Apetite por exercícios

seg, 25/10/10
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O exercício físico é um dos melhores remédios contra obesidade e certas condições associadas, como a diabetes do tipo 2. Entretanto, os mecanismos por trás dos efeitos gerados pelo exercício, além do aumento do consumo de energia, não são bem conhecidos pela ciência.

Recentemente, um grupo de cientistas mostrou que o exercício físico afeta diretamente um grupo de células nervosas, conhecidas como neurônios hipotalâmicos, envolvidos na regulação do consumo de comida e metabolismo de energia (Ropelle, E. R. e colegas, “PLoS Biology”, 2010).

Os autores do trabalho deixaram ratos obesos, fornecendo uma dieta rica em gorduras. Esse tipo de alimentação alterou os níveis de expressão de dois neuropeptídeos do hipotálamo, envolvidos com a regulação da quantidade de comida consumida. Com esse sistema desregulado, os ratos não se saciavam e continuavam a comer, aumentando o número de calorias por refeição.

Uma sessão de corrida ou natação foi suficiente para inibir a expressão desses neuropeptídeos, reduzindo o tanto de comida que era ingerido. Interessante notar que o efeito do exercício só foi observado em ratos obesos, mas não em animais normais. Esse bloqueio ocorre devido a um aumento de uma molécula anti-inflamatória chamada IL-6 nessa região do cérebro. Aumento de IL-6 induz um tipo de estresse celular em neurônios hipotalâmicos, causando a disfunção observada.

Ao injetar IL-6 diretamente no hipotálamo dos ratos obesos, os cientistas obtiveram o mesmo resultado, restaurando a capacidade de satisfação nesses animais pela diminuição do estresse neuronal. Por sua vez, o efeito da injeção de IL-6 foi bloqueado ao se injetar anticorpos contra IL-6 no hipotálamo. Esse tipo de experimento (ganho e perda de função) serve justamente para mostrar a especificidade de ação de um determinado fator.

Também foi demonstrado que, semelhante àquela sessão única de exercício físico, a atividade física crônica, por quatro semanas, reduziu a quantidade de alimento ingerido e o peso dos ratos, através do aumento de IL-6. Esse efeito foi mais pronunciado no primeiro dia de exercício.

Esses resultados trazem novas pistas na intrincada relação entre inflamação, estresse celular e satisfação alimentar, todos envolvidos diretamente com obesidade. O trabalho sugere que, além da prática de exercício, a modulação dos níveis de IL-6 no hipotálamo deve ser considerada como um alvo em potencial para o tratamento da obesidade.

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Proteína marcada pra morrer

sex, 08/10/10
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Brasileiros descobriram novo mecanismo de eliminação de erros celulares

Nosso corpo é formado de células (do latim cellula, que significa pequeno quarto). Um humano de tamanho médio tem aproximadamente 100 trilhões de células ativas que interagem entre si constantemente. A atividade correta de cada célula garante o bom funcionamento do corpo.

Essa atividade celular também é chamada de metabolismo e, em geral, está relacionada à produção de energia. O metabolismo de cada célula em conjunto gera energia suficiente para o corpo trabalhar em harmonia.

No entanto, as células cometem erros ao gerar energia. Subprodutos desnecessários ou mesmo tóxicos são gerados. Mas então as células do corpo erram? Sim, as células erram frequentemente. A nossa sorte é que existem mecanismos na própria célula que corrigem os erros antes de causarem um problema. Um exemplo clássico é o reparo de DNA, um mecanismo responsável por corrigir erros durante a leitura e duplicação do nosso material genético. Pessoas que têm mutações genéticas em proteínas envolvidas com o reparo de DNA estão mais propensas a doenças como câncer, por exemplo.

Um outro exemplo de mecanismo de correção celular foi recentemente descoberto por dois brasileiros do Instituto de Pesquisa Scripps, em San Diego, na Califórnia. Mario Bengtson e Claudio Joazeiro publicaram em setembro na prestigiosa revista Nature (Bengtson e Joazeiro, 2010) uma nova maneira pela qual a célula corrige seus erros. Os brasileiros descobriram um fator que atua no controle de qualidade das proteínas malformadas.

Eu explico. Grande parte da informação presente nos nossos genes (pedaços de DNA) é transcrita em moléculas intermediárias chamadas de RNA mensageiro. Essas moléculas intermediárias são subsequentemente traduzidas em proteínas. E são as proteínas as grandes responsáveis por funções estruturais, enzimáticas e mecânicas que as células usam para o funcionamento dos nossos órgãos. Manter esse ciclo lubrificado é essencial para a saúde e equilíbrio corporal.

A transferência da informação contida no RNA para formar as proteínas é feita por estruturas celulares especializadas chamadas ribossomos. Pois bem, muitas vezes a informação contida no RNA está incorreta. No exemplo usado no trabalho publicado pelos pesquisadores brasileiros, a informação do RNA não tinha uma conclusão determinada, como se não tivesse um ponto final na frase.

O que a dupla Bengtson e Joazeiro revelou foi a descoberta de um novo fator celular responsável por detectar as proteínas nascentes com esse erro durante a tradução pelo ribossomo e marcá-las para que elas sejam rapidamente degradadas. Em outras palavras, elas estariam então marcadas pra morrer. Dessa forma, as proteínas com erros não ficam vagando pela célula, atrapalhando as funções de proteínas sem erros. A analogia com o caminhão de lixo é clara. Imagina a sujeira e a bagunça em que a cidade ficaria se o lixo não fosse recolhido.

O acúmulo de proteínas mal-acabadas nas células está relacionado com diversas doenças humanas e mesmo com o envelhecimento. Apesar do trabalho dos brasileiros ter sido todo feito em leveduras (os mesmos organismos utilizados para fazer pão e cerveja), eles já estão testando as consequências da falta dessa proteína em células de mamíferos, com modelos animais e células humanas. Como o novo fator parece ser bem conservado entre as espécies, é provável que a dupla tenha encontrado uma peça fundamental na manutenção da vida como a conhecemos hoje.

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