O rato que sabia demais

sex, 25/01/08
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Ratatouille“Só sei que nada sei”. Com essa simples frase, Sócrates colocava em dúvida a extensão de seu conhecimento e tornava-se plenamente consciente da sua própria ignorância. A ironia socrática foi durante décadas uma estratégia de dialética e que provavelmente originou o que hoje conhecemos como metacognição.

Metacognição é a habilidade de reconhecer a dificuldade na compreensão de uma tarefa, ou seja, ter consciência de que vai falhar por falta de capacidade. Isso acontece constantemente em nossas vidas, seja em ações físicas, como equilibrar uma bandeja cheia de copos, ou com desafios intelectuais. Quem já foi prestar um exame sem ter estudado sabe exatamente a que tipo de sensação eu me refiro…

Da mesma forma, reconhecer sua dificuldade em matemática e, consequentemente estudar essa matéria por mais tempo para um melhor aproveitamento no vestibular, é uma estratégia baseada em metacognição para atingir um determinado objetivo. Dessa forma, a metacognição permite ao indivíduo se posicionar melhor diante de situações desconhecidas, reconhecer seu limite e buscar motivação para superar os obstáculos. Por isso, a metacognição é parte essencial do aprendizado e é considerada por muitos como uma característica predominantemente humana.

Isso porque tentativas de estudar metacognição em animais geraram poucos resultados. Logicamente, os animais não podem dizer o que estão pensando, e os pesquisadores têm de utilizar estratégias comportamentais. Por exemplo, sabemos que macacos têm metacognição, pois diminuem o valor de apostas quando o jogo se torna mais complicado. Em contraste, ninguém nunca detectou metacognição em animais com cérebros menos complexos, como pombos ou camundongos.

E seria diferente no caso dos ratos? Pesquisadores da Universidade da Geórgia, liderados pelo neurocientista Jonathan Crystal, colocaram ratos num teste de autoconhecimento, noqual tinham de classificar diferentes tipos de sons. Primeiro, os ratos foram treinados a associar apitos curtos (com cerca de 2 segundos de duração) a um botão e apitos longos (8 segundos) a outro botão. Ao apertar o botão correto com o nariz, ganhavam um saboroso prêmio: uma porção de ração. Mas, apertando o botão incorreto, não levavam ração e ainda perdiam a chance de tentar novamente. Também aprenderam que tinham a opção de não tentar e, colocando o nariz na saída de comida, ganhavam metade da porção de comida.

Assim que os ratos tinham aprendido as regras do jogo, os pesquisadores começaram o teste de metacognição. Os ratos foram mantidos em gaiolas com os dois botões e, assim que ouviam o apito, curto ou longo, iam direto no botão correto, pois sabiam que a recompensa seria melhor do que não escolher nada ou que colocar o nariz da saída de comida. Mas a história mudou de figura assim que os testes começaram a ficar mais complicados: os apitos agora tinham uma duração intermediária, ficando mais difícil de classificá-los como curtos ou longos. Nesse caso, os ratos preferiram colocar o nariz na saída de comida do que tentar apertar o botão correto. Quanto mais difícil o teste, mais desestimulados em tentar acertar o botão correto os ratos ficavam.

Para confirmar que os animais estavam realmente desistindo de fazer os exames porque sabiam que não sabiam qual era o botão correto, os pesquisadores repetiram os testes, mas sem a opção de saída de comida. Perdiam assim a chance de não tentar e se viam obrigados a escolher. Resultado: um desastre total. Os erros e acertos foram tantos quanto se tivessem chutado as respostas, deixando a recompensa nas mãos da sorte. No fundo, no fundo, parecia que tinham consciência de que não sabiam a resposta correta. Dessa forma, a menos que apareça uma explicação alternativa, o estudo indica que ratos são capazes de refletir sobre o próprio estado mental, da mesma forma que macacos e humanos. O estudo foi publicado na revista científica “Current Biology”.

Recentemente, uma série de outros trabalhos foram publicados mostrando curiosidades cognitivas interessantes do mundo animal, como a presença de empatia em camundongos, a capacidade de prever o futuro em certos pássaros, a consciência do “eu” em elefantes que se olhavam no espelho e o uso de ferramentas de caça por chimpanzés e corvos. Todas essas características eram consideradas tipicamente humanas, mas com refinamentos técnicos está sendo possível também detectá-las em outros animais.

