A nova ciência do aprendizado

seg, 03/08/09
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Aos 6 meses de idade, presenteei minha bela sobrinha com um laptop infantil. O portátil incluía um pequeno monitor, teclas de ação, músicas, voz e um pequeno mouse interativo. O que pode parecer estranho ou prematuro para alguns é, na verdade, parte de um emergente formato educacional. Nosso cérebro evoluiu para aprender e se adaptar a novos ambientes. Se criarmos o ambiente correto para uma criança, a mágica acontece.

Estudos sobre a psicologia infantil, neurociência do desenvolvimento, plasticidade cerebral e métodos computacionais de aprendizado estão convergindo para uma nova ciência do aprendizado que deve transformar as práticas educativas e pode trazer pistas sobre a origem da inteligência humana.

A evolução cultural, rara entre as espécies e abundante em humanos, provavelmente começou quando novas formas de aprendizado surgiram com a pressão seletiva sobre nossos ancestrais. O aprendizado humano difere do das outras espécies pela quantidade e complexidade de informação que podemos assimilar e, pelo grau de abstração que pode ser alcançado. O Homo sapiens é a única espécie que desenvolveu meios formais de aprendizado: professores, escolas, currículos etc.

Tanto o aprendizado humano quanto a evolução cultural consistem num curioso paradoxo adaptativo: humanos nascem imaturos. Bebês não sabem falar, caminhar ou usar ferramentas. Essa imaturidade tem um preço caro: para o bebê, que consome 60% da energia na formação do cérebro; e para os pais, que têm que cuidar do bebê a todo instante. Por outro lado, essa imaturidade também tem seu valor.

O atraso na maturação e crescimento de circuitos cerebrais permite que aprendizados iniciais influenciem o desenvolvimento da arquitetura neural de modo a suportar aprendizados futuros mais complexos. Simulações computacionais mostram que começar um processo de aprendizado com circuitos de baixa resolução permitem um aprendizado futuro mais eficiente do que começar com um sistema bem desenvolvido.

De fato, o aprendizado é mesmo computacional. Bebês e crianças com menos de 3 anos de idade usam estratégias estatísticas assimiladas por experiência para aprender sobre linguagem e efeito causal. Também utilizam-se de distribuição de frequências para distinguir a fonética correta nas palavras, usam probabilidade transacional para aprender a juntar as palavras na frase e usam covariações para inferir relações de causa e efeito no mundo físico.

No entanto, crianças não computam estatísticas de forma indiscriminada. Dicas sociais influenciam o que e quando aprender. Recém-nascidos são capazes de imitar gestos de outra pessoa como mostrar a língua e abrir a boca, mesmo nunca tendo visto sua própria face num espelho. Crianças em idade pré-escolar são mais motivadas a aprender com uma pessoa do que com um aparato inerte. Professores-robóticos aumentam a motivação e aprendizado das crianças caso apresentem características sociais. Aliás, isso também funciona para adultos – novas tecnologias sociais (Twitter, Facebook etc) estimulam humanos pela capacidade de socialização. Ou seja, o aprendizado é um ato social, que tem por base circuitos cerebrais unindo percepção e ação.

Tanto a parte social quanto a imitação estão sendo incorporadas em máquinas desenhadas para facilitar a aprendizagem de crianças. Não é uma tarefa fácil. O gol é programar um robô para agir e aprender como uma criança, por meio de observação e imitação. Essas máquinas seriam também usadas para estudar interação e como o aprendizado pode ser melhorado.

O reconhecimento de que o input correto no momento ideal pode influenciar o aprendizado de uma pessoa levou à prática de intervenções imediatas em crianças que correm o risco de se sair mal na escola, produzindo melhoras nas notas, no ajustamento social e sucesso econômico. Quanto antes se dá a intervenção, melhor.

A ciência do aprendizado também é aplicada para crianças com problemas mentais. Por exemplo, crianças autistas apresentam deficiências na capacidade de imitação e contato pelo olhar. Por isso, acabam se privando das oportunidades de aprendizado pelo lado social, gerando uma cascata de problemas durante o desenvolvimento. Crianças autistas são atraídas por robôs humanóides, com interatividade previsível, que estão começando a ser usados tanto no diagnóstico como na intervenção terapêutica.

As novas descobertas em diversas áreas estão formando princípios de aprendizado humano que já estão sendo incorporados em teorias de aprendizado e na arquitetura de ambientes educacionais. De forma recíproca, esse conhecimento está sendo usado para gerar novos tipos de experimentos. Tira-se disso que o componente social é imprescindível para o aprendizado. O que faz o elemento social ser um catalisador tão poderoso do aprendizado humano? Quais foram as forças evolutivas que selecionaram esse padrão? Podemos usar isso para melhorar nossa capacidade de aprender?

Crianças mais inteligentes pressupõem um mundo melhor. Tenho a impressão de que essa área vai dar um salto qualitativo nos próximos anos e será responsável por criar oportunidades para se re-imaginar as salas de aula do próximo século. Isto é, se for realmente necessário sala de aula – ou aula.

