Conheça os búfalos da Ilha do Marajó, enredo da Paraíso do Tuiuti
A Ilha do Marajó, no Nordeste do Pará, abriga o maior rebanho de búfalos do Brasil. O animal, símbolo da região, foi escolhido como elemento central do samba-enredo da escola carioca Paraíso do Tuiuti. A escolha não foi à toa. No Marajó, o búfalo está presente na culinária, no policiamento, na produção do couro, nas apresentações culturais e no ambiente familiar dos moradores.
Como forma de valorizar esse aspecto da cultura paraense, o artista marajoara Damasceno Gregório dos Santos, o mestre Damasceno, criou o Búfalo-Bumbá, uma adaptação da tradicional manifestação folclórica no Norte e Nordeste conhecida por Boi-Bumbá. O artista está no enredo da Tuiuti e foi convidado para desfilar na escola no dia 20 de fevereiro, no Rio de Janeiro (leia mais abaixo).
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Damasceno Gregório dos Santos, mais conhecido como mestre Damasceno, é um artista popular marajoara. — Foto: Marcus Passos/g1
Mestre Damasceno e músicos do Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara.
Como os búfalos chegaram ao Marajó
Segundo o agrônomo e produtor de queijo Carlos Augusto Gouvêa, uma das explicações para a primeira introdução de búfalos no Brasil, nos anos 1890, está baseada na literatura e nas informações de vaqueiros, fazendeiros, nativos e pesquisadores.
Naquele período, um fazendeiro de Soure, chamado Vicente Chermont de Miranda, em viagem pela Itália viu o potencial do búfalo. Ao retornar para a Ilha do Marajó, comprou e trouxe consigo alguns desses animais.
“Tem informações que foram três fêmeas e um macho e tem outras informações que foi um grupo maior. Eu acredito que foram poucos búfalos, porque era um animal desconhecido e ele não ia investir grandes valores para trazer um rebanho maior”, afirma.
Búfalo são atrações na Ilha do Marajó. — Foto: Marcus Passos / g1 Pará
De acordo com a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Pará tinha cerca de 620 mil cabeças (cerca de 40% do total nacional) em 2021, das quais mais de 430 mil estavam apenas na ilha do Marajó.
Gouvêa questiona como o rebanho no Marajó chegou ao patamar de mais 600 mil cabeças apenas com a importação feita por Vicente Chermont de Miranda. Para ele, já existiam búfalos antes de 1890 e a entrada dos animais ocorreu pela costa da ilha.
No entendimento dele, alguns países europeus traziam os presos para a antiga região das ‘Guianas’. E para alimentar os detentos era usada a proteína mais barata no mercado: a carne de búfalo.
“Por duas razões os búfalos foram inseridos na região: para alimentar com carne e leite os presos e para que os búfalos servissem como animal de tração para tirar as toras de madeira das Guianas e levar até as embarcações. Então, as espécies que foram trazidas foram da raça Rosilho e Carabal”, explica.
Tipos de raças do búfalo do Marajó: murrah, jafarabadi, mediterrânea, marabao e o marabao mestiço. — Foto: Marcus Passos/g1 Pará
Gouvêa diz que em uma dessas viagens entre os continentes europeu e sul-americano os presos fizeram um motim para tentar fugir, porém, a embarcação naufragou. Os búfalos, por serem fortes e exímios nadadores, sobreviveram.
“A corrente marítima trouxe os búfalos para a costa mais próxima, a região do Marajó. Aqui eles encontraram todas as condições favoráveis para sua sobrevivência. Essa história justificaria o atual rebanho”, afirma.
Produtor de queijo na ‘Fazenda Mironga’, Carlos Gouvêa tem 74 anos e trabalha com leite de búfala há gerações. Ele disse que no município de Soure há três búfalos para cada pessoa e que a economia, a indústria da carne e o turismo giram em função do búfalo.
“É difícil dar um predicado para o búfalo, mas ele é um conjunto de qualidade. Se eu e minha família estudamos foi por causa do búfalo. Ele é determinante para a fixação do homem na terra, na criação de renda e na qualidade de vida”, enfatizou.
Mimado até com sorvete
Joniel Melo, de 54 anos, oferece um pouco de sorvete para o búfalo 'Alemão'. — Foto: Marcus Passos/g1 Pará
Um proprietário de uma sorveteria na Ilha do Marajó resolveu adotar um búfalo de cerca de 800 quilos como "animal de estimação" ou "filho", como Joniel Melo prefere dizer. O morador de Soure cria há nove anos um búfalo da raça mediterrâneo que se chama "Alemão".
