O rato que sabia demais
“Só sei que nada sei”. Com essa simples frase, Sócrates colocava em dúvida a extensão de seu conhecimento e tornava-se plenamente consciente da sua própria ignorância. A ironia socrática foi durante décadas uma estratégia de dialética e que provavelmente originou o que hoje conhecemos como metacognição.
Metacognição é a habilidade de reconhecer a dificuldade na compreensão de uma tarefa, ou seja, ter consciência de que vai falhar por falta de capacidade. Isso acontece constantemente em nossas vidas, seja em ações físicas, como equilibrar uma bandeja cheia de copos, ou com desafios intelectuais. Quem já foi prestar um exame sem ter estudado sabe exatamente a que tipo de sensação eu me refiro…
Da mesma forma, reconhecer sua dificuldade em matemática e, consequentemente estudar essa matéria por mais tempo para um melhor aproveitamento no vestibular, é uma estratégia baseada em metacognição para atingir um determinado objetivo. Dessa forma, a metacognição permite ao indivíduo se posicionar melhor diante de situações desconhecidas, reconhecer seu limite e buscar motivação para superar os obstáculos. Por isso, a metacognição é parte essencial do aprendizado e é considerada por muitos como uma característica predominantemente humana.
Isso porque tentativas de estudar metacognição em animais geraram poucos resultados. Logicamente, os animais não podem dizer o que estão pensando, e os pesquisadores têm de utilizar estratégias comportamentais. Por exemplo, sabemos que macacos têm metacognição, pois diminuem o valor de apostas quando o jogo se torna mais complicado. Em contraste, ninguém nunca detectou metacognição em animais com cérebros menos complexos, como pombos ou camundongos.
E seria diferente no caso dos ratos? Pesquisadores da Universidade da Geórgia, liderados pelo neurocientista Jonathan Crystal, colocaram ratos num teste de autoconhecimento, noqual tinham de classificar diferentes tipos de sons. Primeiro, os ratos foram treinados a associar apitos curtos (com cerca de 2 segundos de duração) a um botão e apitos longos (8 segundos) a outro botão. Ao apertar o botão correto com o nariz, ganhavam um saboroso prêmio: uma porção de ração. Mas, apertando o botão incorreto, não levavam ração e ainda perdiam a chance de tentar novamente. Também aprenderam que tinham a opção de não tentar e, colocando o nariz na saída de comida, ganhavam metade da porção de comida.
Assim que os ratos tinham aprendido as regras do jogo, os pesquisadores começaram o teste de metacognição. Os ratos foram mantidos em gaiolas com os dois botões e, assim que ouviam o apito, curto ou longo, iam direto no botão correto, pois sabiam que a recompensa seria melhor do que não escolher nada ou que colocar o nariz da saída de comida. Mas a história mudou de figura assim que os testes começaram a ficar mais complicados: os apitos agora tinham uma duração intermediária, ficando mais difícil de classificá-los como curtos ou longos. Nesse caso, os ratos preferiram colocar o nariz na saída de comida do que tentar apertar o botão correto. Quanto mais difícil o teste, mais desestimulados em tentar acertar o botão correto os ratos ficavam.
Para confirmar que os animais estavam realmente desistindo de fazer os exames porque sabiam que não sabiam qual era o botão correto, os pesquisadores repetiram os testes, mas sem a opção de saída de comida. Perdiam assim a chance de não tentar e se viam obrigados a escolher. Resultado: um desastre total. Os erros e acertos foram tantos quanto se tivessem chutado as respostas, deixando a recompensa nas mãos da sorte. No fundo, no fundo, parecia que tinham consciência de que não sabiam a resposta correta. Dessa forma, a menos que apareça uma explicação alternativa, o estudo indica que ratos são capazes de refletir sobre o próprio estado mental, da mesma forma que macacos e humanos. O estudo foi publicado na revista científica “Current Biology”.
Recentemente, uma série de outros trabalhos foram publicados mostrando curiosidades cognitivas interessantes do mundo animal, como a presença de empatia em camundongos, a capacidade de prever o futuro em certos pássaros, a consciência do “eu” em elefantes que se olhavam no espelho e o uso de ferramentas de caça por chimpanzés e corvos. Todas essas características eram consideradas tipicamente humanas, mas com refinamentos técnicos está sendo possível também detectá-las em outros animais.
Esse tipo de trabalho muda significativamente o modo como imaginávamos o processo mental em animais, tradicionalmente considerados com “baixo nível de sofisticação cognitiva”. Além disso, fornece pistas evolutivas de como o pensamento funciona em humanos e quais circuitos neurais podem estar envolvidos nesse processo. Se isso se revelar conservado entre diversas espécies, pode acabar contribuindo para o entendimento de algumas doenças relacionadas com declínio metacognitivo, como Alzheimer e amnésia. Dá-lhe Ratatouille.