As células-tronco e o envelhecimento precoce

sex, 28/03/08
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O envelhecimento é um processo natural que, inevitavelmente, todos nós experimentamos com o passar dos anos. Uns levam mais na boa, outros tentam retardar ao máximo. E a maioria de nós não costuma prestar atenção nisso quando crianças. Mas, infelizmente, esse privilégio não é pra todo mundo. Progeria, ou síndrome de Hutchinson-Gilford, é uma doença rara, caracterizada pelo aparente envelhecimento precoce, transformando crianças em idosos num curto espaço de tempo.

Os problemas não param na aparência física. Os pacientes também desenvolvem doenças tipicamente associadas à idade avançada, como osteoporose e aterosclerose, e geralmente morrem de doenças do coração na adolescência. Como e porquê isso acontece nessas crianças é um mistério que começa a ser solucionado.

Em 2003 foi descoberta uma mutação no gene codificante para a proteína conhecida como laminina A. Essa proteína auxilia a manter a membrana nuclear da célula firme, protegendo o genoma ou DNA celular. A forma mutante da laminina A, também conhecida como progerina, causa uma má formação na membrana nuclear, alterando a estrutura física do DNA permitindo um maior número de danos ao genoma celular. Era o tudo que sabíamos até então.

Recentemente, dois pesquisadores dos EUA, Paola Scaffidi e Tom Misteli, conseguiram manipular células da pele (fibroblastos) em cultura para produzir quantidades excessivas de progerina (Scaffidi e Misteli, “Nature Cell Biology”, 2008). Decidiram então comparar as modificações que essa alteração causou na ativação de outros genes celulares. Curiosamente, a produção descontrolada de progerina nos fibroblastos alterou a atividade de mais de 1000 genes diferentes, sendo que grande parte desses genes pertence a uma via bioquímica única, conhecida por via de “Notch”.

E não é que essa via Notch é uma velha conhecida dos cientistas que trabalham com células-tronco! Essa via bioquímica auxilia as células-tronco a se especializarem em outros tipos celulares. Observação extremamente importante, pois muitos dos sintomas associados com a Progeria envolvem tecidos originados de células-tronco mesenquimais, que se especializam em ossos, músculos e células de gordura.

Pois bem, os pesquisadores resolveram testar o que a progerina fazia com essas células-tronco mesenquimais. O resultado foi que as células-tronco optavam por uma especialização alternativa e formavam vasos sanguíneos, o que costuma passar longe do repertório normal dessas células nas condições usadas. As poucas células que eventualmente se especializavam em ossos faziam isso de uma forma desregulada, o que estaria de acordo com um dos sintomas observados nos pacientes, que é a facilidade que eles têm de quebrar os ossos.

Além disso, também foi observado que as células-tronco com a progerina tinham dificuldade em se especializar em células de gordura. Essa observação pode explicar porque os pacientes perdem facilmente a camada de gordura de suporte embaixo da pele, causando o aspecto envelhecido e enrugado da pele.

Finalmente, para provar que a progerina estava realmente alterando a via de Notch, os pesquisadores manipularam especificamente essa via nas células-tronco mesenquimais e obtiveram um resultado semelhante quando comparado ao das células-tronco que produziam progerina. Esse experimento sugere que a progerina estaria alterando de alguma forma a via de Notch durante a especialização das células-tronco. Assim, o trabalho conseguiu correlacionar defeitos moleculares e celulares com os sintomas dos pacientes.

Espera-se que a continuação desse trabalho gere novas pistas sobre o processo fisiológico de envelhecimento. Afinal, mesmo as células-tronco normais produzem, esporadicamente, uma reduzida quantidade de progerina. Essas pequenas quantidades atrapalhariam o processo de reposição celular pelas células-tronco, deteriorando os tecidos e iniciando o processo de envelhecimento normal.

A idéia agora seria aproveitar esse conhecimento para manipular a quantidade de progerina, ou mesmo a via de Notch, nas células-tronco mesenquimais, e tentar reverter alguns dos sintomas nos pacientes. Se bem conheço a vaidade humana, não vai demorar muito para que as drogas projetadas para auxiliar no tratamento da Progeria sejam bem acolhidas pelo mercado de cosméticos.

