Homens podem ser culpados pela menopausa

qui, 29/08/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Atenção, feministas: aqui vai mais uma para culpar os homens: a menopausa. Bom, pelo menos de acordo com uma nova teoria científica que diz que a menopausa surgiu como resposta ao curioso hábito masculino de buscar parceiras jovens. A teoria foi publicada na revista “Plos Computational Biology”, por um grupo canadense, e promete discussões acaloradas.

Segundo os autores, a consequência óbvia dessa famigerada tendência masculina de correr atrás das novinhas é que a menopausa teria surgido como resultado de uma série de mutações degenerativas aleatórias, que se acumularam no genoma feminino. O fato de essas mutações se perpetuarem durante a evolução teria acontecido porque as mulheres se reproduzem antes de essas alterações genéticas surtirem efeito no indivíduo.

A nova teoria assume que a reprodução humana não é aleatória em relação à idade, ou seja, segundo o modelo, os homens preferem sempre copular com mulheres mais jovens. Se a reprodução ocorrer com mulheres mais jovens, mutações deletérias que afetam a capacidade reprodutiva feminina em idades mais avançadas irão acumular, escapando da seleção natural.

A menopausa sempre foi um mistério biológico intrigante. A maioria dos animais não tem menopausa (baleias assassinas têm!), nem mesmo nossos primos evolutivos, os chimpanzés, que conseguem se reproduzir mesmo em idades avançadas. Durante a menopausa, a mulher não tem mais menstruação e se torna infértil. Afinal, por que a evolução teria selecionado esse fenômeno fisiológico se isso justamente reduz as chances de reprodução de uma pessoa?

Alguns biólogos haviam proposto anteriormente a “teoria da avó”, sugerindo que a menopausa seria uma forma da mulher deixar de se preocupar com sua própria reprodução e auxiliar na criação dos netos, de certa forma ajudando na manutenção evolutiva de seu genoma. Porém, netos carregam apenas um quarto dos genes das avós, contra metade dos genes que estão presentes nos filhos.

Para fazer sentido, então, a menopausa teria que aumentar significativamente a sobrevivência dos netos. Trabalhos anteriores sugerem que a presença de avós maternas realmente aumentam a sobrevivência dos netos, mas é muito difícil excluir a contribuição da sociedade nesses estudos, deixando-os assim inconclusivos.

Por milhares de anos, os homens modernos têm preferido, em média, procriar com mulheres mais jovens, garantindo a sobrevivência de seus genes. O grupo canadense criou um modelo computacional para simular essa preferência masculina. O modelo mostra que, inicialmente, tanto homens quanto mulheres se reproduzem até o final da vida. Porém, com o passar das gerações, a preferência dos homens por mulheres mais jovens reduz as chances de mulheres mais velhas terem filhos, como esperado.

Ao incluir no modelo mutações aleatórias, algumas que podem ser deletérias para a reprodução em idade avançada, o simulador revelou que essas alterações não eram mantidas nos homens ao longo do tempo. Homens que paravam de se reproduzir em idades mais avançadas acabavam deixando menos filhos, diminuindo seu impacto genético na população. Isso não aconteceu com as mulheres mais velhas, pois essas já não eram mais escolhidas como parceiras sexuais.

Pelos cálculos desse modelo, o acúmulo de mutações ao longo de 50 mil a 100 mil anos poderia ter levado ao surgimento da menopausa, da mesma forma que outras mutações levaram ao surgimento de cabelos brancos ou rugas durante o envelhecimento de homens e mulheres. Interessante notar que, ao esticar a idade reprodutiva das mulheres (algo que vem acontecendo atualmente), elas poderiam ganhar uma vantagem evolutiva e a menopausa, em teoria, poderia deixar de existir.

Em contrapartida a esse modelo, vale lembrar que o tipo atual de preferência masculina pode ter sido selecionado justamente como consequência da menopausa, uma alternativa a ser considerada. Com o aumento da expectativa de vida dos humanos modernos, as mulheres passaram a ter muitos anos saudáveis antes do período fértil. Como resultado, os homens passaram a preferir mulheres mais jovens, já que as mais velhas perderam a capacidade de ter filhos.

Um elo entre a super-higiene moderna e o autismo?

sex, 09/08/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O espectro autista, como o próprio nome sugere, é muito heterogêneo. Possivelmente múltiplos subtipos e etiologias existem, o que torna difícil seu estudo. A alta prevalência do autismo na sociedade (1 a cada 88 pessoas, segundo estudos dos EUA), tem estimulado a pesquisa científica para entender as causas do autismo e como combatê-lo. Alguns estudos haviam previamente implicado o sistema imunológico materno com o quadro clinico de algumas formas de autismo.

Decididos a investigar essa relação mais a fundo, um grupo do centro de excelência de estudos para o autismo da Universidade da Califórnia, conhecido como Instituto M.I.N.D., detectou a presença de anticorpos maternos tipo IgG com reatividade a duas proteínas do cérebro fetal em 12% das mães de crianças autistas. Como muitos outros estudos em autismo, a amostra inicial fora pequena, deixando dúvidas se realmente existiria algo assim. Além disso, a identidade dessas proteínas fetais ainda é um mistério. Afinal, com o que realmente os anticorpos maternos estavam interagindo no cérebro do feto e qual seria seu mecanismo de ação?

