Culturas impossíveis e a origem da crença na vida eterna
As habilidades mentais dos humanos e outros animais têm mais semelhanças do que diferenças. Nas últimas décadas aprendemos, por meio de diversos trabalhos científicos, que os outros animais também são capazes de adquirir linguagem própria, produzir música, sentir empatia e passar ensinamentos. Temos então a impressão de que as diferenças culturais entre nossa espécie e as outras seriam apenas uma questão de profundidade.
Essa profundidade sugere que exista um contínuo cultural, envolvendo espécies com habilidades tão refinadas quanto os humanos. Entretanto, não há evidências que suportem essa idéia. Compartilhamos cerca de 99% de nosso DNA com bonobos e chimpanzés e ainda assim somos culturalmente muito mais complexos que nossos ancestrais. Essa quebra na continuidade pressupõe um interessante paradigma cientifico: a possibilidade de culturas impossíveis. Essas culturas não teriam tido sucesso evolutivo por alguma razão (talvez por falta de ambientes ou circunstâncias ideais) ou teriam tido problemas em se sustentar, levando à extinção.
Exemplo dessa falta de contínuo pôde ser observada em “formas” de vida cambrianas. Durante o período Cambriano (cerca de 500 milhões de anos atrás), houve uma rápida e imprescindível explosão de novas formas de vida. O fato de tamanha variação ter aparecido num curto período sugere que o genoma tem uma enorme capacidade criativa, adaptando-se rapidamente a diferentes ambientes. Mesmo nessa explosão de formas de vida, não encontramos um contínuo, sugerindo que outras forças impeçam a simples variação do que já existe. Isso pode até ser resultado de um empecilho físico, por exemplo. Voltemos agora à questão do contínuo cultural.
A data aproximada de quando ocorreu a revolução cultural humana não é um consenso entre os pesquisadores. Alguns sugerem que começou cerca de 800 mil anos atrás e teve seu pico cerca de 45 mil anos atrás. Esse período é associado com a geração de símbolos (matemáticos, artísticos e ritualísticos), uso controlado do fogo e ferramentas para uso múltiplos. Tomando-se que esse intervalo de tempo é irrisório numa escala evolucionária, e que essa expressão cultural humana emergiu rapidamente, a comparação com a explosão criativa do Cambriano é impressionante.
Alguma transformação genética deve ter acontecido, equipando os humanos com uma capacidade para gerar novas expressões culturais sem precedentes. Porém, da mesma forma que não se encontra o contínuo nas formas de vida do Cambriano, não encontramos o contínuo em diversas outras culturas. Algo aconteceu, impedindo que culturas hipoteticamente viáveis prosperassem em paralelo aos humanos. Será que o cérebro primata foi limitado de alguma forma a gerar outras formas de consciência?
A possibilidade de outras culturas intriga cientistas e escritores de ficção científica. Em quase todos os casos em que se cogitam situações ou ambientes onde outras culturas pudessem ter existido, assume-se implicitamente que essas teriam sido selecionadas positivamente. Mas isso pode não ser tão simples assim…
Entre as qualidades tipicamente humanas, está a consciência do “eu” e a “teoria da mente”, que permite uma inter-subjetividade ou o entendimento das intenções dos outros. Já descrevi a teoria da mente em maiores detalhes numa coluna anterior (“A teoria da mente e a síndrome de Williams). Esses atributos podem ter sido selecionados positivamente por causa dos benefícios à comunicação entre os membros da espécie, facilitando a procriação, linguagem e outras atividades críticas aos humanos.
Mas talvez a questão real seja: por que esses atributos somente surgiram em uma espécie, apesar de milhares de outras oportunidades durante a evolução? Ora, o surgimento da consciência humana e da teoria da mente deveriam trazer junto a consciência da vida finita, da própria morte. Longe de ser útil, o medo da morte pode ser encarado como um beco-sem-saída evolucionário, pois inibe atividades de risco e as funções cognitivas necessárias para a sobrevivência dos indivíduos da espécie. Ninguém se arrisca se as chances de morrer são grandes.
Apesar de diversas espécies manifestarem indícios de consciência do “eu” (incluindo orangotangos, chimpanzés, golfinhos, orcas, elefantes e talvez alguns pássaros), a transição para um fenótipo tipicamente humano foi bloqueada por milhões de anos de evolução de mamíferos (e talvez aves).
