Pesquisa de ponta no Brasil
É motivo de comemoração na ciência brasileira. Um grupo de pesquisadores acaba de demonstrar, pela primeira vez, a reprogramação de células adultas de indivíduos brasileiros para um estágio pluripotente. Essas células, conhecidas como células-tronco pluripotentes induzidas (ou células iPS, do inglês), se comportam de forma semelhante a células-tronco embrionárias e tem o potencial de se especializar em outros tipos celulares. Com essa publicação, o Brasil entra para um seleto grupo de países que possuem a tecnologia. Com exceção da China, os outros são países desenvolvidos.
O trabalho pioneiro, liderado pela Dra. Patrícia Cristina Baleeiro Beltrão-Braga, da USP, acaba de ser publicado e está disponível online (Beltrão-Braga e colegas, Cell Transplantation 2011). Além da Patrícia e seu grupo da USP, o trabalho conto com o apoio do laboratório da Dra. Irina Kerkis, do Instituto Butantã.
No trabalho, o grupo inova no uso das células de origem. Ao invés de utilizar células da pele, como a grande maioria dos grupos fazem, Patrícia utilizou células imaturas extraídas da polpa de dente de crianças brasileiras. A vantagem? A técnica não é invasiva (não é necessário uma biópsia para extraí-las) e aparentemente o processo de reprogramação acontece mais rápido. Não duvido que esse tipo de estratégia vá ser adotado no exterior em breve. O fato de não haver um contato físico com a pessoa acelera a aquisição de material para estudo, especialmente no caso de doenças pediátricas, aonde é relativamente fácil de se conseguir dente-de-leite. Quem já passou pelo trauma de coletar sangue de uma criança, sabe o que falo.
As primeiras células-tronco pluripotentes induzidas a partir de células já diferenciadas de humanos foi demonstrada pelo grupo japonês de Shinya Yamanaka, em 2007. O processo é atraente pois, além de extremamente simples, nenhum embrião ou óvulos humanos são destruídos. Mesmo simples, nenhum grupo da América Latina havia publicado antes. Outro trabalho pioneiro, liderado pelo Dr. Dimas Tadeu Covas, da USP de Ribeirão Preto chegou perto. O grupo de Dimas tentou reprogramar células da pele importadas dos EUA usando uma combinação nova de fatores durante o processo. Porém, as células obtidas foram apenas parcialmente reprogramadas além de apresentar instabilidades genéticas (Picanço-Castro e colegas, Stem Cells and Development 2011).
Uma perspectiva interessante nessa história é a velocidade de sucesso dessas publicações brasileiras, um contraste na comparação com outros países da América Latina. Impressiona a atuação do Brasil nessa área, acostumado a um hiato tecnológico de cerca de 10 anos. Um exemplo é a obtenção de células-embrionárias humanas, trabalho publicado pela primeira vez nos EUA em 1998 e reproduzido no Brasil apenas em 2010. Com certeza, uma das razões dessa velocidade toda é a colaboração internacional. Antes de se aventurar na reprogramação de células de pacientes no Brasil, Patrícia fez um estágio intensivo na Califórnia (atual Meca das células-tronco) financiada pela FAPESP. Esse período foi essencial para ela trazer a tecnologia para o Brasil de forma eficiente. A visão oportunista e colaborativa da FAPESP é de se aplaudir e não deveria ser restrita a São Paulo.
O domínio das técnicas de reprogramação celular garante ao país a chance de competir e inovar com novos modelos de doenças humanas, principalmente aquelas características no nosso povo ou que afligem países em desenvolvimento. Além disso, agora é possível estudar doenças de alta incidência, como o espectro autista, em populações brasileiras. Nosso conteúdo genético é bastante diverso e novos insights podem surgir desses estudos. É nesse contexto que eu vejo a grande vantagem e oportunidade do pesquisador brasileiro. Esse tipo de abordagem celular pode provocar uma explosão de descobertas científicas, atraindo jovens talentos para essa área. Olhos abertos, Brasil!