A álgebra das beldades

seg, 28/02/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Quando o assunto é o sexo feminino, a tremenda variação de opinião entre os homens é assustadora. A beleza feminina é intrigante do ponto de vista do cérebro masculino. Enquanto adolescentes (e alguns mesmo depois de adultos…), a grande parte da população masculina passa pelo curioso comportamento de ranquear a mulherada, de forma num sempre muito nobre, elegendo as musas do colégio, a artista mais bonita, a professora mais atraente, etc. O “efeito de grupo” acaba fazendo com que os grupos adolescentes sejam quase que unânimes em suas decisões.

Passado o efeito hormonal, homens continuam cultivando esse hobby mas são menos influenciados pelo “efeito do grupo”. Para as leitoras vale uma explicação rápida. Isso acontece, em geral em um bar ou evento social, quando um membro do grupo masculino decide fazer algum comentário sobre uma mulher, justificando sua opinião sobre por que ela é, ou não, atraente aos seus olhos. O comentário é rapidamente seguido de opiniões diversas, comparações bizarras ou justificativas irracionais entre outros membros do grupo. Vale tudo pra justificar sua preferência. O contraste de opiniões é a regra. O consenso existe em apenas alguns casos raros, as famosas belezuras universais.

Para eliminar o efeito de grupo, dois matemáticos de Harvard tiveram a brilhante idéia de lançar um site de relacionamento que une casais através de algoritmos baseados em uma série de questões respondidas pelos usuários na privacidade de seus computadores. O site, batizado de OkCupid, tornou-se um dos maiores sites de namoro virtual da web e conta hoje com 3,5 milhões de usuários e bilhões de dados que estão sendo usados para revelar aspectos fascinantes e, muitas vezes, inusitados do comportamento humano.

Uma observação que achei interessante revela que quanto mais os homens discordam sobre a beleza de uma determinada mulher, mais homens tendem a flertá-la, veja o gráfico ao lado (https://blog.okcupid.com/index.php/the-mathematics-of-beauty/). Vou digerir com um exemplo: imagine duas mulheres, ambas classificadas com a mesma média numa escala de atração física. Pois bem, os dados sugerem que uma delas vai receber cerca de 90 mensagens no final do mês enquanto a outra apenas 30 mensagens. Por que isso acontece?

Os dados revelaram que as mulheres que recebem mais mensagens são justamente aquelas que apresentam um maior número de variações em classificações individuais pelo sexo masculino sobre sua aparência. Ou seja, alguns homens a classificaram como “feia” enquanto outros como “extremamente atraente”. É justamente essa variação extensa que está correlacionada com o triplo de mensagens que a dita vai receber do sexo masculino quando comparada com outra mulher considerada universalmente “bonita”.

Uma explicação plausível para o fenômeno pode ser o fato de que os pretendentes masculinos acreditam que terão melhores chances de sucesso ao se corresponder com mulheres que não agradam a todos. Isso porque existiria algo nela que só é atraente para alguns homens, diminuindo a competição. O cérebro masculino faria esse tipo de cálculo de forma inconsciente. Hum, talvez. Não dá pra descartar o fato de que esse tipo de observação tem uma forte parcialidade na amostragem – o tipo de usuário que se utiliza desse tipo de ferramenta virtual. Parcial ou não, fica o conselho para mulheres solteiras: assuma de vez aquela verruga no rosto, pinta na bochecha, testa grande e o nariz fino. São exatamente esses traços que vão te diferenciar e proporcionar a merecida atenção.

Vermes contra o autismo

seg, 14/02/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Casos como o de um pai de uma família americana em Nova York, que luta pra encontrar um caminho que possa atenuar os efeitos do espectro autista em seu filho, são cada vez mais comuns. O filho, Lawrence, com 13 anos, foi diagnosticado com dois anos de idade e em pouco tempo já não se entrosava socialmente, exibia um comportamento repetitivo. Com os anos, sua personalidade foi ficando cada vez mais agressiva: batia a própria cabeça na parede, mordia os colegas e demonstrava muita ansiedade e agitação. Difícil pra família, pior para Lawrence.