Assim, a única forma de essas propriedades terem sido selecionadas positivamente seria caso emergissem simultaneamente com mecanismos neurais responsáveis pela negação da morte ou crença na vida eterna. A ideia da consciência da própria mortalidade, ou desconfiança da morte, já foi associada a mecanismos de sobrevivência da espécie humana, mas nunca sob a perspectiva da descontinuidade cultural.
Se essa lógica for verdadeira, é correto pensar que outras espécies também tenham atingido um sofisticado grau cognitivo, com uma completa consciência do “eu” e teoria da mente, em algum momento da evolução. Mas acabaram por serem extintas, pois não conseguiram conciliar essa conquista evolucionária com o tremendo impacto negativo das consequências de saber que seriam, de fato, mortais.
Essa nova visão, ao meu ver, nunca antes tinha sido proposta e deve revigorar debates sobre as qualidades humanas universais necessárias para explicar a grande descontinuidade cognitiva observada entre nós e outras espécies. Pode também explicar por que humanos acreditam em reencarnação, vida após a morte, rituais de morte, crendices, tendências suicidas e martírio.
Arrisco ir mais longe e dizer que esse momento ímpar da evolução humana foi ainda influenciado pelas interconexões neurais não definidas entre os dois hemisférios, levando a um cérebro semelhante ao sinesteta ou esquizofrênico (principalmente no que se refere a ouvir vozes “do além”). Da combinação dessas fatores, ganhou a religião seu adubo mais fresco.
12 maio, 2010 as 7:06 pm
Essa foi das publicações mais lúcidas que tenho visto na internet. Fiquei impressionado, realmente.
28 janeiro, 2010 as 9:54 am
Sempre são bem vindas informações acerca da pergunta mais importante que o ser humano faz a sí próprio, independente de ser cientista ou não. Algumas delas mudam nossa forma de pensar por superar nossos argumentos.
Pena que algumas pessoas venham aqui postar suas crenças e querer impingir nos outros que são as corretas, como Leonardo e Clauber.
Biólogos, negros, mulheres, padres e bichas podem falar e escrever o que quiserem, pois ciência e religião fazem parte da mesma sopa.
Se Deus é um ser imaginário ninguém sabe, nem mesmo se é um ser!
O fato, agora falando em ciência, é que não existe a abiogênese. Fui claro?
Parabéns ao blogueiro e aos que o apoiam.
20 janeiro, 2010 as 7:57 pm
Porque o sentimento intuitivo de acerto cognitivo de astúcia de um compromisso degenerativo sem redundância pela qual sua teoria não revela a verdade, sendo que o maior do que o tempo a altitude o espaço onde nada pode me medir; sua consciência limitou-se em poucas inverdades sobre a vida de como eu faço com minha palavra destino a quem deve saber quando e onde no meu tempo na minha vontade porque eu sou, conheço o projeto de você ,você e tão perfeito que tem como duvida,r mesmo não me aceitar mas eu te amo e dei o meu filho para te salvar da sua ignorância sobre eu; mas te perdôo porque te amo, venha me experimentar venha me conhecer suas duvidas sobre a vida te mostrarei eternamente. DEUS O CRIADOR DE TODAS AS COISAS ALÈM DO LIMITE DO SEU PENSAMENTO
24 novembro, 2009 as 12:50 pm
Culturas evoluem e depois de muito tempo achamos que sempre fomos assim! Não…nem sempre fomos mentalistas….nem sempre acreditamos em deus (ou ao menos não como se entende hoje) acreditar que algo é uma causa maior para a explicação dos fenômenos que vivemos é um passo bem atrasado da evolução epistemológica, é facil, rápido e se espalha com facilidade. Mas dai dizer que esse tipo de prática (mentalismos) nos diferencia das outras espécies é no mínimo negligenciar um monte de passos anteriores a noção de mente. Ainda que macacos façam cultura ou proto-culturas, ainda que pombos tenham noção de “eu” (e essas dois fatos são amplamete demonstrados experimentalmente:.ver B.F. Skinner, R. Epstein, N. DeWall) nosso desempenho cultural como dito é mais complexo e acredito estar na capacidade de responder a complexidade ambiental, por sua vez proporcionada pela evolução cultural…evolução de práticas e não evolução genética. Se é possivel que tenha havido uma modificação genética que possibilitou sermos o que somos (houve! não sei qual:) ela esta ligada a evoluçao de práticas, a teoria da mente, a linguagem, a noção de “eu” são só algumas delas, não são exatamente elas que nos diferenciam!
Parabéns gostei do debate!
