Uma questão de pele
A cor da pele em humanos sempre foi um assunto polêmico. É um dos caracteres mais óbvios para se diferenciar populações humanas e, por causa disso mesmo, é continuamente usado como um fator de discriminação social.
Populações humanas alteraram de forma drástica a coloração da pele desde que nossos ancestrais africanos migraram para outras regiões do globo, variando a cor da pele de acordo com a latitude. O embranquecimento observado nas populações ao norte é uma característica recente e pode refletir uma seleção sexual e/ou seleção para uma maior produção de vitamina D em ambientes com baixos níveis de luz ultravioleta. Pele clara absorve mais luz ultravioleta.
Experimentos com animais revelaram diversos genes que estão relacionados a coloração da pele e pêlos, mas as vantagens adaptativas são diferentes para cada animal. Por exemplo, a variação de cor é utilizada como camuflagem em roedores ou como regulação térmica em certas aves. Em peixes esgana-gatas (sticklebacks) a variação de cor é notória. Nessa espécie, indivíduos que vivem em águas marinhas são mais escuros no dorso do que os que ficaram isolados em lagos de água-doce que surgiram no final da era glacial. Essas populações isoladas tiveram apenas 10.000 gerações para se adaptar a um novo ambiente, com um diferente tipo de alimentação, predadores, salinidade, cor e temperatura da água.
Para desvendar o mecanismo genético responsável pela coloração nesses peixes, um grupo da Universidade de Stanford, na Califórnia, fez diversos cruzamentos artificiais entre populações de peixes e mapeou as regiões no genoma responsáveis pela variação em coloração (Miller e colegas, Cell 2007). E eles pescaram (foi mal o trocadilho) um gene envolvido com o desenvolvimento de melanócitos (células que produzem pigmentos na pele), o Kitlg (ou Kit ligand). Além disso, o Kitlg também participa do desenvolvimento embrionário. Camundongos geneticamente modificados que apresentam defeitos no gene Kitlg morrem durante a formação do feto.
O curioso é que as diferenças no gene propriamente dito não estavam relacionadas com as diferenças em coloração, sugerindo que essas são variações não-funcionais. Mas, ao procurar em regiões do genoma próximas ao Kitlg, o grupo também achou diferenças na seqüência do DNA e estas sim parecem influenciar diretamente a ação do gene. Regiões ao redor de um gene em geral são chamadas de regiões regulatórias, pois estão envolvidas em dosar a atividade desse gene. Ao que tudo indica, variações nessas regiões foram selecionadas, enquanto que variações no gene não. Talvez porque a maioria das variações no gene também sejam letais para os peixes, assim como são em camundongos. Com isso, crescem as evidências de que regiões não-codificantes do genoma são tão importantes para a intrincada rede de regulação molecular da célula quanto as regiões codificantes (um dos conceitos de gene).
Ora, se o Kitlg e suas regiões regulatórias são conservadas em vertebrados, é capaz que o gene também esteja relacionado à cor da pele em humanos. E foi justamente esse o próximo experimento realizado pelo grupo de Stanford. Ao analisar as variações no DNA em populações africanas, asiáticas e européias, os pesquisadores descobriram que existe uma forte correlação entre as diferenças do DNA e a cor da pele. Ou seja, basta olhar para essas variações no genoma e você consegue acertar a cor da pele do indivíduo com quase 100% de certeza.
Conclusão, o mesmo gene estaria regulando a coloração da pele de peixes e de humanos. Mais fascinante ainda é reconhecer que, muito provavelmente, as pressões evolutivas enfrentadas pelos peixes de água-doce não foram as mesmas enfrentadas por populações humanas que migraram da África. É improvável que pele clara em humanos forneça as mesmas vantagens adaptativas da pele clara em peixes. Resta saber que outros genes estariam envolvidos na regulação do Kitlg e se estes também podem ser diretamente correlacionados com a coloração da pele do organismo.
O trabalho é extremamente importante e foi capa da prestigiosa revista “Cell”, pois mostrou a evolução paralela da pigmentação em vertebrados. Por ser um trabalho difícil e bem técnico, não caiu na graça da mídia e foi pouco divulgado. Uma pena, pois as conseqüências do estudo são bem importantes quando o assunto é diversidade humana.
Pra mim, os dados apresentados pelo grupo fazem parte de uma série de descobertas recentes que mostram como variações genéticas em humanos (veja também a coluna “Vive la difference”) estão sendo correlacionadas não somente a aspectos físicos, mas também à diversas doenças, incluindo predisposição a certos tipos de cânceres. Por isso mesmo, essas variações no genoma humano foram consideradas como a descoberta do ano de 2007 pela revista científica “Science”.
Aliás, um fenômeno interessante está acontecendo como conseqüência da era genômica. O conceito de raça humana está enfraquecendo, uma vez que as diferenças genéticas entre populações brancas e negras não é necessariamente maior do que a diferença entre duas populações brancas.
Conforme aumentamos nosso conhecimento sobre as variações genômicas, aumentamos também as chances da discriminação genética num futuro que parece apontar para uma medicina individualizada, onde médicos teriam acesso ao genoma de cada um para prescrever medicamentos e sugerir mudanças no estilo de vida. Contradizendo o dito popular, nem sempre o conhecimento é a melhor arma contra a discriminação.
