In(mani)festação da mente
Uma das manifestações mais intrigantes da mente humana pode ser causada por uma simples desilusão. Pacientes que sofrem da síndrome de Morgellons acreditam que parasitas misteriosos caminham por baixo da pele, causando uma sensação, no mínimo, horripilante.
Relatos dos pacientes com essa síndrome parecem scripts de filme de horror. Vermes e insetos, infestando o corpo, caminham pelo corpo deixando traços e ovos por onde passam, mordendo vagarosamente a carne e eventualmente perfurando a derme em busca de liberdade.
Alguns acreditam que filamentos ou fibras desses insetos possam ser vistos dentro da pele. Os relatos são tão diversos quanto misteriosos. Alguns acham que os insetos seriam “aliens” parasitando o corpo humano. Outros acreditam em uma teoria da conspiração, um subproduto de químicos no ambiente usados para controlar comportamentos humanos.
Comunidades de pacientes norte-americanos se reúnem virtualmente na tentativa de pressionar as autoridades a estudar os casos e levá-los a sério. Armados com insetos capturados em vidros e saquinhos plásticos, eles visitam diversos médicos na esperança de encontrar a causa física.
Porém, até o momento, nenhum agente causador, um fungo, uma bactéria ou mesmo um inseto foi diretamente relacionado aos sintomas da síndrome.
Mas um estudo publicado semana passado por um grupo da Mayo Clinic, em Minnesota, nos Estados Unidos, revisou amostras coletadas de 108 pacientes e chegou a uma conclusão intrigante: a percepção da infestação existe apenas na mente dos pacientes (Hylwa e colegas, Archives of Dermatology, 2011).
Os pacientes foram acompanhados durante 7 anos. Amostras trazidas pelos próprios pacientes ou biópsias coletadas pelos pesquisadores foram analisadas no microscópio. Em um caso, encontrou-se restos de um piolho. Nos outros 107, nenhuma evidencia de inseto ou qualquer outro parasita.
As coceiras, erupções e outros machucados na pele foram identificados como sintomas típicos, mundanas, que foram agravados pelos próprios pacientes na tentativa de retirar eventuais parasitas ou frear as coceiras.
As fibras, frequentemente apontadas pelos pacientes como evidência física, foram classificadas como restos de células da pele, cabelos, fibras sintéticas de carpete ou roupas. Ainda nesses filamentos, encontraram-se vestígios de moscas-de-banana, que não colonizam o corpo humano.
A conclusão do artigo é clara: os pacientes sofrem de uma síndrome psicológica, descrita na literatura dermatológica como “delírio de infestação parasitária”. O artigo desafia a tradição das comunidades de pacientes com a síndrome de Morgellons, que acusavam a comunidade médica de descaso e preconceito.
O estudo mostrou claramente que o diagnóstico não se altera, seja com amostras dos pacientes ou coletadas em biópsias no laboratório. O problema estaria realmente na mente dos afetados.
Mas será que evidências cientificas seriam suficientes para convencer os próprios pacientes de que o problema não está na pele, mas no cérebro? Aparentemente não. A associação dos pacientes com síndrome de Morgellons se manifestou dizendo que os estudos não foram suficientemente profundos e demandam mais investigação.
Para eles, outro problema seria o de diagnosticar futuros pacientes com sérios problemas dermatológicos como se fossem portadores de síndromes psiquiátricas. Enquanto o debate continua, um outro trabalho ainda não publicado, do CDC (Center for Disease Control) dos EUA, antecipa resultados semelhantes ao da Mayo Clinic num futuro próximo.
Na minha opinião, seria interessante entender melhor como essas desilusões surgem na mente humana, se há um potencial criativo tão grande a ponto de justificar o que os olhos não vêem. Respostas para os Morgellons prometem influenciar outras áreas do conhecimento, trazendo novas ideias sobre vias neurais relacionadas à fé e à abstração humana.