Ao deixar o comando da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence disse ao Blog que ficou “incomodado” em prosseguir no cargo depois da não recondução de dois colegas, que tinham sido indicados por ele: Marília Muricy e Fábio de Sousa Coutinho. “É uma forma de solidariedade aos dois companheiros”, desabafou.
Veja a entrevista:
Blog do Camarotti – Por que o senhor tomou essa decisão de sair da Comissão de Ética Publica?
Sepúlveda Pertence - Não se estava observando a mudança gradual da Comissão. Ocorreram cinco vagas praticamente simultâneas. Três delas de membros que já haviam cumprido dois mandatos, e portanto, não podiam ser reconduzidos. E dois que eram exatamente os conselheiros que eu tinha indicado ao governo anterior: a professora Marília Muricy, da Universidade Federal da Bahia, e o advogado e escritor Fabio Coutinho. A presidente Dilma resolveu não reconduzir esses dois. Nomeou três e ainda se aguarda que nomeie mais duas vagas – hoje três com a minha renúncia. Eu achei que a minha missão estava esgotada. Porque os dois não reconduzidos não só eu os tinha indicado como a tradição da Comissão nesses três governos de sua história é de sempre haver recondução para cumprir dois biênios. E realmente achei… quer dizer, eu me senti incomodado de prosseguir depois da não recondução desses dois colegas. Hoje (segunda-feira) foi a primeira reunião em que fiz questão de empossar os três nomeados, contra os quais nada tenho. Pelo contrario. E logo depois comuniquei que estava encaminhando a renuncia. Não me cobraram explicações na reunião. A verdade é esta. É uma forma de solidariedade aos dois companheiros sem contestar o poder que tem a presidente da Republica, de não reconduzir.
Blog – O senhor foi surpreendido com essa decisão de dois colegas não terem sido reconduzidos?
Sepúlveda - Eu tinha tido uma noticia extra oficial dias antes.
Blog – A presidente Dilma chegou a conversar com o senhor?
Sepúlveda – Não. Não tive nenhum contato com a presidente.
Blog – O senhor chegou a pedir algum esclarecimento?
Sepúlveda – Não, não! Não me cabia. As indicações que fizera no governo anterior foram pedidas pelo (ex-) presidente (Lula).
Blog – O senhor acha que um episódio como esse pode acabar esvaziando, desacreditando a Comissão de Ética Pública?
Sepúlveda – Eu acho que a Comissão de Ética Pública tem um papel muito importante. É preciso dar-lhe uma cobertura legal. Hoje ela é comandada por um decreto. Mas acho que tem um papel muito relevante. E só posso desejar que aqueles que lá ficaram, comandados pelo mais antigo, que há poucos meses foi nomeado, meu querido amigo Américo Lacombe, e com os outros que virão, consigam manter a Comissão num grau de respeitabilidade que ela tem mantido. É uma comissão que traz mais problemas, mais momentos desagradáveis do que agradáveis. É uma missão gratuita, honrosa, mas de um certo sacrificio, porque se tem afinal de contas de impor um padrão ético muitas vezes envolvendo pessoas da sua relação ou mesmo da sua simpatia política. Mas eu espero que a Comissão se mantenha nesse nível de independência e seriedade.
Blog – Foi esse incomodo que a Comissão gerou, em casos recentes, como o do ex ministro Carlos Lupi e do ministro Fernando Pimentel, que acabou fazendo com que esses dois integrantes não fossem reconduzidos?
Sepúlveda – Isso eu já não tenho elementos para uma afirmação. No caso Lupi, eu sei que houve um mal entendido quanto à comunicação da decisão, que não seria atribuível à professora Marília, que foi relatora do caso. Mas a mim, presidente, responsável pela administração. Houve um pequeno retardamento da comunicação à presidente, que estava em reunião, e por isso a imprensa, segundo o Palácio, soube antes que a chefe da República de uma recomendação que era feita a ela, que era de afastamento de um ministro. É o que eu sei. Quanto ao outro caso, é um caso pendente da Comissão. Eu não gostaria de comentá-lo em público.
Blog – O caso Pimentel já teve uma advertência?
Sepúlveda – Não houve sanção. A decisão foi de pedir ao ministro novos esclarecimentos.
Blog – Com essa nova posição, pode mudar o encaminhamento da Comissão?
Sepúlveda – Não sei. Se deve retomar a partir desse ponto. Não posso prever.
Blog – O senhor se sentiu pressionado em algum momento, nos seus trabalhos?
Sepúlveda - Não, de maneira alguma.
Blog – O senhor sentiu pouco poder de ação com essa comissão praticamente esvaziada durante um longo tempo?
Sepúlveda - Bem, isso… quando eu assumi ela estava assim. Praticamente sem quorum. Foi quando renunciou o ex-presidente que tive a honra de suceder, o ministro Marcilio Marques Moreira, que retirou-se pela demora o de uma recomendação da Comissao relativa ao ex ministro do Trabalho. Então houve um período também de falta de quorum. E agora ficamos reduzidos a dois, antes dessas três nomeações. Hoje foi a primeira reunião ordinária em que empossei os três e saí do cenário.
Blog – O senhor acha que o seu trabalho nesse período na Comissão, que é um trabalho que gera incomodo ao Planalto, teria sido um fator para o esvaziamento do colegiado?
Sepúlveda – Eu não creio. São circunstancias da vida política e eu apenas confio em que a Comissão seja mantida com a mesma independência, com o mesmo cumprimento do dever que eu senti nesses anos em que a presidi.
Blog – O senhor conversou com alguém do Planalto para comunicar essa decisão?
Sepúlveda - Não, neste momento não.
Publicada às 8h04