Uma década de ‘livre acesso’ científico
A ideia de tornar as publicações científicas da área de saúde “abertas”, ou seja, de livre acesso na internet completa dez anos. A idéia inicialmente surgiu de um grupo de biólogos que notaram que os jornais científicos estariam se tornando cada vez mais caros, de difícil acesso a pacientes ou outros profissionais da área de saúde. Até mesmo outros cientistas estariam tendo dificuldade em acessar os trabalhos publicados, pois nem toda biblioteca possui condições financeiras de arcar com as assinaturas dos jornais científicos atuais.
Duas propostas emergiram desse grupo. Primeiro, cientistas deixariam as publicações disponíveis num repositório por um determinado período e qualquer pessoa com acesso à internet poderia ler ou baixar os artigos naquele intervalo. Segundo, criaram um tipo de jornal em que os autores pagariam uma determinada taxa para publicar os resultados. Assim, o jornal teria uma forma de se financiar por meio dos próprios pesquisadores em vez de depender de assinaturas do público. Essa taxa poderia sair das fundações que financiam a pesquisa, sejam governamentais ou privadas. O jornal então disponibilizaria a pesquisa tão logo fosse aceita para publicação. Estava criado então o conceito de publicação de acesso livre, conhecida no meio como “open access”.
A premissa era que a ciência caminharia mais rapidamente, pois qualquer um poderia ver os resultados publicados imediatamente, facilitando colaborações etc. Além disso, o modelo deixaria a pesquisa mais próxima dos pacientes, médicos e outros interessados e não apenas aos acadêmicos ou pesquisadores.
Vale lembrar que no modelo “open access”, assim como nos casos de publicações tradicionais, a revisão dos pares continua sendo a estratégia para determinar se um trabalho tem mérito para ser publicado ou não. Para aqueles não familiarizados com o esquema científico, toda vez que um trabalho é proposto para uma revista, os editores buscam a opinião (em geral anônima) de outros pesquisadores da área. Salvo em revistas mais interessadas no impacto da pesquisa do que na ciência em si, um parecer positivo garante a publicação no jornal.
Um dos jornais mais expressivos nesse linha é a revista “PLoS ONE” (Public Library of Science ONE). O jornal tem atraído muitos pesquisadores e tem sido alvo de controvérsias no meio acadêmico. O jornal publica 75% dos artigos submetidos, o que é uma taxa excepcionalmente alta. Ou seja, o trabalho tem que ter algum defeito fundamental no design experimental ou interpretação dos resultados para não ser publicado. Sendo razoável, o artigo será aceito e publicado.
No último ano, o jornal publicou cerca de sete mil artigos, tornando-se a maior revista científica da atualidade. Tamanho sucesso permite que o jornal se sustente financeiramente, além de permitir a existência de outros jornais da mesma família, jornais com uma porcentagem de aceite mais rigorosa. Logicamente que esse modelo estimula a justa preocupação de que a revista estaria interessada mais em quantidade do que qualidade.
Hoje em dia, entre 7% e 11% de todos os jornais científicos oferecem alguma forma de “open access”. Apenas 20% dos artigos científicos estão disponíveis de graça na internet. A projeção é de que exista um crescimento de 1% ao ano. Esse crescimento, por menor que seja, tem despertado uma reação das editoras tradicionais. Esses jornais agora estão flertando com essa ideia, apostando em alguma forma de acesso livre que também seja viável financeiramente. Como no caso da PLoS ONE, uma alternativa é a criação de um jornal satélite de livre acesso. Outra saída é através de revistas híbridas. Nesse último caso, os autores pagariam uma taxa extra opcional para deixar o artigo aberto.
No entanto, isso ainda acontece de forma muito suave, talvez porque seja cedo para apostar no livre acesso como uma forma de negócio rentável. Por outro lado, talvez não haja opção num futuro próximo: as revistas vão sentir a pressão das agências de fomento, ou mesmo das comunidades de médicos e pacientes, que exigem a publicação do trabalho em acesso livre.
Faz sentido, na maioria dos casos. O trabalho é financiado por associações de pacientes ou governamentais, com dinheiro público. É com esse raciocínio que o Congresso americano está debatendo a requisição de publicação aberta para grupos de pesquisa que recebam verba do governo federal. Atitudes semelhantes já ocorrem em alguns países da Europa, como Inglaterra.
Com o crescimento vagaroso e uma certa polêmica sobre a qualidade da pesquisa publicada nos jornais “open access”, não acho que o modelo vá dominar o futuro próximo. Muito provavelmente teremos algo em paralelo.
Talvez uma alternativa para conciliar as duas ideias seja uma forma de “iResearch”, como referência ao “iTunes” (programa da Apple que permite a compra de músicas individuais ou em álbum). Nesse modelo científico, o interessado não precisaria comprar a revista inteira (ou no caso do iTunes, o álbum com todas as músicas), mas apenas os trabalhos que interessam (no caso do iTunes, apenas as músicas daquele álbum que você mais aprecia).
Esse modelo não acabou com o mercado de CDs, mas oferece uma opção, aumentando ainda mais o comércio musical. Lógico que para isso funcionar no esquema acadêmico, o preço de cada artigo individual teria que ser bem razoável. Bom, talvez o modelo não funcione mesmo num mercado que não tenha tantos consumidores assim (será?).