5 janeiro, 2009 as 11:04 pm
Sou filho de Santa Alves, nasci no ano de 1973,procuro por meu pai,deixado em Cariacica ES. não o conheci, fui levado pela minha mãe com 2 anos para fora do Estado. Hoje,deixo recado em todos os blogs locais e de descedentes de Alemães. Na esperança de encontrar Humberto Walter, filhos de Alemaes. Contato [email protected]
Grato .
14 outubro, 2008 as 6:10 pm
Alysson, conheci hj sua coluna e gostaria de dar parabéns, cara! Faço Biologia na UFES de Vitória-ES e faço estagio em um laboratório de genética molecular humana. Vc realmente escolhe as notícias mais quentes e pertinentes, e escreve de um jeito muito bom de ler. Sou muito interessado em histórias curiosas da ciência, e já li algumas aqui em seu blog, como a do Byrne na “clonagem terapetica” em primatas (desligar a luz do microscópio…). Também acho interessante como os biológos moleculares dão nome a genes (exemplo: a proteína Ronin sobre a qual vc escreveu).
Parabéns! Abraço.
6 fevereiro, 2008 as 1:48 pm
Artigo importante sobre terrorismo foi publicado no sitio do cidadão Jykiti, https://clearblogs.com/eurobrasileiros.
Queira visitar e reflectir sobre o assunto.
Bem haja!
Jykiti Wakongo
27 janeiro, 2008 as 1:58 pm
Fiz uma charge/montagem sobre o homenzinho verde que a nasa fotografou!
da uma olhada:
https://www.flickr.com/photos/danielvettorazi/2217962000/
26 janeiro, 2008 as 4:07 pm
Ue, cade a coluna dessa semana??????????? Nao consigo ficar sem um novo texto, ja estou viciada!!!!
25 janeiro, 2008 as 8:59 am
posta ai sobre sexo cara
25 janeiro, 2008 as 8:59 am
posta maid
23 janeiro, 2008 as 8:59 am
Gostei muito da matéria, acho que a discriminação é uma besteira muito grande, pois todos saíram da mãe eva que com certeja era da africa e tinha a pele escura.
Deusdedit
17 janeiro, 2008 as 7:46 am
Alysson,
Adoro a linguagem que vc vem usando para divulgar ciencia. Acho que seria muito interessante se vc pudesse participar de algum programa de entrevista na TV e divulgar essas suas ideias. Uma pena que o nossos melhores cientistas nao tem condicoes de trabalho no Brasil e acabem sendo captados pelos grandes centros de ciencia no mundo. Ah, esse Lula deveria ler seus artigos e tentar trazer vc de volta!!!
Parabens e boa sorte com sua pesquisa!
15 janeiro, 2008 as 6:25 pm
Para GERALDO. Meu propósito em comentar as declarações do Sr. MANTIS, não se limitou em observar apenas as nuances da ingenuidade, o propósito implicito era mostra-lo que nada é para sempre, que devemos nos dar o nenefício da dúvida, pois ela gera em nós a capacidade de não se satisfazer com o que vemos e ouvimos. Ademais os comentários do mesmo se mostraram maldosos e com intuito de ofença, como se não ler um livro ou ter conhecimento de um fato fosse algo tão depreciativo como os adjetivos que ali citei, entretanto, há um pano de fundo, porque muitos animais podem se valer da pretensa submissão para se esquivar da morte, ou uma situação dificil. Aqueles comentários não acrescentaram nada, porque tem aspecto depreciativo e não informativo. Abraços querido!
15 janeiro, 2008 as 12:15 pm
Adorei o artigo!!!!! Apaixonante!!!
15 janeiro, 2008 as 12:05 pm
Quanto mais evidência de semelhanças genéticas, menos arrogância dos racistas.
Basta que esta equação se confirme para que se louve o conteúdo da sua coluna, prezado Alysson Muotri.
A propósito do comentário do Paulo:
Ser literalmente ingênuo pressupõe, é claro, uma relativa deficiência, um relativo despreparo, uma determinada incapacidade; mas mostrar-se ingênuo de caso pensado é, sem dúvida, uma forma muito eficiente de se dar menos mal no convívio social.
14 janeiro, 2008 as 7:45 pm
Dr Muotri,
Sempre achei suas colunas de uma qualidade impressionante e aproveito a ocasião para parabenizá-lo aqui. Não é fácil encontrar conteúno como esse sobre ciência, principalmente na web.
Trabalho com divulgação científica e uso sempre seus textos como forma de abrir a mente das pessoas, principalmente quando assunto é raça.
Um abraço e aguardo o próximo texto.
14 janeiro, 2008 as 5:08 pm
Estou com a Mara e não abro!!!!Mais uma vez parabens ao Dr.Alysson pelo artigo tao explicativo!!!
