Avanço histórico, uso restrito
Foi anunciado nesta quarta-feira (15) um avanço científico histórico. Células pluripotentes, capazes de se especializar em todos os tecidos do corpo humano, foram clonadas de um ser humano a partir da transferência nuclear de uma célula da pele do corpo de um indivíduo já formado para óvulos não-fertilizados de doadoras, gerando um zigoto em laboratório. Depois de alguns dias, esse zigoto se dividiu e as células foram extraídas e colocadas em condições especificas que permitiram sua multiplicação. A técnica é a mesma usada para a clonagem da ovelha Dolly, em 1996. O feito aconteceu na Universidade de Ciência e Saúde de Oregon, nos EUA, liderada por Shoukhrat Mitalipov, respeitado pesquisador na área de reprodução que já havia clonado um macaco no passado.
O uso médico dessa nova tecnologia me parece restrito. O trabalho de Mitalipov, publicado na famosa revista cientifica “Cell”, talvez não traga nenhum benefício clínico imediato. O significado é mais histórico e o mérito, técnico. Digo isso porque diversos laboratórios tentaram o feito anteriormente, mas ninguém havia conseguido. Conseguir com que o óvulo recipiente do novo núcleo se divida parecia ser algo impraticável em humanos. O truque de Mitalipov foi testar diversas condições em experimentos com macacos, cujos óvulos para pesquisa são muito mais fáceis de conseguir.
Dentre as diversas condições usadas, o grupo descobriu que a adição de cafeína aumenta as chances de sobrevivência das células após a transferência nuclear. Para a surpresa de todos, a eficiência aumentou consideravelmente. Segundo o trabalho, basta seguir as instruções corretamente e dispor de alguns óvulos não-fecundados, doados por alguma mulher que tope se submeter a uma sessão hormonal para induzir ovulação. No trabalho da “Cell”, as doadoras foram pagas para participar da pesquisa. A recompensa financeira por esse tipo de serviço não é consenso entre os cientistas – é proibida no Brasil, inclusive. Além disso, o uso de células germinativas humanas tem implicações éticas, mesmo sendo um material não-fecundado. Talvez por isso, essa tecnologia não seja empregada prontamente em laboratórios acadêmicos de células-tronco. É preciso se associar a clínicas de fertilização in vitro para conseguir material fresco, outro quesito essencial no método de Mitalipov.
Uma forma bem menos controversa de se conseguir células-tronco pluripotentes de humanos foi descrita em 2007 e deu o prêmio Nobel ao pesquisador japonês Shinya Yamanaka ano passado. A tecnologia de Yamanaka é tão poderosa que se tornou um dos campos mais quentes da biologia atual, com implicações enormes para a modelagem de doenças, busca de novas drogas e medicina regenerativa.
Mas será que daria para realmente clonar um ser humano com essa tecnologia? A resposta é sim, da mesma forma que foi feito com a Dolly. Caso o zigoto gerado não fosse destruído para gerar células embrionárias, mas sim transplantado em um útero preparado para uma gravidez, há chances de se desenvolver e gerar um feto. O que aprendemos com outros animais é que esses clones apresentam diversos problemas de saúde e vidas mais curtas do que o normal. Portanto, é possível, mas é injustificável fazer isso com humanos.
Esse post seria publicado em 28/5 e foi antecipado excepcionalmente para comentar o impacto científico da pesquisa da equipe de Shoukhrat Mitalipov.