Esse tipo de trabalho muda significativamente o modo como imaginávamos o processo mental em animais, tradicionalmente considerados com “baixo nível de sofisticação cognitiva”. Além disso, fornece pistas evolutivas de como o pensamento funciona em humanos e quais circuitos neurais podem estar envolvidos nesse processo. Se isso se revelar conservado entre diversas espécies, pode acabar contribuindo para o entendimento de algumas doenças relacionadas com declínio metacognitivo, como Alzheimer e amnésia. Dá-lhe Ratatouille.

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30 Comentários para “O rato que sabia demais”

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  1. 30
    Rosa:

    Engraçada essa pesquisa com ratos. Fico tentando imaginar o rato pensando “onde está o botão para fazer esses cientistas entenderem o que eles estão fazendo”.
    Desculpe gente, eu amo a ciencia e essa vontade inata de entender as coisas e experimentar. Mas as vezes acho que não passamos de crianças arrancando pernas de grilos para ver como vão se virar com uma perna a menos.
    E a ciencia “evolui”….

  2. 29
    Sinistrus:

    A ciência está em progresso em algumas áreas.
    Esse texto teve o objetivo de nos mostrar que os cientistas estão em pesquisas longas.
    Daqui a um século saberemos coisas que não sabemos neste século.
    Sou paciente e vou esperar as pesquisas se aprofundarem.

  3. 28
    Cesar:

    É óbvio que a maior parte dos animais tem esse tipo de inteligência. Como eles saberiam, por exemplo, se vão conseguir saltar um buraco, ou se vão conseguir agarrar o galho ao pular em uma árvore? Não há como sobreviver sem estar consciente de seus próprios limites…
    Em hipismo nós vemos cavalos desistindo de saltar obstáculos por acharem que não vão conseguir. Saber se você estudou o suficiente pra passar em uma prova é só uma variação deste conhecimento.. uma versão mais complexa, talvez… Mas não deixa de ser o mesmo mecanismo básico que é fundamental para qualquer animal.

  4. 27
    Joe Silva:

    Hoje moro no Texas mas ja passei por 3 ou 4 outros estados ate chegar aqui, 20 anos depois de chegar aos E.U.A. pela porta da… Ah, deixa pra la… Hoje sou citizen. Quando eu era crianca no estado onde hoje e o Tocantins, eu e meus pais moravamos em um sitio, e decidimos criar um peixe na cisterna, ou poco d’agua de uns 10M. de profundidade, bem qual nao foi nossa surpresa ao retirar o peixe, ja grande, um bom tempo depois, notamos que o mesmo tinha se tornado de coloracao bem clara, tipo louro. Excelentes seus comentarios, Meus parabens e desejo que vc tenha sucesso!

  5. 26
    Bia:

    Caro Alysson,
    Achei vc por acaso, surfando no G1 e adorei! Considero o melhor conjunto de textos cientifícos que já li, difícil é parar de ler…muito interessante os tópicos e abordagens. Esse do ratinho pensador está super!

  6. 25
    Frank, o excelso!:

    Caro George…

    “O conhecimento do homem é a fonte de interpretação. Assim, a verdade se torna relativa, pois depende do conhecimento humano. Ou seja, é limitada pelo saber e pelas limitações físico-biológicas da humanidade”

    “pois por não se basear em um conhecimento totalmente lógico, gera margem para dúvidas e questionamentos lógico-coerentes (que são a base da evolução do saber humano).”

    Atençao : o conhecimento é lógico, porém incompleto.

    E essa é a premissa da Ciência.
    A Ciência é uma invenção humana, portanto nós somos quem a interpretamos. E como nós não sabemos de tudo (nem jamais saberemos) ela é incompleta. Antropocentrismo total. No que diz respeito ao seu entendimento. Moléculas são moléculas, acreditem nelas homens ou não.

    Seres vivos diversos usam do método científico (teste, repetição, elucubração) mas nenhum deles o “aplica” da forma como o fazemos. Entenda que afirmo que aspectos científicos da natureza são utilizados ad nauseam por N organismos (corvos usam ferramentas, peixes nadam por regioes mais quentes, formigas cultivam leveduras, etc).

    Já o homem, busca o conhecimento magno (que eu suponho nao existir/ser possível – por uma questão temporal). Além do mais, não podemos afirmar (supor talvez) que a acao da gravidade se aplique em outras partes do universo. Afinal, ele é demasiadamente grande. No final das contas, a gravidade é explicada por uma teoria e não uma lei.

    A Ciência é isso. Um jogo onde a graça está em derrubar suas certezas.

