Sarah Palin e as moscas
Quando me contaram eu mal pude acreditar, mas infelizmente é verdade. Basta entrar no link e ver pessoalmente. A candidata republicana à vice-presidência dos EUA, a governadora do Alasca, Sarah Palin, declara publicamente que pesquisa científica feita com moscas-de-frutas (sim, aquelas que sobrevoam as bananas maduras) é um exemplo de dinheiro mal empregado pelo governo americano. Uma piada. O episódio foi amplamente divulgado pela mídia internacional, promovendo uma série de revoltas por parte da comunidade científica.
Até entendo que Palin, sendo criacionista, tenha certa dificuldade em entender como a pesquisa com animais não-humanos possa trazer benefícios para a humanidade. A biologia molecular tem demonstrado que diversos fatores responsáveis pelo desenvolvimento de um organismo são compartilhados entre as espécies (incluindo moscas-de-frutas e humanos). Isso é o fruto de um processo evolutivo e nos permite estudar em outros animais estágios fundamentais do desenvolvimento humano, como a formação do sistema nervoso, por exemplo. Mas imagina se a governadora do Alasca vai achar que somos semelhantes às moscas! Difícil.
Para pessoas que não são da área de ciências biológicas e com um nível básico de conhecimento geral, leva-se uns 10 minutos navegando na internet para descobrir que o trabalho com moscas-de-frutas é essencial para o entendimento de diversas doenças humanas, pois trata-se de um dos mais belos e eficientes modelos genéticos existentes. Ouso dizer que as moscas representam o modelo animal que mais traz conhecimentos sobre a natureza humana, deixando para trás outros modelos menos complexos, ou com um período de gestação maior, como os camundongos ou macacos.
Vale lembrar que Sarah Palin tem um familiar que é autista e um filho com Síndrome de Down. Em ambos os casos, a pesquisa com moscas-de-frutas têm acelerado incrivelmente a compreensão da origem e manifestação clínica dessas doenças. O mais curioso é que, antes de soltar essa pérola, a governadora alertou para o fato de que é preciso investir em pesquisas para descobrir marcadores precoces de doenças como autismo, pois a detecção precoce seria de grande valia para o desenvolvimento dos afetados. Ate aí, concordo com a ex-miss. Pois bem, ano passado pesquisadores americanos descobriram que uma proteína chamada neurexina é essencial para a formação e funcionamento de conexões nervosas.
A descoberta, feita em moscas-de-fruta (!), tem auxiliado no entendimento de doenças consideradas com espectro autista, pois quando o gene da neurexina humano está mutado, aumentam-se as chances de desenvolver o autismo. Acredita-se que isso permita a detecção de marcadores moleculares em estágios iniciais da doença, proporcionando uma melhor adaptação terapêutica. Essa é só uma das dezenas de aplicações com moscas. Outras incluem processos do envelhecimento, comportamento social, metabolismo, sistemas sensoriais, câncer e uma série de outros processos fundamentais. O vexame nacional não passou batido e diversos pesquisadores do mundo todo (não vi nada vindo do Brasil) publicaram seu repúdio às declarações da governadora em diversas mídias.
Isso ilustra muito bem como é importante que os políticos hoje em dia tenham um conhecimento científico mais apurado, ou pelo menos uma acessoria científica mais crítica. No governo Bush isso tem sido um desastre, principalmente no que se refere às pesquisas com células-tronco embrionárias. Os EUA só não perderam a liderança mundial por completo por causa dos investimentos estaduais. Aliás, levando-se em conta as declarações apresentadas sobre ciência e tecnologia dos candidatos à presidência dos EUA para a revista científica Nature, o Partido Republicano não parecia muito disposto a mudar o cenário. Por esse aspecto, dá para dizer que foi bom Barack Obama ter vencido.
Coincidência ou não, na contracapa dessa mesma edição da Nature (veja acima) temos uma propaganda da empresa de biotecnologia Sigma-Aldrich muito curiosa, onde o cachorrinho negro me parece um pouco mais esperto que o outro. Vai ver que é um sinal de mudança…
21 dezembro, 2008 as 1:00 pm
Cachorrinho “negro” mais espero??? Hummmm… Maybe…
7 janeiro, 2009 as 10:02 am
Isso aí, e viva à Drosophila!!!!
Agora, a pergunta q não quer calar: qual animal apresenta maior similaridade genômica com o homem, a Drosophila ou o camundongo (ou o rato)?
Durante a faculdade inteira me foi falado que a fisiologia dos camundongos era bem semelhante à do homem (um tanto óbvio), mas em relação aos genes, não sei..
10 janeiro, 2009 as 9:28 am
Esse post (respost) fala do óbvio da pesquisa com moscas, o que aprendemos desde o ensino médio. Mas esconde um outro óbvio, que o criacionismo e o evolucionismo não tem arestas, a não ser na cabeça de quem quer reinventar esses termos. Se existir algo que não tenha sido criado, então voltamos à abiogênese. Eu realmente gostaria mesmo de uma explicação científica sobre algo que passou a existir sem que tenha sido criado (e não me façam de bobo com explicações de que a vieram de outro ser vivo, porque isso não explica nada!). Em novembro de 2008 houve em minha cidade um congresso chamado Criacionismo x evolucionismo. Eu nem aparecí lá para não ter ódio!
Sou um homem da ciência, adepto ao método científico. Acredito que algo só pode ser aceito (ou repudiado) com um experimento que pode ser reproduzido. Jamais aceito a falta de provas como resposta.
17 janeiro, 2009 as 8:56 am
Imaginem , uma pessoa como esta, nas rédeas de um país!.Vejamos o caso do Brasil, onde a maioria dos políticos são membros do opus dei, e regeitam toda a pesquisa científica, o que está levando o país a um obscurantismo sem medida. A ciência, é a pesquisa da verdade, que está escondida na superstição e dogmatismos, que precisam ser erradicados, caso contrário , regrediremos ao tempo das cavernas.
O Brasil se diz um país laico, mas na prática, está longe disto.A falta de conhecimento científico dos políticos e o fanatismo dela decorrente,está a levar o país a uma teocracia ignorante e obscura. Despertem para isto! Menos carnaval, menos futebol, menos forro e mais estudos, é o que se mais precisa neste país.
yvone pessoa – doutora em Física