Por Ana Carolina Moreno, G1


A bolsista do Prouni e do Ciência sem Fronteiras que virou designer de moda em Dubai

A bolsista do Prouni e do Ciência sem Fronteiras que virou designer de moda em Dubai

A brasileira Jéssica Duarte, de 28 anos, mora sozinha em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, tem amigos de inúmeros países e trabalha como designer de moda de uma empresa com mais de 300 lojas só na Arábia Saudita. Mas, há menos de dez anos, ela era apenas a filha mais nova de uma ex-faxineira, que desistiu de uma vaga no curso de design de moda para se manter num cargo concursado porque não acreditava que pessoas de baixa renda podiam enveredar pelo ramo da moda.

(Jéssica Duarte é a quinta entrevistada na série "Trabalhar no exterior", do Guia de Carreiras do G1, que mostra a trajetória e as dicas de quem fez a graduação no Brasil e hoje seguem carreira de sucesso no exterior. Veja outras histórias ao fim da reportagem.)

Jéssica Duarte no Santuário Mãe de Deus, em Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal/Jéssica Duarte

Nesse meio tempo, a jovem contou com o esforço pessoal, o incentivo da família e a coragem para aproveitar oportunidades, inclusive um remanejamento de última hora no programa Ciência sem Fronteiras que a levou a Itália e uma oferta de emprego pela internet que, segundo ela, tinha toda a cara de golpe.

Dicas de Jéssica para quem quer trabalhar no exterior:

  • Investir no aprendizado de uma língua estrangeira
  • Manter um perfil no LinkedIn atualizado, e em inglês
  • Se a pessoa for da área criativa, manter um portfólio completo e multilíngue na internet

Sonho e pragmatismo

O caminho feito pela gaúcha, no entanto, teve diversos momentos turvos. A ideia de abandonar a vaga em moda, que vinha com uma bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni), veio da mãe dela.

"O que ela me falou é que moda não é uma coisa pra pessoas de classe média baixa. E realmente, se a gente for analisar as faculdades de moda no Brasil, o índice de pessoas de baixa renda é ínfimo, acho que nem tem gente de baixa renda fazendo moda", afirmou Jessica Duarte ao G1, em uma entrevista por telefone.

Como a faculdade era no período vespertino, apostar naquela graduação significaria desistir da estabilidade do cargo assistente administrativa em uma secretaria do governo do Rio Grande do Sul.

"Era um concurso de nível médio, mas era um concurso confortável, era um salário que eu, com 18 anos, no mercado de trabalho com ensino médio, não ia ter nunca", conta ela. "Eu fui construindo o meu currículo pra tentar sair de lá, porque senão acabaria ali pra sempre."

A decisão, então, foi manter o trabalho e estudar no tempo livre para tentar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano seguinte.

O resultado, porém, não deu certo. "A minha nota foi muito baixa, então não me inscrevi em nenhuma faculdade porque eu não tinha pontuação suficiente", disse.

Jéssica posa para uma selfie com um par de calças que ela mesma pintou, em Dubai — Foto: Arquivo pessoal/Jéssica Duarte

Bolsa do Prouni

Jéssica não desistiu após o fracasso do plano e tentou um ano mais. Ela diz que a insistência teve duas origens: o exemplo da mãe e sua própria ambição.

"A minha mãe, quando eu era adolescente, era faxineira de escola. Ela decidiu entrar na faculdade, quando eu tinha uns 10 anos ela se formou em pedagogia. Então hoje em dia ela é professora", disse a jovem.

Ela afirma não ter um relacionamento próximo com o pai – os pais se divorciaram quando ela tinha 13 anos.

Já a faculdade ela sempre quis cursar e, mesmo desistindo de seguir a carreira como designer de moda, voltou a fazer o Enem. Enquanto trabalhava na secretaria e se preparava para o exame, Jéssica fez um curso técnico em publicidade e decidiu seguir na área criativa, mesmo que não fosse em moda.

Em 2011, na terceira tentativa de vestibular, ingressou na graduação de tecnólogo em design de produtos na Universidade La Salle, em Canoas, no Rio Grande do Sul. Novamente ele conseguiu a bolsa do Prouni, condição necessária para que pudesse estudar.

Jéssica durante visita à cidade de Florença, na Itália, quando morou em Bolonha como intercambista do Ciência sem Fronteiras — Foto: Arquivo pessoal/Jéssica Duarte

Bolsa do Ciência sem Fronteiras

Durante a graduação, ela decidiu por fim deixar o emprego de concursada ao conseguir um estágio em uma agência de publicidade, que durou pouco.

"Eu via que [a agência] não era nada a ver com meu perfil. Depois eu entrei no marketing de uma marca de moda de Porto Alegre. Aí pensei: 'Bom, posso trabalhar com moda mesmo que seja em marketing'", contou a jovem.

Nesse meio tempo, veio a chance de participar de um dos últimos editais oferecidos pelo programa Ciência sem Fronteiras (CSF), do governo federal, que dava bolsas de intercâmbio em graduação-sanduíche.

Seguindo os passos do irmão, que estudou engenharia da computação e foi bolsista do CSF em Portugal, Jéssica se inscreveu também para o país lusófono, já que não tinha proficiência em nenhuma língua estrangeira.