O pai, Stewart, tentou diversos tratamentos. Começou buscando terapia do comportamento, modificações na dieta, terapia musical e, por fim, diversas combinações de medicamentos. Na maioria das vezes, a melhora era temporária e o tratamento deixava de fazer efeito após um curto período de tempo.

Como muitos pais, Stewart procurou por alternativas fora da medicina convencional. No entanto, ao invés de seguir métodos sem uma base racional, ele começou a pesquisar em sites como o PubMed por literatura especializada, que traria informações e pesquisas cientificas sobre os tipos de sintomas apresentados pelo seu filho.

Numa dessas buscas, deparou-se com o trabalho de um grupo de pesquisadores que conseguiu tratar pacientes com a doença de Crohn, usando vermes de porcos conhecidos como Trichuris suis. Como outras doenças autoimunes, o sistema imunológico do próprio paciente ataca as paredes intestinais, levando à formação de úlceras e a desconforto.

Nesse caso, os parasitas do porco estariam modulando a resposta imunológica, diminuindo a inflamação (Summers e colegas, Gut, 2005). Stewart também encontrou evidências de que alguns dos sintomas presentes no autismo podem ser frutos de um ataque imunológico em células da glia no cérebro (Vargas e colegas, Annal Neurol 2005).

Para ele não foi difícil juntar os pontos: os vermes do porco poderiam também ajudar na modulação imunológica de seu filho. Sem medo do ridículo, escreveu uma pequena revisão e apresentou suas ideias a um grupo que pesquisava autismo no Albert Einstein College of Medicine. Os pesquisadores acharam inusitado, mas concluíram que valia a pena testar a hipótese. Através desse grupo, Stewart consegui comprar ovas de T. suis para tratamento de uma empresa europeia chamada OvaMed.

Stewart também conseguiu permissão do FDA americano para testar a droga em seu filho, sob supervisão dos pesquisadores e médicos. Cada frasco carrega 2.500 ovas e é, em geral, consumido a cada duas semanas, com um custo de 600 euros por mês. Depois de ingeridas, as ovas tentam se alocar no intestino humano. Encontrando um ambiente hostil, a maioria morre. As ovas que sobrevivem dão origem a larvas que persistem no intestino por alguns dias. É nesse estágio que acontece a modulação do sistema imunológico.

Não se sabe ainda exatamente como isso acontece, as bases moleculares do fenômeno estão sendo pesquisadas. As larvas sobreviventes morrem logo em seguida e são dissolvidas no intestino – nada sai nas fezes.

Como o T. suis evoluiu para infectar porcos, a colonização no trato intestinal humano é limitada. Os vermes não conseguem se reproduzir e são eliminados com o tempo. Além disso, o ciclo de vida do verme requer um estágio fora do hospedeiro, sendo incapaz de infectar outros membros da família.

É um medicamento considerado seguro, sem nenhum efeito colateral. No caso de Lawrence, a melhora no comportamento começou depois de 8 semanas de tratamento. Depois da décima semana, os sintomas tinham desaparecido por completo. A narrativa dessa história pelo próprio Stewart pode ser encontrada aqui.

Os resultados promissores foram apresentados em 2007 ao FDA e deram inicio a um ensaio clínico mais completo – em andamento – que servirá para mostrar se o tratamento é realmente efetivo ou se foi apenas um caso de sorte, com alguma variável não controlada fazendo efeito na criança.

A saga desse pai e o sucesso da história traz uma perspectiva interessante para o entendimento do autismo, a “hipótese da higiene”. Segundo essa ideia, a industrialização e a falta de contato com elementos naturais acabam desestabilizando o sistema imunológico humano.