    Abraços

  7. 24
    Paulo:

    para GEORGE; Não só com acumulo de conhecimentos, mas também com a idade, estado de saúde, e outros mais fatores, mudamos muito nossas opniões, você saberá daqui alguns anos. Ainda bem. Excelente seus comentários! Abraços

  8. 23
    Alysson R. Muotri:

    Valeu pelos links Frank!
    Abs.

  9. 22
    George:

    p/ Paulo e Frank

    Desculpe-me pela intromissão, mas fiquei instigado por sua discussão pela verdade.
    Na minha opinião vocês estão vendo de perspectivas diferentes. E por isso nunca vão chegar a uma conclusão.

    Paulo está vendo por uma perspectiva absoluta do mundo. Isto é, acredita que exita uma verdade absoluta. Que a partir dela possamos explicar tudo sem qualquer margem para dúvidas lógico-coerentes.
    Essa perspectiva tem um problema: se a verdade absoluta for relativa. Ou seja, que a fonte de todo o conhecimento for definitivamente ambígua, ter margem para erros (acho que essa não é a perspectiva de Frank).
    Já Frank vê de uma perspectiva antrópica (sim, muito próxima da visão Renascentista). O conhecimento do homem é a fonte de interpretação. Assim, a verdade se torna relativa, pois depende do conhecimento humano. Ou seja, é limitada pelo saber e pelas limitações físico-biológicas da humanidade (acho que era isso sobre o que está falando, sua perspectiva é um pouco mais difícil de se interpretar, pois é, digamos, relativa…).
    Essa perspectiva também tem um problema, pois por não se basear em um conhecimento totalmente lógico, gera margem para dúvidas e questionamentos lógico-coerentes (que são a base da evolução do saber humano).

    Pessoalmente tenho tendência a acreditar na perspectiva de Paulo, acho que exite um conhecimento absoluto. E concordo com Frank no ponto que acho que nunca vamos chegar nele.
    Bom Paulo e Frank, espero ter ajudado em sua discussão em busca da “verdade verdadeira”.

  10. 21
    Frank, o excelso!:

    Napa

    Saving your time.
    rgds
    —–

    Pássaros

    https://www.bec.ucla.edu/papers/Clayton_4.25.07a.pdf

    Elefantes

    https://www.whsc.emory.edu/press_releases2.cfm?announcement_id_seq=8080

  11. 20
    Ana Rosa:

    Alysson,

    Por favor, indique as referências bibliográficas dos estudos sobre pássaros que prevêem o futuro e sobre elefantes que têm a capacidade de se reconhecer.

  12. 19
    Frank, o excelso!:

    “A verdade é o que é”. É ?

    Mas como desconhecemos muitas coisas, assumimos a verdade com base naquilo que conhecemos.

    E como nao conhecemos, nem conheceremos tudo, por uma questão de ordem temporal e física, a verdade (seja ela estanque ou dinâmica – o mais provável) será incognoscível.

    A ciência é a brincadeira dos humanos de querer entender melhor o “mundo/universo” em que vivemos.

    Mas nós sabemos que é conhece-lo melhor, e nao plenamente. É simples constatar isso. Basta dar uma olhada em algumas galáxias que poluem nosso parco conhecimento.

  13. 18
    Alysson R. Muotri:

    Caros Paulo e George,
    Concordo que a demora em postar os comentários seja um pouco frustrante. Mas posso garantir que não sou eu quem atualiza o site ou que realiza qualquer tipo de censura. Também acabo recebendo uma série de emails perguntando porque não postei isso ou aquilo, mas só tenho acesso a eles uma vez que já foram publicados aqui. O portal G1 é bem jovem e ainda está procurando a melhor maneira de agradar os leitores. Pra mim e outros leitores, comentários como o de vocês são ultra valiosos e peço que não se inibam e que continuem dando sua contribuição. Acho que é assim que vamos estimular a massa crítica nesse país!
    Abraços e até a próxima!

  14. 17
    Sandy:

    Texto show de bola, reuni ciência, filosofia e arte!!!
    Parabéns ao autor pela estimulante discussão.
    bjos,

  15. 16
    George:

    p/ Alysson

    Apesar de não concordar em alguns pontos do comentário de Paulo, acho que pela qualidade geral dos comentários de seu Blog, essa ação de censura prévia, causa principalmente constrangimento nos dignos que vêm aqui para discutir. Uma opção é postar automaticamente os comentários, mas colocá-los em observação até obterem uma confirmação por parte sua, ou por quem quer que seja (e claro colocar uma certa explicação do sistema).