Joniel tem labirintite e viu no animal uma forma de terapia para lidar com a doença. Nessa relação, o búfalo se tornou um mascote da sorveteria comandada por Joniel. E, no meio de tanta gostosura, nem o Alemão resistiu à tentação e, às vezes, tem o direito de saborear uma delícia gelada.
Couro do búfalo: fonte de matéria-prima
Morador do município de Soure, Antenor Júnior, mostra o 'Cuecão de Couro'. — Foto: Marcus Passos/g1 Pará
Há quatro gerações um morador do município de Soure, no Marajó, trabalha com um elemento único do búfalo: o couro. Antenor Júnior é dono de uma loja de curtume na região onde vários produtos são feitos do couro cru do animal.
Entre os itens mais vendidos do local estão cintos, sandálias e bolsas. Mas a loja tem também algumas particularidades, como a confecção de bolsas a partir do saco escrotal do animal e uma cueca produzida com couro de búfalo, o chamado de “Cuecão de Couro”.
'Veículo' na ronda da PM
PM do Pará usa búfalos para policiamento. — Foto: Marcus Passos / g1 Pará
O 8º Batalhão da Polícia Militar do Pará, em Soure, é o único do país a adotar o uso de búfalos como modalidade de policiamento. Doados por fazendeiros, os animais chegam ao batalhão ainda pequenos para se adaptarem ao local e aos agentes de segurança.
Os búfalos do "batalhão Marajó" são utilizados em dois tipos de situações: na cidade, o policiamento montado em búfalos serve para orientar e receber denúncias da população e dos turistas; e na região de campos alagados são usados para fazer ronda e deslocamento.
Pratos típicos da culinária marajoara
Filé Marajoara, considerado o prato da casa e símbolo do Marajó. — Foto: Marcus Passos / g1 Pará
O potencial turístico e culinário do búfalo do Marajó vem transformando a vida de muitas pessoas da Ilha. Uma delas é a do chef de cozinha Claudomiro Maués. Com 53 anos, ele diz que a gastronomia é algo transformador na sua vida.
Segundo o chef, a Ilha do Marajó tem uma geografia completamente diferente que deixa a proteína animal com um sabor incomparável. Duas de suas produções se beneficiam desse "tempero da região": o Filé Marajoara e o Frito Vaqueiro, cujas receitas e modos de preparo podem ser conferidas aqui.
Criador do Búfalo-Bumbá
Mestre Damasceno em Salvaterra, na Ilha do Marajó. — Foto: Marcus Passos / g1 Pará
Damasceno Gregório dos Santos, o mestre Damasceno, também está presente na história escrita pelos carnavalescos Rosa Magalhães e João Vitor Araújo, da Tuiuti. Para o artista popular marajoara, o búfalo é carregado de cultura.
“Ele é um dos elementos mais ricos que nós temos para se trabalhar; para puxar carroça; para montar; para carregar madeira; e para alimentação. Do búfalo se aproveita tudo. Ele é uma riqueza e estamos muito felizes por ter esse animal na nossa terra”, destaca.
Mestre Damasceno completa 50 anos de carreira em 2023. Nascido na comunidade quilombola Salvar, em Salvaterra, no Marajó, o artista traz na bagagem mais de 400 composições sobre a cultura popular marajoara.
Como forma de valorizar o animal-símbolo da Ilha do Marajó, o artista de 68 anos, com deficiência visual, criou o "Búfalo-Bumbá: Segredo das Meninas", uma adaptação da tradicional manifestação folclórica no Norte e Nordeste, conhecida por Boi-Bumbá.
“Isso aconteceu após estudar a história da tradição regional, da cultura popular. Quando comecei a brincar, há 50 anos, era com o boi. Depois, cobrei de mim mesmo. Só via Boi-Bumbá ou Bumba meu boi. Questionei: búfalo também é um tipo de boi, por que não cmolocar ‘Búfalo-Bumbá?”, relembra.
O artista popular marajoara também foi convidado para estar na avenida do samba no dia 20 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Primeira agremiação do grupo especial a desfilar, a Paraíso do Tuiuti tem o desafio de narrar a história sobre a chegada dos búfalos ao Brasil, por meio da Ilha do Marajó.
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