Quando tudo dá errado
Não tinha desculpas, havia sido alertado anteriormente, horas antes, para ser mais preciso. A protuberante barriga de minha vizinha, que não via há anos desde que saí do país, não era gravidez. O tempo, a força da gravidade e algumas guloseimas a mais haviam transformado uma delicada e desejada barriguinha em um avantajado calo estomacal que insistia em não se esconder por detrás das roupas. O diálogo abaixo aconteceu tão logo eu desci do carro, após uma cansativa viagem pela Marginal Pinheiros, do aeroporto até a casa:
-Oi, Alysson, como vão as coisas no exterior? Soube das novidades…
-Tudo joia, e com você? Ouvi falar do casamento, mas não esperava que o filhote já estivesse tão adiantado… (sim, apontei e ainda toquei levemente a barriga da vizinha, como se fosse um Buda perto da porta).
Dá pra imaginar o embaraço da cena – como me saí dessa fica para uma outra vez. Por hora confesso que eu me esforçara mentalmente para evitar a constrangedora situação e de nada havia adiantado. O pior aconteceu, como se fosse o oposto do que eu desejasse.
Numa outra ocasião, observava um pai ensinando o filho a andar de bicicleta pela primeira vez num parque de estacionamento. Após diversas tentativas, o garoto finalmente havia adquirido o equilíbrio necessário para executar a complexa, e tipicamente humana, atividade que é pedalar sem auxílio. Confiante, o pimpolho se arriscava cada vez mais pelo amplo e absolutamente vazio espaço do parque, que só era interrompido por um poste de luz no centro. Ao perceber a ousadia do filho, o pai grita para que rodeie o parque, mas se mantenha afastado do poste no centro.
Como que por mágica ou alguma força irônica do destino, a bicicleta do moleque começa a ir exatamente em direção ao poste. O pai grita para que desvie do poste. Mas, de novo, o oposto acontece, e a bicicleta acerta em cheio o alvo improvável. Para aqueles que ainda não vivenciaram o drama de um selim no escroto, resta dizer que a dor e a vermelhidão nos testículos permanecem por um longo tempo.
As duas situações apresentam algumas características em comum. Primeiro, tanto eu quanto o garoto estávamos nos esforçando mentalmente para evitar uma situação indesejada. Além disso, estávamos mentalmente ocupados, eu pelo cansaço da viagem e premeditando os próximos compromissos e o garoto concentrado em manter a velocidade, o equilíbrio, as orientações do pai etc.
Aparentemente, o cérebro age de forma estranha quanto tentamos reprimir um determinado pensamento. Curiosamente, o fenômeno é mais claro quando envolve situações sociais. O mais simples exemplo desse ato contraintuitivo acontece quando tentamos suprimir um pensamento, por exemplo, um elefante rosa. A imagem do elefante rosa inevitavelmente aparece na nossa mente e fica retornando pelo menos uma vez por minuto. Esse protótipo tem aplicações práticas.
Fumantes e alcoólatras sabem muito bem disso quando se esforçam para tentar largar o vício. O esforço para evitar o vício acaba por trazer à mente diversas razões para quebrar o hábito, o desejo torna-se mais forte. Notou-se que, aparentemente, esses “erros irônicos ou contraintencionais” ocorriam principalmente em situações de estafa mental ou estresse.
Para testar se isso realmente acontece, um grupo de pesquisadores organizou o seguinte experimento. Voluntários foram instruídos a não pronunciar uma determinada palavra enquanto tinham que ler diversas outras palavras em voz alta. Inevitavelmente, o ato falho acontecia e, cedo ou tarde, a palavra proibida saia inconscientemente. Curiosamente, esse tipo de experimento também funciona no nível físico.