14 janeiro, 2008 as 12:23 pm
Não li sobre Galton, mas sobre “ser ingênuo pode até ser uma arma”. Pra mim (numa construção lógica) o senso comum, aí entra a crença em Deus, ditados populares, cultura, e até acreditar na religião dos Jedi facilitam o convívio social, ao mesmo tempo que protege, harmoniza e cria um sistema no qual se gera um certo padrão e confiabilidade. Podemos comparar com a economia; a confiabilidade e a certeza de certas atitudes (como seguir as orientações do FMI) normalmente gera prosperidade para os países. Só que essa área na sociologia é muito menos explorada, principalmente por causa do dinheiro direto que ela não gera.
14 janeiro, 2008 as 10:09 am
Alguns comentários anteriores são despropositados. Como disse, somos uma espécie muito bem definida (46 cromossomos, topologia cerebral peculiar, aspectos moleculares ímpares, entre tantos outros). Somos tão espécie como qualquer outra espécie viva. Viáveis sexualmente. Somos tão animais quanto um macaco, um tamanduá ou um peixe. A “categorização” de raças como a fazemos, ainda que útil em alguns aspectos, é pouco precisa. Se assemelha ao trabalho de Cesare Lombroso há pouco tempo (o qual media crânios, maxilas, cérebros e através de cálculos tendenciosos, separava brancos de outros grupos). Naturalmente, são evidentes diferenças entre grupos de pessoas (negros, amarelos, brancos, azuis, etc). Mas é uma diferenciação mais político-social que biológica. Não nego que hajam diferenças biológicas entre esses grupos (desde sensibilidade à lactose, susceptibilidade à algumas doenças, ou maior predisposição a problemas cardíacos). Daí, extrapolar que alguns grupos sejam mais aptos a uma tarefa que outra é natural e prevísivel. Alguns grupos podem ter maior habilidade com raciocínio espacial enquanto outros com operações matemáticas. Entretanto, isto é generalização pois exceções serão encontradas para todos os grupos. Definir raça em função da pele é o mesmo que definir raça em função do tamanho do nariz, do peso do fígado, da altura, do tamanho da mão ou da capacidade de falar na língua do Pê. Só há sentido em definir raças em termos moleculares. Daí que o conhecimento será a ferramenta para a discriminação. Somos parecidos, mas também somos bem diferentes.
13 janeiro, 2008 as 9:25 pm
Muito interessante essa coluna, pelo visto preconceito nao estah no genoma e sim na cultura. Nao vai adiantar aumentar o conhecimento se nao melhorarmos nossas relacoes sociais.
Super beijos!
13 janeiro, 2008 as 11:39 am
Mesmo que Galton pudesse explicar as diferenças biológicas, nada seria tão perfeito assim, ainda restaria outros estigmas enraizados no gene humano, especialemte a maldade, a inveja, a estupidez…. Tenho visto tantas teorias!!! mas quando se parte para o experimento…. a vida muda todas as perguntas.Ser ingenuo pode até ser uma arma!
12 janeiro, 2008 as 11:22 pm
Olá, Alysson.
Primeiramente, obrigada por responder a minha pergunta na semana passada (fico feliz por ter-lhe inspirado a escrever sobre o assunto, e ficarei aguardando, com certeza.).
Bom sobre a esta “questão de pele” quem sou eu pra discordar? Só posso dizer que minha pele é branca como a de minha mãe, (loira de olhos azuis) descendente de alemães, mas numa radiografia que fiz do maxilar revelou que meus ossos são grandes como os de meu pai (moreno de olhos verdes) descendente de tantas raças (é sério) minha avó é negra, (filha de italiano com negra), meu avô era branco (filho de português com descente de índios), meus olhos são verdes, meu cabelo “sarara” é louro escuro, por tomar muito sol tenho muitas sardas e sei lá porque, algumas manchinhas brancas que todos os meus quatro irmãos também têm (ah, eles são: um louro de olhos azuis, um moreno de olhos castanhos, outro louro de olhos verdes, todos de cabelos crespos, e minha irmã é branca, olhos verdes, cabelos castanhos e liso. Ufa! Ficou confuso? mas todos com a mesma fisionomia) obs.: todos filhos do mesmo pai. Depois disso tudo, racismo ou preconceito são palavras que não existem em meu vocabulário.
Será que as manchinhas são resultados de tantas combinações?
O triste mesmo, é lembrar que minha mãe foi vítima de câncer. E se isso for genético… Seja o que Deus quiser e o que a ciência puder nos ajudar.
Um grande abraço.
12 janeiro, 2008 as 9:00 am
O ser humano sempre terá melindres em falar sobre si próprio, pois nós criamos o preconceito. Cientificamente falando é claro que existem raças (por favor, não joguem Darwin no lixo), e simplificar tudo a uma cor de pele como modo de argumentar chega a ser ridículo. Senão como os legistas identificam se uma ossada pertenceu a um negro ou caucasiano se não há mais pele ali? É muito mais complexo que isso. Daqui a pouco vamos voltar a nos separar dos animais como se fazia séculos atrás. “Na natureza o homem se diferencia dos outros seres por ser uma criação divina”. Temos raças e devemos aprender a conviver com as diferenças, começando pelo primeiro passo que é reconhecê-las ao invés de negá-las.