Durante a gravidez, as mulheres normalmente passam seus anticorpos para o feto, permitindo que esses nasçam com anticorpos que os defendam de eventuais infecções até que o próprio sistema imune da criança esteja maduro. É uma mordomia evolutiva adquirida milhares de anos atrás por nossos antepassados. A teoria por trás da descoberta do grupo M.I.N.D. é que esses anticorpos IgG maternos específicos do autismo também cruzem a placenta durante a gravidez e afetem o desenvolvimento do cérebro de forma indireta e não intencional. Um tiro pela culatra dessa vantagem evolutiva.

Em maio deste ano, o mesmo grupo de pesquisa validou os achados iniciais, replicando o estudo num grupo maior de mães de autistas. Além disso, observaram que os autistas nascidos das mães com altos níveis desses anticorpos tinham a tendência a ter a circunferência da cabeça bem maior do que crianças típicas (controles) da mesma faixa etária. Vale lembrar que o cérebro maior é uma característica clínica de 20 a 30% das crianças autistas.

Agora em julho, o grupo publicou mais um artigo, dessa vez com testes funcionais em macacos. Os anticorpos IgG maternos foram purificados de mães com crianças autistas e mães de crianças típicas e administrados em dois grupos independentes com oito macacos fêmeas cada, durante o primeiro e segundo trimestre de gravidez. Um terceiro grupo não recebeu anticorpo algum. O cérebro e o comportamento da prole foi analisada por dois anos após o nascimento. Diferenças no comportamento dos macacos que nasceram de fêmeas inoculadas com anticorpos de mães de autistas apareceram desde cedo. Esses animais mostravam comportamento social inapropriado quando comparado com os outros dois grupos controle (parâmetros analisados incluíram contato/proximidade com a mãe e contato com indivíduos estranhos).

Além disso, animais juvenis mostraram movimentos estereotipados e superatividade. A ressonância magnética revelou que os indivíduos do sexo masculino nascidos do grupo afetado, tinham um cérebro significativamente maior comparado com os controles. A diferença maior parece estar relacionada com a massa branca, com diferenças mais pronunciadas no córtex frontal (região relacionada ao comportamento social em primatas). Vale lembrar que estudos anteriores, usando a mesma estratégia cientifica mas em camundongos, também revelou que os anticorpos derivados desses 12% de mães com crianças autistas causaram alterações comportamentais.

A ideia de que uma parte, ou um subtipo, do autismo seja causado por uma reação inflamatória que comece no útero materno é antiga. Tornou-se especialmente atraente com a observação de que nos últimos 60 anos, a frequência de doenças imunológicas tem aumentado consideravelmente. Correlações de autismo com outras condições inflamatórias durante a gravidez, como doenças autoimunes, alergias, asma ou artrite, são comuns mas difíceis de se comprovar causalidade. Talvez isso faça sentido sob uma perspectiva evolucionária – é a teoria da super-higiene moderna. Populações humanas vivendo em condições semelhante a de nosso ancestrais (cheias de micróbios e parasitas) não apresentam problemas imunológicos tão frequentes. Dados ainda incertos sugere que o mesmo aconteceria com autismo. Porém existem poucos estudos epidemiológicos em populações rurais, por exemplo.

Conforme essas teorias são comprovadas ou rejeitadas pela ciência, iremos aprender o porquê essa população de mães de autistas estariam desenvolvendo anticorpos contra proteínas fetais. Além disso, identificar os alvos desses anticorpos pode levar anos de estudo. O grupo M.I.N.D. tem publicado sobre isso. Dos 8 alvos já identificados, apenas uma das proteínas fora previamente relacionada com o desenvolvimento de neurônios no cérebro humano. Outro antígeno, conhecido como LDH já foi associado ao metabolismo celular mas nunca ao desenvolvimento neural. Por outro lado, sabemos que o LDH aumenta quando exposto a toxinas, como solventes industriais, por exemplo. Isso sugeriria um fator ambiental envolvido nesse complexo mecanismo.

Tudo isso ainda é muito recente e requer mais estudos, inclusive da interação entre esses fatores e não apenas seu impacto individual. Infelizmente a ciência caminha a passos lentos. O autismo tem influenciado como a ciência é feita nos EUA. A imagem do cientista trabalhando sozinho numa única teoria provavelmente não vai funcionar para o autismo. É preciso colaboração de disciplinas diferentes e uma nova perspectiva cientifica. A contrapartida é justamente a criação de centros de excelência para estudos do autismo, como o que existe no instituto M.I.N.D. Só a Califórnia tem 3 desses centros, o que indica o quão sério esse estado americano considera o problema, estimulados por uma conta de US$ 137 bilhões aos cofres públicos americanos todo ano.

Crédito da foto: Reprodução/TV Tem



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