Atração fatal: parasita faz rato perder medo de gato
Qual é o melhor parasita? Com toda certeza é aquele que se aproveita do organismo hospedeiro sem que ele perceba. Melhor ainda se o parasita conseguir controlar a mente do hospedeiro e com isso alterar o comportamento da vítima a seu favor.
Na natureza, encontramos uma série de casos assim. Por exemplo, durante minha iniciação cientifica, trabalhei com um tipo de vírus capaz de infectar larvas que predavam a cana-de-açúcar. Ao infectar as larvas, o vírus alterava o comportamento delas, que passavam a procurar as regiões mais altas da planta para se fixar. Após um tempo, a proliferação do vírus era tão grande que a larva morria e se transformava num repositório viral.
Esse “saco” de vírus se descolava da planta e caía, explodindo ao se chocar com outras folhas e espalhando o vírus. Com isso, aumentavam as chances do vírus infectar outras larvas e se proliferar. Parasita esperto, não? Então leia o que vem abaixo.
Em mamíferos, é notório o exemplo do protozoário Toxoplasma gondii. Esse parasita consegue bloquear a aversão inata de ratos para a urina dos gatos. Além disso, o parasita causa uma atração para a urina, aumentando a chance do gato abocanhar o rato. Esse mecanismo adaptativo é uma forma de manipulação comportamental pelo Toxoplasma que, apesar de se reproduzir apenas no intestino de gatos, consegue facilmente infectar ratos que entram em contato com fezes felinas contaminadas.
Durante muito tempo, esses resultados foram visto com olhos desconfiados pela comunidade científica, principalmente pela falta de controles nos experimentos de comportamento. Em geral, esses testes consistem em colocar o rato em uma caixa em que cada um dos cantos contenha um cheiro diferente, incluindo urina felina, e observar que canto eles preferem ficar. Ratos infectados por Toxoplasma têm uma atração pela urina de gato. Também ninguém havia demonstrado se os ratos perdiam o medo do gato ou se eram realmente atraídos pelo odor da urina.
Mas em abril desse ano, o grupo liderado por Robert Sapolsky, da Universidade de Stanford, na Califórnia (Vyas e colegas, PNAS 2007), publicou dados mostrando que o Toxoplasma consegue realmente converter a aversão ou medo dos ratos ao cheiro dos felinos em atração suicida. Essa alteração é bem específica, uma vez que a infecção não altera o olfato ou outros tipos de medo inato dos ratos.
O grupo mostrou que esse efeito pode ser causado porque o Toxoplasma se dirige para o sistema nervoso dos ratos infectados, migra para a região da amígdala (justamente uma das regiões no cérebro aonde se localiza o circuito neuronal do medo inato que ratos sentem por gatos), formando quistos. Esse tropismo do parasita por essa região específica do cérebro é simplesmente fenomenal. Como e porquê isso acontece merece ser estudado mais a fundo.
Um terço da população humana está contaminada pelo Toxoplama gondii, mas não se sabe se isso também causa uma atração dos humanos por felinos. Acho pouco provável, principalmente se o efeito for mesmo específico, como demonstrado pelo grupo de Sapolsky. A maioria dos humanos infectados nem sabe disso, pois a infecção é aparentemente assintomática, exceto em mulheres grávidas (onde o feto corre o risco de apresentar problemas durante o desenvolvimento, como cegueira parcial) ou em pessoas com deficiência no sistema imune. Em ambos os casos, aconselha-se manter distância dos felinos e evitar contato com locais onde pode haver fezes de gatos.
Por outro lado, existe uma correlação causal entre a presença de antígenos do Toxoplasma e o desenvolvimento de esquizofrenia (Webster e colegas Proc. Biol. Sci. 2006). Esses estudos epidemiológicos precisam ser confirmados, aumentando o rigor estatístico. Além disso, existem outros trabalhos científicos que tentam correlacionar a infecção com alterações sutis de comportamento humano, ou seja, o parasita deixaria homens mais amorais e com menos medo de punição ao quebrar regras sociais e mulheres mais cordiais e carinhosas.
Esses trabalhos com humanos, a maioria publicada em revistas científicas de baixo impacto internacional, ganharam fama ao serem colocados no holofote pelo blog do jornalista Carl Zimmer durante o ano passado. Na onda dele, outros tentaram correlacionar os índices de infecção em diversos países com características culturais (o Brasil, campeão da lista com quase 70% da população infectada). Balela. São tantos os fatores envolvidos na definição do comportamento cultural humano que fica ridículo pensar em algo tão determinista assim.
No entanto, quando penso em parasita, é inevitável não relacionar o assunto com alguns de nossos políticos — afinal como é que eles conseguem manipular a cabeça dos brasileiros para continuar votando neles, mesmo afogados em escândalos? Só faltava essa, um parasita mental para justificar o malufismo e outros “ismos” da nossa cultura política. Isso sim seria realmente fenomenal.