De olho em 2012: Biodesign

seg, 26/12/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Nesta época, as revistas científicas, jornais e meios de comunicação procuram sempre fazer retrospectivas dos assuntos mais interessantes do ano que passou.

Outros veículos aproveitam para prever áreas que podem ter um impacto maior no ano que vem. Enfim, para fugir um pouco desse paradigma, decidi escrever algo diferente. Procurei unir as duas coisas, passado e futuro, juntando ciência e arte em conceitos que acredito que venham fazer parte do nosso dia a dia em breve. Veja se você concorda.

Decidi focar no biodesign. O conceito de design biológico não é novo, mas sinto que no Brasil poucos profissionais da ciência estão familiarizados com essa ideia. Acredito que nosso país tem um potencial enorme para explorar esse tipo de interface entre arte e ciência.

O biodesign não usa apenas plásticos, vidros e madeira como matéria-prima, mas sim coisas vivas, como organismos e células. As implicações dos projetos vão além da equação forma-função ou do conceito de modernidade, conforto e progresso que prevê o design clássico.

O biodesign transcende essa tradição e provoca curiosidade, uma ótima forma de difusão científica. Em geral, os profissionais, na maioria biólogos, incorporam seres vivos em seus projetos, procurando usufruir dos ciclos biológicos de cada espécie. Obviamente, como acontece em diversas disciplinas, algumas ideias são boas e podem ser aplicadas na prática – outras nem tanto.

Um bom exemplo de aplicação prática é o trabalho de Susana Soares (foto acima), que treinou abelhas a reconhecer sinais químicos expelidos na nossa expiração. Ela conseguiu combinar o extraordinário poder olfativo das abelhas, capazes de detectar concentrações ínfimas de hormônios e toxinas, com o reflexo pavloviano.

O resultado são abelhas que servem como ferramentas de diagnóstico para doenças do coração e testes de gravidez, por exemplo. E basta um assopro. A ferramenta está sendo aplicada em estudos sobre a malária, na tentativa de descobrir por que algumas pessoas são mais atraentes que outras aos mosquitos.

Outro exemplo vem do trabalho de Revital Cohen, redirecionando cães de corrida aposentados para ajudar pessoas com dificuldades de respiração ou problema renais (foto ao lado).

Esse sistema híbrido funciona de forma holística e simbiótica e independe de eletricidade. Projetos como esse fazem pensar em milhares de outras situações em que poderíamos usar o próprio desperdício humano para gerar algo produtivo. Estimo que cerca de dois bilhões de pessoas no mundo gastem pelo menos 1 minuto por dia jogando paciência ou cultivando seu FarmVille. Esse tempo poderia ser aproveitado para alguma coisa mais proveitoso.

No caso dos micro-organismos, ressalto o trabalho de Alexandra Ginsberg, que se aproveita da engenharia genética e da biologia sintética para criar bactérias que fabriquem pigmentos. Esses seres redesenhados, inofensivos ao homem, estão sendo amplificados para produzir material para impressoras e outros tipos de tintas.

Outro projeto dela, intitulado Estética Sintética, incorpora bactérias re-engenheiradas como ferramentas de diagnóstico. O sistema, batizado de E. chromi, funciona da seguinte forma: o paciente ingere um líquido (como um milk-shake probiótico) contendo bactérias que reagem com enzimas e outros agentes químicos, mudando de cor.

As diferentes colorações representam nutrientes presentes no organismo e podem ser visualizados nas fezes. Basta uma olhadinha após um “número dois” para saber se está tudo em ordem.

Obviamente que Alexandra também pensou numa forma de calibrar as cores, montando um “escatálogo” com modelos que simulam diversos tipos de fezes, como na foto ao lado.

A aplicação desse sistema para indivíduos debilitados por alguma condição é o próximo passo. Recentemente, descobri como é difícil para os pais de uma criança autista (e provavelmente para pacientes com outros problemas) manter a higiene bucal do filho. O sistema E. chromi poderia ser aplicado em autistas, por exemplo, como marcador da qualidade das bactérias presentes na dentição. As saudáveis ficariam coloridas, e as demais, pretas (foto abaixo). Isso poderia servir como um guia durante a escovação.

Com os avanços da genômica e da engenharia de tecidos, acredito que o biodesign será imprescindível no futuro. De olho nesse mercado, algumas universidades americanas e europeias já criaram cursos de graduação especializados nessa abordagem.