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10 Comentários para “A nova ciência do aprendizado”

  1. 1
    Fabio Prudente:

    Talvez a sala de aula se torne desnecessária, com a possibilidade de transmissão de informações à distância, mas a aula, como momento de interação direta entre humanos mais experientes (professores) e menos experientes (aprendizes), e o ambiente escolar, como ambiente físico, presencial, para integração e socialização, sempre serão necessários, ainda que sejam profundamente transformados no futuro.

    As tecnologias de Ensino precisam mudar – precisam urgentemente de uma fundamentação científica. O que hoje chamamos de Pedagogia; não é ciência – é um amontoado de crendices, superstições, e pensamentos filosóficos sem sustentação científica.

    A preparação de atletas, há algum tempo, já assimilou o método científico. Treinadores, acessorados por uma equipe multidisciplinar, determinam cientificamente os tipos de exercícios, alimentação, e técnicas específicas, para otimizar o desempenho de seus atletas. Enquanto isso, nossas escolas ainda trabalham com métodos medievais e não têm a menor preocupação em medir a eficácia de seus métodos no processo de aprendizagem.

    Precisamos, sim, urgentemente, de uma nova ciência do Aprendizado.

  2. 2
    DMLJ:

    Inovações didáticas e pedagógicas podem se basear na neurociência que está por traz desses fatos. Perspectivas interessantes podem ser projetadas e até obtidas. No entanto, quanto as inferências de mundo melhor, infelizmente Alysson, e somente neste aspecto – não sou cético – acredito que sejam só suposições. O aumento da inteligência, como abordada no texto acima, não pressupõe aumento paralelo na moral e ética das pessoas. Gênios são conhecidos por sua contribuições para ciência e até para filosofia. Mas, não eram moralmente superiores. Talvez, perspicazes, mas não superiores.

  3. 3
    mario celso:

    sitando newton a maior mente criada pela humanidade, ja que foi a criacao do calculo diferencial, a ferramenta usada para desenvolver a tecnologia atual, sendo a ciencia do cotidiano geral a responsavel pelo desenvolvimento da inteligencia individual(conhecimento + habilidades) e tendo a educacao desde o inicio la na antiguidade, devido as nescessidades de medirmos grandezas, passado por varias crises, nao vou falar da historia da educcao, mas o correto e que em todas as epocas a educacao frente a novas necessidades foi provocada a mudar, no momento atual a robotica e a informatica caminham para serem as ferramentas que induzirao o conhecimento. a motivacao para aprendizagem vira da informatica, sera a invencao do calculo diferencial moderno. aprendizado e voce aprender a ciencia do cotidiano geral, nao individual, pois todos copiamos ideais de alguem e a modificamos, nao existe o criar humano e sim a descoberta, todas as novas ciencias modernas estao ai para serem descobertas e nao criadas. porque o homen e um imitador, imita as criacoes da natureza, que levaram milhoes de anos para evoluirem, o que fazemos e encurtar esa evolicao, usando o conhecimento ja adiquirido. nao existe nova ciencia do aprendizado.

  4. 4
    Carla:

    Otima reportagem. Gostaria de ver isso sendo aplicado nas nossas escolas.

  5. 5
    Gisele:

    Oi Alysson,

    Tudo bem?
    Hoje tive a oportunidade de ler várias das suas colunas, gostei de todas e em algumas você tocou em assuntos que fazem a gente refletir bastante e é uma voz para uma profissão no Brasil que não considero valorizada.
    Passarei o link para os meus alunos e colegas de laboratório.

    Desejo muito sucesso e que vc continue escrevendo sobre esses assuntos tão pertinentes.

    Gostaria de ter conhecido a coluna antes, mas ainda bem que dá para ter acesso pelos links. :)

    Bem… eu queria ter tido um computador aos seis meses….talvez …depois dos 30…eu soubesse encontrar o número de IP do computador sem precisar anotar cada passo… que nem um protocolo de extração de RNA….
    Sorte de quem nasceu depois do ano 2000…

    Um beijo

    Gisele (San Diego e agora SP)

  6. 6
    anticorpos:

    Muito legal seu blog, é a primeira vez que estou acessando e de cara já gostei, parabéns. Só espero que nossas crianças saibam ser inteligentes na razão e na emoção também, que é muito importante. Abraços.

  7. 7
    Valeria Dantas:

    DR.Alysson , muito interessante este post .O pessoal da area de educação precisa ficar muito alerta, pois tudo esta caminhando muito rapidamente neste mundo . Parabens.Valeria

  8. 8
    Luiz:

    Texto cheio de verdades!
    Adorei as novidades e o aspecto social.
    Abracos

  9. 9
    Rafael Gidra:

    adorei o texto!

  10. 10
    Ana:

    Eu gostei do texto, bem interessante.
    O que me chocou foi o comentário do Fabio.
    A ‘ciência’ está tão buscando respostas como qualquer outra área do conhecimento humano. Eu não sou pró-pedagogia nem nada… Mas sei que muita coisa pode ser tirada da pedagogia, que as descobertas têm que caminhar juntas.
    Vejo que o que faz algo melhorar verdadeiramente é uma visão sem pré-conceitos, como o Alysson escreveu no texto acima desse: “Acredito que os melhores cientistas são aqueles cujos experimentos são executados de forma a confrontar a própria hipótese.” Ou seja, os que não tentam se provar certos incondicionalmente, presos a um radicalismo do seu próprio ego.



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