Antropogênese?

sex, 07/03/08
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Em teoria, antropogênese é o estudo da origem (gênese) da espécie humana. Na prática, é uma das perguntas mais comuns – e uma das que ainda não têm resposta clara. Afinal de contas, de onde viemos? Se o leitor está pensando que já sabe a resposta (“Nós viemos dos macacos, é claro!”), já vou alertando que o buraco é mais embaixo…

A Universidade da Califórnia em San Diego, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Salk, resolveu estabelecer um centro para explorar as origens da humanidade e entender as várias características, não só comportamentais, mas também genéticas e bioquímicas, que nos fazem humanos. Para isso, pesquisadores de diferentes áreas, incluindo neurocientistas, antropólogos, filósofos, bioinformatas, químicos e médicos, reuniram-se para estabelecer o Centro de Pesquisa Acadêmica e Treinamento em Antropogênese (abreviado do inglês: Carta).

O centro teve a generosa contribuição (3 milhões de dólares) da G. Harold & Leila Y. Mathers Foundation, que durante os últimos dez anos financiou encontros entre especialistas a portas fechadas. O objetivo do novo centro a curto e médio prazo é formar pesquisadores-doutores especializados em antropogênese. O Carta está sendo dirigido por vários pesquisadores, dentre eles Ajit Varki, especializado no metabolismo de açúcares.

Um dos açúcares que Varki estuda está ausente apenas em humanos, mas é encontrado em todos os outros mamíferos estudados, incluindo macacos. Sabemos que muitos açúcares são moléculas sinalizadoras presentes nas membranas dos neurônios. O grupo de Varki agora está tentando eliminar esse açúcar no cérebro de camundongos e observar se ocorrem mudanças em seu comportamento.

Outra pesquisadora envolvida na direção do Carta é a antropóloga Margaret Schoeninger, que estuda o papel da dieta na evolução dos hominídeos. Ela é uma das autoras do livro “Meat Eating and Human Evolution”, ou “Consumo de carne e evolução humana” (vou precisar de uma outra coluna só pra falar desse livro…). Dentre outras observações interessantes, ela aponta que, há meio milhão de anos atrás, nosso ancestrais já ingeriam uma quantidade de carne que é intolerável para o mais carnívoro dos primatas atuais.

Isso porque grandes quantidades de carne produzem excesso de nitrogênio, que é tóxico para as colônias benéficas de bactérias presentes no estômago dos chimpanzés e gorilas. Agora, a questão que Shoeninger acha realmente interessante é: se viemos dos macacos, como o sistema digestivo dos nossos ancestrais tolerou a mudança de uma dieta rica em frutas e folhas para uma alimentação baseada substancialmente em gordura e carne animal?

A direção do Carta também conta com o professor Pascal Gagneux, um biólogo especialista em evolução molecular de humanos e primatas. Ele observa que, se hominídeos e chimpanzés divergiram evolutivamente há aproximadamente 6 milhões de anos, seria esperado que a mesma diversidade genética encontrada em humanos fosse encontrada nos “primos” chimpanzés. Muito pelo contrário!

O grupo de Gagneux encontrou um único grupo de chimpanzés no oeste da África, composto por 55 indivíduos, que possui dyas vezes mais variabilidade genética do que todos os humanos juntos. Em outras palavras, chimpanzés que vivem nessa pequena comunidade são mais diferentes geneticamente entre eles do que você é diferente de qualquer outro dos 6 bilhões de humanos do planeta.

Gagneux interpreta esses dados como uma evidência de que, em algum momento da nossa evolução, a população humana caiu drasticamente e chegamos muito perto da extinção. Estaríamos tão acostumados com a idéia de que a população humana está crescendo desenfreadamente que temos a tendência a pensar que sempre foi assim. Ainda somos bem vulneráveis geneticamente.

Voltando ao Carta, as atividades propostas pelo centro incluem: desenvolvimento de um Museu virtual de antropogênese comparativa, organizar o acesso a fontes de pesquisa de grandes macacos (chimpanzés, gorilas, bonobos e orangotangos), desenvolver bases de dados de coleções de ossadas doadas para a universidade, facilitar a criação de um curso eletivo de graduação em origens humanas, bem como desenvolver um periódico científico indexado que tratará de temas relacionados a antropogênese.

Como disse antes, o buraco é mais embaixo: temos de cavar bem fundo no nosso genoma, além das escavações em sítios arqueológicos, para entender nossas origens. Quais foram exatamente os episódios moleculares que moldaram o nosso cérebro como ele é hoje? Mais ainda, será que distúrbios da mente moderna, como depressão e esquizofrenia, não seriam conseqüências desse rápido desenvolvimento?

Talvez outra pergunta cabeluda que o Carta se depare lá na frente seja: Será que valeu a pena termos evoluído tão rápido, e a esse custo? Esse tipo de pergunta requer um grupo de pensadores transdisciplinar, integrando diversas áreas do conhecimento. A idéia é que, ao tentar responder essas questões, aprenderemos muito sobre nós mesmos e nossa capacidade modificadora.



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