Pesquisador e ex-aluno de Ariano Suassuna conta como eram as aulas do escritor
Reconhecido por ser o criador do Movimento Armorial e do clássico literário “O Auto da Compadecida”, Ariano Suassuna está longe de ser resumido a esses feitos. Secretário de cultura, professor universitário e comunicador por natureza, Ariano ocupou salas de aula, de reuniões e da casa de milhares de pessoas através da televisão.
Durante mais de 30 anos, Ariano foi professor de estética da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Carlos Newton Júnior foi aluno do escritor há 40 anos. Ele lembra que até os estudantes que não eram matriculados na disciplina se aglomeravam para assistir às suas aulas, mesmo que sentados no chão, ou encostados no parapeito da janela (veja vídeo mais acima).
“Era um professor muito generoso, não era rigoroso. As aulas eram muito divertidas, [...] os alunos sempre vinham de bom grado. As aulas de Ariano eram as últimas aulas da semana, às sextas-feiras à tarde, ninguém faltava. [...] Terminávamos a semana em alto astral”, relembrou o ex-aluno.
Ariano Suassuna em aula-espetáculo no Sesc Vila Mariana, em São Paulo — Foto: TV Globo
Carlos Newton Júnior seguiu os passos do mestre e hoje também é professor da UFPE, na disciplina de História da Arte. Ele se dedica a estudar e pesquisar a obra de Ariano e lembra com carinho de como era ser avaliado por ele.
“Na hora de avaliar, era também muito generoso. Muitas vezes pedia que o aluno fizesse uma auto avaliação. [...] Ele perguntava a cada um: ‘Quanto você acha que merece pela sua participação? Você assistiu a todas as aulas? Você leu algum texto? Quanto você acha que merece?’. O aluno, muito acanhadamente, dizia ‘professor, eu acho que mereço 7’, ‘acho que mereço 8’, e ele sempre majorava (aumentava)”, contou Carlos.
Na década de 1980, quando Carlos Newton foi aluno de Ariano, o autor já era reconhecido e consagrado por sua obra e já tinha trabalhado como Secretário de Educação e Cultura do Recife, entre os anos de 1975 e 1978, mas ainda não tinha um rosto reconhecido pela população.
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“Ele não era uma personalidade, uma celebridade ainda, porque a obra dele ainda não tinha sido explorada pela televisão, nem a própria imagem dele. [...] Ele tinha aquilo que a gente chamava de ‘humildade dos grandes’. Acho que isso define bem Ariano. Ele não tinha essa empáfia da sabedoria, muito pelo contrário”, disse.
Apesar da humildade apontada, Ariano Suassuna foi um grande intelectual, defensor da cultura popular e de uma arte essencialmente brasileira, rejeitando estrangeirismos e influências externas. Antes das salas de aula, foi no próprio estilo de escrita que encontrou um caminho para passar seus ensinamentos.
Ariano na televisão
Em 1999, um ano antes da adaptação de “O Auto da Compadecida” para o cinema, Ariano abriu as portas de sua casa para a população através do quadro “O Canto de Ariano”, da TV Globo. Nele, compartilhou pílulas de erudição, histórias da sua vida e família e, por vezes, parte de seu processo criativo.
“O ato de escrever é um ato muito trabalhoso pra mim, mas que dá uma grande alegria também. Eu faço uma primeira versão, manuscrita, em papel pautado, depois bato na máquina e faço uma segunda versão datilografada. [...] Depois, faço uma terceira versão manuscrita, mais elaborada, já com desenhos que eu mesmo faço e, finalmente, uma quarta versão manuscrita, com tinta nanquim, as letras desenhadas e com ilustrações”, detalhou o escritor em episódio de O Canto de Ariano exibido em dezembro de 1999.
O Canto de Ariano estreou após o fim de seu trabalho como secretário de cultura de Pernambuco, no Governo Miguel Arraes, de 1994 a 1998. Foi de dentro da própria casa que Ariano Suassuna entrou nas casas de tantas outras pessoas, num esforço pessoal de estender seus ensinamentos para além da academia e da política.
Ariano Suassuna gravava 'O Canto de Ariano' de dentro da sua casa — Foto: TV Globo
“Passei a encarar esses momentos que vivo aqui na televisão como se fossem pequenas aulas-espetáculo, através das quais eu estou continuando o trabalho que desenvolvi no Departamento de Extensão Cultural da universidade, na Secretaria de Cultura do Recife e na Secretaria de Cultura de Pernambuco. É muito comum encontrar pessoas que dizem que me ouviram contar tal história e gostaram muito, mas, as pessoas que mais me tocam são as que dizem que, aqui com O Canto de Ariano, elas aprendem”, contou o escritor em 2006.
A jornalista Adriana Victor trabalhou com Ariano Suassuna por mais de vinte anos e esteve com ele neste projeto desde o nascimento. À TV Globo, ela contou que o escritor sempre se preocupou em cativar o público e mostrar diferentes facetas de sua personalidade e trabalho.
“Ele sempre se preocupava em alternar assuntos onde era o Ariano do Auto da Compadecida, o Ariano cômico - que ele chamava de lado palhaço - com o Ariano que ele chamava do hemisfério rei. O Ariano que era professor, que era escritor, que ia ensinando a sua maneira e ia valorizando, como só ele sabia fazer, o Brasil e a cultura brasileira”, disse a jornalista.
No último ano de exibição do quadro, em 2006, Ariano contou que teve medo de aceitar a proposta, quando convidado, mas que nunca se arrependeu da escolha que tomou. “Eu me sinto aqui como cumprindo uma missão que tenho em relação ao meu país e ao meu povo, de maneira que não me arrependi e, nesse momento, quero exatamente agradecer a todos aqueles que me proporcionaram esse contato com vocês”, disse.
A professora Ana Paula Campos acredita que o quadro, além de levar o rosto de Ariano para o grande público durante o período de exibição, hoje funciona como uma ferramenta para imortalizar os pensamentos e ideais do dramaturgo no decorrer do tempo, através da reprodução pelas redes sociais.
"Ele era imortal na Academia Brasileira de Letras e a internet, a mídia e a TV tornaram ele imortal e popular. Ele brincava que preferia ser 'imorrível' a ser imortal. Daí a internet fez isso com ele. Ele realmente se tornou um sujeito 'imorrível'", comentou a professora.
Nesta terça-feira (23), completam-se 10 anos da morte de Ariano Suassuna. O escritor paraibano foi velado e sepultado no Recife, cidade para onde se mudou aos 15 anos e onde permaneceu até o fim da vida. Como forma de homenagear sua trajetória, o g1 e a TV Globo produziram uma série de reportagens resgatando momentos, feitos e memórias do patrono da cultura Pernambucana.