1 novembro, 2009 as 3:27 am
Bem, vamos lá.
primeiro:
Esse texto todo me fez lembrar do último capítulo do livro “desvendando o arco-iris” do Richard Dawkins em que ele propõe sugestões que poderiam explicar o rápido desenvolvimento do cérebro humanos. Ele adota a metáfora de circuitos neurais como um hardware e as idéias e a abstração como o software.
Pensando nisso, desconfio muito da sua (é sua?) hipótese das diversas culturas ja poderem ter surgido mas então não terem prosperado por não terem desenvolvido “co-adaptações religiosas dos circuitos neurais” por diversas razões. Vamos a elas.
1 – Gosto muito de um review do Daniel Dannett chamado “are we explaining counsciousness yet?” de 2000 e nele é explicado o atual paradígima sobre a consciência. Então eu pergunto: Todos esses animais de cérebros mais desenvolvidos que poderiam ter algum tipo de “consciência do eu” (uma redundância, segundo dennett) seriam um mesmo tipo de “eu”? Em outras palavras, tudo bem que o cérebro é desenvolvido, mas as partes do cérebro são igualmente desenvolvidas? Como seria a memória e a linguagem por exemplo? será mesmo que houve mesmo tantas milhãres de chances de surgir cultura?
2 – um trabalho recente do NIH (eu não olhei, soube dele por uma citação do Andy thompson na palestra “why we belive in god.”) mostra que não há nenhuma região do cérebro que responde a idéia de deus em especial, uma contraprova muito forte da sua suposição de que “culturas sem a co-adaptação religiosa neural” não persistiriam.
Achei pouco convincente toda a suposição sobre o por que os humanos terem crenças.
recomendo assistir essa palestra: “why we belive in god”. Tem no youtube e é bem mais convincente.
Por que não há outros primatas com o nosso tipo de consciência? Bem, talvez seja só uma questão de disponibilidade de nichos…
1 novembro, 2009 as 2:37 am
pelo jeito essa semelhança com outros primatas de 99% foi superestimada. Craig Venter na entrevista com richard dawkins afirma que a semelhança na verdade seria de 95%.
só uma curiosidade
“não sabia que a função do biólogo é comentar sobre religião”
e eu não sabia que precisava de formação acadêmica para discutir de onde viemos e para onde vamos quando sobre tudo mais é permitido conversar.
28 outubro, 2009 as 8:18 pm
Então, vamos alimentar a fogueira. Minha teoria, como várias outras são, sem comprovação científica, é a de que viajantes (e se encontrarmos vida em outros planetas será plausível) manipularam geneticamente a nossa espécie para que nos assemelhassemos a eles e daí seguissemos nosso caminho. Uma forma de se perpetuar e de, também, explicar muitas coisas ainda sem explicação, mas, nem todas as coisas. Várias permanecerão sem explicação simplesmente porque não há explicação.
27 outubro, 2009 as 11:37 pm
Texto interessante, mas não necessariamente original. Dois erros graves, pelo menos, invalidam os seguintes argumentos apresentados:
1- “”Entre as qualidades tipicamente humanas, está a consciência do “eu” e a “teoria da mente”, que permite uma inter-subjetividade ou o entendimento das intenções dos outros.”" … “Ora, o surgimento da consciência humana e da teoria da mente deveriam trazer junto a consciência da vida finita, da própria morte.”
** Comentário: As passagens sugerem que somente o ser humano possui consciência de “eu” e intersubjetividade, entre outras razões, por poder criar ilusão de transcedência, que faria suportar o pavor de imaginar a própria finitude. O ser humano não é unico nessas duas características. Outros animais possuem a consciência do “eu”, como primatas, cachorros, golfinhos e até aves. Em relação à inter-subjetividade, também não é característica exclusiva do ser humano, estando os cachorros e golfinhos, aptos a reagirem e anteciparem intenções alheias em exercícios.
2 – “Longe de ser útil, o medo da morte pode ser encarado como um beco-sem-saída evolucionário, pois inibe atividades de risco e as funções cognitivas necessárias para a sobrevivência dos indivíduos da espécie”.
** Comentário: Primeiro, o medo da morte não é exclusividade do ser humano. Qualquer criança de 5 anos sabe disso. Experimente matar um porco caso ainda reste alguma dúvida. Além disso, o medo da morte, longe de ser um inibidor de atividade de risco ou diminuidior das funções de sobrevivência, é o principal agente impulsionador. Essa é a razão pela qual, em situação de risco, corremos mais rápido, pulamos mais alto, ignoramos a dor e superamos limites desconhecidos. Nós e todos os animais saudáveis.
