A verdade sobre o mercado chinês de células-tronco

qua, 18/04/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Não é novidade que a China oferece diversos tratamentos para doenças incuráveis usando o transplante dos mais diversos tipos de células-tronco. Todo mundo já deve ter ouvido falar de alguém que pensou em utilizar algum tipo de medicina regenerativa na China. O argumento mais comum para justificar o procedimento é que, sendo aquele país regido de forma diferente, a abertura para tratamentos experimentais é maior. E dados duvidosos é o que não faltam nos sites dessas empresas para suportar a eficácia desses tratamentos. Pois bem, parece que, depois de muita pressão internacional, a história começa mudar mas ainda pode levar um tempinho para acabar de vez com esse tipo de comércio.

Tratamentos experimentais, como o próprio nome diz, ainda não foram validados cientificamente. Em geral, procura-se recompensar o paciente de alguma forma pela participação. Porém, diversas empresas perceberam o desespero de familiares com doenças graves e decidiram cobrar por tratamentos experimentais, invertendo a ética por trás dos ensaios clínicos. Essa situação acontece com uma frequência exacerbada na China, provavelmente pela falta de regulamentação governamental.

Pois bem, há três meses atrás o ministro da saúde chinês anunciou que iria banir protocolos experimentais usando células-tronco sem comprovação científica. Infelizmente, ainda diversas clínicas operam livremente, basta entrar nos sites de anúncios para tratamentos de Parkinson ou Autismo para se deparar com um negócio milionário. As propagandas mostram casos de sucesso e associam o nome delas a grandes redes de hospitais federais ou mesmo estabelecimentos de renome internacional, dando a impressão de que o negócio tem apoio dessas instituições.

Em 2009, com cerca de 100 clínicas privadas de células-tronco registradas no país, o Ministério da Saúde chinês classificou os tratamentos com células-tronco com a categoria médica de nível 3, ou seja, tecnologias de alto risco. que requerem aprovação e audição técnica antes da implementação comercial. Desde então, nenhuma clínica chinesa conseguiu essa aprovação. Pior, o número de clínicas oferecendo tratamentos aumentou. Em Janeiro, reconhecendo os problemas gerados pela pressão internacional (muitos pacientes pioraram depois dos tratamentos) por exemplo, o governo decidiu agir. Impôs uma série de restrições para a abertura de novas clínicas, exigindo o cadastramento dos tratamentos e declarando que pacientes em ensaios experimentais não deveriam pagar pelo tratamento.

De acordo com um relatório publicado pela revista “Nature” na semana passada, as restrições não causaram grande impacto no comercio chinês: nenhuma empresa se cadastrou de forma regular e ainda são oferecidos tratamentos experimentais com células-tronco para as mais diversas doenças. Na clínica WA Optimum Health Care, em Xangai, por exemplo, oferecem tratamento contra autismo usando células derivadas de tecido adiposo e uma segunda dose adicional de células do cordão umbilical. Tudo pela bagatela de aproximadamente US$ 25 mil. Em Changchun, a clínica Tong Yuan Stem Cell oferece quatro injeções, de células retiradas de fetos abortados, e promete curar o autismo em um ano. O concorrente Beijing Puhua International Hospital’s Stem Cell Treatment Centers, de Pequim, oferece o mesmo, mas com uma injeção extra, só pra garantir…

Todas essas empresas são firmes em afirmar sucesso nos tratamentos, mas nenhuma publicou dados oriundos de ensaios clínicos controlados. O neurologista da Beijing Puhua garante que os sintomas de autismo melhoram logo nas semanas seguintes após primeira injeção e reconhece que não faz controle algum por falta de verba. Vale notar, que no caso do autismo, é consenso entre os cientistas que não existe base cientifica alguma que justifique tratamentos com transplante de qualquer tipo de células no cérebro de pacientes. Não dá pra saber se as células vão sobreviver ao transplante e podem, inclusive, levar a complicações sérias como câncer ou doenças autoimunes.

Enquanto as autoridades chinesas tentam fazer com que as clínicas se cadastrem e demonstrem a eficácia dos tratamentos com ensaios controlados, o mercado de células-tronco continua crescendo e fazendo mais vítimas. Informação continua sendo a melhor arma contra esse tipo de abordagem.

Inconformado com 1 em 88

seg, 02/04/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O dia 2 de abril é especial. É o momento do ano em que diversas pessoas mundo afora param para refletir sobre o autismo, um conjunto de diversas síndromes que afetam a habilidade de socialização, linguagem e comportamento humano.

