Contatos imediatos
Das diversas coisas que acontecem na rotina de um cientista, a chance de encontrar-se com pessoas com visões diferentes da sua ou trabalhando em áreas completamente distintas é, na minha opinião, um dos maiores prazeres da profissão.
Na semana que passou, recebi um convite para jantar um tanto inusitado. Vinha com o remetente da CASIS, ou Center for the Advancement of Science in Space, uma certa ramificação da Nasa, a agência espacial americana. A CASIS foi selecionada pela Nasa para administrar o laboratório biológico na Estação Espacial Internacional (ISS, do inglês).
Uma das funções do centro é promover o uso do laboratório espacial, buscando contatos acadêmicos que tenham ideias inovadoras para o uso dessa estrutura. No fundo, os caras estavam querendo ouvir a opinião de um neurocientista sobre como usar esse laboratório espacial se houvesse a oportunidade.
Tudo começou com uma breve apresentação, mostrando as capacidades dos laboratórios no espaço e o tipo de pesquisa que vem sendo desenvolvida durante os anos. Foi interessante saber que desde 2001 a Nasa mantém cientistas-astronautas trabalhando na estação espacial, sem que houvesse um único dia na ausência de um ser humano no espaço. O laboratório está equipado com diversos equipamentos para biologia molecular, tudo estruturado para otimizar espaço – não mais do que duas pessoas conseguem trabalhar por vez. Talvez por não acompanhar muito essa área do conhecimento, achei isso fascinante.
Por uma questão óbvia, a maioria dos trabalhos que vem sendo desenvolvida no espaço envolve algum tipo de cristalografia, ou resolução da estrutura molecular de certas proteínas. Digo óbvio simplesmente porque esse tipo de experimento parece funcionar melhor na ausência de gravidade. Medicamentos contra o HIV foram obtidos com auxilio dessa estratégia e o CASIS se orgulha em mencionar esse exemplo como a menina dos olhos da agência. Por outro lado, outros projetos evoluem numa escala geológica, com metas a serem atingidas em 10 ou mais anos.
Esse tipo de projeto a longo prazo, por mais interessante que seja, não impressiona tanto a sociedade como um trabalho de aplicação imediata. Isso tem desestimulado investimentos — veja a postura do presidente Obama em cortar o orçamento da Nasa. Dai a importância em divulgar o laboratório espacial e procurar parcerias acadêmicas e empresariais com gols a curto prazo.
Após instruí-los na minha linha de pesquisa, sugeri algumas ideias, descritas abaixo.
Pelo meu conhecimento (superficial) do espaço, as duas coisas diferenciais que esse laboratório oferece seriam a ausência de gravidade e a exposição intensa a radiação. Segundo meu racional, essas duas características podem ser usadas para se determinar o impacto da exposição espacial em células humanas. A perda de densidade óssea e enfraquecimento das musculaturas dos astronautas após longos períodos sem gravidade afetam o desenho de missões tripuladas a outros planetas e, de quebra, podem nos ajudar a combater osteoporose.
Entender como estimular o crescimento de ossos e músculos humanos no espaço pode ser feito através de modelos de células-tronco in vitro. É improvável que experimentos desse tipo aconteçam em modelos animais no espaço. Mas induzir a especialização de células musculares e ósseas pode ser facilmente conseguido com células-tronco adultas ou embrionárias. Como essas células podem ser expandidas em laboratório, bastaria levar uma pequena quantidade da Terra.
Uma outra ideia estaria no uso de modelos de doenças humanas usando células-tronco pluripotentes induzidas (ou células iPS). Ao contrário da facilidade de modelagem de doenças do desenvolvimento, como o autismo, doenças cujos sintomas surgem nos estágios mais avançados da vida tem sido um grande problema. Isso porque não conseguimos “envelhecer” as células em cultura por anos, simulando o que acontece nos pacientes. Em geral, indivíduos afetados pelo mal de Parkinson, Alzheimer ou Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) apresentam sintomas apenas quando adultos. Ao induzir as células iPS derivadas de pacientes com ELA, por exemplo, a se especializarem em neurônios motores, diversos grupos de pesquisadores tiveram dificuldade em encontrar evidências de que os neurônios estariam doentes.
Uma hipótese é que, em questão de meses, os neurônios em laboratório não teriam tempo suficiente para adoecerem. Pois bem, acho perfeitamente plausível levarmos neurônios motores de pacientes com ELA para o espaço com a finalidade de expô-los a radiação, acelerando o envelhecimento celular. É provável que nas condições espaciais, os sintomas de ELA se revelem nos neurônios derivados de pacientes com ELA. Isso permitiria um melhor conhecimento de como os neurônios são danificados durante o envelhecimento, abrindo oportunidades terapêuticas.