Por causa do grande número de candidatos interessados em universidades portuguesas, o governo federal teve que limitar as aprovações, mas ofereceu a alguns estudantes a opção de ir para outros países. A gaúcha foi uma delas.

"Não tem como não escolher a Itália. Eu sou muito apegada a essas coisas históricas e referências. Pensei: 'Vou pra Itália, sem dúvida'. Na hora respondi o e-mail dizendo que ia pra Itália", diz ela.

Jéssica ainda aproveitou a oportunidade que o governo federal deu aos bolsistas de cursos de tecnólogos, já que eles poderiam se inscrever em qualquer curso no país de intercâmbio. Conversando com seu coordenador na La Salle, ela acabou conseguindo validar os créditos e cursar dois semestres de design de moda na Universidade de Bolonha. Ao mesmo tempo, ela fez o curso de italiano e conseguiu a proficiência. Também em Bolonha conheceu um italiano, que voltou ao Brasil para morar com ela. Os dois se casaram e passaram quatro anos juntos.

Um dos trabalhos que Jéssica deixou públicos em seu portifólio online — Foto: Divulgação/Jéssica Duarte

'Golpe do LinkedIn'

Depois do intercâmbio, o emprego seguinte da jovem foi em uma empresa que desenhava capas de celulares – só nove meses depois ela conseguiu vaga em uma empresa de moda, onde ficou durante dois anos e meio.

A oferta de emprego em Dubai não estava nos planos de Jéssica, que em 2017 decidiu voltar para a Itália com o marido e seguir carreira na Europa. Assim que chegou lá, porém, recebeu uma mensagem pelo LinkedIn, o site que reúne os currículos de profissionais do mundo todo, sobre uma vaga em Dubai. Jéssica, porém, achou que estava sendo vítima de um golpe.

"A menina que me contratou era de uma agência de recrutamento da Índia, e veio com papo de que tinha um emprego pra mim Dubai. Eu pensava: isso não está certo, você é da Índia como você tem emprego pra mim em Dubai?" - Jéssica Duarte

Sapato desenhado por Jéssica Duarte — Foto: Divulgação/Jéssica Duarte

Mesmo desconfiada, Jéssica aceitou participar da seleção. Passou por duas entrevistas em agosto e setembro e outras duas em novembro, sempre por videoconferência. "Em dezembro eles não falaram comigo, no dia 27 de dezembro eles me enviaram um e-mail dizendo que iam me contratar e que eu começaria no mês seguinte", lembra ela.

Os trâmites burocráticos para traduzir documentos e conseguir o visto de trabalho, porém, levaram três meses, e ela só se mudou em março de 2018.

A legislação trabalhista, segundo ela, se parece à dos Estados Unidos, onde os trabalhadores não têm direito a fundo de garantia ou seguridade social. Além disso, os empregadores podem facilmente encerrar um contrato de trabalho. Entre os benefícios, porém, está uma passagem paga pela empresa, todos os anos, para visitar a família no Brasil. Já para Israel, onde mora seu irmão atualmente, ela não pode ir – pessoas com carimbo de Israel no passaporte não podem entrar nos Emirados.

Jéssica em Paris — Foto: Arquivo pessoal/Jéssica Duarte

Altos e baixos da vida em Dubai

Jéssica afirma que não se arrepende da decisão – que veio acompanhada não só da distância da família, mas também do fim de seu casamento –, mas que a vida real nos Emirados Árabes Unidos não se parece com as imagens que chegam até os brasileiros. "Não é o paraíso que mostram na televisão. Existe uma diferença social meio assustadora, que ninguém mostra para os turistas", explica ela. "85% da população é de estrangeiros. Desses, cerca de 20% são indianos, e 15% são filipinos, que tendem a ter subempregos, ganham super mal, moram em bairros muito longe do centro."

Ela também precisou se adaptar às restrições impostas pela legislação local. Lá, por exemplo, existem muitos planos de telefone com minutos ilimitados de ligação telefônica, já que chamadas de áudio e vídeo por aplicativos como WhatsApp e Skype são proibidas.

Rodeada por um deserto, Dubai também oferece poucas opções de alimentos de origem natural com preço acessível. Ela também sente falta de poder andar de bicicleta, já que a cidade privilegia as vias para carros. "Vou de carona para o trabalho, o metrô é muito caro", explica ela.

Por outro lado, ela já criou uma rede de amigos que, se não inclui muitos brasileiros, lhe possibilitou ter contato com culturas diversas. E a amizade com uma brasileira que trabalha como comissária de bordo lhe garante acesso fácil a itens de primeira necessidade de uma típica gaúcha: alfajores, doce de leite e erva mate.

"Dubai é diferente do Brasil, definitivamente. Não me arrependo porque é uma experiência importante. Mas não me vejo morando aqui para sempre. Não conheço ninguém da Europa e da América que ficou aqui mais do que cinco anos."

Apesar de acreditar que sua estada em Dubai é passageira, Jéssica diz que "viveria tudo de novo" e recomenda a experiência a outras pessoas. "O crescimento que tu tem como ser humano, sabe... De saber olhar para outra pessoa e entender. Tu só entende sobre pessoas, sobre cultura, sobre bagagem emocional quanto tu sai do seu país e fica longe dos teus pais", diz ela, que só reviu a mãe em janeiro deste ano, em uma visita dela a Dubai, depois de um ano e quatro meses separadas.

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