  16. 15
    George:

    p/ Alan Rodrigo Apio

    Bom Alan essa eu vou tentar responder.
    É verdade que entre os psicólogos há uma certa brincadeira, na qual deve-se tentar completar a frase: “O homem é o único animal que…”; como descrito no velho livro “O que nos faz felizes” de Daniel Gilbert (que na verdade não trata diretamente sobre felicidade). E que nenhum psicólogo conseguiu acertar a resposta correta. Bom acho que isso responde a sua pergunta.
    Mas vamos partir pra explicações mais práticas. Na verdade o homem não é o único animal que tem raciocínio, linguagem, auto-conhecimento (isso é explicado no próprio artigo do Alysson), mas sim, o animal que tem essas áreas mais desenvolvidas. Ou seja, digamos que o limite de um macaco é somar 2+2, já o homem conseguiria somar 2+2+2+2…. Por isso, as interações do homem com o mundo tornam-se mais complexas; um exemplo é a nossa economia capitalista que se tornou tão complexa que não conseguimos prever a bolha dos títulos hipotecários americanos (digamos que esse é o nosso limite). Os limites da linguagem e auto-conhecimento são similares; o homem possui interações mais complexas com o mundo que o cerca.
    Vamos agora para como isso influenciou em nossa evolução. Numa simplificação grosseira, essa maior complexidade nos deu maior capacidade de adaptação. Ou seja, nos adaptávamos a ambientes mais facilmente, aprendíamos a relação entre os fatos e assim contruíamos soluções mais facilmente, a fabricação de ferramentas para uma melhora na qualidade de vida, entre outras coisas que não consigo pensar agora. Isso é dos tempos primitivos, o mundo de hoje é muito parecido, só que muito mais complexo; algo como fomos empilhando o conhecimento até formarmos um prédio muito alto.
    Sobre “Até onde o tamanho e a complexidade do cérebro estão relacionados com a conciência?”. O jogo entre consciência e inconsciencia, não é bem como descrito por Freud, ou seja, não trabalhamos com o consciente e o inconsciente separadamente, na verdade nas várias situações do nosso cotidiano o que se tem é uma mistura, algumas vezes mais consciente outras mais inconsciente. Como no ato de reagir a algo inesperado, temos o maior uso do inconsciente, mas isso não quer dizer que não possamos educar nosso inconsciente com ordens do nosso consciente para reagir mais apropriadamente à situação; já no ato de raciocinar temos o uso maior do consciente [uma observação muito interessante (que está na vanguarda das pesquisas, não sei se já existem pesquisas sobre isso) é que para aumentar sua capacidade de raciocínio, pessoas que muitos diriam bem dotadas, ou até gênios, usam uma maior parte do incosciente, ou seja, não utilizam o inconsciente com os padrões definidos pelo consciente para realizar construções lógicas). Um bom livro sobre isso é “Inteligência emocional” de Daniel Goleman.

    Sou um aluno de vinte anos do curso de Publicidade e Propaganda, no segundo ano. E já cursei Administração. Observação relevante é que tenho preguiça de ler livros, e por isso aprendo com os “Best Sellers”, que normalmente resumem o conteúdo.
    Bom… acreditar ou não nas minhas palavras é decisão sua.

  17. 14
    Paulo:

    Vão ignorar minhas considerações? Censura agora? quero velas estampadas nessa coluna, sob pena de eu não ler mais seus textos. Parece pouco né? mas assim ruiram os grandes castelos…… pense nisso!! Abraços

  18. 13
    Paulo:

    Caro Frank, a verdade não pode ser relativa partindo do ponto de vista de quem crer. A verdade é o que é. Mesmo que o mundo inteiro acreditasse que o atomo não era divisivel, ele não o deixou de ser. Mesmo que o mundo inteiro um dia acreditou que a terra era o centro do universo, nem por isso ela o tornou. As verdades não são eternas, mas o são, enquanto duram. Então se a ciencia não deu uma explicação lógica para a não existencia de Deus, Ele continua existindo. Que existe uma força maior que rege tudo isso, não deverias duvidar, observe o sincronismo na natureza! Seria isso um acaso? não sei, mas como bem disse seu texto, tudo sei que nada sei. Gostei mais do texto do que do comentário. Você é mil. Abraços.

  19. 12
    Rubem Anjos:

    Muito Interessante !

    Tem até uma episódio do “Lost – 3a. temporada” em que o Sawyer fica preso numa jaula pra ursos ….. só que ele demora para desenvolver esta metacognição ! rs

    Abraços

  20. 11
    Geraldo:

    A quem interessar possa:

    Alma é uma parte da gente que come arte.

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