Quando pessoas segurando um pêndulo tentam evitar que ele balance numa determinada direção, o pêndulo acaba balançando justamente na direção não desejada. E, como predito pela teoria do processo irônico, o experimento funciona melhor quando os voluntários repetem o experimento contando 1.000 de trás para frente. O fenômeno já é conhecido nos esportes. No futebol, câmeras que filmaram a direção do olhar de um jogador instruído a evitar um canto do gol ao cobrar um pênalti, revelaram que eles acabam por se denunciar e miram justamente no canto a ser evitado. O mesmo efeito funciona no controle da dor. Normalmente, pessoas expostas a estímulos dolorosos reportam níveis mais altos de dor quando a atenção esta focada na dor. O efeito irônico foi usado em situações experimentais e mostrou ser efetivo.
Apesar dos mecanismos neurológicos e evolutivos ainda nãos estarem claros, algumas coisas podem ser feitas para evitar traumas causados por esses atos falhos. Aceitar os sintomas ao invés de tentar lutar contra eles é uma solução. Terapias direcionadas para um melhor controle mental ainda não foram comprovadas cientificamente, e é preciso cuidado ao extrapolar situações de laboratório para a vida real.
As pesquisas atuais indicam apenas que, em determinadas situações, é melhor evitar pensar no pior, evitando evitar pensamentos negativos. Complicado? Então a melhor opção é trabalhar sempre para se manter num contexto ou circunstância sem distração ou estafa mental quando é preciso exercer algum controle mental. Acredite, é melhor não dar um fora do que tentar se livrar dele depois. Mais informações e referências sobre o assunto podem ser encontradas no trabalho de Daniel Wegner, “How to think, say, or do precisely the worst thing for any occasion”, “Science”, 2009.
23 julho, 2009 as 8:59 pm
Olá Alysson,
engraçado que isto acontece comigo na escrita, toda vez que estou escrevendo algo e tento evitar escrever errado… pronto lá vai a maldita palavrinha errada. Outras vezes, frequentemente, escrevo uma palavra pensando na próxima a ser escrita e mais uma vez troco as letrinhas.. rsrsrsrs. Tenho dislexia e sinceramente achei que isso ocorria por distração minha, mas quem sabe não é o pensamento direcionado erroneamente… srsrrs
23 julho, 2009 as 9:50 pm
Realmente, há uma espécie de conforto em uma auto-condenação ou auto-afirmação.
Quando nos condenamos, imaginamos que ninguém mais tem o direito de o fazer. Quando afirmamos que “vai porque vai e tem que acontecer”, geralmente o que acontece pode ser um “mico” mesmo amigo, amigo… mesmo que você não deseje ligar para o que os outros pensam, a situação é uma tortura enquanto dura!
Quando a gente não entende por onde se começa a dominar os instintos, expressões na fala e nos gestos (instinto é pior), estamos pegos para sermos vendidos (e alugados) por desejos – e olha que não falta situações ou consequencias para satisfazer nosso ultraje cômico.
Vamos tentar sair rindo dessas!
24 julho, 2009 as 12:23 pm
Muito interessante este texto e me fez lembrar quando estava sozinha num quarto de hospital, tendo dores horriveis depois de uma cirurgia e entao recebi a visita de uma amiga que dizemos que é a verdadeira “palhaça” e eis que durante o tempo em que durou a visita esqueci da dor .
Meu pai sempre dizia e eu tento passar para meus filhos para nunca pensar na dor enquanto estiver com ela .
E pelo seu post pude entao confirmar . Muito bom , parabens
Valeria
26 julho, 2009 as 11:17 am
É, meu amigo, é a famosa Lei de Murphy. Tem nenhuma “força irônica” no cosmos não, nem nenhum Buda debochado dando gargalhadas lá no alto, o negócio está é no programa de auto-sabotagem do cérebro humano.
Mas dá para evitar isso com treino mental, senão, o Cirque du Soleil que acabei de assistir seria um caos… o ser humano é também é fantástico!
12 agosto, 2009 as 3:53 pm
Muito bom, o negócio é manter a boca mais fechada e a mente mais aberta a pensamentos positivos. Não é fácil, mas a gente tenta…..
12 novembro, 2010 as 11:46 pm
“Toda partícula em suspensão encontra um olho aberto”
Murphy