Os profissionais ainda são encarados de forma suspeita pela academia tradicional, mas penso que seja uma questão de tempo para que a situação se inverta. Sabendo da capacidade e da criatividade dos cientistas/artistas brasileiros, proponho a fundação da Escola Brasileira de Interação Ciência-Design, com disciplinas abrangendo biologia molecular, células-tronco, história da arte, propaganda e marketing, e por aí vai. Viajei?

O poder da pose

ter, 06/12/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Durante uma conversa, nossa imagem corporal fala mais intensamente sobre nós do que a linguagem verbal. Nossos gestos e postura dizem muito sobre nosso estado emotivo, sobre nossa história individual. Podemos perceber com certo grau de confiança se uma pessoa tem personalidade forte, se é simpática, confiável ou honesta através da observação gestual.

Isso acontece porque somos programados para perceber gestos e expressões faciais de outros humanos muito rapidamente, em frações de segundo. O fenômeno é parte de um processo evolutivo que lapidou nossas redes neurais e nos deixou como agentes sociais. As consequências são enormes: eleições são definidas pela imagem, quem será promovido, quem será o escolhido em certo contexto, enfim, a linguagem não verbal é parte essencial da vida humana.

Mais precisamente, a forma como nossos braços e pernas se comportam em determinada situação passam uma mensagem inconsciente, assimilada pelos que estão a nossa volta. Braços abertos, mãos na cintura, rosto erguido, peito estufado formam um conjunto poderoso que reflete nosso estado emocional. Esse tipo de “pose de poder” transmite uma mensagem de que somos perigosos, agressivos. Acontece da mesma forma com outros animais (pavão, gato, peixes, gorila, etc) quando colocados em situações de risco. O mesmo acontece com nossa expressão facial, quando nos sentimos felizes, sorrimos.

Mas se o corpo transmite esse tipo de mensagem, será que o inverso funcionaria também? Será que sorrir propositadamente nos faria ficar mais felizes? Ou apoiar os braços na cintura nos deixaria mais poderosos? Esse tipo de experimento foi executado pela pesquisadora Amy Cuddy, professora de psicologia de Harvard. O grupo de Amy estava interessado em descobrir se podemos modificar nosso estado emocional usando o corpo, através de modificações fisiológicas afetadas pela postura.

Amy focou em posições de poder, aquelas em que expandimos nosso corpo, braços pra cima e peito aberto, como se estivéssemos celebrando uma vitória ou conquista. Esse tipo de gesto comunica e reflete poder. O oposto disso são poses “fracas” ou deprimidas, em geral com braços cruzados, mãos tocando a face ou pescoço, cabeça baixa e ombros curvados pra frente. Os experimentos foram bem simples. Voluntários entravam no laboratório e os níveis de testosterona e cortisol eram medidos imediatamente pela saliva.

Testosterona é um hormônio associado a dominância e agressividade, em geral, presente em altos níveis em pessoas com tendência a liderança. O cortisol é um hormônio relacionado ao estresse. Líderes têm baixos níveis de cortisol e por isso toleram melhor o estresse. Depois disso, os voluntários foram instruídos a ficarem em posições de poder ou poses “fracas” por 2 minutos em um quarto isolado. Em seguida, foram convidados a participar de uma aposta e podiam optar se queriam ou não correr o risco. Ao final do experimento, os níveis de hormônios foram medidos novamente. O processo todo levou em torno de 20 minutos.

Os resultados mostraram que aqueles que ficaram em posições de poder tinham uma tendência maior a fazer a aposta, indicando uma tendência a assumir uma atividade de risco. Surpreendentemente, os níveis de testosterona subiram e o cortisol diminuiu significativamente nesses indivíduos. O oposto aconteceu com as pessoas que permaneceram com as poses fracas. Um segundo experimento mostrou que pessoas que ficaram em poses de poder por dois minutos antes de uma apresentação oral, tiveram uma melhor comunicação e melhor índice de aceitação do que os que ficaram com as poses deprimidas ou fracas. Um único detalhe: alguns indivíduos ficaram tão confiantes que passaram a dominar o ambiente, gerando um desconforto com consequências negativas.

Os dados são tão claros que fica até fácil por em prática. Antes de uma situação de estresse, como uma entrevista de emprego ou um encontro importante, pratique poses de poder por alguns minutos. Não fique no canto, encurvado no smartphone, mas procure fazer um alongamento e expandir o corpo. O sucesso não é garantido, mas vai com certeza ajudar na sua desenvoltura e projeção. Só tome cuidado pra não exagerar na dose e acreditar que é um super-homem. A consciência da própria limitação é também uma das melhores qualidades nas pessoas de sucesso.