Agora falando de cultura, apesar de tudo, acredito que o autor esteja na direção correta. Considero que talvez a desvantagem sugerida em relação à consciência da própria morte seja aquela parecida com a preguiça e ceticismo que toma conta do indivíduo adulto quando instigado por uma criança na praia a construir um belo castelo de areia. Por saber que em algumas horas todo seu trabalho será destruído inexoravelmente pela maré, o homem se empolga menos que a criança, que, por imediato interesse comparável ao animal inconsciente dos efeitos do tempo, aproveita apenas o presente.
Se for esse o caso, creio que o efeito negativo da consciência da morte não é imediato e não interfere numa vida específica, mas pode diminuir o ímpeto de manutenção de uma cultura, o que não necessariamente levaria a sua extinção enquanto espécie. Arrisco dizer que isso está acontecendo em alguns lugares do mundo, onde de repente ninguém quer ter mais filhos, as pessoas se voltam para o prazer imediato, abominam a religião, e as taxas de suicídio são mais altas. Essa é só uma das relações que consigo imaginar agora.
15 outubro, 2009 as 11:31 pm
Apenas hipóteses e conjecturas. Não prova nada senão as crenaçs do autor.
13 outubro, 2009 as 3:53 pm
blbalbalbalbalba como tem gente que adora falar besteira, pessoas vem aqui atacar o texto do autor sem um minimo de base teórica orientados somente por uma fé cega e ridicula num ser imaginário, excelente texto como sempre, uma das melhoras colunas que já li. Parabéns
12 outubro, 2009 as 11:23 pm
Dr.Alysson , parabens este texto “arrasou”. Muito bom, sua sensibilidade atingiu grau elevadissimo.
Merece reconhecimento.Conforme estava lendo me sentia dentro da materia , tendo os mesmos questionamentos .E sabemos que somente questionando é que se chega a uma conclusao.Questionando se pesquisa. Parabens novamente .
Valeria
12 outubro, 2009 as 1:45 pm
Otimo texto, fenomenal raciocinio.
Fiquei bastante impressionada com a escolha de cada palavra e a linha de pensamento do autor. Um dos melhores textos ja publicados sobre como a ciencia pode ajudar a buscar respostas filosoficas e oferecer uma alternativa a religiao e outras crencas. Parabens!!!
11 outubro, 2009 as 5:08 pm
Excelente!
9 outubro, 2009 as 8:43 pm
Eu entendo sua opinião e surpreendentemente, é a mesma minha, tenho apenas 15 anos, e talvez, ainda tenha muita vida pela frente, muito a ver, muito a aprender, mas sei, que todos nós teremos um fim. Alguns pensam que a imortalidade é viver para sempre, mas eu acho que a imortalidade, é você marcar, e destacar seu passo perante o mundo, e ser lembrado por isso. Continuar andando, pois a vida é infinita. Eu tenho um sentido de vida, eu tenho um objetivo, que é viver e aprender, e é o que o mundo hoje, precisa entender.
8 outubro, 2009 as 8:22 pm
Passo a gostar cada vez menos de todas as reportagens que estão no site da globo e afins. Todos os que contribuem com o site são muito tendenciosos, inclusive o autor desta matéria.
2 outubro, 2009 as 11:15 am
Ótimo artigo. De onde viemos, porque estamos aqui – é claro que há uma (ou mais de uma) razão – e para onde vamos, ou para que tipo de vida vamos – é um mistério. Acredito que além da biologia, outro mistério é saber de onde provém o sentimento de fraternidade, altruísmo e o amor…
Mas, é impossível perscrutar isso, seria como procurar um navio pe “rastro” que ele deixa na água.
O início e o fim parecem ser muito transcendentes.
1 outubro, 2009 as 6:29 pm
Muito bom o texto!
Parabéns!
30 setembro, 2009 as 11:56 am
Deixe para os teólogos esse assunto de Vida Eterna, e se preocupe com as penas dos dinossauros.
Opinar sobre a área espiritual não é propriedade da ciência ou de biólogos.
Parafraseando Darwin – “Cada macaco no seu galho”.
29 setembro, 2009 as 11:43 pm
Texto Excelente, parabéns pelo bom trabalho.
29 setembro, 2009 as 7:00 pm
Apesar de não ser cientista, tive uma ideia parecida há algum tempo.
Minha ideia é de que há animais que possuem capacidade física para obter consciência, mas há algum macanismo que inibe essa tomada de consciência.
Seria um absurdo ao porco, por exemplo, conhecer as notas musicais, mas não ter dedos apropriados para tocar qualquer instrumento.
É uma ideia meia doida.