Por muito tempo, acreditava-se que pessoas dentro do espectro autista eram raras, uma minoria. Porém, com um trabalho de conscientização intenso, familiares e cientistas conseguiram convencer os médicos e a sociedade de que o autismo não é tão raro assim. Desde então, a prevalência do autismo tem sido motivo de discussão. Dados recentes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) agora mostram que uma em cada 88 crianças nos Estados Unidos são diagnosticadas com autismo (https://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/ss6103a1.htm?s_cid=ss6103a1_w). Os números representam um aumento de 23% nos casos entre 2006 e 2008 e 78% de aumento desde 2002. Ainda assim, é possível que o estudo esteja subestimando números reais. Um estudo publicado ano passado mostrou incidência de autismo de um em 38 crianças na Coréia do Sul. É provável que os números no Brasil não sejam muito diferentes dos Estados Unidos, mas ainda não existe um estudo formal feito no país.

Os dados novos de CDC, liberados ao público na última quinta-feira (29), mostra que incidência aumentou entre a população negra e hispânica. A diferença entre sexos é grande, um em cada 54 é a proporção para os meninos, cinco vezes maior que em meninas. Sabemos muito pouco de por que o autismo tem um viés masculino. Algumas hipóteses associam genes duplicados no cromossomo X – do qual as meninas têm duas cópias – como um fator protetivo.

Parte da justificativa desse aumento parece estar associada a uma melhora no diagnóstico e conscientização da população. A idade média de diagnóstico caiu de quatro anos e meio para quatro anos. Porém, muitos pais detectam o problema bem mais cedo, o que sugere que o processo de diagnóstico pode melhorar muito ainda. Uma contribuição ambiental ainda desconhecida também tem sido apontada como um fator que justificasse a alta incidência de autismo nos dias de hoje, mas não existe evidência científica forte o bastante pra apoiar essa idéia. Não importa se estes fatores justificam ou não por completo os números do CDC; de toda forma, o aumento é preocupante e sugere um quadro epidêmico. São mais de 1 milhão de crianças afetadas, com um custo anual de US$ 126 bilhões nos Estados Unidos.

Infelizmente, por trás de toda essa estatística, estão familiares e pacientes, que se esforçam todos os dias para lidar com a condição. A preocupação com o futuro dessas crianças é justificável e a luta para torná-los independentes começa cedo. Erra quem pensa que isso é um problema das famílias dos pacientes apenas. Crianças são as maiores riquezas de um país e preservar os cérebros delas é garantir o futuro competitivo. Ignorar o problema é a pior coisa que um governo pode fazer. A isenção da iniciativa privada também preocupa. Custos com seguros saúde vão aumentar drasticamente, afetando a produção daqueles que cuidam de crianças autistas, por exemplo. Com esse tipo de prevalência na população é difícil de encontrar quem não seja, direta ou indiretamente, afetado pelo autismo.

Em tempos de crise, a história tem mostrado que o incentivo a pesquisa na área é o que, em geral, leva à solução do problema. Jovens adultos e crianças da atual geração nunca devem ter ouvido falar de poliomielite ou pólio. Isso porque a epidemia de pólio, que deixou milhares de crianças e adultos paralizados por volta de 1910, foi erradicada a partir de iniciativas como a “Corrida contra o pólio” nos anos 50, que investiu pesado na busca científica da “cura” do problema. Pólio continua sem cura, mas foi erradicado da maioria dos países através do financiamento de uma vacina, originada numa polemica pesquisa do médico Jonas Salk.

O mundo é formado, em sua maioria, por pessoas conformadas, e por uma minoria de pessoas que não se conformam. São os conformados que nos trazem conforto nas horas mais difíceis, que nos ensinam a aceitar as situações como são e agradecer por aquilo que temos. São os conformados que vão te dizer que o autismo não tem solução, que não há o que fazer. Mas são os inconformados que transformam nossa perspectiva e que fazem o mundo melhor. Acho que o quadro de autismo atual pede um plano nacional de ataque, a criação de um centro de excelência em autismo brasileiro, formador de profissionais qualificados e com pesquisada cientifica de ponta com colaborações internacionais. Será preciso reunir pais, políticos, terapeutas, médicos e cientistas inconformados e que estejam dispostos a lutar por dias melhores.



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