O poder de influenciar o vizinho
Sempre achei que ações individuais poderiam influenciar as pessoas ao redor, nem que seja através da projeção do seu próprio exemplo ou de seu estado de espírito. Dados recentes, usando técnicas incríveis, indicam que, numa outra esfera — a de neurônios individuais — isso realmente acontece.
O cérebro dos mamíferos sofre com um constante problema de recursos: apesar dos bilhões de neurônios no cérebro, estes não são suficiente para que cada um seja responsável por processos individuais de percepção, comportamento e memória. Para aumentar a capacidade física de estocar informação, acreditava-se que o cérebro se utilizava da sobreposição de padrões de atividade entre milhares de células que se interconectam. Explicação bem razoável.
Mas três trabalhos publicados na semana passada na Nature sugerem que esse tipo de pensamento pode subestimar a capacidade de cada neurônio no cérebro. Os novos resultados contradizem diversas correntes atuais que sugerem que milhares de neurônios são necessários para gerar uma resposta a um determinado comportamento sensorial, a uma tomada de decisões ou mesmo ao aprendizado.
Num dos trabalhos, o estímulo de um único neurônio no cérebro foi capaz de influenciar o comportamento de ratos (Houweling e colegas, Nature, 2007). Esses dados dão apoio à idéia de que apenas alguns neurônios da rede neuronal são necessários para gerar uma resposta comportamental. O desafio técnico foi grandioso: como estimular eletricamente uma única célula no meio de milhares na mesma região no córtex, sem interferir com as vizinhas, e ainda manter o animal acordado e em movimento para realizar os testes comportamentais.
No caso, o comportamento se refere a um simples condicionamento sensorial. Durante a fase de treinamento, o animal ganha uma recompensa cada vez que o neurônio é estimulado. Após esse período, ocorre o estímulo e antes mesmo de receber a recompensa, o animal já começa a salivar. Numa segunda fase, o animal só será recompensado se salivar. Ratos aprendem isso em poucos dias, de forma natural. Uma vez que eles aprenderam o teste, os experimentos começaram. Ao estimular um único neurônio, conseguiu-se induzir a salivação nos animais.
As conseqüências desse trabalho prometem chacoalhar as bases da neurociência. Os dados sugerem que o cérebro é uma máquina ultra-otimizada e que conseguimos, em situações específicas, responder a estímulos de neurônios individuais. Também sugere que o cérebro funciona sempre no máximo de sua capacidade, ou seja, para que novas informações ou memórias sejam armazenadas é preciso apagar outras.
Num outro trabalho, o estímulo foi óptico ao invés de elétrico, usando animais geneticamente modificados para que o estímulo só afetasse neurônios relacionados com o aprendizado, ganhando em especificidade da resposta (Huber e colegas, Nature, 2007). Nessa estratégia, esses neurônios produzem uma proteína de algas, que é facilmente estimulada pela luz azul e que induz a troca de íons (átomos com carga negativa ou positiva) pela membrana celular, iniciando um impulso elétrico.
Para estimular os neurônios, os ratos tiveram parte do osso do crânio substituído por um tampão de vidro, de modo que as emissões de luz azul puderam chegar aos neurônios selecionados que tinham a proteína de alga. Chegou-se à mesma conclusão: não precisamos de milhares de neurônios para executar certas tarefas, bastam alguns, ou mesmo um único neurônio.
Além disso, pode-se estudar em detalhes os contatos físicos que os neurônios estimulados faziam com seus vizinhos (Svoboda e colegas, Nature 2007). Neurônios são estruturalmente parecidos com árvores, cujos galhos vão se bifurcando e afinando conforme se afastam do tronco principal. Quando dois neurônios se comunicam, projetam pequenas protuberâncias espinhosas ou micro-verrugas nos diversos galhos que tendem a se encontrar. O espaço entre essas protuberâncias espinhosas é chamado de sinapse. Na ponta dessas verrugas ocorrem explosões químicas, liberando neurotransmissores — mensageiros químicos típicos dessas células. Quando essa explosão é forte o suficiente, atrai a protuberância do outro neurônio para si, formando conexões entre dois neurônios.
O grupo de Svoboda conseguiu estimular apenas uma dessas microprotuberâncias e descobriu que, quanto maior o estímulo, mais propensas a outros estímulos ficavam as vilosidades vizinhas, como que preparadas para absorver qualquer excesso de informação. A idéia que surgiu dessa observação é que o efeito combinatório desse fenômeno amplifica a capacidade de cada neurônio individual. Até então, esse processo nunca havia sido flagrado no cérebro.
A visão tradicional na neurociência previa que cada sinapse funcionaria de maneira independente e que cada conexão entre duas vilosidades seria responsável por armazenar memórias individualizadas. Os autores mostraram que vilosidades individuais podem estimular as suas vizinhas, indicando que a informação deva ser estocada em grupos, onde memórias relacionadas estejam reunidas em determinadas regiões no cérebro. Esse excitamento das vilosidades vizinhas pode durar até 10 minutos. Faz sentido. Precisamos de um tempo para nos ambientar, reconhecer as faces dos parentes ou a mobília nova quando entramos na festa de Natal daquela tia que não revíamos há muito tempo.
Um dos modelos propostos pelo grupo sugere que essa seria uma forma de agrupar os neurônios envolvidos na mesma rede de informação, responsáveis por um mesmo comportamento ou memórias relacionadas. Essas redes neuronais variam com a idade e a atividade cerebral, tornando-se mais fortes ou mais fracas. Essa variação de padrão das conexões seria uma forma inteligente e dinâmica de armazenamento de memória.
As novas observações contradizem a teoria das populações flutuantes, onde a resposta a um estímulo viria do conjunto de milhares de neurônios, como um coral onde todos cantam juntos a mesma melodia. Talvez isso realmente aconteça para respostas motoras, como caminhar, por exemplo. Afinal, é assim que diversos grupos conseguiram mover braços mecânicos usando informações captadas de populações neuronais. No caso de ações cognitivas, parece que o coral precisa reduzir o volume para que o solista apareça mais.
Acho que as duas idéias não são mutuamente excludentes e podem acontecer concomitantemente no cérebro. Mas gostaria mesmo de saber o que acontece quando um coral não consegue deixar o solista cantar. Pode ser que isso esteja relacionado com síndromes neurológicas, onde o processo de percepção é falho, como no caso da esquizofrenia.