Evoluímos juntamente com nossos parasitas e assim que os eliminamos do nosso ambiente, a homeostase do nosso corpo tenta se estabilizar novamente. Durante a evolução, criamos diversas “armas imunológicas” contra esses parasitas que não estariam mais sendo utilizados no ambiente moderno.

A hipótese da coevolução é válida para a doença de Crohn, outras síndromes autoimunes como esclerose múltipla e provavelmente para alguns casos de autismo, como o de Lawrence. Ou seja, ao invés de existir “algo” no ambiente urbano que contribua para a incidência de autismo, seria mesmo a falta desse “algo”, no caso, nossos parasitas.

Acho que existe algo de muito importante nessa história. A investigação cientifica cautelosa desse e de outros casos semelhantes vai contribuir para entendermos melhor como o sistema imunológico interage com o sistema nervoso no estado normal e no estado autista.

Meditação altera fisicamente o cérebro

ter, 01/02/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Quando comecei a prática de yoga profissionalizante, eu estava apenas interessado nos benefícios físicos. Afinal, seria uma desculpa para aprimorar o equilíbrio e ganhar resistência – ambos importantes para quem vive num ambiente competitivo e muitas vezes estressante. Confesso que dei pouca atenção às aulas de meditação, mas notei os efeitos dessa prática no meu desenvolvimento profissional.

Já conhecia os efeitos da meditação no aumento da capacidade de concentração (Slager e colegas, “PLoS Biology”, 2007). Também sabia de estudos prévios conectando a pratica da meditação com redução da pressão arterial (Scheneider e colegas, “Circulation”, 2009). No entanto, tinha a impressão que os efeitos só seriam aparentes depois de longos anos de prática.

Doce ilusão. Um trabalho recém-publicado promete agitar essa linha de pesquisa ao mostrar que 16 voluntários que seguiram práticas de meditação durante meia hora por dia apresentaram alterações físicas notáveis no cérebro após 8 semanas. Regiões relacionadas com memória, aprendizado, empatia e estresse foram significativamente alteradas (Holzel e colegas, “Psychiatry Research”, 2011).

As imagens cerebrais foram capturadas por scanner MRI e mostraram aumento da massa cinzenta no hipocampo (região relacionada com memória e aprendizado) e redução na amígdala (relacionada com ansiedade e estresse) depois do treinamento. Essas são alterações fisiológicas reais, determinadas por métodos conhecidos em neurociência. Interessante notar que não houve alteração na ínsula, uma região do cérebro responsável pelo reconhecimento e atenção de si próprio. Os autores especulam que um treinamento maior poderia alterar essa região também.

A meditação escolhida pelos cientistas não tinha nenhuma relação religiosa, é conhecida como “mindfulness meditation”. Esse tipo de meditação tem como meta eliminar qualquer preconceito de sensações e sentimentos durante momentos de introspecção. A ideia da prática é focar em objetos visuais ou mesmo sensações ou respiração, evitando a dispersão da mente e prestando atenção na resposta do corpo.

Obviamente o cérebro humano é bem complexo e fazer a ligação entre essas alterações e uma melhor qualidade de vida não é simples. Um outro estudo demonstrou que praticantes da meditação ativam de forma diferenciada regiões do cérebro relacionadas com empatia ao ouvir sons de pessoas sofrendo (Lutz e colegas, “PLoS One”, 2008). Mas o que isso realmente significa? Teriam eles mais compaixão? É realmente difícil determinar causa e consequência nesse tipo de experimento em humanos.

De qualquer forma, é possível extrair duas grandes lições desse trabalho. Primeiro, o cérebro é muito mais plástico do que os cientistas imaginavam a 5 ou 10 anos atrás. Leva-se mais tempo para alterar músculos do que o cérebro. Segundo, a forma como nos sentimos (calmos, estressados ou ansiosos) é seguida, ou pelo menos correlacionada, com indicadores estruturais reais em nossos cérebros. A distância entre a mente e o cérebro ficou menor.



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