Colaboratório

sex, 02/12/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Como serão os institutos científicos daqui a 10 anos? E daqui a 50 anos? Difícil prever, ainda mais na velocidade que algumas áreas estão progredindo, como no caso da genômica. A evolução científica foi tão grande nessa área que mudou a forma de fazermos ciência, mudou até fisicamente como são os laboratórios que fazem sequenciamento de DNA. Como não dá pra prever esse tipo de coisa, vale a pena investir em uma arquitetura cientifica flexível. Dessa forma, pode-se alterar fisicamente os laboratórios de pesquisa para acomodar as novas tecnologias que virão.

Mas existe uma coisa que dá pra prever e parece ser consenso entre os cientistas: a multidisciplinaridade e internacionalização da ciência. Aqui não temos como andar pra traz. O número e nacionalidade de autores numa determinada publicação tem crescido significativamente. Isso reflete a complexidade das questões, metodologias e a conscientização de que um laboratório isolado não vai muito longe.

Vou exemplificar esse ponto refletindo sobre o mais novo centro de células-tronco dos EUA, inaugurado formalmente essa semana. O novo centro, batizado de Sanford Consortium for Regenerative Medicine, ganhou o nome de seu mecenas T. Denny Sanford, um conhecido filantropista no sul da Califórnia. O apoio financeiro de Sanford foi essencial para catalisar uma visão de ciência diferente, futurista até. O “consórcio” não é um instituto privado, tampouco faz parte de uma universidade ou agência governamental. O consórcio é um acordo entre cinco instituições científicas em San Diego, que decidiram criar algo inusitado, uma experiência cujos resultados aparecerão em alguns anos. É a primeira organização do mundo a ser criada com o intuito de reduzir qualquer tipo de barreira entre institutos e grupos de pesquisa.

O objetivo do projeto é unir laboratórios que trabalham com células-tronco, em diferentes áreas do conhecimento, num mesmo espaço físico, favorecendo ações colaborativas entre eles. Não importa onde você trabalha, se você é um pesquisador jovem ou sênior, o que importa é o rigor cientifico e capacidade colaborativa. Aliás, esses foram os requisitos para que os pretendentes habitassem esse novo espaço.

O prédio em si foi conceptualizado para auxiliar interações inusitadas entre os cientistas. Foi desenhado e imaginado como um agente que provoca insights e acelera os resultados. Quando se caminha pelo prédio, nota-se que o design foi feito para maximizar a interação em espaços específicos para estimular a criatividade. Paredes podem ser rabiscadas, laptops plugados em qualquer lugar, mesas redondas, enfim, tudo pra facilitar a ilustração e estimulo visual durante uma conversa cientifica. Ao mesmo tempo, o prédio fornece espaços mais quietos, que favoreçam a introspecção e foco. Pode-se transitar entre eles a todo momento. Ninguém é “dono” do espaço. Os escritórios dos pesquisadores principais projetam ao oceano Pacífico, com acesso a uma visão espetacular que lembra cenas de filmes do 007. Dentro dos laboratórios, tudo é organizado e pensado nos menores detalhes. Esqueça aquela visão de salas cheias de tranquieiras empoeiradas e barulhos de geladeira. Espaço amplo e organizado favorece a entrada de novas ideias. Tudo isso é bem inovador e deixa os futuros habitantes bem empolgados pelo privilégio. Junto ao meu grupo, os seguintes doutores brasileiros estarão representando nosso país: Drs. Cassiano Carromeu, Beatriz Freitas, Paulo Marinho, Cleber Trujillo e Roberto Herai.

Mas por que esse tipo de iniciativa se hoje é tão mais fácil entrar em contato com os colegas pela internet? Apesar dos benefícios da proximidade virtual que a internet nos trouxe na década de 1990, a tendência de colaboração aumenta quando diminui a distância física entre dois cientistas. A co-localização é essencial para conectar mentes. Isso acontece também nas artes: grupos musicais preferem viver no mesmo espaço para criar juntos e atingir um objetivo comum. Intuição, espontaneidade e experiência não podem ser armazenadas em computadores ou na internet – estarão sempre nas nossas cabeças.



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade