATERNA E FETO CASO O MESMO SE ROMPESSE DURANTE O TRABALHO DE PARTO NORMAL.SEGUI PARA A MINHA TERCEIRA CESARIANA.LARISSA NASCEU SUPER BEM E NÃO TEM AUTISMO.

    https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/08/estudo-revela-que-induzir-o-parto-pode-aumentar-risco-de-autismo.html

  7. 7
    Luiz Sérgio Filgueiras:

    Dr. Alisson, nesse tipo de resposta imunológica de mãe para filho, seria correto esperar um aumento nos casos em segundo e terceiro filho? O sr. Conhece algum estudo que analise essa correlação? Muito obrigado pelo seu blog, sempre o acompanhei.



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