Depois de algumas taças de vinho, minha imaginação começou a ficar mais fértil e as ideias mais ousadas. Pro meu espanto, quanto mais inovadoras eram as sugestões, mais eles gostavam de ouvir. Essas ficam para contar numa outra oportunidade. Terminamos com a promessa de um segundo encontro, para amadurecer as propostas e submeter um projeto para a Nasa. Nesse projeto, existe uma parte “pré-voo”, onde tudo seria simulado em Terra como prova de que os experimentos são viáveis na estação espacial. Passado o primeiro teste, o projeto segue para a parte “voo”, aonde os astronautas serão treinados para executar os experimentos e coletar os dados. A intenção é que todo o material necessário seja levado para o espaço em Maio de 2013. Por fim, na parte “pós-voo”, discute-se o que precisaria voltar a Terra para concluir as experiências. Aparentemente, um dos entraves desse tipo de proposta é uma burocracia gigantesca por parte da Nasa. A CASIS se prepara também para aliviar essa parte do cientista proponente, agilizando todo o processo.
Nessa altura, não dá pra prever onde essa história vai dar, quantos projetos serão realmente financiados ou qual seria o maior interesse da agência. Foi interessante esse contato inicial com esse pessoal e aproveito para convidar os leitores que tenham alguma outra ideia interessante a entrar em contato comigo, prometo que passo adiante ideias criativas para a CASIS.
17 março, 2012 as 5:07 pm
“Depois de algumas taças de vinho, minha imaginação começou a ficar mais fértil e as ideias mais ousadas. Pro meu espanto, quanto mais inovadoras eram as sugestões, mais eles gostavam de ouvir.”
Não entendi o porquê do espanto, afinal numa conquista, leva-se a garota (a presa) para jantar, oferece-se álcool para ela ficar “mais soltinha” e, no final, ela libera geral… A té cnica mais antiga que conheço para se conseguir o que quer criando o ambiente favorável para isso…
17 março, 2012 as 6:22 pm
Ola Alysson,
Achei muito interessante o projeto, mas pensei na possibilidade de um estudo mais aprofundado do cancer de pele, pelo simples fato de que o espaço oferece grandes quantidades de radiação o que poderia promover alteraçoes profundas na pele em um curto espaço de tempo. Na oportunidade daria para se trabalhar com a hipotese de testar varias drogas ou tratamentos para o cancer de pele tendo em vista que essas alterações normalmente levam decadas para ser percibidas o que no espaço levaria meses.
19 março, 2012 as 7:58 am
Bem a pesquisa é muito interessante, poderiamos ter uma vasta chance da cura de doenças ou até mesmo o seu extinguimento. Poderiamos simplesmente ajudar pessoas que hoje em dia não tem condições para tratamentos e assim um dia ajudar a população com suas infermidades, pois o mundo de hojeprecisa de experança, e muita ajuda para ultrapassar as barreiras da vida.
A Nasa não só está fazendo essas pesquisas para se própiro vangloriar mas sim estão pensando em um todo, pelo menos está é minha opinião.
22 março, 2012 as 12:56 pm
Sempre leio seu blog, e sempre tiro muitas ideias para minha iniciação científica, meu sonho é tornar cientista, e estudo para isto acontecer, bacharelado em bioquímica, mas o Brasil não ajuda muito na área científica, e as empresas privadas menos ainda, é uma luta para quem quer seguir essa área no país, pois uma das únicas formas é lecionando em uma universidade federal…
precisamos mudar esse tabu em nosso país.
23 março, 2012 as 11:46 am
Não vi nada de muito interessante nesta proposta, até porque se realizada, as grandes empresas norte americanas vão lucrar bilhões com o resultado, e nós pobres sul americanos não vamos nem passar perto. Temos coisas mais urgentes a fazer, como por exemplo dar aos cidadãos as mesmas condições de vida, como estudo, segurança, qualidade de vida, direito à moradia, justiça, e por ai vai. Se nem ao memos aqui no Brasil, temos o direito de ir a um hospital público e receber uma consulta ou exame, de que nos serviria remédios caríssimos que nunca teríamos ao nosso dispor? Cientistas e pisicólogos são todos iguais, sempre malucos e no mundo da lua.
2 abril, 2012 as 8:46 pm
O incentivo a prática científica é de suma importância na construção de uma sociedade mais justa. Paulo, você tem ideia de quantas milhares de vidas foram salvas com o uso de penicilina, vacinas, corticoides, dentre tantos outros mecanismos de cura que a ciência construiu? Não é coerente a buscar de uma sociedade com condições de vida, estudo, segurança, qualidade de vida, direito à moradia e justiça, deixando de lado o investimento em pesquisas científicas atreladas ao conhecimento sociológico do cidadão
9 abril, 2012 as 7:35 pm
Tais pesquisas seriam muito interessantes, porém deve-se analisar se realmente vale a pena a concretização de tais projetos quando encontramos várias áreas do nosso planeta precisando de investimentos nestes valores. Se a infraestrutura mundial fosse ao menos regular, um investimento desse realmente acrescentaria na ciência e seria feito sem a tal contradição já citada.